Sempre invejei quem na vida teve a figura dos avós.
Eu não tive.
Aliás, tenho o infortúnio de haver nascido treze anos depois da exata data em que minha avó paterna Norinha partiu deixando dez filhos. O mais velho contando quase vinte e três anos, o caçula contando sete meses incompletos.
Daí fui em segredo compartilhado apenas comigo mesmo na hora de dormir, quando rezava em sussuros pelos de minha família, adotando os avós dos amigos mais chegados: Birina e Seu Ciço Muniz avós de Tunéa, D. Perpétua avó dos meninos de D. Miriam, D. Ana avó dos meninos de Dodó; além do casal de vizinhos Baixinho e Toinha, que de fato nos ensinaram, a nós lá de casa, a chamá-los de avô e de avó.
Meu avós maternos morreram bem antes de eu nascer. Vovó Maria Pequena nos meados dos anos cinquenta, vovô Chico Ciano em sessenta e dois.
As únicas lembranças que ainda carrego de um avô de sangue são as lembranças de Vovô Chiquinho. Elas são apenas três. Uma delas eu já lutei para apagá-la.
Eu cheguei na casa do meu tio-avô Zeca Sapateiro, e vovô conversava com sua irmã Mariana. Uma perna estirada e a outra dobrada. Sentava-se “à meia bunda” numa balaustrada.
– Tome a bença do seu avô – ordenou-me a tia-avó.
– Abença vovô?
Ele assanhou meus cabelos sorrindo, abençoou-me e perguntou por papai.
– ‘Tá trabalhando – respondi. E essa lembrança acaba aqui.
A outra memória são apenas de suas calças azuis, para lá e para cá em um dia de festa. Eu sob a mesa do seu café, brincando com meu tio caçula, fruto do segundo casamento, mais velho que eu alguns meses.
A terceira lembrança, triste memória, traz Vovô Chiquinho deitado em seu último leito, não acordando para me dar a benção que eu, inocentemente, lhe pedi segurando o caixão com minhas duas mãos.
Eu tinha apenas três anos e nove meses.