Conheci pessoas que se perderam na vida e nunca mais se encontraram. Por causa da “cachaça”. Perderam a família, perderam a saúde e tudo o que tinham conquistado de bom. Essas pessoas, hoje, estão mortas.
A Maldita Cachaça, envolta na máscara “alegria, alegria”, levou-lhes embora, para a terra do “nunca mais”, depois de aniquilar a sua saúde, sua família e todos os seus ideais.
Josélio, dominado pelo álcool, desconhecia pai e mãe, mulher e filhos. Para ele, a família era um monstro marinho, que queria acabar com ele, porque estava dominado pelo alcoolismo.
A cachaça tirou-lhe as boas atitudes, o decoro e a dignidade. Também lhe tirou o respeito que os amigos tinham por ele.
Senão vejamos:
Após um dia de muita bebedeira, boa música e mesa farta, completamente embriagados, os dois amigos Josélio e Chiquinho, na Barra do Cunhaú (Canguaretama), se desentenderam na hora da despedida:
Chiquinho costumava se despedir de Rozana, a dona da casa, com os dois beijinhos costumeiros, nos dois lados do rosto.
Josélio, machista e bruto, detestava isso, mas nunca tinha demonstrado.
Nessa noite, como por obra do diabo, ele explodiu, dirigindo-se a Chiquinho, na hora dos cumprimentos de final de festa:
– Ei, rapaz! Não quero ninguém beijando a minha mulher! Somente eu, posso fazer isso!!!
Chiquinho ficou paralisado, pois não admitia uma grosseria dessa, vinda de um amigo tão querido, “quase irmão”, e depois de um dia tão feliz.
O mundo caiu para Chiquinho, homem sensível, que tocava flauta de olhos fechados e tocava violão sempre emocionado, deixando escapar lágrimas em seus olhos.
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A grosseria de Josélio pegou Chiquinho de surpresa. E o seu “mundo caiu” mesmo, diante da decepção sofrida, na frente de todos. Uma grosseria dessa, logo com ele, que era a delicadeza em pessoa, além de respeitador.
Chiquinho, além de grande amigo de Josélio, era um músico de mão cheia. Exímio “violonista 7 cordas” e flautista, Chiquinho tocava na flauta, praticamente, todo o repertório do exímio flautista Altamiro Carrilho, como também do Mestre do Cavaquinho, Waldir Azevedo, autor dos choros Brasileirinho, Delicado e Pedacinhos do Céu. além de mais de uma centena de outros chorinhos.
Sem acreditar na grosseria que o amigo Josélio lhe havia feito, Chiquinho, praticamente, foi puxado pela esposa, , com o filho pequeno nos braços, e entrou no seu Jeep Willians 51, dirigindo lentamente de volta até sua chácara, que ficava perto.
Chiquinho, ainda perplexo, não acreditava na grosseria que o amigo Josélio lhe havia feito. Há anos, frequentava a casa de Josélio, e nunca o tinha visto fazer uma grosseria com ninguém, principalmente com ele.
Chiquinho saiu em lágrimas, ofendido e humilhado, por aquela atitude baixa e vil de Josélio. Passou a noite assim, e logo ao amanhecer, cuidou de voltar à casa de Josélio, para “passar a limpo” aquele incidente. Queria dizer a Josélio que aquela grosseria que recebera dele, não tinha razão de ser. Jamais teve a intenção de desrespeitar sua esposa. Aqueles dois beijinhos, habituais, nos dois lados do rosto da dona da casa, para ele, eram sinônimo de carinho, como se estivesse cumprimentando uma filha. Josélio voltou a repetir que não gostava que homem nenhum beijasse sua mulher. A ignorância de Josélio extrapolou todos os limites. Chiquinho silenciou e retirou-se.
Esse episódio fez com que a amizade esfriasse e acabaram-se as visitas. A mágoa fou entranhada, congelando uma amizade antiga e sempre respeitosa.
Acabrunhado e com ressaca moral, Josélio não se desculpou ao amigo e ainda repetiu que não gostava que beijassem sua mulher.
Chiquinho se retirou e Josélio não deu um passo para reverter a situação. Para o bom entendedor, meias palavras bastam., diz o ditado popular.
Chiquinho era um grande músico e um amigo adorável. Tocava na flauta, todos os chorinhos de Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo, Pixinguinha, Abel Fereira, Jacob do Bandolin e de outros grandes compositores.
No violão de sete cordas, dava “show”, acompanhando o vozeirão do grande seresteiro, Toinho de Canguaretama, e outros cantores amadores, que se chegavam à sua casa.
Por alguns anos, essa casa de praia foi chamada pelas crianças ,”a casa da música”. O motivo era simples. Sempre tinha um som portátil tocando músicas maravilhosas, quando não era música ao vivo, da melhor qualidade, principalmente nos finais de semana.
O propósito do casal era reunir sempre a família, principalmente nos finais de semana, com boa música, ao vivo ou através do aparelho de som.
Entretanto, o alcoolismo prejudicou a convivência familiar, e fez aparecer o lado doentio que o dono da casa escondia.
Josélio detestava crianças, o que não era normal, e sentia um ciúme tóxico pela mulher, sem nenhuma justificativa ou motivos aparentes.. E por cima de tudo, vivia alcoolizado e procurando inticar por tudo. Queria que somente sua palavra predominasse.
Gostava de dizer:
– “Mulher minha não manda nem no prato de comida que come! Mulher minha, eu trato debaixo dos pés. “
Estéril, odiava crianças, e isso não escondia, levando sempre regulagem dos “amigos”, que aos poucos iam se afastando.
Josélio sentia cheiro de chifre queimado por todos os cantos. Não aceitava as amizades da esposa com ninguém, incluindo os familiares.
O mau-caratismo é sempre camuflado pelo alcoolismo, e este é a desculpa barata para as agressões que tem havido entre casais, levando a fins dolorosos, como o feminicídio.
Prefiro, hoje, dizer que o alcoolismo moderado não é mal. A maldade está nas pessoas que bebem e se aproveitam da bebida, para extravasar suas taras, frustrações e recalques enrustidos, principalmente, se houver desnível social ou financeiro entre o casal.
Para liberar sua maldade e instinto tirânico, sob o efeito do álcool, essas pessoas se igualam aos maiores delinquentes da história.
Josélio, logo passou a conviver com a cirrose hepática, e faleceu aos 58 anos, depois de longo internamento hospitalar.
Voltando ao problema do alcoolismo, já vi muito bêbado que, quanto mais bebe, mais apaixonado pela esposa, é. Mas a “parte que desse latifúndio” coube a Rozana, foi a pior de todas. Quanto mais Josélio bebia, mais detestava a mulher, chamando o tempo todo pela falecida esposa, com quem tinha sido casado durante 17 anos.
Voltando ao Chorinho:
Altamiro Aquino Carrilho , o Áz do chorinho brasileiro, gravou seu primeiro choro em 1949, “Flauteando na Chacrinha” e em 1950 formou seu próprio conjunto na Rádio Guanabara. Em 1958, recebeu o troféu Microfone de Ouro, instituído pela revista Radiolândia. Em 1997, seu disco “Flauta Maravilhosa” recebeu o prêmio Sharp, de melhor álbum instrumental.
Altamiro Aquino Carrilho (Santo Antônio de Pádua, 21 de dezembro de 1924 – Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2012) foi um compositor e flautista brasileiro. Gravou mais de cem discos e compôs cerca de duzentas canções, tendo se apresentado em mais de quarenta países, difundindo o Choro Brasileiro.
Foi o flautista brasileiro, com maior número de gravações registradas na história do disco no Brasil, além de ser considerado por críticos e especialistas da área, como um dos maiores flautistas da história desse instrumento.
Foi considerado pelo flautista francês Jean Pierre Rampal, como o melhor flautista do mundo.
Estreou em disco em 1943, participando da gravação de Moreira da Silva em formato 78 rpm, na Odeon.
Outro Ás do chorinho:
WALDIR AZEVEDO – (27 de janeiro de 1923 – Rio de Janeiro – RN – 20 de setembro de 1980 – São Paulo-SP)
Músico e compositor brasileiro, mestre do cavaquinho e autor dos famosos choros “Brasileirinho”, “Delicado” e Pedacinhos do Céu” além de uma infinidade de outro belíssimos chorinhos.
Nascido na Piedade e criado no bairro do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, Waldir Azevedo foi, até hoje, o maior nome do cavaquinho brasileiro. Apesar disso, ele demorou a se encontrar com o instrumento. Começou tocando flauta e, em seguida, passou para o bandolim, só então assumindo o cavaquinho que o consagraria. Nesse meio tempo, também tocou violão. Mas foi com o inconfundível cavaquinho que ele criou “Pedacinhos do Céu”, uma das músicas mais bonitas do repertório de choro e que batiza um bar em Belo Horizonte.
“Pedacinhos do Céu” é considerado pelos adoradores do chorinho, o Hino Nacional do Choro.
“ANDRÉ DE SAPATO NOVO” é um chorinho que mexe comigo. Desde sempre aprendi a gostar, pois em Nova-Cruz, nas rodas de choro da casa da minha tia Nazinha (Ana Gadelha) não me cansava de ouvir e pedir bis para esse chorinho.
Em Barra de Cunhaú, Chiquinho da Flauta (ou Chiquinho Felipe) sempre atendia aos meus pedidos e uma vez por outra intercalava outras músicas com “ANDRÉ DE SAPATO NOVO”.
Quando Chiquinho da Flauta, ou Chiquinho Felipe, começava a tocar flauta, o prefixo que eu pedia era “ANDRÉ DE SAPATO NOVO”, que eu adorava. E ele sempre me atendia. Inclusive, intercalando outras músicas com esse maravilhoso chorinho.
Hoje, a saudade dos dias idos e vividos está doendo em mim. Saudade dos dias alegres da Barra do Cunhaú, com a família reunida, e todos vivos.
Waldir Azevedo – Delicado
Altamiro Carrilho – André De Sapato Novo