Na capital de Lisboa,
havia uma união
de quatro donzelas órfãs,
sem pai sem mãe irmão,
servindo a moça mais velha
como mãe de criação.
Vitalina era a mais velha
e muito religiosa,
viviam de costuras
numa vida trabalhosa:
Isabel Francisca e Maria,
cada qual mais virtuosa.
Vitalina adoeceu;
vendo que não escapava,
chamou logo as três mocinhas
que em seu poder criava,
para lhes dar um conselho
que tanto necessitava.
Disse ela: minhas filhas
vocês vivam sem questão
satisfeitas com a sorte
trabalhando pelo pão;
nada tendo peçam esmola,
mais não deixe esta união.
No outro dia Vitalina
estava no necrotério,
mas levou palma e capela
para o chão do cemitério,
no símbolo da virgindade
de moça de critério.
As moças ficaram sós
por casa do acabamento,
ninguém lhes dava costuras
para ganharem o sustento;
começaram a passar fome
com pena e sofrimento.
Quando as moças não tinham
mais nada para vender,
eram três moças donzelas
que não tinham o que comer,
sem lamentarem a sorte,
jejuavam sem querer.
Lutando assim pela vida
com tanta dificuldade,
perseguida pelos homens
mas guardando a virgindade,
quem sofre com paciência
Deus manda felicidade.
A fome já era tanta
que as moças padeciam,
que botavam sal na água
por alimento bebiam,
e os homens sem caridade
a elas não protegiam.
Maria, uma das moças,
disse ainda não é assim,
se hei de morrer de fome,
aqui mesmo levar fim,
vou procurar pelo mundo,
quem tome conta de mim.
As outras duas pediram:
maninha, não vá embora,
vamos esperar mais tempo,
ninguém sai daqui agora,
ate chegar o socorro
de Deus ou nossa Senhora.
Maria disse: Manas,
eu já estou resolvida,
vou ver se encontro um homem
que me dê roupa e comida;
hoje à noite eu vou embora,
que não sou esmorecida.
Maria arrumou a roupa
e deixou anoitecer,
o pedido das irmãs
em nada quis atender;
se despediu com a noite
dizendo: vou me vender.
A noite está muita escura,
porém, a moça seguia
no oitão de uma igreja,
um vulto lhe aparecia;
o vulto era um padre,
pegou na mão de Maria
O padre disse: filhinha
esta hora, aonde vais?
O que é que tu procuras,
que daqui não passas mais,
volta que tuas irmãs
ficaram chorando atrás.
Padre, porque sou pobre,
uma orfã desvalida,
abandonei minhas irmãs
para salvar minha vida;
eu vou procurar um homem
que me dê roupa e comida.
Porquanto a minha pobreza,
faz vergonha eu lhe contar,
todo dia em nossa casa
não tem que se almoçar;
há tempo que eu não janto,
eu vou dormir sem cear.
O padre disse: filhinha,
tu precisas de caridade,
então me diz se conheces
na alta sociedade,
qual e o homem solteiro
mais rico desta cidade.
Tem o coronel Paulino
que é um moço solteiro,
negociante na praça,
capitalista e banqueiro;
o governo deve a ele
grande soma de dinheiro.
O Padre tirou um lápis,
num papel pôs-se a escrever,
dirigindo um bilhetinho
de acordo o seu saber,
para o coronel Paulino
esta questão resolver.
O padre disse: filhinha,
volta e vai descansar,
por hoje lhe passa a fome,
não precisa mais cear,
porque a sua pobreza
agora vai se acabar.
Quando o dia amanhecer,
vá o bilhete entregar
ao coronel Paulino,
a quem eu mando levar;
espera pela resposta
que ele tem que te dar.
Maria voltou a casa,
conforme o padre dizia;
as Irmãs abriram a porta,
disseram entra Maria;
se abraçaram todas três
chorando de alegria.
Quando o dia amanheceu,
Maria, no mesmo tino,
foi levar o bilhetinho
ao coronel Paulino,
para saber da resposta,
qual será o seu destino.
No armazém do Paulino,
estavam negociando
uma secção dos mais ricos
sobre negócio tratado,
e viram aquela mocinha
que vinha se aproximando.
Os homens se combinavam,
cada qual o mais ladino;
Maria interrogou-os,
com seu termo feminino,
quem é aqui dos senhores
o grande coronel Paulino?
O coronel levantou-se,
chegou se para Maria
disse: sou eu seu criado,
enquanto a moça dizia:
trago este bilhetinho
para vossa senhoria.
O bilhete lhe explicava,
honradíssimo coronel,
dê a esta mocinha
o valor deste papel,
porém, pese-o na balança,
até chegar no fiel.
O coronel inda riu-se,
dizendo ora muito bem,
isto não é precisão
que se ocupa ninguém,
o peso deste papel
só pesa igual um vintém.
O coronel pegou o bilhete,
pôs na balança um tostão,
mas foi botando dinheiro
como quem pega algodão,
a concha do bilhetinho
só pesava para o chão.
O coronel botou todo
o ouro que possuía,
botou o dinheiro de papel
que a balança não cabia,
a concha do bilhetinho
mais pesada não subia.
Ele arredou o dinheiro,
e passou-se com o papel,
a concha do bilhetinho
subiu e mostrou o fiel,
era a honra da donzela
que valia o coronel.
O coronel disse: moça,
você é misteriosa,
qual é a sua oração
na vida religiosa?
Este bilhete foi feito
por uma mão poderosa.
Coronel, a minha mãe
de criação me ensinava
S. Antonio é meu padrinho,
e a ele me entregava,
eu tomava bênção ao santo,
a noite quando rezava.
Então a senhora diga-me
quem fez este bilhetinho,
se foi feito em casa
pela mão de algum vizinho,
ou então se é milagre
que nasceu de seu padrinho.
Coronel, eu esta noite
de casa não havia saído
no oitão de uma igreja,
um padre desconhecido
mandou-lhe este bilhetinho,
conforme vem dirigido
O coronel baixou vista,
e disse quando pensou:
então, o bilhete foi
Santo Antonio quem mandou
pra senhora casar comigo
como o santo me contou.
A senhora, uma mocinha
que vive em pobreza,
mas sua honra pesou
mais que a minha riqueza,
no dia que nós casarmos
somos iguais por natureza.
Desde aí o coronel
tomou conta de Maria,
convidou os seus amigos,
casou-se no outro dia,
mandou ver as duas órfãs
para sua companhia.