Seu Chico do Motor, alto, franzino, galego no bigode e nas sobrancelhas, voz de trovão, sem um cabelo sequer na cabeça; no RG setenta e oito e nas declarações apenas cinquenta e seis já havia vinte e dois anos; pois bem, duas semanas após ficar viúvo, sem filhos, com a aposentadoria dos cuidados com o velho motor recebida religiosamente em dia, deu de ir ao cabaré de Maria Caçamba, em Macaíba, numa segunda-feira depois do almoço, a fim de buscar uma mulher para quinze dias de companhia e favores de alcova.
– Lhe devolvo essa minina no outro domingo – prometeu gesticulando, como se a mão pulasse algo mais alto que ele próprio, após haver entregado um pequeno maço de notas de cinquenta reais amarradas com uma liga amarela.
Trouxe para Tangará uma moreninha atarracada, cabelo ruim cortado curtinho, beiços virados, olhos amiudados, nariz achatado e uma voz meio anasalada. Mas tinha um corpo de fazer inveja a qualquer atriz capa de revista. O nome para concordar com a diferença entre o rosto e a bunda? Raimunda. Por coincidência.
O velho Inácio Bico-de-Pato, vizinho de Seu Chico, amigo de infância e companheiro de farras na juventude, sabendo de onde o companheiro tinha trazido a menina, lhe fez uma visita assim que os dois chegaram e foi logo perguntando, sem o menor constrangimento:
– Chico, num tinha uma mais bunitinha não?
– Ter tinha – respondeu o amigo sem olhar sequer de lado. – Mas, Maria Caçamba disse qu’essa bichinha aí sabe fazer “colherzinha de xarope” como nenhuma outra.
– E o que danado é isso? – perguntou Inácio tirando o chapéu da cabeça para coçar o moleira com as pontas dos dedos rachados.
– E eu lá sei, Inaiço! Se tivesse trazido outra ia morrer sem saber.
Inácio quase não dormiu. A noite toda com o ouvido no fundo de um copo, o copo na parede-e-meia separando a sala de sua casa do quarto de Seu Chico do Motor. Ouviu até uns gemidos e foi só.
– Chico, hômi, me diga logo. O que é o negócio lá do xarope? Que troço é esse?! – perguntou assim que o vizinho puxou o ferrolho abrindo a parte de cima da porta, no outro dia de manhã.
Seu Chico, nu da cintura para cima, alisou os cabelos dos peitos com as duas mãos, e soltou sua voz de trovão:
– Inaiço é uma lambida entre o rêgo do boga e os ingiados dos zôvo, ali onde Nosso Senhor costurou para fechar o corpo de Adão – respondeu com ar solene, queixo para cima. E arrematou provocando inveja: – Hômi, se tiver coisa melhor, eu desconheço. Nem nunca provei nesses cinquenta e seis de vida.
No domingo Dona Anitinha, mulher de Inácio, religiosa, baixinha, gordinha, mulher do lar, branquinha feito uma santa europeia, rosto de bochechas rosadas, possuidora de um pigarro seguido de uma tosse seca desde menina, que aumentava em quantidade de vezes quando ela estava nervosa, reuniu os filhos e avisou solenemente entre pigarros e tosses:
– Estou deixando o pai de vocês – anunciou pigarreando. E emendou antes de se arrepender do discurso – De terça-feira pra cá, esse véi deu de se arreganhar pra mim, querendo que eu lhe lamba do cu pros ovos – tossiu com as costas da mão na boca.
– Painho?! Se explique! – pediu a filha mais velha, boquiaberta, olhos esbugalhados, com ar de quem não acreditava no que acabara de ouvir.
– Ô, minha fia, é só uma “colherzinha de xarope”. Se num curar a tosse de sua mãe, que matar é que num vai.