MULHER NA PANELA DO REPENTE
Dalinha Catunda
1
Eu gosto de cantoria
Gosto muito de repente
Uma peleja das boas
Me deixa muito contente
Gosto de ver um combate
Aquele bate e rebate
Briga de mente com mente.
2
Sei que não sou repentista
Mas bem que eu queria ser
Pra insultar cantador
Da noite ao amanhecer
Chamar o cabra pra briga
Fazer a maior intriga
E os aplausos receber.
3
Já cheguei até sonhar
Com cantador enxerido
Que comigo pelejava
Dum jeito bem atrevido
Eu respondia a altura
Com meu jogo de cintura
Num embate divertido.
4
O sonho que tive um dia
Parecia verdadeiro
A peleja acontecia
No meio do meu terreiro
Eu nunca vi tanta gente
Querendo ver um repente.
Eu prontinha pro salseiro.
5
Em cima dum tamborete
Foi colocada a bandeja
O povo bem animado
Só aguardando a peleja
Foi quando um cabra gritou:
_A peleja começou!
Dando um gole na cerveja.
6
Um friozinho na barriga
Eu senti na ocasião
Sentindo a testa suada
Eu logo passei a mão
Mas como trato é trato
Pra não romper o contrato
Eu criei disposição.
7
A coisa começou morna
Até com certo respeito
Ele mandava um verso
Eu respondia com jeito
Mas se é pra desafiar
O bom mesmo é pelejar
Fiz valer o meu direito.
8
A sua toada é fraca
Honorável cidadão
Taque a mão nesta viola
Solte a voz com precisão
Ou então faça o favor
Se não é bom cantador
Troque já de profissão
9
Conheço bom violeiro
Pelo toque da viola
Conheço bom cantador
Pelo que tem na cachola
Com este canto sem graça
Vá cantar em outra praça
Ou vá mendigar esmola.
10
Ele logo respondeu
Com quatro pedras na mão
Querendo ser o maior
Naquela competição
Porém não morri à míngua
Fui soltando minha língua
Do medo perdi noção.
11
Para meu contentamento
No auge da cantoria
Eu calava o cantador
Que resmungando dizia
Preciso me concentrar
Esta mulher encarar
Para evitar ironia.
12
Eu vendo o cabra nervoso
Resolvi aproveitar
E dizer umas gracinhas
Para o público agradar
Sem gostar da brincadeira
Levantou-se da cadeira
Começou a me xingar.
13
Vi a briga ficar feia
E lasquei um palavrão
Ele me chamou de quenga
Aumentando a confusão
Porém no meu replicado
Chamei de corno e viado
Enfezando o cidadão
14
Eu pensei em recuar
Para amenizar a luta
Porém ele enraivecido
Chamou-me filha da puta
Até pensei numa trégua
Mas com o filho da égua
Continuei a disputa.
15
O povo todo gostando
Daquela esculhambação
E o filho de rapariga
Eu chamei de cafetão
Cheia de petulância
Abusei da ignorância
Quase levo um safanão.
16
Peguei com gosto a viola
Temperei o meu gogó
E do meu opositor
Confesso não tive dó
Estava mesmo inspirada
Com língua bem afiada
Ferina como ela só.
17
Quando eu me preparava
Pra mais um atrevimento
Vi a rede balançar
E quase que me arrebento
Taquei o rabo no chão
Acordei de supetão
Me esparramei no cimento.
18
Acordei contrariada,
Bem Triste e desiludida
Pois parecia verdade
Minha aventura vivida
Sonhei sendo repentista
Reconhecida e bem-quista
Pelo povão aplaudida.
20
Eu logo me recompus
Num instante me refiz
Sonhar não é proibido
E no sonho fui feliz
Mas faço melhor papel
Escrevendo meu cordel
É o que meu bom senso diz.
21
Por eu ser só poetisa,
Respeito muito repente,
Porque sei que nesta área
Tem gente bem competente,
Mas se alguém desafiar
Pego o mote até glosar
Do meu jeito Irreverente.
22
Já que não sou repentista
Mas gosto da cantoria.
Quero, portanto exaltar,
Quem bem canta e contagia,
São mulheres repentistas
As verdadeiras artistas
Que propagam alegria.
23
Meu respeito, meu carinho,
E minha admiração
As mulheres dedicadas
Em constante evolução
As valentes cantadeiras
Que vencendo as barreiras
Se sagram na profissão.
24
Eu louvo Vovó Pangula
Que deixou bonita história
A rainha do repente
Duma carreira notória
Repentista sertaneja
Na poesia e na peleja
Teve seus dias de Glória
25
Salve Maria Tebana,
Zefinha do Chabocão.
Salve Chiquinha Barroso,
Cantou com Preto Limão.
Salve Toinha Araújo
Pois falar dela não fujo
Par de Luzia Falcão.
26
É Mocinha de Passira
Repentista de verdade.
E salve Neuma da Silva,
E Maria Soledade.
Salve também Minervina,
Salve a mulher nordestina
As divas da oralidade.
27
Exalto Luzia Dias
E Lucas Evangelista
Os dois que pelejam juntos
Fazem bonito na pista
E não é um par qualquer
Por ser homem e mulher
Coisa que pouco se avista.
28
E louvo Zefinha Anselmo
Filha de Anselmo Vieira
Cantou mais do que cigarra
Era mulher estradeira
Herdou do pai o repente
E cantava prontamente
A competente herdeira.
29
Saúdo quem cantou ontem,
E quem canta no presente,
Encarando a cantoria
Sem se esquivar do batente
Louvada seja a mulher
Que meteu sua colher
Na panela do repente.
30
A mulher que é repentista,
E repassa a tradição,
Pra cultura popular
Dá sua contribuição,
Pois reaviva a memória
No construir da história
A cada apresentação.
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Cordel de Dalinha Catunda
Capa de Maércio Lopes