Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel segunda, 26 de abril de 2021

O VOO DA PATATIVA, CORDEL DE DIDEUS SALES

 

 


 

PATATIVA DO ASSARÉ NÃO ERA ANALFABETO

Há alguns posts passados, mencionei aqui que o poeta Arievaldo Viana teria dito em entrevista que Patativa não era analfabeto. Hoje, trago trecho do livro CORDÉIS, de Patativa do Assaré, o qual é iniciado com um texto de Luiz Tavares Júnior – professor do Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Ceará – no qual o autor confirma essa afirmação de Arievaldo:

“Embora sua instrução formal tenha sido muito diminuta, seu contato com os livros foi constante e permanente, tendo convivido intensamente com a poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e a prosa de Coelho Neto, como afirma Luzanira Rego, a partir de uma visita à casa do poeta, ao se deparar com os livros desses escritores; e Rosemberg Cariry vai um pouco mais além, ao enunciar: ‘Patativa é homem que sabe ler, de muitas leituras e informações sobre o que acontece no mundo (...). Basta dizer que, mesmo quando Patativa era violeiro e encantava os sertões com o som de sua viola e a beleza de seus versos de repente, já estudava o tratado de versificação de Guimarães Passos e Olavo Bilac e lia Os Lusíadas’. Em face dessas afirmações e, se acrescentarmos que, de fato, estamos diante de uma pessoa de inteligência invulgar e espantosa memória, como sempre afirmam seus biógrafos, haveremos facilmente de compreender a grandiosidade de seu engenho e arte no manejo do verso e na criação de sua poesia, atestado por quantos se aproximam de sua obra, aqui, no Brasil, como no estrangeiro”.

Percebe-se, portanto, que Patativa agia deliberadamente quando escrevia na forma matuta presente em Aos Poetas Clássicos:

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

O fato é que Patativa foi realmente um fenômeno, desses que aparecem a cada século, quando muito. Basta fazer uma pesquisa com o nome “Patativa do Assaré” no Google para ver a imensa quantidade de páginas que se dedicam a ele. Eu, aliás, fiz isso hoje, e achei coisas interessantíssimas, como, por exemplo, o estudo “Relações entre Estética, Hermenêutica, Religião e Arte”, de Cristiane Moreira Cobra.
 
Também encontrei o divertido poema da Prefeitura sem Prefeito:

PREFEITURA SEM PREFEITO
 
Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.
 
Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

A sua morte, em 08 de julho de 2002, deixou órfãos todos os poetas populares do Brasil. O poeta cearense Dideus Sales, em seu livro Veredas de Sol, retrata bem esse sentimento, no poema:

O VÔO DO PATATIVA

O sertão está de luto,
Sem sinfonia a aurora,
Pois a ave que cantava
O povo, a fauna e a flora
Sem sequer nos dar adeus
Alçou vôo e foi embora.

Calejado pelos anos,
Com noventa e três de idade
Mas com plena lucidez,
Muita sensibilidade.
Sua ausência nos cobriu
Com o véu frio da saudade.

Deu voz a uma lçegião
De rurícolas sem clareza;
Até falando em desgraça,
Seu canto tinha beleza
Porque recebeu as aulas
Do Mestre da natureza.

Sua poesia jorrou
Na viola e no repente,
Cantou saudade e tristeza
Miséria, seca e enchente.
Sua obra o transformou
Num símbolo da nossa gente.

Puro e simples como a flor,
Um gênio da raça humana,
Viveu como lavrador,
Morando numa choupana
Plantando e colhendo versos
Lá na terra de Santana.

Mesmo sem ter estudado
Não se fez ignorante,
Nutria um amor telúrico
Por seu torrão escaldante
Onde fez Triste Partida
A saga do retirante.

Sempre lutou para o povo
Não ser massa de manobra,
Teve humildade em excesso
Teve inspiração de sobra.
Não há quem saiba estimar
O valor de sua obra.

Mais que um poeta-maior
Um vate fenomenal,
Poesia genuína,
Improviso natural
Fazia das rimas arma
Na defesa social.

Cantou nossa gente simples
Do sertão com maestria;
Defendendo as injustiças,
Protestando a covardia,
Sua arma era o verso,
Munição, a poesia.

Guardo viva a sua imagem
Fazendo versos com esmero,
Glosando com muita prática,
Rimando sem exagero
Que da poética matuta
Só ele tinha o tempero.

Sua mensagem profética
Encheu o sertão de amor,
Sua genialidade
Trouxe a lume o seu valor,
O sertão chora a saudade
Do seu eterno cantor.

Voa, Patativa, voa
Para o céu de Jeová.
Vou ficando por aqui
Poetizando o Ceará.
Você no céu, eu na terra,
Cante lá que eu canto cá.

 


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