Final da tarde de ontem, após uma passagem rápida no Sebo Vermelho e um aperto de mão caloroso no meu amigo Abimael, eu procurei um lugar no centro de Natal para merendar.
Partindo da larga avenida Rio Branco, fui entrando e saindo de ruas, vielas e becos, entre gritos de vendedores, pedintes e outras pessoas existentes e fazendo do centro de qualquer capital um ambiente, por si, atraente do ponto de vista humano em suas variedades, dificuldades, lutas, perseveranças e – por que não? – alegrias de viver.
Daí, nessa minha caminhada, fui me ver em uma rua sem trânsito de carros, muito mais um beco aberto que rua propriamente dita, com algumas lanchonetes bem arrumadinhas, limpas e organizadas.
Ante uma delas, a que escolhi e sentei para merendar, essa figura do vídeo acima me despertou a atenção.
Ora! Como eu aprecio o artista!
O artista jovem sem nome e sem sobrenome piscando em grandes painéis. O artista cujo palco é a rua, a praça, um beco! O artista quase invisível, se avistado, olhado e admirado não fosse por passantes. O artista sem espaço na grande mídia e sem direito real ao Real dos incentivos dos governos. O artista digno da real apreciação no Real de moedas e cédulas de pouco valor deixadas em sua “caixa da bondade”. O artista fazendo de sua arte a realidade do seu ganha pão honesto. O artista também, sem a vergonha de se mostrar artista. É a simplicidade desse artista que me enche especialmente os olhos!
Eu fui me aproximando para deixar cair na “caixa da bondade” a minha contribuição.
Depositada lá a quantia muito menor que a minha boa vontade, inquieto que sou, perguntei logo ao artista após lhe desejar boa tarde:
– Qual o seu nome?
– Pedro – ele respondeu quase comendo a minha última palavra.
– Pedro – eu repeti.
E novamente ele engoliu parte da minha voz para se corrigir.
– Pedro não! Beluga!
E rimos juntos apertando as mãos.
– Pedro é o homem. O artista. Beluga o personagem. A criação de Pedro – eu falei.
– Desse jeito – ele assentiu.
Voltei e sentei à mesa enquanto a minha Vigélia lá dentro fazia o pedido da merenda.
Fiquei observando aquele rapaz encantando crianças, rodopiando sobre seus patins, indo numa mesa, noutra, e transmitindo alegria para quem passava, quem estava sentado… Principalmente às crianças por perto.
Até o casal que brigara havia poucos minutos, pela demora da senhora em chegar ao lugar combinado, sorria esquecido das farpas trocadas.
E assim o meu final de tarde foi mais colorido e musical.
Beluga deixou minha alma em paz.
– Beluga, toca Czardas, de Vittorio Monti? – perguntei esperando a minha mulher terminar de merendar.
Pedro arregalou os olhos.
– Um pouco, senhor – ele me respondeu já arrumando novamente o violino, como se dissesse que para Czardas o instrumento deveria estar mais perto do rosto, alinhado ao coração. E completou: – Faz tempo que não toco.
Ajeitou-se todo quando eu perguntei se podia lhe filmar, dando permissão através da linguagem corporal.
Tocou um pouco, e eu gravei a metade.
Depois Pedro me confessaria:
– Estranhei alguém aqui conhecer Czardas pelo nome – e acrescentou: – Grata surpresa.
Nos despedimos com um “boa sorte” gritado por ele, e um “Deus te abençoe” como minha resposta.
Quem quiser ver Beluga introduzindo Czardas, assista ao vídeo abaixo: