O CASO DO FURTO DAS GALINHAS
Estava fazendo minha costumeira leitura do blog Jornal da Besta Fubana, no qual tenho uma coluna literária intitulada “Contos, Crônicas e Cordéis”, quando me deparei com um pedido de relaxamento de prisão que o advogado VICENTE ALENCAR RIBEIRO dizia ter ajuizado na Comarca de Bonito de Santa Fé, na Paraíba.
Uma beleza de peça, rimada e metrificada em quadras de sete sílabas, narrando com precisão o caso do indivíduo conhecido pela alcunha de “Nego Nona”, que teria roubado dois frangos (ou duas galinhas, isto não está muito claro) do quintal da avó, mas terminou preso em flagrante.
Vendo aquela peça toda em versos, desejei ser juiz de Bonito de Santa Fé, só para poder decidir na mesma toada.
Mas, o que não acontece no mundo real pode acontecer livremente no campo da imaginação, então a sequência de petição, decisão e nova petição ficou assim:
PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃO
Vicente Alencar Ribeiro
Excelentíssima Senhora,
Julgadora de Direito,
Desta exaltada Comarca,
Que tenho grande respeito.
Protocolo este meu pleito,
Por entender relevante,
Um pedido de soltura,
Pra relaxar um flagrante.
Em nome do assistido,
De alcunha “Nego Nona”
Por se encontrar recolhido,
O meu afã vem à tona.
Ontem dia vinte cinco,
Veio à comunicação,
Que o meu ora assistido,
Fora levado á prisão.
Segundo diz a polícia,
Foi no dia vinte cinco,
De setembro deste ano,
Digo a verdade não minto.
Que “Nego Nona” furtou,
Dois frangos de sua avó,
Não tinha ninguém com ele,
Confessa que estava só.
Mas no caso existem dúvidas.
Se o crime aconteceu,
Pois em interrogatório,
Diz que sua avó lhe deu.
E ainda mais Excelência,
A res furtiva voltou,
Para as mãos de sua dona,
Pois “nego Nona” entregou.
De mérito vamos supor,
Se o furto for verdadeiro,
“Nego Nona” não vai ser,
O último nem o primeiro.
É coisa de pouca monta,
Subtrair duas galinhas,
Sem olvidar de lembrar,
A fome que ele tinha.
É o próprio crime famélico,
Alguém furtar pra comer,
Com necessidade urgente,
Podemos depreender.
É uma ação relevante,
Não vou dizer seja bela,
Furtar para saciar-se,
Res furtiva, bagatela.
Será que vai compensar,
Manter injusta prisão?
Quero ouvir o Promotor,
Conheço o seu coração.
É um homem reto e puro,
De alto conhecimento,
E sei que vai entender,
De “Nego Nona” o tormento.
De ficar dentro do cárcere,
Por furtar duas galinhas,
Que nem chegou a comê-las,
Pois devolveu à vozinha.
Admoesto que a vítima,
Quer que solte o seu netinho,
Ele é sua companhia,
Tem-lhe amor e carinho.
O acusado está preso,
E a pobre vítima em vigília,
Pois que o seu neto é,
O esteio da família.
Diligente Magistrada,
A quem a justiça exalta,
Que só promove o direito,
Bom senso nunca lhe falta.
Empós manifestação,
Do dono da ação penal,
Liberdade dê ao “Nona”,
Pois o pedido é legal.
Tenho certeza Excelência,
Que o meu clamor vai ouvir,
Devolvendo a “Nnego Nona”,
O direito de ir e vir.
É somente o que requesto,
Com afinco e com lisura,
Mande soltar “Nego Nona”,
Dê-lhe o alvará de soltura.
Ex positis pra encerrar,
Depois desse meu lamento,
Nada mais tenho a pedir,
Senão só deferimento.
Espero com ansiedade,
Submerso em alegria,
Vicente Alencar Ribeiro,
Membro da Defensoria.
Bonito de Santa Fé,
De setembro vinte seis,
Do ano dois mil e treze,
Hoje a justiça se fez.
DECISÃO
Marcos Mairton
Vicente Alencar Ribeiro
Protocolou petição
Por meio da qual requer
Que se relaxe a prisão
De um rapaz preso em flagrante,
Que, Vicente me garante,
Não merece punição.
“Nego Nona” é a alcunha
Pela qual é conhecido,
E da sua avó teria
Dois frangos subtraído
Mas a polícia o pegou,
Em uma cela o trancou
E lá está recolhido.
Mas, alega o defensor,
Que furto não ocorreu,
Pois, segundo “Nona”, os frangos
Foi sua avó quem lhe deu.
Mas, houve esse quiproquó
E os tais frangos da avó
Ele até já devolveu.
Dessa forma bem sucinta
Eis o caso relatado.
Passo então a apreciar
O pedido formulado,
Pelo ilustre defensor
Para o suposto infrator
De pronto ser libertado.
Preliminarmente, informo
Que dispenso o parecer
Do promotor de Justiça
Para a causa resolver,
Porque já neste momento
Firmei meu convencimento
Conforme passo a dizer.
Nesse sentido, advirto:
Não me sensibilizou
A versão de que os frangos
Da avó “Nona” ganhou.
Parece mais com desculpa,
Para encobrir sua culpa
Quando a polícia o flagrou.
Ao que parece, a avó,
O seu neto perdoou,
Já que em favor de “Nona”
Também se manifestou,
Entretanto, essa versão,
Da suposta doação,
Ela jamais confirmou.
Se houvesse acontecido,
A alegada doação,
A avó confirmaria
Certamente essa versão,
E talvez nem aceitasse
Quando o neto lhe falasse
Em fazer devolução.
Parto, assim, do pressuposto
Que o dito furto ocorreu.
E que, só depois de preso,
O “Nona” se arrependeu,
E então, cada galinha,
Que furtara da avozinha
Bem depressa devolveu.
Nessa linha, eu acredito
Que a questão fundamental
É mesmo saber se o “Nona”,
Pelo seu ato imoral,
Deve vir a ser punido,
Condenado, reprimido
Pelo Direito Penal.
Diz a defesa que o furto
Não deixou grande seqüela.
Só prejudicou a avó
Ou, na verdade, nem ela.
Nisso o defensor se apega
Quando em seu pedido alega
O crime de bagatela.
E parece que a defesa
Nesse ponto tem razão.
Pois o valor das galinhas
Teria mais projeção
Se as criaturas aladas
Já fossem consideradas
Animais de estimação.
Mas, no caso, ao que parece,
Eram galinhas normais,
Que viviam no quintal,
Junto aos outros animais,
Para um dia, na panela,
Cozidas “à cabidela”
Servirem aos comensais.
E a dona dessas galinhas,
Em sua avançada idade,
Disse que “Nona” a ajuda
Com muito boa vontade.
E se pudesse escolher
Queria mesmo era ver
O seu neto em liberdade.
Por isso, penso que, embora
Na esfera da moral,
A conduta desse “Nona”
Cause repulsa total,
Não existe fundamento
Para se dar seguimento
A uma ação criminal.
Ainda mais no Brasil,
Onde tem tanto ladrão
Que navega livremente
No mar da corrupção,
Parece coisa mesquinha
Manter ladrão de galinha
Trancado em uma prisão.
E já tem tanto processo
No Poder Judiciário,
Anda tão abarrotado
O sistema carcerário,
Será que compensaria
Gastar nossa energia
Com esse crime aviário?
Melhor acabarmos logo
Com esse co-ro-co-có,
Libertando o “Nego Nona”
E alegrando a sua avó,
Que sofreu forte emoção
Ao ver o neto ladrão
Recolhido ao xilindró.
Já que o fato em julgamento
Teve pouca gravidade,
Vamos dar ao “Nego Nona”
Nova oportunidade
De agir, daqui pra frente,
Como um cidadão decente
Sendo posto em liberdade.
Fundado nessas razões,
Decreto o relaxamento,
Do flagrante efetuado
Pelo policiamento
No Alvará de Soltura
Vai a minha assinatura,
E a ordem de cumprimento.
Publique-se a decisão,
E expeça-se mandado.
Intime-se o defensor
E também o delegado,
Depois, vista ao promotor
Que, nada tendo a opor,
Seja o processo arquivado.
PETIÇÃO
Vicente Alencar Ribeiro
Meu preclaro julgador,
Muito ínclito magistrado,
O seu ato de Justiça,
De passagem bem rimado,
Foi sem dúvida consciente,
E por demais pertinente,
Deve ser elogiado.
Quero lhe comunicar,
Que depois da decisão,
A avó de Nego Nona
Mandou minha refeição,
Feliz com sua soltura,
Um exemplo de fartura,
De galinha e de pirão.
Assiste muita razão,
Ao nobre julgador,
Liberando Nego Nona,
Reconhece o seu valor,
Prometo à luz da verdade,
Que nessa oportunidade,
Nego Nona se apegou.
Prometeu-me de joelhos,
Nunca mais irá furtar,
Todo domingo ir a missa,
Com afinco trabalhar,
Ser um homem verdadeiro,
E nunca mais no chiqueiro,
Os seus pés irão pisar.
Por último meus parabéns,
Por sua peça tão bela,
Eu sei que Vossa Excelência,
Pela moral sempre vela,
Não estou lhe adulando,
Mas por aí tá chegando,
De uma galinha a titela.