Eu moro em Nova Parnamirim. Logo a Avenida Ayrton Senna é o meu melhor corredor.
Do penúltimo sinal para frente, sentido indo para o centro, é revoltante a quantidade de crianças nos sinais.
E cada dia elas estão em maior quantidade e menores no tamanho físico. Algumas de tão pequenas mal se equilibram sobre as pernas; porém, já aprenderam o símbolo universal do mendigar dinheiro: o polegar um pouquinho afastado do indicador.
Revolto-me não contra elas, ou contra seus pais escorados nos troncos de árvores, passivos e impotentes ante a fome, sob a miséria. Coitados! Essa gente é a verdadeira massa esquecida e vítima dos gananciosos e corruptos do nosso país. Dos assassinos e coveiros da esperança alheia.
Revolto-me na verdade contra os governantes nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário.
Tanto municipais, quanto estaduais e federais.
Enquanto brigam pela razão e se acusam entre si para esconderem falhas e responsabilidades de seus governos, fazem vista grossa, desprezam e deixam à própria sorte aqueles por quem arrotam um cuidado mentiroso em seus discursos hipócritas.
“Homo homini lupus” (O homem é o lobo do próprio homem). O dramaturgo romano Plautus (254-184 a.C.) já sabia disso há dois milênios! Thomas Hobbes (1588-1679), em seu clássico Leviatã, repetiu a sábia sentença milênio e meio depois. Nada havia mudado.
De Hobbes para os nossos dias o tempo contou três séculos e meio. E nesse ínterim, entre a pena de Plautus e o smartphone na minha mão, apenas a forma de saquear, escravizar e humilhar a dignidade do semelhante mudou.
E mudou para pior, porque agora é em silêncio.
LICANTROPIA SOCIAL
Enquanto o mundo caminha
De tristeza em tristeza
Eu sinto que a natureza
Do ser humano definha.
A humanidade mesquinha
Por terríveis divisões
Não procura soluções
P’ra fome do povo pobre
E ao mesmo tempo encobre
A ganância dos barões.
Eu encontro corações
Se dizendo preocupados
Com a dor dos desamparados,
Com a fome dos milhões.
Mas, de dentro das mansões
Nada fazem diferente
Eu tenho dó dessa gente
Sendo escrava da avareza
Vivendo a pior pobreza
De um coração prepotente.