O Alzheimer de Papai em par com os seus oitenta e quatro anos tem lhe tirado os prazeres da vida.
Já não joga futebol, craque de bola que foi; nem desfila pelas ruas do nosso Acary com o seu trombone de vara, ou marcando o compasso na tuba ou, ainda, por último atendendo as ordens médicas estalando os pratos, presente lá atrás na bateria da filarmônica; tampouco grita mais os leilões em benefício da padroeira de sua devoção; não “canta” mais um bingo, esperando entregar a melhor premiação para alguém mais necessitado…
Na verdade Papai tem esquecido o meu nome frequentemente, e aquele prazer de nos sentarmos à calçada para prosearmos sobre o passado tem ficado cada vez mais raro de memórias.
À medida que Papai vai saindo do nosso mundo, eu escolhi ir entrando no dele.
O dele!
Cada vez mais restrito de emoções, e se recheando dos vácuos em suas lembranças.
Puro paradoxo.
Papai vai virando garoto na mesma pressa e proporção que eu vou envelhecendo augurando ser para os meus aquilo que ele sempre foi para mim: um exemplo.
De uma coisa, no entanto, Papai não esquece: do seu “pão italiano” como sempre chamou panetone.
Nas nossas despedidas, quando eu lhe peço a bênção para voltar à capital Natal, tantas vezes ele não lembra o meu nome. Não esquece, porém, de pedir:
– Quando vier de novo, traga meu pão italiano – e completa – o amarelo!
Querendo dizer Bauducco.
Dessa vez eu trouxe o maior dos pães italianos amarelos para ele.
A sua alegria em abrir o pacotão (“ô, pacotão!”), seu sorriso infantil denunciando a felicidade, seu olhar de menino recebendo o presente esperado… Ah! Não tem dinheiro que pague.
E eu fico pensando que não há Alzheimer conseguindo separar o mundo de Papai do meu, ligados que são pelo sangue e por esse prazer que ele chama simplesmente “pão italiano amarelo” e eu sei na verdade se chamar divinamente Panetone Bauducco.
Feliz Natal? Eu tive!
Vivido na alegria de Papai.