Foi um momento de luz,
De muita iluminação,
O que aconteceu comigo
Numa certa ocasião,
Quando o dia terminava
E eu sozinho viajava
Pela estrada no sertão.
Estacionei na estrada
Para trocar um pneu
Que furou quando o meu carro
Em um buraco bateu,
Mas, logo que estacionei,
E as ferramentas peguei,
Algo estranho aconteceu.
Eu olhei à minha volta,
Para ver se via alguém.
Mas, naquele lugar ermo,
Não apareceu ninguém.
Só algumas avoantes
Sobrevoaram, rasantes,
E pousaram mais além.
Mas na hora em que olhei
Para onde o bando pousou
Algo na minha visão
De repente se alterou,
Pois vi cada passarinho
Tão de perto, tão pertinho,
Que isso até me assustou.
Foi como se em cada olho
Uma lente de aumento
Houvesse sido instalada
Naquele exato momento.
E tudo o que eu olhava
Depressa se aproximava
Num estranho movimento.
Como um “zoom” de filmadora
Minha vista funcionava
Aumentando qualquer coisa
Que minha vista alcançava.
Bastava eu me concentrar
Em algum ponto e olhar
E tudo se aproximava.
Estranhei aquilo tudo,
E era mesmo intrigante,
Pois olhei fixamente
Para uma avoante,
E, naquele campo aberto,
Vi a ave tão de perto
Que parecia um gigante.
E, à medida que a ave
Parecia estar crescendo,
Cada mínimo detalhe
Ia logo aparecendo.
De um olho vi a retina,
No bico, cada narina,
Tudo isso eu ia vendo.
Eu continuei olhando
E foi como atravessar
Entre as penas do seu peito
Até a pele alcançar.
Ao chegar à epiderme
Vi um parasita, um verme,
De sangue a se alimentar.
Vendo aquele parasita
Satisfazer sua fome
Pensei: “Meu Deus, neste mundo
Todo corpo se consome,
Um bicho come outro bicho,
Não existe sobra ou lixo,
Tudo se bebe ou se come”.
E, de fato, enquanto o verme
Faminto se alimentava,
Outro verme ali surgiu
E agora o atacava.
Houve uma luta entre os dois
E, alguns segundos depois,
Um ao outro devorava.
Foi então que percebi
Que outros bichos semelhantes
Habitavam entre as penas
Das pequenas avoantes,
Chegando mesmo a formar
Uma cadeia alimentar,
E das mais impressionantes.
Eu, então, naquele instante,
Olhei a areia, no chão,
E vi, que daquela areia,
Enxergava cada grão
E, entre os grãos, seres vivos
Movimentando-se ativos,
Eram vida em profusão.
Nessa hora refleti
Sobre o mundo em que vivemos:
“Com tanta vida na Terra,
Muito mais do que nós vemos,
A Terra bem pode ser
Um ser vivo a nos manter
E nós nunca percebemos”.
“Talvez o chão seja a pele
Deste ser que nos sustenta,
Que fornece as substâncias
Que a todos alimenta,
E nós, nada percebendo,
Por aqui vamos vivendo,
Nossa sina violenta”.
“Essa sina violenta
Que não nos deixa entender
Que estamos fazendo a Terra
Mais e mais adoecer.
A consequência evidente:
Se o planeta está doente,
Todos vamos padecer”.
Enquanto eu pensava nisso,
Minha vista escureceu,
Me senti um pouco tonto,
Não sei o que aconteceu.
Ao recobrar o sentido,
Vi que tinha anoitecido,
A noite agora era um breu.
Só então em me lembrei
Que ainda tinha que trocar
O pneu que, horas antes,
Aconteceu de furar.
Com muita pressa troquei
E pra casa retornei
Deixando aquele lugar.
Mas, ainda hoje eu lembro
Do dia em que eu pude ver
Coisas que são pequeninas,
Mas minha vista fez crescer.
Porém, mais que enxergar,
O que eu vi me fez pensar,
E aquela ocasião,
Para mim foi um momento
De luz, de esclarecimento,
De muita iluminação.