Eu, viajando outro dia
lá pras bandas de Agrestina
num posto de combustível
deparei com uma menina
que, se eu bem não me engano
tinha dez ou onze anos
corpo pequeno e franzino
pareceu meio perdida
aquele taco de vida
sem eira, beira ou destino.
Se dirigindo pra mim
falou que estava com fome
me pedindo uma ajuda
eu falei pra ela: – tome!
Lhe entreguei algum trocado
e um pouco desconfiado
perguntei se estava só,
a sua mãe onde estava
se ela ali esperava
o pai, a tia ou a avó!
Ela deu um riso choco
e disse sem muito drama
que devido ao sufoco
vivia a fazer programa
que ali por qualquer dinheiro
deixava o caminhoneiro
fazer dela uma mulher
e se ele oferecesse
algo que ela comesse
lhe fazia o que quiser.
Fiquei meio estarrecido
ouvindo a pobre menina
falar feito gente grande
sendo assim tão pequenina,
então perguntei pra ela,
qual seu nome? Gabriela,
ela disse bem feliz
me deu um singelo abraço
e eu notei que em seu braço
tinha uma cicatriz.
– Quem lhe causou este dano?
Lhe perguntei assustado.
– Foi meu pai, um certo dia,
quando estava embriagado.
Deu de garra da peixeira
tentado fazer besteira
e eu, de pronto recusei
ele sem muito embaraço
rodou a faca em meu braço
me espancou e eu desmaiei.
Algumas horas mais tarde
envolta em sangue acordei
meu pai, caneiro e covarde
ali não mais avistei
olhando ao meu redor
notei que não estava só
vi minha mãe soluçando
com meu irmãozinho no braço
um outro lá no terraço
e um no bucho esperando…
Minha mãe muito sofrida
se entregou à bebedeira
velha, magra e carcumida
vivia na gafieira
meu pai, cortador de cana
quando recebia a grana
ia tomar de cachaça
eu, sem comida ou escola
vivia pedindo esmola
na avenida ou na praça.
Meus dois irmãos pequeninos
iam comigo também
três crianças, três destinos
sem apoio de ninguém
limpando os vidros dos carros
levamos gritos e esparros
de motoristas cruéis
eu, pedia em minhas preces
que Deus um dia fizesse
uma inversão de papéis.
Faminta e maltrapilha
cheguei nesse posto um dia
estava desfigurada
pois há muito não comia
aproximou-se um bacana
e me mostrando a grana
que levava a tiracolo
me levou pro caminhão
e sem muita enganação
me colocou no seu colo.
No momento eu não gostei
lembrei do meu genitor
pois recebia carícias
sem um pingo de amor
o homem, um velho gorducho
esfregava em mim seu bucho
e os meus seios beijava
senti um nó na garganta
mas a fome era tanta
que eu fingia que gostava.
Quando o velho terminou
me lambuzando DAQUILO
puxou a nota do bolso
e me entregou bem tranquilo
apenas cinco reais
não foi nem menos nem mais
a paga pelo que eu fiz,
lembrando a fome que eu tinha
me deu arroz com galinha
e eu fiquei até feliz.
Depois do fato ocorrido
me senti com depressão
mas uma outra menina
me deu cana com limão
e disse, com ironia
você se acostuma um dia
ou se saia se puder
se tu não achar um rumo
daqui um mês eu te arrumo
um emprego num cabaré…
Lá tu vai ficar famosa
sendo nova no pedaço
porque das moças antigas
de lá, só tem o cangaço
a vida de rapariga
lhe dá cansaço e fadiga
e deixa o corpo em frangalho
mas se não tem opção
lhe garanto a refeição
um teto e um agasalho.
Fiquei na casa de Lia
no fim da rua da lama
passo o dia aqui no posto
de noite, lá, ganho fama
pois sou nova na orgia
e os fãs da pedofilia
gostam de me ver pelada
se sinto eles me beijando
finjo que estou gostando
mas ali não sinto nada.
Abandonei a escola
porque não tinha merenda
a professora faltava
pois se queixava da renda
pra aprender ler e escrever
eu tinha que percorrer
dois quilômetros e meio
arrastando meu irmão
que tinha desnutrição
– Pense, no meu aperreio?
Saía de casa virgem
de um gole de café
às vezes comia uma fruta
quando caia do pé
quando na aula chegava
que a professora faltava
ficava lá de bobeira
sem merenda e sem lazer
não tendo o que fazer
pegava a fazer besteira.
Ia pra feira, no centro
pedir esmola ou roubar
ficando até irritada
se alguém não quisesse dar
me acostumei nessa vida
vendo a educação perdida
sem futuro e sem escola
passei a viver na rua
vivendo ao sabor da lua
aprendi a cheirar cola.
Meu irmão, menor que eu
tendo a mente meio fraca
de olho nuns pirulitos
que tinha numa barraca
de pedir não teve jeito
resolveu meter o peito
pegando alguns escondido
o dono, vendo a malícia
mandou chamar a polícia
e ele foi apreendido.
Como ele era menor
foi levado pra FEBEM
lá apanhou de dar dó,
foi estuprado também.
e seus próprios companheiros
malvados e traiçoeiros
menores enlouquecidos
em cada surra que o davam
sem querer ali talhavam
no meu irmão, um bandido.
Quando meu irmão saiu
daquela casa de horrores
me contou seu sofrimento,
os seus traumas, suas dores.
demente e contrariado
foi morar com um viado
que na prisão conheceu
e pra pagar a guarida
hoje está na mesma vida:
faz programa que nem eu!
Seu moço, minha vontade
era poder estudar
aprender algum ofício
ter dinheiro, trabalhar
casar, ter minha família
e educar minha filha
mostrando o valor da luta
dar tudo que ela precisa
suando a minha camisa
pra ela nunca ser puta.
E se arranjasse um marido
alguém que enfim, me quiser
eu ia mostrar pra ele
o valor de uma mulher.
Pra mamãe muitos carinhos
eu dava e meus irmãozinhos
de existência sofrida
na escola particular
eles irão estudar
quando eu sair dessa vida.
Ao ouvir aquilo tudo
fiquei um tanto chocado
resolvi não ficar mudo
e ousei mandar o recado
pra que a criança leia
e a mãe não fique alheia
e lute sempre por ela
pra que ela nunca queira
pensar, nem por brincadeira
em ser uma Gabriela.
E faço um apelo aos governos
que olhem nossas crianças,
a delinquência infantil
é a pior das heranças.
a falta de educação
é da prostituição
o principal descaminho
o jovem sem assistência
não tem força ou competência
para caminhar sozinho.