Enfim…
Eu digo a vocês: quando todos estivermos amordaçados, será tarde demais para ouvirmos uma gargalhada ou, até, o som de um grito.
A beleza do canto será abafada e, talvez, vejamos todas as flores cinzas.
O alvorecer e o pôr do sol terão cores opacas. Ambos serão vistos por olhos tristes – quiçá esbugalhados – através de um quadrado enferrujado e sem sentido.
O vento não assobiará sobre os telhados. Mas, será calado por trás do mofo de algumas paredes; as dos quartos mal lavados.
O mar se transformará apenas em uma tênue lembrança, e o céu… Ah, o céu! O céu estará ainda mais distante. Tanto quanto o mar. Porque ambos, mar e céu, serão ferramentas inalcançáveis no desejo de fuga e na esperança da oração, sem que adiante sequer a tentativa da reza, ou algum lamento por nossos mortos; pois, as nossas vozes terão se perdido antes, barradas no tecido da mordaça.
E a liberdade sonhada para todos nós – para todos nós – será um benefício apenas para eles. Apenas para eles…
Os mesmos que deram os nós no tecido da mordaça, por trás das nossas nucas, transformando nossos gritos em inaudíveis sussurros cansados das nossas dores e os nossos risos em lágrimas.
As mesmas lágrimas salgando as nossas mordaças.
Mas eles não saberão do que sabemos nós: enquanto há lágrima, há também esperança.
Mesmo com uma mordaça apertada, longe do mar, distante do céu.
E já ninguém cita mais Bertolt Brecht (1898-1956), tampouco seus escritos.
É diante de tantas ações questionáveis ao direito da liberdade de sorrir e de pensar, de sentir e de falar, que eu invoco Brecht em seu poema sobre liberdade.
Ei-lo:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.