No interior nordestino, antigamente, o dia das eleições era um dia de festas, e muita comida nas casas dos candidatos, para alimentar os eleitores que vinham da zona rural. Era um dia divertido, apesar das brigas de rua, entre eleitores do PSD e UDN, com os “boca de urnas” tentando corromper os inocentes eleitores, que já sabiam em quem iriam votar e traziam as “chapas” para servirem de cola. Mas o perigo era a troca de chapas na boca de urna.
Em Nova – Cruz, cidade do interior do Rio Grande do Norte, se instalava um verdadeiro comitê, onde se trancavam conhecidos advogados venais, verdadeiros “medalhões”, vindos da capital, com a finalidade de fraudar as eleições. Eram títulos de eleitor tomados, chapas trocadas e no fim do dia, urnas adulteradas e “roubadas”. A polícia era obediente aos prefeitos e vereadores, e se limitava a prender cachaceiros, arruaceiros e fanáticos, que se agrediam na defesa de seus candidatos preferidos. Além dos eleitores vivos e ativos, também havia casos em que se flagrava pessoas com título eleitoral de pessoas já mortas, tentando votar.
Era um dia divertido, e a movimentação na cidade era grande. A animação e euforia eram maiores do que as que haviam nas festas de final de ano.
Eram comuns, nessas antigas eleições, o desaparecimento e a troca de urnas eleitorais, para o favorecimento de determinados candidatos. A apuração dos votos era lenta, manual e duvidosa, principalmente nas cidades do interior, como Nova – Cruz (RN), onde nasci e me criei.
Nas antigas eleições norte-rio-grandenses, era comum o desaparecimento de urnas eleitorais, após o encerramento da votação. Havia pessoas inescrupulosas e de “gabarito”, como certos advogados e latifundiários da capital, envolvidas nessas fraudes, mas, numa luta desigual; o que se sabia de verdadeiro, morria ali mesmo. A polícia nada podia fazer, diante da quadrilha de fiscais eleitorais, acobertados até a medula óssea, para pôr em prática as falcatruas planejadas para o dia das eleições.
Bem antes da era cibernética, as falcatruas marcavam a luta dos poderosos contra a pobreza. O que se sabia de fraudes morria ali mesmo. Triste de quem denunciasse. Ficava preso, sem pão e sem água, até que algum cristão se lembrasse de soltá-lo . Os conhecidos advogados e latifundiários do Rio Grande do Norte, responsáveis pela garantia dessas fraudes, eram protegidos pelo podres poderes que nunca deixaram de existir. A lei só punia ppp (preto, pobre e p…). Durante as eleições, só quem mandava na cidade eram os “podres poderes”. Os poderosos seriam capazes de destruir quem se opusesse contra eles e ficava tudo por isso mesmo.
Nessa época, o sistema eleitoral era precário e facilmente manipulável. Os fazendeiros ricos e cabos eleitorais compravam votos abertamente, ou negociavam os votos em troca de bens materiais, como dentaduras, óculos, pares de sapatos, cortes de tecidos, ou alimentos. Os “coronéis” alteravam votos e falsificavam títulos de eleitor, para que os eleitores pudessem votar várias vezes, em diversas seções, até mesmo com títulos de pessoas falecidas.
Um conhecido político e latifundiário de Natal, do PSD, era apontado como o principal mentor de fraudes eleitorais homéricas. Semianalfabeto, o homem era dono de um raciocínio rápido e maquiavélico. Dominava seu reduto eleitoral e seu apoio garantia a vitória de qualquer candidato. Seus adversários o acusavam de fazer fraudes nas votações e nos mapas eleitorais, conseguindo falsificar o resultado das urnas. Esse político tinha prestígio no Estado e também no âmbito federal. Liderava um grupo acostumado a fazer campanha política, eleição e apuração. Na época, não havia institutos de pesquisas, nem marqueteiros.
O medo das fraudes, na época apelidadas de “brejeiras” se espalhava tanto no partido da situação como da oposição.
Diz o folclore norte-rio-grandense, que o nome “brejeira”, caracterizando fraude eleitoral, surgiu numa eleição no município de São José de Campestre (RN). Nessa ocasião, o saudoso Deputado Djalma Marinho fora chamado para orientar o delegado do Partido, numa ocorrência, durante a contagem de votos. Ao subir os batentes da prefeitura, onde se realizava a apuração, o Deputado teria cumprimentado um matuto que se encontrava sentado num dos batentes da entrada da prefeitura, fumando um cigarro de palha (brejeiro ) e lhe teria perguntado:
– O que está acontecendo aqui?
O matuto respondeu:
-Tão dizendo que fizeram “brejeira”, doutor…trocaram as urnas verdadeiras por urnas falsas…
O Deputado Djalma Marinho teria achado graça da expressão dita pelo matuto e passou a chamar fraude eleitoral de “brejeira”. Com o tempo, o nome pegou, e os políticos, por brincadeira, também adotaram a expressão “brejeira” quando se referiam às fraudes eleitorais. muito comuns no Rio Grande do Norte, tanto na capital como no interior.
A expressão nativa “brejeira” agradou ao Deputado Djalma Marinho e ficou sendo usada por ele, por brincadeira, quando se referia às fraudes eleitorais, com substituição de urnas autênticas por urnas com votação falsa. Brejeira, no Rio Grande do Norte passou a ser sinônimo de fraude eleitoral. Logo caiu na boca do povo. e tornou-se uma expressão conhecida . Brejeira, portanto, no folclore político norte-rio-grandense, significa fraude eleitoral.
O medo das brejeiras se espalhava entre as lideranças políticas da capital e do interior, atingindo tanto o partido da situação como da oposição.
Inúmeras fraudes eleitorais foram cometidas no Rio Grande do Norte. Mas o caso mais gritante ocorreu com um candidato a deputado estadual, em Natal, que aguardava com ansiedade a apuração, e constatou que a urna em que ele depositara seu voto não fora apurada. Simplesmente, a urna “sumiu”. Ele não teve nem o seu próprio voto, na seção em que votava.
Desesperado, encheu a cara de cachaça e chorou copiosamente numa mesa de bar, depois da apuração, e sua lamentação causava pena:
– Que o meu sogro e minha sogra não tenham votado em mim, eu desculpo…
– Que meus irmãos e cunhados não tenham votado em mim, eu desculpo…
– Que minha mulher não tenha votado em mim, é duro, mas eu desculpo…
– Mas, EU!!! Eu mesmo não ter votado em mim?!!! Isso eu morro e não aceito nunca!!!
Entretanto, a modernidade e segurança das urnas eletrônicas tornaram impraticáveis as antigas fraudes eleitorais.
Salve o progresso!