Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de dezembro de 2020

DEDÉ (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DEDÉ

Dedé era um porco de sorte. Pertencia à dona Beatriz, jovem esposa de um fazendeiro rico, que lhe dera de presente de aniversário. Era alimentado à base de ração e melaço, sob orientação de um veterinário.

Um tratador especial era encarregado de medir a temperatura da sua alimentação, inclusive da água e do leite que bebia.

No recanto reservado a Dedé, tinha iluminação própria e um colchão de crina, confortável e asseado, onde ele aprendeu a dormir. Engordava a olhos nus.

O porco olhava para os seus donos com olhos de gratidão. E sempre ouvia dona Beatriz dizer:

“Como está lindo e forte o nosso bebê. ”

Ele era muito mais bem tratado, do que milhares de crianças, espalhadas pelo Brasil afora.

Dedé tinha no pescoço um laço de fita larga, cor de rosa, que lhe dava um certo charme.

Dona Beatriz, uma mulher muito seca e indiferente, desde que recebeu o porco de presente, tornou-se carinhosa com o marido, mudança por ele notada e que o deixou feliz.

Na fazenda, foram tomadas as mais modernas medidas sanitárias, para que o porco tivesse boa saúde. Dedé tinha um banheiro com privada dotada de descarga, e uma tina cheia d’ água, para se banhar, conforto que faltava aos empregados..

Em todos os recantos por onde circulava o porco, havia termômetros instalados, para que sua temperatura fosse sempre auferida. Tudo sob orientação do veterinário, que se empenhava em evitar que o animal adoecesse.

Certo dia, numa das costumeiras visitas da sua dona em companhia do esposo, o porco foi encontrado sozinho, bebendo água de uma fonte. Eles ficaram furiosos, apesar de já ter sido feita análise bacteriológica e química da água, que constatara conter zero por cento de bactérias nocivas, e uma certa quantidade de uma substância bastante saudável de óxido de ferro e ácido carbônico, importantes para a saúde dos porcos, .

O fazendeiro, conforme costumava fazer, mergulhou o termômetro na água e ficou indignado com o que estava vendo. Em lugar dos 8 graus centígrados, o termômetro só marcava 7.5!.

A dona do porco teve um chilique de raiva, por não encontrar o tratador ainda no serviço. Dedé foi retirado da água delicadamente, sob as explicações carinhosas da sua dona, de que aquilo era para evitar que suas tripinhas resfriassem e ele adoecesse. Tamparam a tina e foram tomar satisfações com o tratador, que acabara de chegar:

– Você não mediu a temperatura da água de Dedé!!!

Gaguejando, Bento, o empregado, disse que tinha se atrasado no serviço, porque estava acudindo o filho, que havia sofrido um ataque de epilepsia.

O casal gritou impropérios para o empregado, sem se compadecer do problema de saúde do filho dele. E por causa disso, o tratador foi posto na rua, com a mulher e o filho doente, sem qualquer complacência dos patrões.

A dona do porco se voltou contra o empregado, esquecendo toda a dedicação que ele tivera como cuidador da pocilga, durante vários anos.

Antes de sair com a mulher e o filho doente, sem dinheiro e sem saber para onde ir, o cuidador da pocilga, desesperado, num acesso de loucura, sangrou o porco, com uma facada no pescoço. O veterinário, chamado com urgência, nada pôde fazer. A dona do porco quase morreu de tristeza.

Os guardas amarraram o assassino e o levaram preso. Depois, os jornais noticiaram:

“O crime de um bruto. O zelador de pocilga de nome Bento, acabava de ser despedido por negligência. Para se vingar, ele matou cruelmente a golpes de facas um porco que constituía um espécime único. O bruto já se encontra nas mãos da justiça. Comenta-se que o criminoso não tem religião. Se isso se confirmar, ficará demonstrado que aqueles que não acreditam em Deus são capazes das maiores monstruosidades.”

Bento passou três meses sob prisão preventiva, recusando-se a falar e a se alimentar. Também se recusava a ir à missa na cadeia. No curso do inquérito, foram descobertas algumas máculas no seu passado:

Com a idade de 15 anos, ele fora condenado a quinze dias de prisão, pelo delito de provocar tumulto. Ele estava parado e recebeu ordens de um guarda para circular, e as ordens foram desobedecidas. Coisas da mocidade.

Fora condenado, ainda, por uma segunda vez, por ter gritado na rua, diante de algumas senhoras elegantes:

“Sim, senhoras! De chapéus e plumas, heim?”. Fato que demonstrava seu caráter revoltado, com as desigualdades sociais.

O promotor relembrou tais pormenores assim, como todos os pecados do réu. Ressaltou, habilmente, os maus instintos revelados pelo passado do assassino e afirmou que “se o acusado tivesse à mão o fazendeiro, tê-lo-ia assassinado, em lugar do porco.” Uma alegação infeliz, pois se fosse essa a pretensão de Bento, tê-la-ia posto em prática, facilmente.

O defensor público viu-se diante de uma tarefa muito difícil. Apagar o passado do réu, não podia. Quanto ao menino doente, eram circunstâncias atenuantes muito vagas e românticas, para que a elas se agarrasse com unhas e dentes. A vida do menino, para ele, não era nada, diante da vida do porco, tirada cruelmente.

A dona do porco, presente ao julgamento, ao ver pousada sobre a mesa, entre outras provas, a fita cor de rosa, que colocara no pescoço do seu “bebê”, não pôde conter as lágrimas. Chorou compulsivamente, causando aos presentes, dó e piedade.

Respondendo a uma pergunta feita pelo Juiz, ela respondeu:

-Eu reconheço esta fita cor de rosa. Ela pertenceu ao meu querido Dedé, cujas cinzas estão sepultadas sob os canteiros de lírios do meu jardim.

O acusado foi condenado a seis meses de prisão, por “dano voluntário à propriedade alheia.” Mas. o pior castigo que ele recebeu foi a notícia da morte do seu filho doente, pelo qual, se pudesse, daria sua vida.

Para os ex-patrões, a justiça se completou com a morte do filho do empregado.

E assim, o porco Dedé repousa em paz sob um canteiro de lírios imaculados, no meio dos quais se ergue um monumento com estas inscrições:

“Aqui jaz o nosso Dedé, morto pela mão do assassino Bento, condenado a seis meses de prisão, com seis dias de jejum. O extinto foi inumado a 8 de maio de 1907, com a idade de um ano e meio. Que a terra lhe seja leve!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de novembro de 2020

OS DOZE MESES - ETIMOLOGIA DOS NOMES (ARTIGO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS DOZE MESES

O Cristianismo surgiu na Palestina, região sob o domínio romano desde 64 a.C. Tem como origem a tradição judaica de crença na vinda de um Messias, o redentor, o salvador, o filho de Deus, cuja vinda seria uma redenção para todos aqueles que acreditassem nele.

Com o aparecimento do Cristianismo, a crença em divindades pagãs desapareceu. Mas, apesar disso, a memória dos deuses e deusas ainda permanece viva em muitas tradições.

O calendário que usamos foi uma evolução do antigo calendário romano e os nomes utilizados vieram dos deuses.

Estando estreitamente ligados os seus nomes aos costumes e instituições romanas, o nosso calendário, para contagem do tempo, permanece o mesmo estabelecido pelo imperador romano Júlio César.

Relendo a história dos nomes dos doze meses do ano, é como se estivéssemos assistindo a um desfile dos meses romanos.

JANEIRO – Primeiro, aparece uma figura estranha, um deus com duas caras, um deus que olha para diante e para trás, e que segura na mão esquerda uma chave. É JANO. Os romanos adoravam Jano, num templo que estava aberto durante as guerras e que se fechava quando havia paz. Era o deus dos princípios e dos fins. Esse deus era também considerado o porteiro do céu, e os romanos o tinham como protetor das suas portas e portões. Como o ano tem doze meses, o templo de JANO tinha 12 portas.

FEVEREIRO – Segue-se ao deus JANO, uma majestosa dama romana. Era FEBRUA, a deusa das purificações. Celebravam-se no segundo mês do ano festas especiais em honra a Juno e Plutão, rei dos infernos e havia sítios especiais para aplacar as almas dos defuntos. Essas festas eram também de expiação para o povo, e chamavam-se “februais”. O termo vem da palavra februum que significa purificar; neste mês acontecia um ritual de purificação romana.

Fevereiro é o mês mais curto do ano, pois tem 28 dias nos anos comuns, e 29 nos anos bissextos. Constando o ano, aproximadamente, de 365 dias e 6 horas, ao cabo de quatro anos essas 6 horas formam um dia, que se agrega a Fevereiro. Essa inovação é do tempo de Júlio César, o qual, vendo os inconvenientes que resultavam de não serem levadas em conta aquelas 6 horas, chamou a Roma o astrônomo Sosígenes, de Alexandria, o qual propôs que de quatro em quatro anos se acrescentasse um dia a Fevereiro; daí ficou o mês, a cada quatro anos, com mais um dia, passando a ser chamado de “bissexto”.

MARÇO – Nome originado de Marte, o deus da guerra. No desfile imaginário, ele passa num carro puxado por dois cavalos, cujos nomes eram Terror e Fuga. É uma figura de guerreiro ameaçador, manejando uma comprida lança, levantando para o céu um escudo luzidio e erguendo a sua cabeça altiva, sendo iluminado pelos raios e pelo capacete. Para os romanos era mais do que um guerreiro. Era um deus que podia conseguir tudo pela sua grande força. Pediam-lhe chuva, consultavam-no sobre os casos da vida particular, sacrificando no seu altar um cavalo, carneiro, pêga ou abutre.

ABRIL – Depois de Marte, aparece ABRIL. Não é nem deus nem deusa. É o Anjo da primavera. Gracioso, delicado, meigo e bom. Chega espalhando pela terra lindas flores e fazendo nascer nos sulcos feitos pelas rodas do carro do guerreiro, flores tão pequeninas, tão bonitas e tão delicadas, que comove vê-las. “Abril é o que abre.”

MAIO – Nome em homenagem à deusa MAIA, que desfila sentada num trono de luz. Seu pai chamava-se Atlas e sobre os seus ombros pesava o mundo inteiro. Ele tinha sete filhas, das quais a mais célebre foi Maia, cujo filho era Mercúrio, que levava as ordens dos deuses para a terra.

Júpiter, o pai de todos os deuses, levou Maia e as irmãs e colocou-as como estrelas no firmamento. Eram elas que formavam o grupo de estrelas chamadas plêiadas. A sétima estrela do grupo era invisível. Representa uma das irmãs que casou com um homem chamado Sisypho, e, desde então, como o pobre Sisypho foi condenado a rolar eternamente uma pedra por um monte acima, ela, envergonhada, escondeu a cara.

JUNHO – Seguem no cortejo duas figuras disputando o sexto lugar. Uma é a deusa Juno e a outra é um homem de nome JUNIO. Mas a deusa Juno deu nome ao mês de Junho. Juno era a rainha do céu e esposa de Júpiter. Seu trono de ouro estava junto de seu marido. Todos os deuses lhe prestavam homenagem, quando se apresentavam no palácio de Júpiter; tinha poderes superiores e exercia domínio sobre os fenômenos celestes; produzia o trovão nas alturas, desencadeava os ventos e mandava nos astros. Gostava de passear pelos bosques sagrados num carro puxado por pavões.

JULHO – Em honra ao guerreiro e imperador Júlio César, surgiu o nome do mês de Julho. Júlio César não só conquistou nações, fez leis célebres e escreveu livros imortais, como também emendou o calendário, que estava em estado deplorável. O tempo e os meses já não se correspondiam como antigamente; a primavera vinha em janeiro e o inverno nos meses que deviam corresponder à primavera. O mês “quintilius’ foi eliminado em sua honra, tomando o seu nome Júlio.

AGOSTO – Nome derivado de Augusto, o primeiro imperador romano, última personagem da procissão pagã imaginária a que assistimos. A princípio, Augusto chamava-se Octávio e governou os romanos, com Marco Antônio e Lepido. Por fim, foi imperador, e fez muito pela glória e engrandecimento do seu magnífico império. O povo, na intenção de lhe agradar, mudou o seu nome de Octávio para Augusto, que significa “nobre”.

O oitavo mês foi escolhido para ter o nome de Agosto, porque era nessa ocasião que o imperador Augusto celebrava os principais acontecimentos da sua vida. Foi em Agosto que ele foi nomeado Cônsul, que acabaram as suas guerras e que conquistou o Egito. Augusto ficou na história como uma grande personagem. O seu reinado recebeu o nome de Idade de Ouro, porque ele não só trouxe paz ao mundo, farto e cansado de guerras, como também fez florescer a arte e a literatura.

Os poetas imortais, Horácio e Virgílio, viveram nessa época. Fundaram-se, então, livrarias e construíram-se templos por toda a parte.

Foi no reinado desse imperador poderoso que, longe, nasceu a Criança cujo reinado ainda não acabou e cujo nascimento criou uma época. Nunca o imperador orgulhoso pensou, quando se gabava no seu palácio, de ter encontrado Roma feita de tijolo e tê-la deixado de mármore, que existia já uma Criança que dividiria as épocas da terra e poria uma Cruz entre o reinado de Augusto e o começo de uma nova religião.

SETEMBRO – Os outros meses aparecem disfarçados, com nomes enigmáticos. Para compreendermos o nome do mês de setembro é necessário recordar que o primitivo calendário romano constava de dez meses e que começava em Março, sendo, portanto, Setembro o sétimo mês. Por isso, é representado pelo número sete, em algarismos romanos, VII. Este número lia-se em latim “septen”, de onde se derivou Setembro.

OUTUBRO – Para os romanos, como hoje é para os povos que lhes sucederam no continente europeu, Outubro era o mês das colheitas e vindimas. O nome provém de “octos”, que em latim é oito. Com efeito, era o oitavo mês do antigo calendário romano, passando a ser o décimo, quando Nuna, rei de Roma, fixou o princípio do ano no dia primeiro de Janeiro.

Celebravam neste mês, tanto os romanos como os gregos, muitas festividades. Em uma dessas festas era costume atirar aos poços e fontes coroas tecidas de flores e ervas, como tributo às ninfas, a quem tais festas eram consagradas. Era também o mês da colheita das frutas, cujas primícias se ofereciam às divindades.

NOVEMBRO – Era o nono mês, no primeiro calendário romano, e por isso lhe chamavam “November”. Contava-se que, entre as festividades e ritos religiosos mais importantes, estava o consagrado a Diana, deusa das montanhas e dos bosques. Começava com um banquete dedicado a Júpiter e com os jogos circenses, chamados assim, porque se realizavam no circo. No mesmo mês se celebravam os jogos “plebeus”, instituídos para comemorar a reconciliação de patrícios, nobres e plebeus. Eram oferecidos sacrifícios a Netuno, deus dos mares; e se faziam as festas abrumais ou do inverno, por começar na Itália o tempo chuvoso, nevoento e frio.

DEZEMBRO – do latim “December” de “decem”, dez – o décimo e último mês do antigo calendário romano. É representado hoje por um velho de barbas brancas, que traz brinquedos para dar às crianças no dia de Natal, 25 de dezembro.

Para algumas pessoas, esse velho representa São Nicolau, que viveu no século IV e é considerado o patrono das crianças. Essa ideia teve origem numa lenda, segundo a qual São Nicolau teria feito ressuscitar três crianças, que haviam sido assassinadas por um carniceiro.

Dezembro é um mês característico do frio inverno nos países da Europa, e por isso o representam numa paisagem desolada, com os caminhos cobertos de neve.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de novembro de 2020

A TREPADEIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A TREPADEIRA

A árvore trepadeira que se chama vulgarmente Cipó matador tem, segundo assevera A. St’Hilaire (botânico francês), um tronco direito, porém delgado e fraco, necessitando do apoio de outras árvores mais robustas.

Segundo os botânicos, o surgimento das trepadeiras foi uma resposta evolutiva às plantas de caules frondosos, fortes e grossos. A disputa por radiação solar estava levando essas plantas a evoluírem, tornando-as cada vez mais altas, com copas cada vez mais frondosas e com crescimento cada vez mais rápido. As ancestrais das trepadeiras, por outro lado, não conseguiam concorrer com estas plantas e começaram a usar as mesmas como suporte para o seu desenvolvimento. Valendo-se de menos recursos energéticos, nutricionais e solares, as trepadeiras foram evoluindo, agarrando-se às árvores frondosas e alimentando-se da sua seiva, a ponto de cobri-las totalmente, abafando-as e matando-as.

Um advogado, que há anos morava no Amazonas, retornou a Natal e abriu um escritório de advocacia. Logo nos primeiros meses, os clientes foram aparecendo.

Dentro da seriedade que lhe era peculiar, Dr. Pedro, o causídico, tinha senso de humor e gostava de conversar. Contava fatos pitorescos, relacionados ao Amazonas, tema que fazia brilhar os seus olhos.

Dizia que o que mais agradava ao seu espírito de advogado era quando funcionava na defesa de um réu, perante o Tribunal do Júri. Para tanto, considerava-se um excelente orador e articulador. Gostava de comentar nas rodas de amigos e colegas, os inúmeros debates, já travados com advogados de renome.

Havia grande interesse dos seus amigos e colegas em vê-lo atuar no Júri, pois conheciam sua fama de grande tribuno. E sua estreia em Natal foi um sucesso. Entretanto, meses depois, começaram a notar que o causídico estava se tornando repetitivo nas suas teses de defesa. Criara um chavão e o repetia em todos os júris em que atuava.

Esse chavão consistia em comparar o sofrimento de um réu em julgamento, com o sofrimento de uma árvore hospedeira de uma trepadeira, tal qual o falado “cipó matador do Amazonas”.

Contava o advogado:

“No Amazonas, existe uma trepadeira, que se desenvolve como hóspede de uma grande árvore, servindo-se de sua seiva e arrochando-a de forma tão violenta, que a árvore não resiste e morre por asfixia.”

Para melhor entendimento dos jurados, comparava o Promotor de Justiça à trepadeira ou cipó matador, e a árvore, ao réu sendo atacado e morrendo pela dificuldade imposta pelo Promotor à sua defesa.

Esse chavão foi se tornando conhecido, a ponto de apelidarem o causídico de “cipó matador do Amazonas”, coisa que, se ele soubesse, jamais perdoaria ao autor dessa falta de respeito.

Sempre que o Dr. Pedro ia defender um réu no Tribunal do Júri, os adeptos de apostas se movimentavam. Uns apostavam na repetição do conhecido chavão. Outros apostavam que dessa vez, ele iria fazer uma defesa diferente, e não repetiria o chavão.

Feitas as apostas, ficavam todos aguardando o desenrolar do discurso do advogado de defesa. Alguns já se consideravam perdedores das apostas, quando, de repente, o discurso de Dr. Pedro era intercalado com o mesmo “recado”:

“Senhores jurados: estive vários anos na região Amazônica, lugar onde predominam as maiores árvores existentes na face da terra. A floresta amazônica é, sem dúvida, a mais exuberante floresta equatorial do mundo. Mesmo assim, de vez em quando, imensas árvores centenárias são sufocadas e mortas, por um tipo de planta trepadeira, também chamada de “cipó matador”, que se alimenta de sua seiva, e se trança de uma forma tão fechada sobre elas, que as leva à morte. Uma vez ou outra, há um grande relâmpago e cai um raio sobre a trepadeira, matando-a. É como se o relâmpago viesse em socorro da grande árvore que estava sendo sugada pela trepadeira. Daí por diante, aquela árvore que está sendo morta pelo sufoco, ressurge como um milagre da natureza e volta a florescer, exuberante como antes.

Estamos numa situação equivalente. De um lado, estou defendendo o meu constituinte, que coloco no lugar da árvore agonizante, sofrendo e resistindo à imensa violência de quem, aparentemente, não tinha condições de destruí-lo. Do outro lado, o ilustre Promotor de Justiça, que parece ser aquela insignificante planta, conhecida como “cipó matador”, apertando sempre o meu constituinte, já sufocado e sem chance de defesa.”

Essa argumentação desenvolvida por Dr. Pedro tornou-se uma constante, em todos os seus discursos nos Tribunais onde atuasse como advogado de defesa. Daí por diante, o defensor do réu apelava, cada vez mais, para o sentimentalismo dos Jurados, atento aos argumentos acusatórios do representante do Ministério Público.

No final, ganhava a aposta quem houvesse confiado na repetição do chavão da trepadeira, ou “cipó matador do Amazonas”.

Voltando aos dias atuais, ano de 2020, o ano gêmeo tão esperado, chego a pensar que algum “cipó-matador” abraçou o mundo e a ciência, agindo de forma traiçoeira, e jogando na humanidade o CORONAVÍRUS, que continua fazendo vítimas. Parou tudo por certo tempo, mas não parou o processo eleitoral, sendo o povo induzido a enfrentar as urnas, “sem correr risco de contaminação”. O Vírus, de conluio com os políticos, deu uma trégua aos brasileiros, durante o processo eleitoral, que ainda não terminou.

Como em alguns Estados, o povo aguarda o 2º turno das eleições municipais, as promessas e abraços continuam.

Convém alertar o eleitor que irá votar no 2º turno, que não aceite dos candidatos abraços apertados e demorados, pois eles podem absorver sua energia, chegando a sufocá-lo ou coisa pior, tal qual fazem as trepadeiras ou cipós- matadores com as grandes árvores.

Essas demonstrações de carinho dos candidatos, visando agradar o povo para chegar ao poder, podem ser maléficas. Eles podem estar utilizando o eleitor em benefício próprio, subindo nas suas costas e lhe dando migalhas.

Vale a pena evocar o pessimismo do imortal poeta Augusto dos Anjos:

“a mão que afaga é a mesma que apedreja”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de novembro de 2020

TEMPO DE POLÍTICA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

TEMPO DE POLÍTICA

Violante Pimentel

 

O Brasil é um País muito grande, que luta para ser um grande País. Mas uma andorinha só não faz verão.

Precisamos de políticos honestos, que ajudem ao Presidente da República, na árdua tarefa do cargo que ocupa.

Antes do descobrimento do Brasil, como conta a História, os portugueses já cortavam os mares no caminho do Oriente, em direção às Índias. Numa dessas idas e vindas, houve aquela história das calmarias, e o Brasil foi descoberto. Mas, os portugueses tropeçaram nos índios, querendo torná-los invisíveis e usurpando a terra que eles sempre ocuparam. A “terra à vista”, já pertencia aos índios.

E, atualmente, os índios já aprenderam a dar nó no sapato e na gravata, apesar das intempéries que eles tem enfrentado.

Ainda estamos no meio da pandemia do Coronavírus. Aproximam-se as eleições municipais e o número de candidatos à reeleição para Vereador é impressionante. Maior ainda é o número de novos candidatos, que, no horário eleitoral gratuito, pedem votos, sem demonstrar, na sua maioria, as mínimas condições de representar o povo na Câmara Municipal. Os antigos Vereadores não querem abrir mão das regalias, que gozam há anos, e se agarraram ao poder, com unhas e dentes, sem querer passar o mandato à frente.

O problema do Brasil é que há carência de políticos dignos, em todas as esferas do poder. O Rio Grande do Norte está sem norte. Vai longe o tempo em que os políticos da terra defendiam o bem comum, sem desvio de dinheiro público, como acontece agora, vergonhosamente.

A Pandemia do Covid-19 continua atacando. Mas, para que possa haver Eleição, o vírus concordou em dar alguns dias de trégua, para que o povão vá às urnas votar, sem medo, e, antes disso, não perca as passeatas e comícios, onde há muita aglomeração, sendo dispensadas as máscaras e também o álcool- gel. Um “cessar fogo” capcioso e irresponsável.

“Mas na hora de votar, não esqueça a máscara, álcool-gel e a sua própria canetinha…”

Agora, aterrissou em Natal um estranho no ninho, senador petista, candidato a prefeito. Sem supostas raízes no Rio Grande do Norte, o candidato é “companheiro” de partido da governadora e de uma ex-vereadora, atual deputada federal. O “salvador da pátria” já prometeu, no horário eleitoral, se for eleito, transporte urbano 100/% gratuito para todos, benefício extraordinário à população de Natal. Onde estava esse benfeitor esse tempo todo?

Nesta época de eleições, os candidatos prometem realizar o bem comum. Mas a “amnésia pós-eleições”, uma doença antiga, ainda não foi erradicada do Brasil. Em primeiro lugar, eles. E em segundo, eles.

O povo sofrido de Natal já não acredita nas promessas dos candidatos a prefeito e a vereador, feitas na TV, no horário eleitoral. Essas promessas provocam riso. Ainda bem que sorrir faz bem à saúde.

Continuamos sendo tratados como palhaços.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de novembro de 2020

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Violante Pimentel

Nascido no Rio Grande do Norte, Café Filho, Vice-Presidente, assumiu a Presidência da República com o suicídio de Getúlio Vargas.

Pouco tempo depois, mandou chamar seu grande amigo Rubem Braga ao seu Gabinete, dizendo que estava precisando dele.

Surpreso, o grande cronista chegou ao gabinete de Café Filho e disse:

– Café, você só pode estar louco, ao dizer que está precisando de mim. Está havendo um engano. Quem precisa de você sou eu. Você virou Presidente da República, está bem empregado e com sua vida arrumada. Quanto a mim, estou duro, desempregado e precisando trabalhar. Quero um emprego qualquer. Não escolho serviço.

Um mês depois, Rubem Braga embarcou para o Chile, como Adido Cultural do Brasil. Foi lá que escreveu algumas das suas melhores crônicas.

Na mesma época, chegou ao Gabinete de Café Filho, sem marcar “audiência”, diretamente de Natal, seu amigo de infância e colega de turma na escola primária, José Antônio Areias Filho, o popular Zé Areia (1900-1972). No tempo da Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Ex-Rei Momo e um dos maiores boêmios de Natal, Zé Areia era dono de uma inteligência notável, grande senso de humor e muito querido.

De pouco estudo, barbeiro, vendedor, biscateiro e, principalmente, humorista nato, Zé Areia tinha resposta pra tudo e uma língua afiada. Era um boêmio, querido pelos amigos, sem cerimônia de incomodá-los e até de lhes aplicar pequenos golpes, considerados hilários, verdadeiros pecados veniais. Essas pequenas tramoias não chegavam a afastá-lo dos amigos “selecionados”, como ele dizia. Uma das suas constantes vítimas foi o saudoso Deputado Djalma Marinho, escolhido por Zé Areia para seu permanente fiador, nas locações de casas para morar.

Certa vez, Zé Areia procurou o dono de uma casa na Praia do Meio, que estava para alugar. O proprietário foi taxativo, dizendo:

– Só alugo com fiador.

Zé Areia procurou o deputado Djalma Marinho, seu amigo do peito, e pediu-lhe uma carta de fiança, sendo rapidamente atendido.

Transcorridos noventa dias, Zé Areia não pagou um só centavo do aluguel e o proprietário procurou Djalma Marinho, o fiador, para que lhe pagasse a dívida. No dia seguinte, Djalma mandou chamar Zé Areia e reclamou, ressentido:

– Mas Zé, de novo?!!! O dono da casa que você alugou me telefonou cobrando os três meses de aluguel que você não pagou!!! Como seu fiador, vi-me obrigado a pagar…

E Zé Areia, cínico, com fingida indignação, respondeu:

– Deputado, tenha paciência! Pra que é que serve fiador? Ainda bem que o senhor não me deixou passar vergonha!!!Era só o que me faltava! Eu sei selecionar meus fiadores!!!

No tempo da Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Ex-Rei Momo e um dos maiores boêmios de Natal, Zé Areia era dono de uma inteligência notável, grande senso de humor e muito querido.

A sua vida confunde-se com a de uma Natal provinciana e as suas tiradas divertiam Natal.

Durante a 2ª Guerra, trabalhou como barbeiro no Campo de Parnamirim. Aplicava golpes nos norte-americanos, vendendo-lhes, por exemplo, corujas por papagaios.

Depois da 2ª Guerra, Zé Areia voltou à sua antiga miséria. Não tinha emprego e vivia de vender qualquer coisa que encontrava.

A chegada do seu amigo Café Filho à Presidência da República representava para ele o fim de sua vida dura, pautada por ele mesmo.

Depois de levar um grande “chá de espera”, Zé Areia adentrou ao gabinete do Presidente Café Filho, externando sua felicidade em vê-lo ocupar o mais alto cargo do País. Depois do grande abraço, aproveitou para lhe cobrar o cumprimento da promessa que lhe fizera, há anos, de lhe arranjar um bom emprego, quando chegasse a ocupar um cargo importante.

Café Filho recebeu Zé Areia sem euforia, mas ratificou a promessa do emprego. Disse-lhe que voltasse no dia seguinte e procurasse José Monteiro de Castro, Chefe da Casa Civil.

A decepção de Zé Areia foi enorme. O emprego era de Seringueiro, na Amazônia.

Indignado, voltou para Natal, mas deixou para o “amigo” Café Filho, um bilhete, onde dizia:

“João, em nossa terra, quem tira leite de pau é buceta….
Assinado: José Areia”

Esse caso entrou para o folclore político do Rio Grande do Norte, e, até hoje, enriquece a memória satírica de Zé Areia.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de outubro de 2020

A FLOR DA LUA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A FLOR DA LUA

Violante Pimentel

 

Margaret Mee nasceu em 1909 em Chesham, no condado de Buckingham, na Inglaterra. Quando jovem, frequentou as principais Escolas de Arte de sua terra natal. Em 1952, com seu segundo marido, o artista gráfico Greville Mee, veio a São Paulo visitar sua irmã. Acabaram ficando no país e, em 1956, Margaret embarcou rumo ao rio Gurupi, em sua primeira expedição amazônica.

No Brasil, foi professora de Arte na Escola Britânica de São Paulo (conhecida como Saint Paul’s School), tornando-se uma especialista em botânica pelo Instituto de Botânica de São Paulo, em 1958. Explorou a floresta tropical, a partir de 1964, pintando as plantas que via e colecionando algumas para posterior ilustração. Criou quatrocentas pranchas de ilustrações em guache, quarenta sketchbooks e quinze diários.

Perseguia o sonho de ver desabrochar a Flor da Lua, um cacto que só existia na Floresta Amazônica. Possuidora de grandes olhos azuis e enorme cabelo louro, dividido em duas tranças, usava laços verdes na cabeça, em homenagem ao verde da floresta. Maquiava os olhos, para realçar ainda mais a sua beleza.

Encantava-se com os espinhos e flores encontrados na Floresta Amazônica e se preocupava com a sua preservação. Como pintora, passava para suas telas toda a beleza das flores e botões que via de perto, nas expedições das quais participava. Sua mala com pincéis, tintas e telas fazia parte da sua bagagem.

No Rio de Janeiro, o casal residiu numa casa de três andares em Santa Tereza, dentro de um enorme jardim, que era uma mini floresta. Lá apareciam cobras e formigas, que ela não permitia que o IBAMA fosse resgatar. Participou de 15 expedições à Floresta Amazônica, pesquisando plantas, protegendo espécies raras, que estavam prestes a ser destruídas pelos indígenas, para no solo cultivarem mandioca ou construírem choças miseráveis para moradia.

Segundo seus relatos, os índios dispunham de retroescavadeiras e machados de pedra, e com facilidade decepavam as árvores, preparando o solo para plantações.

Achava dinheiro uma coisa suja. Escreveu o livro “Flores da Floresta Amazônica” e ofereceu ao Presidente Geisel, pedindo para que ele o lesse, alertando-o para a importância da Floresta Amazônica e rogando pela sua preservação.

Margaret foi considerada uma das maiores ilustradoras botânicas do século 20. Em 15 viagens à Amazônia, produziu cerca de 400 pinturas da flora tropical, como orquídeas, bromélias, helicônias, entre outras plantas. Parte desse material pode ser vista no seu livro “Flores da Floresta Amazônica”, que inclui ainda trechos de seus diários.

Um trecho de seu diário revela a admiração com que observava a natureza: “Entramos na floresta sozinhas, seduzidas por um campo de plantas maravilhosas: pontas brilhantes e vermelhas de Heliconia glauca […] e a bela orquídea Gongora maculata, com sua longa inflorescência e seu poderoso perfume aromático, equivalente a centenas de lírios.”

Margareth observava o desabrochar das flores na floresta, dormindo em redes armadas entre as árvores, e chegou a ser hóspede de tribos indígenas.

Certa vez, o Cacique de uma tribo, de quem ela chegou a ser hóspede, pediu-lhe de presente as suas duas enormes tranças, das quais ela se orgulhava. Assustada, Margareth respondeu que se ela cortasse as tranças, o marido a deixaria. O índio ficou pensativo e desistiu do pedido.
Expunha seus quadros no BOX de Londres.

Apaixonada pela Floresta Amazônica, em maio de 1988, já aos 79 anos, Margaret Mee participou da sua última expedição, a 15ª. Finalmente, alcançou o seu ideal de pintar a Flor-da-Lua. Depois de horas navegando entre arbustos espinhentos e ásperos em uma canoa, quase ao fim do dia ela atingiu o remoto local onde a flor a esperava – e ilustrou as primeiras imagens dela no hábitat.

Margareth Mee morreu na Inglaterra, em 30.11.1988, vítima de um acidente automobilístico. Em sua honra, foi fundada a “Margaret Mee Amazon Trust”, organização para educação, pesquisa e conservação da flora amazonense, promovendo intercâmbio para estudantes de botânica e ilustradores de plantas brasileiros, que desejam estudar no Reino Unido ou conduzir pesquisa de campo no Brasil.

No carnaval de 1994, no Rio de Janeiro, a famosa ilustradora botânica e pintora foi homenageada pela Escola de Samba “Beija-Flor de Nilópolis”, cujo enredo foi “Margareth Mee, a Dama das Bromélias” assinado pelo então Carnavalesco Milton Cunha.

“Margaret era uma ecologista quando esse termo ainda nem existia e defender a natureza não estava na moda”, conta Gilberto Castro, velho amigo e proprietário do barco usado em algumas de suas incursões pela Amazônia.

Um ano depois da morte de Margaret Mee, seu marido Greville Mee foi ao Amazonas, cumprir o último desejo da mulher: lançar suas cinzas sobre as águas escuras do rio Negro.

Por onde passava o barco, que conduzia o cortejo fúnebre, a vegetação acompanhava, e ia se fechando, formando um imenso tapete de folhas e pétalas, como se Margareth estivesse assistindo a tudo, o que provocou em todos uma grande emoção.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de outubro de 2020

DINARTE MARIZ - POLÍTICA HILÁRIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

POLÍTICA HILÁRIA

Dinarte de Medeiros Mariz (Serra Negra do Norte-RN – 23.08.1903 – Brasília – DF – 09.07-1984) era filho de Manoel Mariz Filho e Maria Cândida de Medeiros Mariz.

Foi governador do Rio Grande do Norte de 1956 a 1961, e Senador da República de 1955-1956 e de 1963-1984.

Apesar do pouco estudo, era dono de uma visão política extraordinária e de uma inteligência fabulosa.

Era uma excelente pessoa humana. Tinha resposta para tudo e queria agradar a todos.

Influenciou a política local por mais de meio século.

Durante o seu governo, foi criada a UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE.

No folclore político do Rio Grande do Norte, há casos hilários envolvendo o seu nome, que merecem registro.

Tenente Ananias é um município do interior do Rio Grande do Norte. Situa-se na região do Alto Oeste Potiguar, a uma distância de 413 quilômetros de Natal, capital do Estado. Tenente Ananias foi emancipado de Alexandria na década de 1960. O nome do município é uma referência a Ananias Gomes da Silveira (1863-1950), que foi combatente e tenente das forças-armadas do Brasil.

Vista da cidade de Tenente Ananias-RN

Quando Dinarte Mariz assumiu o cargo de governador do Rio Grande do Norte, os prefeitos do interior começaram as visitas e reivindicações de melhorias para os seus respectivos municípios.

O prefeito do município de Tenente Ananias era um deles. Deu várias viagens a Natal para falar com o governador, mas sempre havia um imprevisto e Dinarte Mariz nunca estava no Palácio, quando ele chegava.

Certa vez, o chefe de gabinete pediu ao governador que resolvesse logo o problema de Tenente Ananias. Dinarte Mariz respondeu:

– Quer saber de uma coisa? Mande redigir logo a portaria promovendo esse homem! Quero que saia amanhã no Diário Oficial!

Aperreado, o chefe de gabinete disse:

– Governador, Tenente Ananias é um município do Rio Grande do Norte! O prefeito de lá quer conversar com o senhor!

Um cabo eleitoral, fazendeiro rico, tinha um vaqueiro muito fiel, apesar de abobalhado, que sonhava em ser sargento da polícia. Quando Dinarte assumiu o governo, “cumpriu” a promessa, dando ao vaqueiro do amigo uma farda de sargento, que passou a ser usada diariamente, só dentro da fazenda.

Ao assumir o governo do Rio Grande do Norte, Dinarte Mariz recebeu a visita de um compadre do interior, fazendeiro e dono de um “curral eleitoral” acompanhado do seu afilhado. O homem lhe cobrou o cumprimento da promessa que lhe fizera de arranjar um emprego muito bom para o rapaz.

Dinarte chamou o chefe de gabinete e perguntou qual era o melhor emprego do Estado. A resposta foi que o melhor emprego do Estado, cargo em comissão, era o de Consultor Jurídico. O governador mandou que fosse preparado o ato de nomeação do filho do seu amigo para o referido cargo. Pouco depois o chefe de gabinete voltou e disse ao governador que não poderia redigir o ato de nomeação do rapaz, porque ele não era bacharel em direito, como a lei exigia. O rapaz só sabia ler e escrever.

Resposta do governador:

– Redija dois atos de nomeação: um para ele ser bacharel em direito e o outro para que seja Consultor Geral do Estado.

O chefe de gabinete disse que isso era ilegal e se recusou a redigir os atos. E foi exonerado na hora.

Uma comadre do Governador Dinarte Mariz foi nomeada para o magistério, com mais de 70 anos. O Governador foi alertado para a nulidade do ato, e a professora foi aposentada, compulsoriamente, no dia seguinte.

Esses causos, ainda hoje, correm de boca em boca.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 17 de outubro de 2020

A SOBRA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SOGRA

Esta é a estranha história de Jacques Besson, condenado à pena de morte, pela prática de homicídio contra um ex-patrão.

Em 1836, o conde de Chamblas, dono do castelo e do domínio homônimo, localizado perto de Saint-Étienne-Lardeyrol, morreu um ano depois de sua filha ter se casado com M. de Marcellange, um jovem nobre Bourbonnais (natural de uma província histórica central da França, que corresponde ao atual departamento de Cher. Esta área destaca-se pela riqueza literária, sendo berço de autores célebres).

Pouco antes de sua morte, o conde, que apreciava muito seu genro, cedeu-lhe a propriedade e sua administração.

M. Marcellange, dono de um grande coração, decidiu, então, repatriar sua sogra, Marguerite de Chamblas, que havia sido expulsa da propriedade pelo marido, em consequência de repetidos adultérios. A condessa, dotada de uma bela renda, pôde, então, continuar sua vida mundana e amorosa em paz.

Voltando à antiga propriedade, a condessa/mãe viu aí a oportunidade de recuperar o domínio anterior, já que não demorou a colocar a filha contra o genro, tentando convencê-la de que ele não combinava com ela, pois não era de sangue nobre.

Com efeito, M. de Marcellange, que amava a vida camponesa, se envolveu de corpo e alma no campo, colocando a “mão na massa”, chegando, habitualmente, a jantar com seus empregados e rezar a oração da noite junto com eles.

Sua sogra acabou convencendo a filha Theodora a se juntar a ela, em sua mansão particular de La Roche-Négly, na cidade de Puy. As duas foram passar uma temporada na referida mansão, enquanto o marido de Theodora lutava para pagar suas despesas, com a única renda fornecida pela propriedade Chamblas.

Da sua mansão, a velha condessa continuou a assediar o genro, maculando sua reputação e suas habilidades gerenciais e aumentando o número de processos judiciais para usurpação do seu título de nobreza.

Marcellange também teria sido vítima de uma tentativa de envenenamento, durante uma visita à esposa e à sogra.

A sogra infernizou tanto a vida de Marcellange, que ele desistiu de tudo e se preparou para retornar à sua propriedade em Bordons, Allier, sua terra natal. O caso poderia ter terminado aí.

Mas, na véspera da sua partida, em 1 de setembro de 1840, por volta das 8 e meia da noite, cumprindo um piedoso e antigo hábito, Marcellange acabava de rezar com os criados a oração da noite, quando foram ouvidas várias detonações e as vidraças voaram em estilhaços.

Marcellange foi morto instantaneamente, caindo sobre as cinzas da lareira.

A investigação que se iniciou reuniu vários testemunhos: um homem teria sido visto atravessando um campo, rifle na mão, vindo de Le Puy em direção ao castelo.

Entretanto, todos os olhos estavam voltados para o Hôtel de La Roche-Négly, onde as duas condessas estavam hospedadas e, em particular, para Jacques Besson, um ex-empregado da vítima, que havia sido excluído da administração da propriedade.

Passaram-se vários meses, sem que fossem descobertos os possíveis assassinos ou mandantes do crime. Os sussurros eram grandes, em torno da autoria. Porém, ninguém se atrevia a indicar os suspeitos. Parecia que a cidade estava diante do crime perfeito, o que, na realidade, não acontecia.

Na verdade, as mandantes estavam muito perto. Mas, eram consideradas acima de qualquer suspeita, Muitos indivíduos foram presos para averiguações, mas logo foram postos em liberdade, por insuficiência de provas.

Mais de quinhentas testemunhas foram inquiridas. Mas ninguém ousava falar, ninguém ousava repetir em voz alta as estranhas suspeitas que se contavam em voz baixa, e corriam de boca em boca, na região aterrorizada:

“Mme. de Chamblas teria mandado assassinar o marido por um dos seus ex-empregados, de nome Jacques Besson.” Mas nenhuma das duas senhoras de Chamblas (sogra ou esposa da vítima) foi apontada como suspeita do crime.

Depois de dezenove meses de uma instrução minuciosa, a Justiça seguiu seu curso, mandando prender Jacques Besson. Com base em depoimentos formais, o réu foi condenado à morte, pelo Tribunal do Júri de Loire, sem responder se era culpado ou inocente. Mas a sentença foi anulada, por vício de forma e o processo teve novo andamento pelo foro de Rhône.

Antes da audiência de julgamento, as senhoras de Chamblas, que a justiça cometera a fraqueza de não apontar como cúmplices, sumiram da cidade, como quem fugia do perigo do réu abrir a boca e confessar que fora usado por elas para executar o crime.

Maitre Rouher defendera Jaques Besson, perante o Tribunal do Júri de Loire, no primeiro julgamento.

No novo Júri, em Rhône, Maitre Lachaud foi seu defensor. As paixões estavam tão acirradas, os ódios tão violentos, que Lachaud, ao sair da sessão, precisou ser protegido por soldados, contra a hostilidade da multidão.

Jacques Besson foi, novamente, condenado à morte. Caminhou para o cadafalso sem tremer, recusando-se a entregar à justiça o segredo desse terrível drama.

Quando interrogado sobre a autoria do crime, a resposta era sempre a mesma:

“Para que serviria eu falar? Nunca fui ninguém. “ – dizia aos magistrados que o cobriam com perguntas. –“ Isso não me salvaria e seria envolver muitas outras pessoas no negócio.”

O condenado foi para o cadafalso, preferindo guardar fidelidade sobre as mandantes do crime. Essa atitude do réu contrariou Lachaud, que tinha certeza de que o crime fora praticado por encomenda.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 10 de outubro de 2020

MINHA DOCE COSTUREIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

MINHA DOCE COSTUREIRA

Órfã de mãe aos 4 anos de idade, com 5 irmãos, Lia foi criada pelo pai e pela madrasta.

Como estavam em crescimento, as crianças eram contempladas com roupas grandes e folgadas, para não ficarem logo perdidas, como dizia a madrasta.

Quando os dois irmãos mais velhos atingiram a idade para o serviço militar, foram cursar a Escola Naval, no Rio de Janeiro, por iniciativa do pai.

 

Engajados na Marinha de Guerra, Luiz, o primogênito, ao receber seu primeiro soldo, passou a enviar uma mesada para as quatro irmãs, em Natal.

Lia já estava com 13 anos. Avisou à madrasta, que, com a sua parte, queria comprar um corte de tecido para costurar um vestido, ela mesma. A madrasta foi contra, dizendo que a enteada não sabia costurar, o que era verdade. Lia insistiu e comprou o tecido para fazer sua roupa nova.

Pegou um dos seus vestidos enormes, que a madrasta mandava costurar, desmanchou, recortou e usou como molde sobre o tecido comprado. Diminuiu o tamanho do novo vestido e aprimorou, conforme o impulso do talento que lhe aflorava.

Para surpresa da madrasta e das irmãs, o vestido ficou bonito e na medida certa, sendo considerado formidável. Daí em diante, Lia tornou-se sua própria costureira e das suas irmãs. As auxiliares domésticas, com o tempo, tornaram-se suas freguesas.

Lia tornou-se uma grande costureira. Vivia entre linhas e retalhos, numa antiga máquina “Singer”, movida a pedal, alinhavando sonhos e costurando verdadeiros mimos. Naquela época, as costuras de mão, como chuleados, bainhas, casas, colocação de botões, colchetes e pressões eram um trabalho à parte. Máquina a motor, com “ponto de ouro” não havia nem em sonho.

Mesa, fita métrica, tesoura, alfinetes, agulhas e linhas faziam parte do universo de trabalho de Lia. E a máquina de costura, locomotiva dos seus sonhos, era sua maior amiga.

Lia tinha uma Caderneta de Anotações, onde registrava as medidas das suas freguesas: Larguras do busto, cintura, quadris, comprimento da saia, largura e altura do braço e punho, eram as medidas básicas.

Sempre costurava cantarolando modinhas, mas, às vezes, era surpreendida calada e pensativa.

Com pouco mais de 20 anos, Lia conheceu um primo da madrasta, comerciante e residente em Nova-Cruz, no agreste potiguar, surgindo entre os dois um amor à primeira vista. O rapaz, poucos dias depois, a pediu em casamento. Lia aceitou e se preparou para casar e ir morar em Nova-Cruz, onde o progresso passava muito longe. A cidade não tinha energia elétrica nem água encanada. Os esgotos eram a céu aberto.

Uma única exigência, Lia fez ao futuro marido: O bangalô que ele mandara construir em Nova-Cruz, onde fixariam residência, teria que ter um aparelho sanitário de louça. Nessa época (1940), isso era luxo. O que se usava nas casas do interior era “sentina” (vaso sanitário rústico, feito de barro, com apoio para os pés, onde o usuário ficava de cócoras).

Em nome do amor, Lia enfrentou a mudança de vida, da capital para o interior, trocando o conforto pelo desconforto.

Concluída a casa e celebrado o casamento, Lia começou vida nova, vendo realizado seu sonho de se casar por amor e poder constituir uma família. O casal gerou uma prole que seria de seis filhos, se o 5º, de nome Galdino, não se tivesse encantado aos sete meses de vida.

Com o casamento, a costureira deu lugar à dona de casa, esposa e mãe. Passou a costurar somente para a família, nas horas vagas.

Lia e todos os irmãos sabiam falar Inglês, pois aprenderam com o Pai poliglota, Celestino Pimentel, Professor Catedrático da língua Inglesa.

Anos depois, em Nova-Cruz, aceitou o convite para ensinar Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, da Congregação Franciscana. Nesse tempo, não havia concurso, nem maiores exigências para o exercício do magistério.

Lia também ajudava ao marido na sua venda, diariamente, na parte da tarde, e onde ele dava tempo integral.

Sempre foi uma mulher atuante. Participava de todos os eventos sociais e religiosos da cidade, inclusive das festinhas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, onde costumava recitar ou fazer saudações nas datas comemorativas, como o Dia das Mães.

Muito carismática e dona de uma educação requintada, Lia conquistou Nova-Cruz e elegeu essa terra abençoada, também, como sua terra natal.

Nunca foi candidata a cargo eletivo, mas vivia tentando “armar quebra-cabeças”, para ajudar as pessoas mais necessitadas.

Anos depois, já na maturidade, chegou a receber o título de Cidadã Nova-Cruzense, outorgado pela Câmara Municipal.

Francisco e Lia viveram um amor único e definitivo, vibrando com o sucesso dos filhos e sofrendo com eles, quando alguma coisa os fazia sofrer.

E com o cuidado de quem costurava uma colcha de retalhos, Lia estampou nessa maravilhosa peça o seu sonho realizado: um lar cheio de amor, ornamentado pelos filhos, aos quais ela e Francisco ensinaram os princípios morais para consolidação do caráter, e as virtudes da caridade, generosidade, lealdade e da gratidão, as quais formam o caminho da felicidade, muito mais do que bens materiais.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 03 de outubro de 2020

AS ANDANÇAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS ANDANÇAS

Dona Maroca, a maior fofoqueira da “rua de baixo”, de tanto falar mal das filhas dos outros, pagou a língua, com o troco que lhe foi dado pelas suas duas filhas, Zefinha e Biloca, de 17 e 18 anos. Para ela, entre suas andanças e “paranças”, falando mal e reparando a vida dos outros, aquilo era uma afronta! Era o cúmulo dos cúmulos. Uma agressão incomensurável das duas filhas contra a santa e extremada mãe, que o que tinha de conservadora, tinha de linguaruda. A mulher anotava numa caderneta, as datas de casamento das filhas das amigas, para conferir se tinham casado grávidas.

 

Eis o crime das duas jovens: As duas filhas saíram para um “assustado” na casa de uma amiga, e só chegaram em casa às 7 horas da manhã, em um “baby” (antigo Buggy bugre baby), alegres e embriagadas. O dono do “baby” mal esperou que elas descessem do carro e arrancou em disparada, fazendo “cavalo de pau.”

Dona Maroca deu um escândalo com as filhas, chegando até a dar-lhes uns “safanões.” As duas protestaram, dizendo que o rapaz que tinha vindo deixá-las era um amigo da turma e que a festa tinha rolado até de manhã.

Indignada, Dona Maroca passou o dia resmungando e, vez por outra, insultava as filhas:

– Esse rapaz que veio deixar vocês é capado? Os outros que estavam na tal festa, também são capados???

Zefinha e Biloca, combinaram de deixar a mãe falar até se cansar. Passaram a dar calado por resposta.

Quando a onda baixou, as duas jovens se recolheram ao quarto, com sono e cansadas do “farrão” que tinham feito, na companhia dos amigos e amigas.

Horas depois, Dona Maroca flagrou uma das filhas, com voz doce ao telefone, dizendo:

– Pois é. A velha está intolerável! Mas a gente tapeia ela. Às 7 horas, estaremos lá.

Dona Maroca detestou ser chamada de “velha”. Bruscamente, tomou o telefone de Biloca. Em socorro à irmã, Zefinha apareceu e interrompeu a briga. Foi o começo da tormenta.

A “velha” vociferava, que o comportamento das duas era uma vergonha. Dizia que elas eram duas pestes e que preferia que tivessem nascido mortas.

– Maldita hora que o pai de vocês arribou com outra e deixou vocês comigo! -gritou.

Zefinha encarou a mãe:

– A senhora pensa que eu estou disposta a viver ouvindo desaforos? A Senhora precisa deixar de ser dominadora. Nós já somos adultas!

A mulher avançou para as duas filhas respondonas, enchendo-as de tapas e empurrões.

As duas jovens correram para a rua, enxotadas pela mãe:

– Fora, todas duas! – disse a mulher, sentindo-se desacatada.

Descontrolada, a mãe passou a proferir impropérios:

– Vão dar o que quiserem dar, mas, bem longe daqui! Não ponham mais os pés nesta casa!

As jovens deixaram a casa, que também era delas, sob a intensa fuzilaria da ira maternal, levando cada uma sua valise, com alguns apetrechos. Foram empurradas até a porta da rua, sob os olhares de vizinhos, que sem escrúpulos, a tudo assistiam “de camarote”. Tremiam e choravam, envergonhadas com a humilhação que a própria mãe lhes impusera. Na porta da rua, a mãe fez um verdadeiro comício contra filhos, dizendo que “filho é miséria! Filho é a peste bubônica!!!”

A vizinhança, ao final, se revoltou. Nenhuma mãe tem o direito de dizer essas coisas com os filhos. E essa mãe desnaturada expôs as duas filhas “às feras”, quando se sabe que até os animais defendem suas crias.

A mulher conseguiu destruir a autoestima das duas jovens, que, sem saber que rumo tomar, terminaram na casa de uma amiga, montadas numa máquina de costura, confeccionando roupas para fora, e ganhando dinheiro. Gastando o mínimo possível, e juntando dinheiro num cofrinho, com o tempo, conseguiram alugar uma casinha. Continuaram costurando e ganhando dinheiro para o próprio sustento. Tornaram-se conhecidas na cidade e superaram a mágoa que guardavam da mãe.

Perdoar é mais sublime do que doar. A doação, quase sempre, é material. Mas o perdão é a voz do coração, que chora de pena, da pessoa que teve a infelicidade de cometer um ato injusto, passando a amargar a dor do arrependimento e do remorso.

Quando a índole é boa, seja qual for a dificuldade enfrentada, a corrupção e a prostituição jamais encontrarão abrigo.

As duas filhas perdoaram a Mãe e nunca deixaram de ajudá-la, quando ela precisou.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de setembro de 2020

LACHAUD (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LACHAUD

Charles Alexandre Lachaud, célebre criminalista francês, nasceu em Treignac, no departamento de Corrèze, a 25 de fevereiro de 1818. Estudou no liceu de Balzas e em 1836 viajou para Paris, a fim de fazer os seus estudos de Direito. Depois, voltou para a sua terra e abriu banca de advocacia em Tulle.

Certo dia, inesperadamente, um grande processo-crime veio tirar Lachaud da obscuridade, e jogá-lo na glória e na fama.

Pois bem. Nos primeiros dias de janeiro de 1840, Madame Lafarge (em solteira, Marie Capelle), era presa na sua quinta do Glandier, perto de Tulle, onde seu marido, proprietário de fundição, acabava de falecer.

Filha de um antigo coronel do Império e aparentada com as mais ilustres famílias da época, a jovem era odiada pela sogra, que a perseguiu até a sua morte, e, com ódio feroz, acusava-a de ter envenenado o marido com arsênico e de ter furtado diamantes de uma de suas amigas.

Essa dupla e terrível acusação, dirigida contra uma dama da alta sociedade, jovem, bela, distinta e inteligente, teve uma grande repercussão. O caso, rapidamente, tornou-se um processo célebre.

Madame Lafarge (ou Marie Capelle) já ouvira Lachaud, num processo criminal, perante o júri de Corrèze. Ainda não o conhecia, mas, a partir de então, foi seduzida pela sua eloquência, a tal ponto de prometer a si mesma a ele recorrer, se algum dia precisasse de um advogado. Nessa época, Lachaud tinha pouco mais de 22 anos.

Logo depois de presa, Madame Lafarge escreveu a Lachaud, rogando-lhe que assumisse a sua defesa, pois era testemunha do seu talento admirável. Tinha-o ouvido num processo criminal, perante um Júri em Corréze e ele a fizera chorar. Nessa ocasião, dizia ela, vivia feliz e risonha. Hoje, estava triste e sempre chorando. Terminava a carta, pedindo-lhe que restituísse o seu sorriso, fazendo brilhar a sua inocência aos olhos de todos. E assinava: “Marie Capelle” (seu nome de solteira).

Entretanto, a família de Madame Lafarge já tinha escolhido como seu defensor, outro importante advogado, Maitre Paillet, da Ordem dos Advogados em Paris. Mesmo assim, a acusada não quis abandonar o advogado que escolhera e exigiu que o seu jovem defensor auxiliasse o seu ilustre colega.

A partir de então, o nome de Lachaud ficou associado ao “processo Lafarge”, embora ele só estivesse atuando na parte referente ao furto das joias.

E Lachaud defendeu Madame Lafarge dessa acusação, com todo o seu coração e todo o seu talento.

Ele também era jovem, cheio de ardor e dedicação, possuía tesouros de talento e de eloquência em reserva, e queria gastá-los. E, assim, consagrou-se inteiramente à defesa dessa jovem de 24 anos, cujo fascínio e beleza seduziam a quantos a cercavam.

Apesar do talento e esforços de Lachaud, auxiliando a defesa feita pelo advogado Maitre Paillet, contratado pela família da acusada, Madame Lafarge foi declarada culpada e condenada a trabalhos forçados, pelo resto da vida.

Após a condenação, Madame Lafarge não se desacreditou. Conservou os seus partidários e os seus defensores.

Na prisão de Tulle, recebia mais de 6.000 cartas por ano: cartas de dó, ofertas de auxílios pecuniários e, sobretudo, declarações de amor ou pedidos de casamento, feitas por ingleses ricos ou americanos excêntricos.

Durante o seu cativeiro, escreveu um livro intitulado “Horas de Prisão”, que, segundo os historiadores, contém belíssimas páginas.

Em 1852, finalmente, escreveu ao príncipe Luiz-Napoleão, presidente da República, não para lhe pedir graça, mas justiça. Na carta, dizia que era inocente e que há doze anos se desesperava diante da justiça dos homens. Mas, agora apelava para ele, o Príncipe, que representava a justiça divina na face da terra. Dizia não estar implorando a liberdade da ventura, mas recorrendo ao meio de oferecer a Deus o triunfo do seu direito. Invocava também a figura do seu falecido pai, que se vivo fosse, só encontraria um nome bastante grande para transformar um ato de clemência num ato de justiça. E esse nome era o dele, o Príncipe Luiz-Napoleão. E finalizava a carta, rogando-lhe Graças pela memória e pela honra do seu pai, que o conhecia, e Justiça para ambos.

Napoleão concedeu a graça implorada e Madame Lafarge voltou ao seu casarão de Glandier, que ficara deserto durante mais de doze anos.

Na prisão, alimentara ingênuas ilusões de que, ao sair de lá, seria recebida com flores em sua aldeia e que em sua homenagem o povo faria uma recepção triunfal.

Para sua decepção, nada disso aconteceu. Os habitantes de Glandier receberam-na muito mal, e quando ela passeava pela aldeia, ouvia o povo murmurar, à sua passagem, as palavras: “Ladra! Envenenadora!”

Madame Lafarge não gozou longamente de sua liberdade e faleceu algum tempo depois de sua saída da prisão. No seu leito de morte, reuniu os amigos fieis e, diante do sacerdote, fez essa declaração suprema: “”Vou comparecer perante Deus para ser julgada. Diante dele, protestarei a minha inocência!”

Faleceu em 1853 e, durante vários anos, Lachaud nunca deixou de cuidar do seu túmulo, com um piedoso respeito e nele sempre mandava depositar flores.

O célebre criminalista sempre julgou Madame Lafarge inocente, antes, como depois de sua condenação. Sua convicção sobre isso era inabalável. Considerava-a uma vítima da tirania diabólica da sogra. Para ele, ela fora esmagada por uma fatalidade, mais cruel do que todas as sombrias fatalidades que pudessem existir. Dizia que essa mulher era dona de um coração prodigioso, que o compreendeu, num momento em que ele ainda estava se encontrando. E que depois da condenação, ela chegou a lhe dizer: “Meu amigo, sinto-me bem feliz, por minha desgraça ter favorecido o seu destino!”

Em 1844, depois de inúmeros triunfos, Lachaud se mudou para Paris, e ainda que chegasse precedido de sólida reputação, os seus começos foram penosos, entre o numeroso corpo de advogados que ali atuavam.

Pouco tempo depois, casou-se com a filha do acadêmico Ancelot, que acabava de se arruinar numa desastrosa exploração do teatro de vaudeville. Lachaud reuniu todos os credores de seu sogro, responsabilizou-se por todas as dívidas deste e saldou-as integralmente. Esse foi um dos muitos gestos que marcaram a generosidade delicada e inesgotável de Lachaud.

O grande criminalista não tardou a conquistar, entre os advogados de Paris, o lugar que lhe cabia. Advogou, principalmente, perante o Tribunal do júri. Era para lá que tendiam a sua natureza e o seu talento.

Lachaud morreu em 9 de dezembro de 1882. Ao sentir que estava no fim, pediu para ser transportado para o seu escritório, à rua Bonaparte, onde tantas misérias tinham vindo procurar consolo, e onde tantas confidências dolorosas lhe haviam sido feitas.

Morreu com os olhos fitos num quadro, representando uma mulher jovem, de uma beleza grave e melancólica, de longos cabelos anelados e grandes olhos negros. Era o retrato daquela, a quem ele devotara um culto apaixonado, cuja defesa fora a ideia fixa de sua vida. Era o retrato de Madame Lafarge (ou Marie Capelle), protagonista do crime que o tornou famoso.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de setembro de 2020

A BACIA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A BACIA

Agenor Maria foi marinheiro tatuado. Estava no navio “Vital de Oliveira, torpedeado em águas da Bahia, durante a 2ª guerra. Salvou-se por milagre, pois 30% dos seus colegas morreram. Comboiou, no destróier “Maranhão” (contratorpedeiro), os navios brasileiros que faziam a rota Rio-África durante todo o ano de 1944 e, em 1945 voltou para São Vicente, no Seridó (RN), sua terra natal.

Agricultor, candidatou-se e foi eleito vereador pelo PSD (1954-1958).

Fundou a Cooperativa dos Produtores de Algodão do Rio Grande do Norte em 1960, quando já estava entrosado na política.

Foi eleito deputado estadual em 1962, pelo PDC (Partido Democrata Cristão) e, após a extinção dos partidos políticos, foi candidato, em 1966, a deputado federal, pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), obtendo 13.045 votos e ficando como suplente. Quando Aluízio Alves pediu licença, Agenor Maria assumiu.

Na crise de dezembro de 1968, o Congresso foi fechado. Tudo cercado de soldados, Agenor Maria, saindo do “corredor polonês”, olhou para trás, viu as duas conchas do edifício do Congresso, desenhadas no horizonte imenso de Brasília, e fez uma jura:

– SÓ VOLTO AQUI, SE FOR PARA A OUTRA BACIA.

A maior ascensão da carreira política de Agenor Maria aconteceu em 1974, quando, com o apoio de Aluízio Alves (Angicos-RN), extraordinária força política do MDB no Rio Grande do Norte, elegeu-se Senador da República (1975-1983).

Em 1974, uma hora da manhã, na boleia do seu caminhão, levando mercadorias de João Pessoa para Currais Novos, quando passava pelo posto de Parnamirim (RN), um portador o aguardava com uma carta do deputado Henrique Eduardo Alves, chamando-o a Natal no dia seguinte, para uma reunião.

O assunto tratado nessa reunião foi quase uma intimação, para que ele fosse candidato a senador pela Oposição. Agenor Maria aceitou e foi eleito.

No dia da posse, no Senado, em Brasília, o nordestino vitorioso, ex-marinheiro tatuado e agricultor, que trabalhava honestamente transportando mercadorias no seu caminhão, por ele mesmo dirigido, olhou de longe o edifício do Congresso, viu as duas conchas de Oscar Niemeyer desenhadas no horizonte azul e lembrou-se do juramento feito seis anos atrás:

– CUMPRI MINHA JURA! VOLTEI MESMO PARA A OUTRA BACIA, A BACIA EMBORCADA!

A oposição venceu dezesseis das vinte e duas disputas para o Senado, quando Agenor Maria foi escolhido para representar os potiguares na Câmara Alta do país, até ser eleito deputado federal pelo PMDB, em 1982.

Agenor Maria era considerado uma das grandes forças políticas do Seridó, e do Rio Grande do Norte no Congresso Nacional. Durante o período em que esteve, tanto no Senado, como na Câmara, defendeu a agricultura e os trabalhadores, sempre mostrando-se preocupado com a situação econômica, pela qual o Brasil estava passando, e ainda com a situação de outras áreas importantes.

Agenor Nunes de Maria, natural do Rio Grande do Norte, filho de Antônio Inácio de Maria e Júlia Nunes de Maria, nasceu em São Vicente (RN), em 16.08.1924 e faleceu em Natal (RN), em 14.06.1997.

Um homem íntegro, simples, agricultor, e com grande vocação política. Sua atuação engrandeceu a história política do Rio Grande do Norte. Se vivo fosse, hoje estaria entre os “fichas-limpas” do Brasil. Vereador, deputado estadual, deputado federal e senador(1075-1983) pelo Rio Grande do Norte, esse homem “do povo” não se deixou corromper pela volúpia do poder.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 12 de setembro de 2020

A VILÃ (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A VILÃ

Maria Linhares, 69 anos, mulata, alta e um pouco gorda, era dona de uma vila de quartos de aluguel, no bairro da Ribeira, em Natal, década de 70 do século passado.

Muito moralista, com voz firme e forte, tinha suas regras. Alugava quartos somente a casais sem filhos. Às 22 horas, fechava o portão de ferro do “condomínio”, com um cadeado e ninguém mais entrava, salvo se arrodeasse e pulasse o muro.

De acordo com o seu regulamento, era proibido se tomar banho nos quartos, pois na vila só havia um pequeno banheiro coletivo, onde se levava água em um balde. Ali também havia um aparelho sanitário, feito de tijolos e coberto por uma tábua, onde circulavam baratas por dentro e por fora. Nos quartos, sempre apareciam escorpiões, prontos para atacar. Era um ambiente muito pobre e insalubre.

De pouca conversa, Maria Linhares vivia pensativa e triste, com os olhos fixos no nada, em que o destino a transformou. Quem a conhecesse nessa altura da vida, não poderia imaginar o passado criminoso que ela escondia.

Pois bem. Na mocidade, essa mulata bonita, descendente de angolanos, fora empregada doméstica e protagonista de amores e tragédias. Apaixonou-se por Daniel, o filho do seu patrão e os dois viveram uma aventura amorosa clandestina, que, somente para ela, foi um amor fatal. Meses depois, chegou-lhe aos ouvidos a notícia de que o rapaz estava noivo de uma jovem de nome Arlete, e o casamento já estava marcado.

Desesperada, a mulher passou a odiar a jovem Arlete e a paixão que sentia por Daniel tornou-se uma obsessão, mesmo o rapaz tendo posto um ponto final no caso.

Como cozinheira da casa dos pais de Daniel, Maria Linhares também foi encarregada de cuidar da casa nova, já mobiliada, onde ele e Arlete iriam morar depois de casados.

Arlete trabalhava numa loja do futuro sogro, na Rua Dr. Barata, no Bairro da Ribeira. Morava com os pais, irmãs e a tia Otília, jovem e solteira, sua amiga e confidente, no bairro da Cidade Alta. Levava uma vida tranquila e feliz, com o casamento já próximo.

Fingindo querer agradar, Maria Linhares sugeriu a Arlete que fosse até a casa nova, para ver a mobília comprada por Daniel e dar sua opinião sobre a arrumação.

Muito ingênua, a jovem prometeu que logo iria.até lá. Não imaginava que a empregada fosse apaixonada por seu noivo e já tivesse havido um caso entre eles.

A jovem, então, combinou com a tia Otília para, no sábado vindouro, na volta da praia, irem até à sua casa nova, para ver a mobília que Daniel havia comprado.

Na manhã do sábado, 24 de outubro de 1942, Arlete e a tia Otília, depois do banho de mar na Praia do Morcego, hoje Praia do meio, se dirigiram a pé à casa nova, na Av. Getúlio Vargas, esquina com a Rua Joaquim Fabrício, no alto do bairro de Petrópolis.

A empregada as esperava ansiosa, e expressou grande alegria ao vê-las. Arlete resolveu entrar no banheiro, para tomar um banho de água doce, e tirar do corpo o sal da água do mar.

Quando Arlete entrou no banheiro, imediatamente, Maria Linhares chamou Otília para ver a garagem. Lá, as aguardava um homem do tipo lombrosiano (tipo de pessoa com as características físicas definidas por Cesare Lombroso, como sendo as do criminoso nato) e aspecto apavorante. O homem agarrou Otília, enlaçando seu pescoço com um pano e apertando o laço, ajudado pela empregada, e sufocando a jovem, até matá-la por estrangulamento. Com a ajuda de Maria Linhares, o corpo de Otília foi, rapidamente, arrastado e jogado na vala que já estava cavada no fundo do quintal.

Depois de alguns minutos, Arlete saiu do banheiro e chamou pela tia. Maria Linhares respondeu, atraindo-a para a garagem e dizendo que ela e Otília estavam lá. E a jovem dirigiu-se à garagem. Logo à porta, o monstro avançou para ela, que deu um grito de pavor, ouvido pelos vizinhos. Mas, imediatamente, seu grito foi abafado com um pano enlaçado ao seu pescoço, que a sufocou. Novamente, com a ajuda de Maria Linhares, o laço foi apertado até matar Arlete estrangulada, como acontecera com a sua tia Otília.

O cúmplice de Maria Linhares, após o estrangulamento, despojou o cadáver de Arlete das joias que ela estava usando. Tirou-lhe os anéis, o relógio e, do pescoço, tirou um trancelim de ouro.

Era essa a sua paga, pela participação no crime de vingança, arquitetado por Maria Linhares, sua grande amiga.

Em seguida, os dois assassinos deram início à “cerimônia” do enterramento dos cadáveres. Ao pé do muro do quintal, já haviam cavado a areia frouxa do morro, e já estava feita a vala, que supunham ser a última morada das duas jovens, Otília e Arlete. Ao enterrarem o cadáver de Otília, deixaram, também, na cova, os óculos que ela usava.

Lançaram areia sobre os corpos, cobrindo-os completamente, e deixaram o quintal sem qualquer vestígio do enterramento.

A única testemunha desse duplo e bárbaro homicídio foi o cajueiro, de sombras amplas em todo o redor.

Os dois assassinos cuidaram de espalhar folhas do cajueiro sobre a cova. O caso estava consumado.

Depois de terminado o ritual macabro, o cúmplice se retirou, levando consigo as joias que embolsara. E Maria Linhares foi logo cuidar de lavar o chão da garagem e apagar as manchas de sangue que ficaram.

No dia seguinte, domingo, o cúmplice voltou a procurar Maria Linhares, para devolver as joias, pois, em todas estava gravado o nome de Arlete. Não poderiam ser vendidas. Em troca, ele exigiu da mulher um alto valor em dinheiro.

Tudo continuava em segredo, e os dois assassinos estavam certos de que, dentro de pouco tempo, o caso cairia no esquecimento. Achavam que a impunidade deles estaria garantida.

Mas o crime, cedo ou tarde, seria descoberto, pois os vizinhos da casa nova onde iriam morar Arlete e Daniel, viram a entrada das duas jovens, mas não viram a saída. Além disso, o grito de pavor de Arlete, ao ser atacada pelo monstro, foi ouvido por algumas pessoas.

Maria Linhares cumpriu a pena de 33 anos de reclusão, na Penitenciária de Natal. Confessou seus crimes, denunciou o cúmplice Felinto Saldanha, e inocentou Daniel, o noivo de Arlete.

Maria Linhares, no Rio Grande do Norte, foi a primeira condenada que cumpriu integralmente a pena que lhe foi aplicada pela Justiça.

Em Natal, naquela época, o nome “Maria Linhares” virou um dogma de maldade e perversidade satânica.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de setembro de 2020

URUBUTINGA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

URUBUTINGA

Urubutinga é uma espécie de urubu gigante, de cabeça amarelo-avermelhada. É um abutre, ou corvo. Existe em grande quantidade em Babaneira, país que, por coincidência, lembra um outro, bastante conhecido.

Há na mídia, uma desmoralizante onda de boatos, que visa destruir a paz e tranquilidade de Babaneira. Mas é fato público e notório, que o seu Magno governante zela por seu povo pobre, ordeiro e acomodado. Mesmo assim, o Grande, Legítimo e Eleito governante recebeu um “silencioso” em sua boca, por ordem emanada do Solar Urubutinga, onde habitam os maiores urubus do reino animal. Ali, todos se sentem urubus-reis.

A felicidade reina em Babaneira, graças ao nosso Magno governante de boca amordaçada. Enquanto isso, o Solar Urubutinga, onde todos se julgam suprassumos da legalidade, cada vez mais cai no descrédito do povo.

Em Babaneira, não há desemprego, não há fome, não há epidemia. O bem-estar e liberdade de comunicação do povo é livre. “Você pode casar com quem quiser, desde que case com Zezinho”. Deu pra entender??? Ou quer que eu desenhe???

As cadeias estão, praticamente, vazias, entregues às moscas. Presos, somente PPP: Preto, Pobre e Puta. Corruptos e traficantes trafegam e traficam livres, leves e soltos. A ordem do Solar Urubutinga é que eles tenham passe livre nas suas comunidades, e não sejam detidos nem vigiados, salvo quando houver “caso grave”. Ai de quem for contra os infratores da lei. Serão mortos e sepultados em vala coletiva, tipo aquelas que aguardam os mortos do vírus assassino.

Em Babaneira, a ordem superior não emana do governante de boca amordaçada, mas desse recanto, onde fica o suprassumo da legalidade fantástica e global. Os traficantes e a mais alta cúpula da violência, que aterroriza e mata a população desarmada e indefesa, estão livres leves e soltos. O “dindin” escondido pelos ladrões de colarinho branco jamais será devolvido. É o lema adotado e permitido pelo Solar de Urubutinga.

E para se continuar vivendo nesse paraíso, deve-se estar sempre alerta, trancando-se em casa, e afastando-se daqueles que queiram quebrar essa saudável e harmoniosa paz!.

Babaneira é o céu! É um mar de rosas! Nela não há insatisfeitos! Babaneira é a “Valsa do Imperador”!!!

Por Ordem do Solar Urubutinga, a palavra “OPOSIÇÃO” foi abolida do Dicionário e do Vocabulário. E aqueles que insistirem no assunto, serão Abolidos e Trancafiados, tendo seu material de trabalho sequestrado e apreendido, seja eletrônico, cibernético ou antiquado.

A situação econômica do Solar Urubutinga é a melhor possível. Altíssima verba pública custeia a lagosta, vinhos do mais alto custo e requinte, caviar e tudo o mais, que um seleto grupo de urubus, habitualmente, degusta.

Babaneira quer enxugar a máquina pública, começando por fechar hospitais, ou desativando leitos hospitalares, equipamentos superfaturados, respiradores, ventiladores, tudo adquirido sem licitação à terra do “olho estreito”.

Com os hospitais fechados, se alguém adoecer e se o vírus mortífero permanecer entre a população, a responsabilidade será jogada nas costas do Ministério da Saúde. Quem ficar doente, que fique em casa e se cure sozinho, se for possível.

De uma hora para outra, em Babaneira, tudo resolveu entrar em crise. O abacaxi, a banana e a melancia, além de outros produtos Hortigranjeiros, espontaneamente, resolveram sabotar a economia.

A culpa é somente, e exclusivamente, do Ministro da Economia, que resolveu trocar a monocultura pela policultura. No tempo em que só se cultivava banana, duvido que houvesse esse tipo de crise no governo..

A desculpa sempre é de que fatores alheios à vontade dos governantes, como chuva em excesso, secas horrendas e pragas monstruosas de insetos subnutridos concorreram para o fracasso da economia.

Babaneira quer investir no Turismo. Mas no inferno verde, atualmente, há o perigo de mosquitos, peste, febre tifo e outras febres.

A população de Babaneira corre o risco de nova epidemia, do vírus mortal que ainda não foi erradicado. O perigo é que somente a Supremacia seja vacinada e imunizada.

Até o Ministro da Saúde, se houver, também corre o risco de não ser vacinado.

Um perigo que ronda a população de Babaneira:

De agora em diante, os cidadãos dessa terra, que apresentarem sinais de febre tifo, febre amarela, sarampo, varíola, cólera, ou outra doença tropical epidêmica serão confinados em suas residências. Já os moradores de rua, como tem acontecido, serão envenenados por algumas facções “filantrópicas”. É mais fácil serem fuzilados do que vacinados. Isso mesmo. Não serão vacinados.

Os membros do Solar Urubutinga, em recente reunião, entre um gole e outro de champanhe com tira-gosto de banana, conversaram animadamente, festejando o progresso de Babaneira, a terra da banana encantada e dos mistérios perdidos.

Coronavírus? Que delírio! Nem na nossa Idade Média houve isso!

Aliás, nem Idade Média Babaneira teve.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de agosto de 2020

A SOLIDARIEDADE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SOLIDARIEDADE

Quando Nova-Cruz (RN) não tinha energia elétrica nem água encanada, o desconforto da população era grande. O banho diário era com água de cacimbão, salobra (salgada).

A água doce, potável, usada para beber e cozinhar, era trazida num trem, do Rio Piquiri (Canguaretama-RN), uma vez por semana. Na Estação Ferroviária, formava-se uma fila de carregadores de galões de água doce, para levar as residências. Quando o inverno era bom, dava para se juntar água da chuva nas cisternas, e isso ajudava muito. Mas, se não houvesse inverno, o transtorno era grande.

Só quem sabe o que é a falta d’água permanente é quem já sofreu na pele.

A água encanada e a energia elétrica, de Paulo Afonso, demoraram muito a chegar a Nova-Cruz, cidade situada no agreste potiguar, fronteira com a Paraíba. É uma região muito seca, às margens dos rios periódicos, Curimataú e Bujari, que raramente tem água. A última grande cheia que houve foi na década de 1960.É la que estão fincadas as minhas raízes.

A cidade sempre sofreu com a falta d’água.

No início da década de 1970, houve uma grande estiagem e a falta d’água em Nova-Cruz gerou um verdadeiro caos. A água passou a ser um líquido ainda mais difícil de se encontrar. Isso foi muito vantajoso para os proprietários de carros-pipa, que abasteciam as casas das pessoas que podiam pagar. Mas a pobreza sofreu muito.Toda a população amargou um longo período de seca. Nesse tempo, água mineral era uma ilustre desconhecida, em Nova-Cruz.

Nessa época, na cidade, já havia uma agência do Banco do Brasil, que, por sinal contava com uma enorme cisterna, cujo volume d’água extrapolava às suas necessidades. Mas a população não tinha acesso a essa água.

Por trás da agência do Banco do Brasil, ficava a famosa Rua do Sapo, zona do baixo meretrício, onde ficavam os cabarés de Nova-Cruz. Ali, a boemia se encontrava com as paixões sem amanhã . Entretanto, as prostitutas já estavam quase sem condições de “trabalhar”, em virtude da falta d’água e da consequente dificuldade de higienização.

O problema da Rua do Sapo chegou aos ouvidos do Sr. Tenório, gerente do Banco do Brasil. Compadecido com o sofrimento e o prejuízo das prostitutas, o gerente, dono de uma grandeza de espírito ímpar, discretamente, e sem temer a língua dos falsos moralistas, foi até à Rua do Sapo, que ficava por trás do Banco, para ver de perto a intensidade do problema social, que estava sendo gerado. Queria se inteirar, pessoalmente, do problema que “as meninas” estavam passando. E o sofrimento delas incomodou o gerente do Banco, deixando-o penalizado. Então, publicamente, sem receio de comentários maldosos, o Sr. Tenório resolveu ajudá-las, tomando uma decisão corajosa e humana.

Por conta própria, o gerente do Banco comprou vários metros de tubos de encanamento, registros de passagem, torneiras, joelhos etc. e pagou a um encanador de Nova-Cruz para, por cima do muro do prédio do Banco, distribuir, diariamente e num horário previamente combinado, água para as sofridas prostitutas.

Graças à atitude generosa e justa, do então gerente do Banco do Brasil de Nova-Cruz, a vida na Rua do Sapo voltou ao normal, .

Somente em 1978, último ano administrativo do segundo mandato do saudoso Prefeito José Peixoto Mariano, realizou-se o sonho dos nova-cruzenses: O então governador do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, inaugurou o sistema de abastecimento d’água em Nova-Cruz, oriunda do rio Piquiri (Canguaretama-RN).


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de agosto de 2020

A PAPA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A PAPA

Há várias décadas, em Natal, eu e meu saudoso marido, com poucos meses de casados, fomos visitar a avó materna dele, bastante idosa e um pouco esclerosada.

Fiquei admirada e sem entender nada, quando a filha dela, trouxe-lhe um prato de papa e ela recusou, indignada, dizendo:

– Leve a papa de Zé Anselmo pra lá! Você quer me matar?!!!

Com muito carinho e paciência, a filha conseguiu convencê-la a comer a papa, sua comida predileta e costumeira, na hora da ceia. Segundo ela, com o princípio da esclerose, a idosa passou a rememorar fatos ocorridos há muitos anos. E o caso da “papa de Zé Anselmo” era um deles.

Pedi ao meu marido para me contar que caso foi esse, que fazia a avó dele ter tanto medo de comer papa. E fiquei sabendo a história da “papa de Zé Anselmo.”

Pois bem. Há vários anos, em Natal, (julho de 1952), o cidadão José Anselmo morreu, vítima de uma papa envenenada, juntamente com a cunhada solteira que morava dentro de casa, e o gato de estimação.

O pior é que quem fazia, diariamente, essa papa, era sua dedicada esposa, que, segundo a opinião pública, nesse caso, estava acima de qualquer suspeita. Havia, também, as más línguas, que a ela atribuíam a autoria do crime, por haver descoberto um relacionamento entre sua irmã e ele.

De família ilustre, José Anselmo era alto funcionário dos Correios e Telégrafos e a família residia numa bonita casa no Bairro da Cidade Alta.

Quem comeu da papa começou a vomitar e os socorros médicos foram inúteis. O veneno violento venceu a batalha e em poucos minutos José Anselmo, a irmã da sua esposa e o gato estavam mortos. A Perícia Médica constatou que a papa estava envenenada, tendo sido encontrado dentro da casa, um pilão, com restos do veneno que ali fora pilado.

A cidade ficou estarrecida, diante dessa tragédia, aparentemente, familiar, mas sem provas da autoria. Como era natural, a maior suspeita recaía sobre a viúva, que fizera a papa e dela não comera. Apesar disso ser um álibi, não dava para ser totalmente aceito. Mas a opinião pública, em peso, apontava a mulher como culpada, pois teria agido por ciume e vingança, em face do suposto relacionamento da sua irmã com seu marido.

José Anselmo era considerado um homem duro, acusado de agir com rigor como chefe dos Correios e Telégrafos, o que dava chance do crime ter sido praticado por pessoas alheias à sua família. Anos atrás, tinha sofrido grave atentado de morte, na sua casa em Angicos (RN), onde foi Inspetor dos Correios.

Entretanto, o fato de José Anselmo ter morrido envenenado, dentro da sua própria casa, com uma papa feita pela esposa, justificava as suspeitas.

Outro detalhe intrigante, é que a esposa de José Anselmo foi a única pessoa a não comer da papa. Até a empregada foi envenenada, ao comer um pouco da “raspa” do papeiro. Levada ao hospital, por sorte, sobreviveu.

O Inquérito prosseguiu em sigilo, e foram ouvidos vários membros da família, inclusive a filha do casal, de nome Irma Alves de Souza, que compareceu em juízo, acompanhada do advogado Claudionor Telógio de Andrade, na presença do Dr. Onofre Lopes, então médico legista, e do delegado de Ordem Social, Dr. José Emerenciano.

No dia 10 de agosto de 1952, a polícia informou: O inquérito não encerrou e serão ouvidos outros nomes envolvidos.

As notícias mostravam que a revolta não diminuiu em momento nenhum, no âmbito da família de José Anselmo.

Toda a cidade queria saber quem matou José Anselmo. Mas, a exemplo das grandes histórias policiais, pairava sempre uma incógnita, sobre quem poderia ter interesse na sua morte. A sua viúva continuava a ser a principal suspeita, levando-se em consideração o suposto envolvimento da sua irmã com ele. Marfisa teria agido por ciúme e vingança. Nesse caso, seriam falsos seu choro constante e o luto fechado que ostentava. Mas, na hipótese do criminoso se tratar de pessoa estranha à família de José Anselmo, todo esse sentimento poderia ser verdadeiro.

Mas, como isso poderia ter ocorrido, se a papa envenenada fora feita na sua própria casa?

As investigações locais mostraram-se inoperantes e o mistério continuou. Mais de um ano depois do crime, precisamente no dia 19 de agosto de 1953, o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro (RJ), publicou:

“Cooperação da polícia carioca no esclarecimento do crime”.

Tudo indica que essa medida foi exigência do Senador Georgino Avelino, parente ilustre de José Anselmo, a vítima.

Uma vez que o inquérito policial local nada apontara, vieram então, para Natal, dois detetives da polícia carioca, para as novas investigações: Tibúrcio Bezerra dos Santos e Oreste Jupiciara Xavier. Exatamente, onze meses depois do crime, em 25 de junho de 1953.

O tempo comprova que nada foi descoberto, e o processo foi “cozinhado em fogo lento”, como aconteceu com a papa.

E o caso ficou na história, rotulado como um crime perfeito, se é que existe.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de agosto de 2020

DOIS DESTINOS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

DOIS DESTINOS

Natal tornou-se “americanizada”, absorvendo novos hábitos e costumes, como a Coca-cola, o Cuba-libre (Rum com Coca-cola) chicletes, o hábito da mulher fumar e beber abertamente, o foxtrote e outros ritmos musicais.

Dois bairros tradicionais de Natal foram os mais atingidos por essas mudanças. O primeiro foi o Bairro da Cidade Alta, o mais antigo de Natal. O outro foi o Bairro da Ribeira, que se tornou o mais frequentado pelos americanos, em razão do Grande Hotel, ponto de encontro de políticos, e pela sua vida boêmia. O Grande Hotel foi até usado como moradia por soldados norte-americanos.

Inaugurado em 1939, o Grande Hotel foi construído em função dos frequentes pousos de hidroaviões de empresas aéreas, que utilizavam o estuário do Rio Potengi em Natal como escala em viagens entre a Europa e a América do Sul. Havia a necessidade de um hotel mais moderno e amplo, para acomodar viajantes especiais.

Após um curto período, no qual a ocupação ficou escassa, o Grande Hotel foi arrendado ao empresário Theodorico Bezerra, que já possuía cinco pequenos hotéis e entendia do ramo em evidência.

A economia local passou por uma grande transformação. O custo de vida aumentou, e o dólar virou moeda corrente no lugar do mil -réis. Muita gente fez fortuna e os americanos foram muito enganados por pessoas inescrupulosas, no comércio de Natal. Chegaram a comprar coruja por papagaio e urubu por pássaro raro. Havia o preço para vender a americano e o preço para vender ao nativo.

Em meados do século XIX, o Bairro da Ribeira elevou sua importância comercial em Natal. Nesse local foi construído o Porto da cidade, a principal porta de entrada e saída de mercadorias e pessoas.

Um dos maiores ícones da prostituição em Natal foi a paraibana Maria Oliveira Barros, conhecida como “Maria Boa”, figura que entrou para a história. Seu luxuoso Cabaré se consagrou em Natal.

As prostitutas que lá trabalhavam eram bonitas, diferenciadas e selecionadas pela proprietária. Eram obrigadas a se submeter a exames de saúde preventivos, regularmente, para evitar doenças venéreas. Nessa época as prostitutas eram também obrigadas a apresentar o “Love Card”, para exercer a profissão.

Recatada e discreta, Maria Boa era autodidata e gostava de ler. Não frequentava eventos sociais, nem tampouco tinha amigas dentro da sociedade natalense. Chegou a Natal na década de 1940 e se dizia empresária. Nasceu em 24.06.1920, e foi proprietária do Cabaré, que se tornou passagem obrigatória, dentro da iniciação sexual da vida dos homens natalenses.

Ao chegar a Natal, Maria Oliveira Barros demonstrou grande visão nos negócios, e inaugurou sua casa de prazeres, no período em que reinava na cidade ampla prosperidade, advinda da fixação da base militar americana em Parnamirim. Aproveitando o fluxo de soldados e grandes personalidades políticas registrados na época, Maria Boa fazia questão de ostentar glamour em seu estabelecimento.

Tornou-se uma “grande dama” de negócios em Natal, e fazia questão de se manter longe de olhos indiscretos.

A boa qualidade dos serviços, prestados em seu Cabaré, era uma das exigências de Maria Boa. Podia-se sentir sua interferência desde a escolha das profissionais, à arquitetura do ambiente da casa.

Respeitada por suas atitudes extremamente discretas, era olhada com respeito por onde passava. Sua companhia significava status para quem tivesse a honra de desfrutá-la. Por trás da suntuosidade do seu estabelecimento “comercial”, reinava a figura discreta e influentemente poderosa de Maria Oliveira Barros, que avalizava títulos nos bancos para alguns figurões locais.

Segundo os historiadores, Maria Boa tinha cultura geral e, além de irradiar simpatia, também se interessava por livros e cinema. Nessa época (décadas de 40 a 50), Natal era muito influenciada pelas películas de Hollywood, algumas trazidas pelo próprio Exército Norte-Americano. A jovem foi fortemente influenciada pela moda americana, que observava nos filmes.

O Cabaré de Maria Boa era um casarão luxuoso, localizado no bairro da Cidade Alta. Seu quadro de profissionais era constituído de “moças” de grande beleza, aparentemente finas e com certo nível cultural. Seus conhecimentos eram proporcionados pela própria Maria Boa, em aulas que eram realizadas uma vez por semana.

Uma peculiaridade desse famoso Cabaré é que, bem antes de se falar em “turismo sexual”, ele já era uma referência turística na cidade. Alguns viajantes, que chegavam a Natal, eram frequentemente convidados a conhecer as admiráveis moças de Maria Boa.

Havia uma grande preocupação por parte de Maria Boa, com tudo o que dizia respeito às “moças” que trabalhavam em sua casa. Ao saírem à rua, vestiam roupas recatadas, longe da vulgaridade. A empresária não permitia que saíssem de casa desarrumadas. Muito discreta em seus hábitos, isso transparecia em suas relações comerciais e em seu Cabaré.

Mesmo com toda a discrição mantida por Maria Boa e no seu “estabelecimento comercial”, certa vez, este foi alvo de um abaixo assinado, produzido por alguns moradores adjacentes ao local, com o intuito de fechar o estabelecimento. Tal ação foi refutada por outros vizinhos que não se sentiam incomodados com a presença do cabaré. O caso foi levado à Justiça e Maria Oliveira Barros ganhou a causa, garantindo a permanência do prostíbulo. Contudo, a presença do cabaré continuava incomodando uma pequena parcela dos vizinhos do estabelecimento, caracterizando, assim, seu permanente caráter marginal na sociedade.

Enquanto o Cabaré de Maria Boa, na Cidade Alta, esbanjava luxo e riqueza, as prostitutas que habitavam o Beco da Quarentena, no decadente Bairro da Ribeira, se consumiam em pobreza e miséria. O lugar era frequentado por homens de baixo poder aquisitivo. Alguns eram de conduta duvidosa e briguentos. Esses homens frequentavam o Beco da Quarentena, porque lá os prostíbulos eram mais baratos e a boemia era popular. Ali se encontravam prostitutas, cafetões e gigolôs, que serviam de inspiração aos poetas e escritores.

Com relação aos destinos diferentes, das prostitutas do extinto “Cabaré de Maria Boa”, e daquelas que habitavam o “Beco da Quarentena”, vem-nos à memoria antigos versos de um poeta anônimo:

“Até nas flores se encontra a diferença da sorte; há umas que enfeitam a vida, e outras que enfeitam a morte.”

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de agosto de 2020

A SORTE (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A SORTE

Na primeira década do século passado, havia no Palácio do Governo do Rio Grande do Norte, um contínuo chamado Alcântara. Nessa época (1906 a 1909), o Presidente da Republica era Afonso Pena, e estava agendada sua vinda ao Estado. Ao tomar conhecimento dessa visita, o contínuo pediu ao Governador Alberto Maranhão, para fazer parte da comitiva que iria esperar o Presidente na Estação Ferroviária de Nova-Cruz, fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba.

O pedido do contínuo foi acatado, mas, mesmo assim, o Secretário achou um absurdo essa liberalidade. Afinal, Alcântara era um simples contínuo e estaria ocupando o lugar de algum político ou de mais algum puxa-saco importante. Era muito cabimento do contínuo, querer integrar a comitiva que iria esperar o Presidente da República, em visita oficial ao Governador do Rio Grande do Norte.

Indignado, o Secretário chamou o contínuo em seu gabinete e disse-lhe:

– O Governador deu permissão, então você vai na comitiva, para esperar o Presidente da República. Mas, preste atenção:

Antes do trem chegar na estação, você salta no triângulo, que é o ponto de manobra dos trens, na entrada das estações.

O trem do Governador chegou adiantado. Alcântara saltou no triângulo. Pouco depois, o trem trazendo o Presidente entrou no triângulo, para fazer a manobra. Alcântara, sozinho, subiu, foi entrando e deu de cara com o Presidente da República. E foi a primeira pessoa a dar as boas-vindas à “Sua Excelência”. Muito cordial e simpático, Alcântara foi logo mostrando-lhe a cidade pela janela. Quando o trem do Presidente chegou à Estação Ferroviária, o Governador, o Secretário do Governador, os puxa-sacos do Governador e os demais integrantes da comitiva levaram um grande susto. Alcântara, o contínuo do Palácio do Governo, apareceu na porta do trem, ao lado do Presidente da República e foi quem o apresentou às autoridades estaduais.

Seguiram todos para Natal, numa viagem cansativa e cheia de poeira, quando o progresso tecnológico era uma utopia.

Cansado, o Presidente Afonso Pena chegou ao Palácio do Governo e pediu logo um banho. De repente, entreabriu a porta do banheiro, chamou alguém e perguntou:

– Onde está o Alcântara?

Alcântara apareceu, entrou no banheiro e logo saiu. Ninguém entendeu nada. Chamado mais duas vezes pelo Presidente, Alcântara atendeu aos pedidos, e, novamente, logo saiu.

No dia da partida, à beira do cais ( o Presidente voltou de navio), o Presidente Afonso Pena chamou Alcântara , deu-lhe um abraço, e lhe falou alguma coisa no ouvido. Alcântara sorriu, saiu e não disse nada a ninguém. Os curiosos ficaram “doentes” de raiva.

Um mês depois, o Diário Oficial publicava um ato do Presidente Afonso Pena, nomeando o contínuo Alcântara, Administrador do Porto de Santos , no Estado de São Paulo. Foi um escândalo, no Rio Grande do Norte.

No bolso do paletó, Alcântara carregava uma garrafinha de conhaque francês, tamanho portátil. E Afonso Pena apreciava muito um golinho de conhaque francês.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de agosto de 2020

O SERESTEIRO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O SERESTEIRO

Violante Pimentel

 

Manuel era um homem muito pobre, negro e inofensivo, que gostava de cantar, sozinho, no silêncio da noite, quando caminhava de volta para o seu barraco.

Normalmente triste e dono de uma bonita voz, quando bebia, Manuel mudava o humor e se transformava num grande seresteiro solitário. Só cantava músicas românticas, e entre uma frase e outra, às vezes, protestava contra a sociedade em que vivia, na qual, os ricos eram cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. E era aí que ele se enquadrava.

Manuel fazia biscates, mas às vezes se via obrigado a mendigar. Era gentil e muito grato às pessoas que o ajudavam e lhe arranjavam biscates. À medida que a noite ia chegando, ele sentia o peso da penúria em que vivia, sua solidão e a falta de perspectiva de melhorar de vida. Pobre, sem estudo e sem família, Manuel, quando não encontrava quem lhe pagasse bebida, logo cedo voltava para o barraco em que vivia, fechava a porta, e se entregava aos seus pensamentos, até adormecer.

Certa noite, já muito tarde, depois de se despedir de um amigo que lhe pagara alguma bebida, Manuel parou na sua praça preferida, em frente à belíssima mansão de um importante político, e ficou a admirá-la. Na sua embriaguez, gostava de apreciar aquela obra de arte, talvez, pensando até que fosse sua, como diz a música “Até Pensei”, de Chico Buarque.

Nessa noite, muito inspirado, ao parar na praça, Manuel começou a cantar “Noite Cheia de Estrelas” (Vicente Celestino – 1931) para a sua musa imaginária, que diz:

Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho

…….

Lua, manda tua luz prateada
Despertar a minha amada!
Quero matar os meus desejos…
Sufocá-la com meus beijos”

………..

O “seresteiro” fez uma pausa, sorriu e disse alguns impropérios, sempre revoltado. Nesse ínterim, um homem rico que morava perto da mansão, que não passava necessidade nenhuma e que não tinha tolerância com ninguém, muito menos com os pobres, chamou a polícia, alegando que o mendigo estava desrespeitando os moradores.

Sem perceber a chegada da polícia, que jamais entenderia o sonho de um pobre e solitário seresteiro, Manuel, o mendigo, foi agarrado por trás e derrubado por um policial de tamanho avantajado. O homem o imobilizou, colocando seu pesado joelho sobre o pescoço do mendigo, impedindo a sua respiração e sufocando-o. Enquanto isso, mais dois policiais o algemaram. O mendigo foi levado pela viatura policial, já morto por asfixia.

Manuel, o pobre seresteiro solitário, das noites desertas da sua triste vida, foi levado na viatura policial, com o seu corpo inerte, enquanto sua alma ainda cantava, subindo para o Céu.

* * *

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de julho de 2020

FEIJÃO COM ARROZ

 

FEIJÃO COM ARROZ

Sonhei que estavam faltando feijão e arroz em todos os supermercados de Natal. Mas, ouvia no rádio a notícia de que, naquela manhã, estaria chegando ao porto de Natal um navio, transportando esses dois produtos, diretamente da China. A partir das 13 horas, o feijão e o arroz estariam nas prateleiras dos supermercados. Alimentação básica do nordestino, o feijão e o arroz fortificam e dão sustança.

No supermercado, os fregueses, usando máscaras, aguardavam ansiosos que os dois produtos fossem postos nas prateleiras. O limite para compra seria de 2 quilos de cada produto, por pessoa.

De repente, houve um grande alvoroço, pois iam colocar nas prateleiras o feijão e o arroz, vindos da China, Pátria do Corona Vírus.

Os fregueses mudaram de cor, quando souberam da procedência dos dois produtos, ligando-os ao terrível vírus, fabricado em laboratório da China. Apesar da enorme fila, ninguém teve coragem de tocar, nem de leve, nas embalagens dos dois produtos chineses. A fila “congelou”, sem sair do canto, até que, no final, apareceu um herói, que gritou:

– Saiam da frente, que eu quero comprar feijão e arroz! Pouco importa que tenham vindo da China ou da Baixa da Égua! E empurrando o carrinho do supermercado, o homem pôde levar a quantidade de feijão e arroz que bem quis, enquanto os outros fregueses continuavam acuados, com medo do “Corona Vírus”, que devia estar dentro das embalagens.

De repente, houve outro tumulto, com empurrões, pancadarias, correrias e até desmaios, pois os indecisos resolveram também comprar os produtos chineses.

O ser humano é um “animal” invejoso. Quando os fregueses viram o “herói” enfrentar o vírus chinês e ter coragem de encher o carrinho do supermercado de feijão e arroz, voltaram-se contra ele e tentaram agredi-lo. A luta foi em vão. O “herói”, único freguês que não pensou duas vezes ao comprar os produtos chineses, reagiu à altura e entrou em luta corporal com um dos agressores, conseguindo fugir da multidão. Os caixas ainda estavam vazios, e isso contribuiu para que ele pudesse pagar os produtos normalmente, sem limite de quantidade.

Graças a ele, o supermercado conseguiu vender todo o carregamento de feijão e arroz, de procedência chinesa.

Em meia hora, o arroz e o feijão sumiram das prateleiras. A revolta dos que não conseguiram comprar explodiu. O gerente, com medo da fúria dos fregueses, reuniu os empregados e pediu um voluntário, para avisar ao povo que o feijão e o arroz haviam acabado.

A revolta dos fregueses aumentou ainda mais. O supermercado fechou as portas, para forçar a saída dos fregueses revoltados.

De lá, foram protestar numa praça, para combinar o que fazer diante dessa falta de feijão e arroz. Com certeza, esses produtos não estavam sendo vendidos em farmácias, padarias nem açougues. Alguém, então, sugeriu:

– Vamos todos reclamar na Governadoria! A Governadora deve ter lá um estoque de feijão e arroz escondido, junto com as pipocas Bokus.

E saíram em passeata para a Governadoria, com gritos de protesto contra a Governadora.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de julho de 2020

O COFRE

 

 

O COFRE

Guilherme, alfaiate falido, resolveu costurar máscaras protetoras e cuecas, para sobreviver à crise provocada pela Pandemia do COVID-19. A Quarentena e o isolamento social compulsório provocaram muitos problemas, entre comerciantes e autônomos, resultando em falência, perdas de emprego, depressão e desespero, fora os óbitos e contaminação, provocados pelo terrível vírus.

 

Depressivo, em decorrência da quebra da sua alfaiataria, a “menina dos seus olhos”, além de um “bem de família”, passado de pai para filho, Guilherme tentava, agora, garantir a sua sobrevivência e dos seus familiares, confeccionando as convencionais máscaras, nos padrões exigidos pelas autoridades sanitárias. Paralelamente, passou a confeccionar, também, para vender, cuecas confortáveis, lisas e estampadas, com desenhos sensuais e frases românticas.

Seus clientes da alfaiataria e amigos, sabendo da dificuldade financeira que ele atravessava, passaram a lhe prestigiar. Seu atelier era pequeno e só contava com uma antiga costureira auxiliar.

Anos atrás, assistindo a um telejornal, Guilherme se surpreendeu, com a notícia de que um assessor de um deputado estadual cearense fora preso, num determinado aeroporto, portanto US$ 100 mil (cem mil dólares) dentro da cueca.

Outra vez, ouviu a notícia de que a Polícia Rodoviária Federal prendera três suspeitos de furto, também, com muitos reais escondidos nas respectivas cuecas.

Há anos, o Brasil assistiu, a prisão, pela Polícia Federal e Receita Federal, de um empresário, réu de uma determinada “operação”, que tentava entrar no País, com mais de 360 mil euros não declarados. A polícia ainda descobriu que esse homem, também, portava maços de dinheiro vivo escondidos na cueca.

Essas lembranças fizeram nascer em Guilherme uma grande vontade de fabricar um tipo de cueca, que contivesse uma espécie de “cofrinho”, próprio para esconder dinheiro. Isso evitaria assaltos. Encarou essa ideia fixa, como um sinal, para que ele se inspirasse e pusesse em prática a confecção desse novo modelo de cueca.

Ao amanhecer o dia, Guilherme passou para um papel o modelo que tinha na cabeça. Lembrou-se da passagem bíblica, onde Adão e Eva, ao serem expulsos do Paraíso, viram que estavam nus, o que fez com que Adão cobrisse as partes pudendas com folhas de parreira. Na cabeça de Guilherme, Adão, o primeiro homem, foi o inventor da primeira cueca.

E Guilherme ficou com a ideia fixa de costurar cuecas-cofres para vender. Tinha certeza de que o novo produto teria sucesso, igual ao do cotonete (tira-cera), que quem inventou ficou rico para o resto da vida.

O novo modelo de cueca teria um segredo conhecido, somente, pelo dono. Seria confeccionada em camada dupla de um tecido impermeável, resistente e flexível, com um grande bolso costurado no fundo da peça, com um fecho delicado (ri-ri), com capacidade de esconder uma razoável fortuna em euros, dólares ou reais.

E o sonho de Guilherme tornou-se realidade. A cueca-cofre foi um sucesso, em face do alto grau de insegurança que rodeia a atual população do País.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de julho de 2020

O BECO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O BECO

O beco é pioneiro, na criação das cidades. É a fixação demográfica, que surgiu com as estradas, em cujas orlas se edificaram povoados, vilas e cidades.

“ O BECO DA QUARENTENA” é um marco histórico em Natal (RN). É uma ruela de passagem entre as ruas Chile e Frei Miguelinho, no Bairro da Ribeira (Cidade Baixa), medindo uma largura de dois por sessenta metros de comprimento.

A origem do nome está ligada ao tempo da epidemia do Cólera Morbus, que ocorreu no início da segunda metade do século 19. A contar dessa época, é uma das ruelas mais antigas da capital potiguar.

Contam os historiadores que as embarcações ficavam no porto durante 40 dias, a fim de que seus tripulantes não recebessem ou transmitissem o contágio. Como havia mais facilidade de hospedagem no Bairro da Ribeira, na época, núcleo central da população da cidade, os marinheiros, de quarentena, ficavam hospedados nesse Beco e adjacências, a poucos metros de distância do cais do porto.

A denominação “Beco da Quarentena”, resultou, portanto, da hospedagem de marinheiros no cumprimento de quarentena, durante a epidemia do Cólera Morbus, e também da Variola (bexiga) e da Febre Amarela.

No princípio, o beco tinha somente umas quatro ou seis casas. Com o passar do tempo, o Bairro da Ribeira se desenvolveu muito, com o aumento da população e o florescimento do Estado, nos setores econômico, social e religioso.

Entretanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Ribeira entrou em decadência. E o Beco da Quarentena, onde havia promiscuidade barata, e ambientes simples, foi jogado ao ostracismo. A Cidade Alta progrediu e a Ribeira (Cidade Baixa) regrediu socialmente. O bairro foi esvaziando e os frequentadores sumiram. Dessa forma, o Beco da Quarentena foi perdendo os fregueses. As operárias do sexo, que já eram pobres, tiveram que procurar outro “emprego”. Não era mais um ponto lucrativo para elas.

O Beco da Quarentena sucumbiu, ficando a fama de local perigoso, que atraía frequentadores de conduta duvidosa.

Como o Beco da Quarentena, existem outros becos em Natal, totalmente abandonados pelo poder público, que não se empenha em preservar a memória da cidade. Alguns já desapareceram na voragem das novas edificações. Outros já perderam a denominação original e receberam nomes de pessoas que nunca se destacaram nem fizeram nada pelo Estado, numa demonstração de puxa-saquismo, sempre na moda. Isso também acontece com relação a nomes de ruas e avenidas, que são substituídos, de repente, num desrespeito à memória da cidade.

O Beco da Quarentena, hoje abandonado, faz parte da memória do Bairro da Ribeira (Cidade Baixa), como local simples, com casas de prostituição barata. Ali, habitavam mulheres muito pobres, que remendavam seus sonhos com pedaços de nuvens. Mulheres infelizes, que por uma fatalidade do destino, se viram lançadas ao lamaçal dos bordeis, por circunstâncias alheias à sua vontade. Todas provinham de um sonho desfeito, uma desilusão com um ídolo de ouro, que de repente se transformara em ídolo de barro e ruíra aos seus pés, como contas de um rosário rolando pelo chão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de julho de 2020

CORRUPIÃO DO NORDESTE (CONTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CORRUPIÃO DO NORDESTE

Décadas atrás, morava no sertão da Paraíba um poderoso e prepotente chefe político, “coronel” Matias, casado com Dona Elsa. O casal tinha quatro filhos.

 

Nas férias escolares, Ritinha, 17 anos, a filha mais velha, que estudava na capital, chegava, para alegria dos pais e irmãos. Muito bonita e mimada, a moça gostava de passear pela fazenda e se encantava com as plantações.

Num certo período de férias, Ritinha se tomou de amores por um concriz amestrado, ou corrupião, que pertencia a Joca, um antigo carpinteiro da cidade. O pássaro tinha o canto belíssimo e a todos encantava.

A moça pediu ao carpinteiro que lhe vendesse o concriz, mas recebeu um não. O homem lhe disse que o seu concriz não estava à venda, e que era um pássaro de estimação. Para ele, era como se fosse um filho.

O concriz imitava canários, patativas, assobiava, pousava no ombro do carpinteiro e coçava sua orelha com o bico.

Durante dias seguidos, Ritinha insistiu com Joca para que lhe vendesse o pássaro, e a resposta era a mesma. O carpinteiro não aguentava mais a presença da jovem e a sua insistência. Muito mimada, a moça estava acostumada a ter todos os seus desejos satisfeitos. E assim, terminou tirando a paciência do carpinteiro, que cortou a conversa e levou a gaiola com o pássaro para dentro da oficina, demonstrando sua irritação.

No dia seguinte, logo cedo, Ritinha veio novamente à carpintaria, com jeito dengoso e a mesma insistência para comprar o concriz. Diante das repetidas recusas do carpinteiro, ela reagiu, dizendo que seu pai, lhe autorizara a insistir, pois o concriz seria tratado bem melhor na casa dele, que era um homem muito rico.

Humilhado, Joca sentiu que o “coronel” Matias estava querendo usar seu autoritarismo, para forçá-lo a vender o seu concriz de estimação, e assim satisfazer o capricho de uma jovem mimada e caprichosa.

Sentindo que o concriz, objeto de sua ternura, estava lhe fugindo das mãos, o carpinteiro, com o coração partido, resolveu tomar uma atitude drástica. Abriu a porta da gaiola e retirou de lá o pássaro encantador, que, nesse instante, aproveitou para lhe fazer um carinho com o bico. Num gesto delicado e de despedida, o carpinteiro beijou a cabecinha do concriz, e diante do olhar estupefato da jovem, deixou que ele batesse suas asinhas e voasse.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de junho de 2020

O INVASOR

 

O INVASOR

Josué era useiro e vezeiro na “arte” de invasão de imóveis abandonados, apropriando-se deles e depois locando-os ou vendendo-os. Vivia de golpes, e enriquecimento ilícito. Dizia-se “protetor” de imóveis abandonados . Agia assim, por má índole e falta de caráter, pois era de família abastada.

Vivia à procura de um sócio honesto “como ele”, para o seu “ramo de atividade”.

Certa tarde, em uma de suas passagens por uma pequena cidade, Josué estava conversando numa venda e disse para algumas pessoas que ali estavam:

– Senhores, este lugar é o melhor do mundo para se morar, pois a violência e as trapaças ainda não chegaram aqui.

Sebastião, o dono da venda, envaidecido com o elogio, falou:

– Bem, seu Josué, é verdade que aqui tem muita gente boa e decente. Mas também tem gente ruim. Aposto que o senhor ainda não ouviu falar em Zaqueu, que está preso.

– Não, seu Sebastião. Nunca ouvi falar.

O Xerife, que estava presente, completou:

– Mas já vai sair esta semana. Só pegou 30 dias de cadeia; se morasse noutro país, já tinha sido enforcado. É ladrão fino.

Josué gravou na mente o nome desse Zaqueu e planejou conhecê-lo. Seria o sócio ideal, que vive procurando.

Muito traquejado em fazer amizade com malandro, Josué , dias depois de Zaqueu sair da cadeia, fez amizade com ele, e convidou-o para um passeio pela pacata periferia local, onde, sentados em um tronco, falaram de negócios.

O que Josué, na verdade, queria era um parceiro com um ar inofensivo de matuto, para seu sócio, na aplicação de golpes por aí afora. Zaqueu era o tipo de sócio que Josué procurava. Era alto, magro, claro e bem parecido, e tinha cara de pessoa boa. Disse-lhe o que pretendia e o encontrou disposto a agarrar aquela oportunidade de trabalho, coisa difícil para quem tinha estado preso, mesmo somente por trinta dias.

Deixando de lado os pequenos pecados, Josué perguntou a Zaqueu o que ele já tinha feito para tirar vantagem de trouxas. Queria saber se ele era inteligente e astucioso e sabia enrolar os bestas. Pediu que ele contasse algumas das suas façanhas.

O delinquente perguntou:

– Não te contaram? Não existe outro homem nessas montanhas, branco ou negro, capaz de roubar animais como eu, sem ser visto, ouvido ou apanhado.

– A ambição é um sentimento admirável num homem! – disse Josué.

Então, tendo combinado os serviços que iriam fazer, Josué e Zaqueu viajaram para a capital. No caminho, ao passar por outra cidade, Josué viu que havia um grande Circo armado. Ali mesmo eles desceram do ônibus e se dirigiram a uma pousada, onde cada qual ocupou um quarto. A cidade estava cheia de gente para ir à estreia do Circo. Josué nunca conseguira ver um Circo, no interior, sem se aproximar, para tirar vantagem dos pacatos frequentadores. Queria sempre recolher algum dinheiro fácil, que gira em torno do circo. Ao chegar à Pousada, foram logo providenciar uma roupa melhor para Zaqueu. O alfaiate lhe vendeu um terno azul, com um colete estampado e brilhoso, e uma gravata vermelha. Era a primeira vez que Zaqueu vestia alguma coisa que não fosse o macacão de brim e as botinas do seu uniforme de montanhês.

Naquela noite, Josué foi para perto do Circo e armou um joguinho com três conchas de noz e uma bolinha. Zaqueu seria o chamariz da jogatina. Recebera de Josué algumas notas falsas para jogar e Josué guardou um monte delas para pagar os prêmios. Josué armou a mesa e começou a mostrar às pessoas como era fácil descobrir qual noz escondia a bolinha. Os iletrados caipiras se amontoaram num círculo à volta de Josué, roçando ombros e provocando uns aos outros, para ver quem começava a apostar. Este seria o momento para Zaqueu fazer sua entrada e começar o jogo, ganhando notas falsas de dez e cinco reais, para atrair os caipiras. Mas, nada de Zaqueu aparecer.

Sem um chamariz viciado em jogo, a multidão se dispersou e todos entraram no Circo, sem que houvesse nenhuma aposta. Josué, indignado, fechou o jogo e voltou para a pousada. O sócio não havia chegado. Quando Josué já estava quase dormindo, foi surpreendido por um barulho de criança chorando. Ele abriu a porta do quarto e avistou a dona da pousada. Perguntou se ela não podia dar um jeito do bebê se calar e a mulher respondeu que o que ele estava ouvindo era o grunhido de um porco, que o amigo dele tinha trazido da rua há poucos minutos.

Indignado, Josué foi ao quarto de Zaqueu e o encontrou de pé, com a lâmpada acesa, enchendo de leite uma panela no chão, para um leitão branco rosado que não parava de grunhir.

Furioso, Josué falou:

– Como é que é, Zaqueu? Você me deixou na mão, na hora do trabalho, hoje à noite e o joguinho fracassou! Como é que você explica a presença deste porco aqui? Me parece uma traição!

– Não fique zangado comigo, Josué! – pediu Zaqueu – Já lhe disse que eu tenho o hábito de roubar animais, e porcos, principalmente. E esta noite, quando vi a oportunidade de roubar este leitão, numa tenda do Circo, não resisti.

– Bem – disse Josué- talvez isto seja uma doença. Existem atividades muito mais lucrativas. Emporcalhar a vida com um animal estúpido, desagradável, pervertido e barulhento como esse, é coisa que vai além da minha compreensão.

Eu vou voltar para a cama. Veja se consegue que ele faça silêncio!

Josué passou a noite em claro, contrariado por ter arranjado um sócio tão tratante. Levantou-se muito cedo e foi comprar um jornal. Logo na capa leu um anúncio em tamanho grande, dizendo:

“Paga-se cinco mil dólares de recompensa pela devolução, vivo e com saúde, de Bebé, famoso e aclamado porco, educado na Europa, que se perdeu ou foi roubado ontem à noite, de uma das tendas do circo The Brothers. – Procurar o Sr. Amaro Jorge, Gerente Comercial.”

Josué dobrou o jornal e o escondeu no bolso de dentro do paletó. Foi ao quarto de Zaqueu e ele estava acabando de dar ao porco o resto de leite que sobrara.
Muito eufórico, Josué falou:

– Bom dia!– Então, estamos todos de pé? E o nosso porquinho está tomando seu cafezinho da manhã? Diga, Zaqueu, o que você pretende fazer com o porquinho?

Zaqueu respondeu:

– Vou embalá-lo e despachá-lo para Mamãe, lá em Montebelo.

– É um belo porco – disse Josué, amavelmente.

– Você ontem o chamou-o de coisas bem diferentes. – disse Zaqueu.

Josué, então, mudou de conversa e disse gostar muito de animais, principalmente porcos.

Disse que tinha uma criação de porcos na sua fazenda, no interior de São Paulo, e que colecionava porcos raros. E ofereceu 200 dólares por ele.

Admirado, Zaqueu respondeu que não queria vendê-lo Era um porco de raça nobre e iria ficar com ele. Se fosse um porco comum, venderia.

Temendo que Zaqueu já tivesse sabido do anúncio do jornal, Josué insistiu na compra do porco. Mas Zaqueu repetiu que aquele porco seria um presente para sua Mãe. Disse que nem por 600 dólares o venderia. Josué, então, lhe ofereceu 800 dólares. Surpreso, Zaqueu aceitou a proposta e disse que por 800 dólares, sufocaria qualquer sentimento no seu coração.

Josué tirou de dentro da roupa o dinheiro e contou 40 notas de 20 dólares, entregando a Zaqueu. Depois de levar o porco para o quarto de Josué, Zaqueu lhe disse que iria ao alfaiate comprar mais umas roupas, já que estava com dinheiro.

Josué ficou sozinho para fazer o que quisesse. Contratou, então, um carroceiro que passou pela pensão e amarrou o porco dentro de um saco, dirigindo-se ao Circo.

Encontrou o gerente numa pequena tenda, sentado atrás de uma janela, aberta como guichê. Com um olhar esperto e uma viseira preta na testa, o homem ouviu Josué dizer que viera fazer a entrega do porco e pegar a recompensa anunciada no jornal. Os 5 000 dólares.

O homem saiu de trás do guichê e disse a Josué para segui-lo. Entraram numa tenda, onde estava deitado na palha, um enorme porco negro (barrão), com um laço rosa no pescoço; estava comendo umas maçãs que um homem lhe dava.

– Diga, Sérgio – perguntou o gerente – Alguma coisa errada com a oitava maravilha, esta manhã?

– Não! – respondeu o homem- Está com muito apetite!

E o gerente do Circo perguntou a Josué de onde ele tinha tirado essa ideia de vir lhe devolver um porco. Josué abriu o jornal e lhe mostrou o anúncio em destaque.

– Falso! – disse o gerente do Circo. – Você mesmo viu “a mundialmente famosa maravilha suína do reino dos quadrúpedes”, comendo com sagacidade e apetite sua refeição matinal. Nada de porco perdido ou roubado. Bom dia.

Josué deixou cair a ficha. Levara um golpe do “sócio”. Irado, voltou para a carroça, pagou ao carroceiro e pediu que levasse o porco bem pra longe dele, pois detestava porcos.

Em seguida, dirigiu-se à redação do jornal. Queria ouvir o que já era óbvio. Encontrou o encarregado dos classificados no guichê e, com o jornal na mão, perguntou:

– Para decidir uma aposta: o homem que botou este anúncio, era um muito gordo, baixo e de óculos?

– Não, não era – disse o homem. – Ele era muito alto e magro, cabelos cor de palha de milho e se vestia com uma roupa exagerada.

Na hora do jantar, Josué, arrasado, voltou à pousada, pagou a conta e pela manhã prosseguiu a viagem, interrompida pela visão do Circo.

Diz o ditado popular: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de junho de 2020

A VERGONHA

 

A VERGONHA

Antigamente, todo religioso na idade madura era gordo e tinha fama de comilão. Por isso, no interior nordestino, era comum alguém que havia comido demais, dizer, em tom de brincadeira: Estou empanzinado! Comi que só um padre!!!

Dom Serafim era um monge gordo e comilão, que, no Mosteiro onde morava, era uma espécie de pai para os mais novos. Já na idade madura, dizia sempre que uma das coisas de que mais gostava na vida era quando se via diante de um prato de comida. Mas, na mesma hora, dizia que só comia por hábito ou vício. Isso provocava riso nos monges mais novos, e, muito brincalhão, Dom Serafim também dava suas risadas. Todos sabiam que ele era mesmo um glutão.

Pois bem. Dom Serafim chamava a atenção dos mais jovens, com a sua forma exagerada de comer. Seu prato era o maior de todos e ele comia com avidez, como se estivesse saboreando as melhores iguarias do mundo. Diz o ditado popular que o melhor tempero que existe é a fome. Para ele, não existia o pecado da gula.

Muito bem humorado, Dom Serafim dizia sempre que tinha sonhado comendo coisas boas, como um pernil de porco e a metade de um carneiro assados, faisão dourado etc. sozinho e numa só refeição. Todos os dias, ele tinha um sonho para contar, relacionado com iguarias deliciosas, que, no Mosteiro, somente o Abade e o Prior tinham o privilégio de comer.

Os monges jovens se divertiam com Dom Serafim, embora, não perdessem oportunidade de censurá-lo ao Abade. Na verdade, no Mosteiro, a alimentação oferecida aos monges era muito pobre e leve. Diferente da alimentação do Abade, do Prior e seus amigos.

Dom Serafim sentia tanta fome que juntava as sobras dos pratos dos colegas para comer, com a desculpa de que era pecado estragar comida. Não deixava uma só migalha em seu prato.

Com o tempo, os monges mais jovens, que iam chegando no mosteiro, passaram a ridicularizá-lo, comparando-o a um porco faminto, e faltando-lhe com o devido respeito.

Um certo dia, traiçoeiramente, os monges fizeram uma reclamação por escrito ao Abade diretor do Mosteiro, contra o comportamento de Dom Serafim.

Após receber uma convocação, o reclamado compareceu perante a autoridade maior do Mosteiro, que lhe expôs:

– Dom Serafim, seus colegas fizeram-me uma representação contra atitudes suas, que constituem uma grande vergonha para um monge. Acusam-no de ser esfomeado e comer feito um porco, aproveitando até as sobras dos pratos dos outros monges.

– O que o senhor diz sobre essa acusação? Fale, Dom Serafim! Não sente Vergonha de uma acusação dessa?

Humilhado, o monge respondeu:

– Sou o monge mais antigo e mais calmo do vosso Mosteiro. Se sou injuriado, sofro calado; não reajo às humilhações e deboches a que me submetem. Que outra oposição me fazem, fora essa, de ser comilão. Pai Abade?

– Só existe essa acusação contra o senhor. Respondeu o Abade.

O Monge continuou:

– De que deverei me envergonhar, Pai Abade? De procurar saciar minha fome? Onde se encontra, agora, a Vergonha no mundo? Estamos na situação daqueles que carregam pedras nas costas e cada um só enxerga as costas do companheiro, sem olhar para suas próprias costas. Se eu comesse comidas requintadas, lautas iguarias, como comem os senhores importantes, os chefes e diretores, certamente eu ficaria bem alimentado e não sentiria tanta fome. Mas, comendo iguarias pobres e leves, de fácil digestão, não me parece vergonhoso tentar, ao meu modo, saciar minha fome.

O Abade, que vivia suntuosamente, com o Prior e outros amigos, fartando-se de lautos almoços, jantares, lanches e sobremesas, compreendeu o que queria dizer o monge. Temendo ser por ele apontado, logo o absolveu, permitindo-lhe que continuasse a comer a mísera comida de sempre, de acordo com a sua vontade.

No dia seguinte, na hora do almoço, Dom Serafim subiu ao púlpito do refeitório e com delicadeza, pediu que todos os monges prestassem atenção à uma pequena fábula que iria contar. Encabulados, os delatores ouviram atentos, as suas palavras:

– Certo dia, encontraram-se o Vento, a Água e a Vergonha. Conversaram muito e mataram a saudade.

A Vergonha, então, perguntou ao Vento e à Água:

– Irmãos, quando voltaremos a nos encontrar, tão pacificamente como hoje?

O Vento respondeu:

– Minhas irmãs, cada vez que me quiserem reencontrar, para gozarmos o prazer de estar juntos, olhem por qualquer porta aberta ou rua estreita, que logo me encontrarão, pois é ali a minha residência. E tu, Água, onde moras?”

A Água respondeu:

– Eu estou nos mais baixos pauis, entre aqueles caniços; mas, por mais seca que seja a terra, sempre lá me encontrarão.

E a Água quis saber:

– E tu, Vergonha, onde moras?

A Vergonha respondeu:

– Eu mesma não sei onde moro. Sou muito pobre e sou sempre enxotada por todos. Se olharem entre os grandes, não me encontrarão, porque eles não querem me ver e zombam de mim. Se olharem entre as mulheres, tanto casadas como viúvas e donzelas, também não me encontrarão, pois todas fogem de mim, como se eu fosse um monstro. Se olharem entre os religiosos, longe deles estarei, pois eles me expulsam, com bastões e galhas. Por isso, até agora, nunca tive onde pousar. Se eu não puder acompanhar vocês, perderei toda a minha esperança!

Ouvindo isto, o Vento e a Água sentiram compaixão e acolheram a Vergonha em sua companhia. Mas não ficaram juntos por muito tempo, porque se levantou uma forte tempestade. E a Vergonha, separada do Vento e da Água, não tendo onde pousar, afundou-se no mar.

Eu tenho procurado a Vergonha em muitos lugares, e continuo procurando, mas não consegui encontrá-la. Ninguém sabe notícia dela.

Por isso, continuarei com meus costumes, fazendo o que gosto. E vocês continuem com os seus!

A Vergonha sumiu do mundo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de junho de 2020

A VERDADE

 

A VERDADE

Numa capital cheia de sol, nasceu Adamastor, que não era príncipe, não era rico, nem filho de político. Socialmente, não tinha qualquer importância. “Gente que a gente não vê, porque é quase nada”.

Nasceu e se criou nessa capital litorânea, aconchegante, para onde fluíam pessoas de outras cidades, tirando as possibilidades da vida das pessoas, que tinham nascido ali. E dessa forma, a cidade era cheia de mendigos e parasitas, meios de vida que não tem concorrência.

Os prédios da capital, no centro, tinham vários andares, o que mostrava a riqueza dos proprietários. Nos subúrbios, não passavam de um andar, sem que por isso deixassem de gerar riqueza.

Na capital, pelas ruas, havia centenas de automóveis em alta velocidade, matando gente, enquanto matavam o tempo.Também havia antigos cabarés, jornais, partidos políticos, e Sedes de Governo.

Adamastor, mesmo não tendo importância social alguma, era de boa família. Tão boa, que tinha até bons sentimentos. E agia sempre de acordo com a sua vontade, não sendo preso às normas ditadas pelos seus co-cidadãos.

A mãe de Adamastor, logo cedo, notou que o filho tinha um defeito gravíssimo: Só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira.

Alarmada, tentou modificar o temperamento do filho, mas foi impossível. Adamastor era diferente, no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar e na forma como se dirigia aos outros.

Enquanto usava calças curtas, os amigos da família consideravam-no um menino precoce e antipático. Depois de rapaz, passou a ser considerado irreverente e grosseiro.

Entre outras esquisitices, Adamastor pensava livremente e por conta própria. Assim, a família via Adamastor como um contestador do regime de governo. Os professores se indignavam, porque ele tinha ideias próprias e aprendia tudo ao contrário do que eles lhe ensinavam. Os colegas o detestavam.

Entretanto, a mãe de Adamastor, como toda mãe, descobriu no filho uma grande qualidade: Adamastor não fazia nada do que fazia, por maldade. Era questão de temperamento e inteligência privilegiada.

Ao contrário do que parecia, seu filho era extraordinariamente bom. Aliás, somente os olhos maternos enxergavam isso.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

-Bacharel é o princípio de tudo. Não se precisa estudar muito. Seja bacharel! Você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.

Indignado, Adamastor contestou:

-Mas, eu não sou subserviente nem adulador. Não quero ser nada disso. Eu quero trabalhar!

O parente insistiu:

-Você quer ser um eterno vagabundo? Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: Dinheiro, prestígio, e posição social. Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém. Um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.

Adamastor respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

A pedido de sua mãe, Adamastor procurou mostrar que tinha capacidade de trabalhar. Arranjou um emprego numa loja, mas foi logo despedido, sem qualquer explicação.

Mudou de emprego diversas vezes, sem dar certo em lugar nenhum, mesmo sendo honesto e tendo disposição para qualquer serviço.

A fama de Adamastor era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do chefe. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, pois achavam que ele queria se sobressair. E o intrigavam com o chefe, ate que fosse despedido.

Ele ria e encarava tudo com naturalidade. Via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e não ficava calado. Censurava o que achava errado e dizia tudo o que queria.

Em todos os lugares onde trabalhou, fosse em indústria, loja comercial ou fábrica, sentiu a rejeição dos colegas, sendo logo despedido. O motivo era sua excessiva dedicação ao trabalho, o que irritava os preguiçosos.

Desiludido com a maldade humana, Adamastor chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim. E o caminho que faz mais sucesso é o da bajulação e da hipocrisia. Esse caminho, ele jamais percorreria.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de junho de 2020

ESPERANDO GODOT

 

“ESPERANDO GODOT”

 

O vírus chinês, fabricado em laboratório, por um “erro de cálculo” macabro, proposital ou não, alastrou-se pelo mundo como uma praga, e a feliz expectativa do Ano Novo, o “Ano Gêmeo”, 2020, teve sua chegada atrapalhada pelo COVID-19, ou Coronavírus.

O povo brasileiro foi enganado pelos Governadores e Prefeitos, pois, sabedores da chegada dessa praga, desde o final de 2019, esperaram passar o Carnaval, para divulgar a presença do COVID-19, ou Coronavírus, no Brasil, que veio para dizimar vidas humana.

Os Governantes não pensaram na vida dos brasileiros, e não equiparam os hospitais e Unidades de Saúde, com leitos, UTIS, respiradores etc, suficientes, para tratar os possíveis doentes de Coronavírus.

No Rio Grande do Norte, 2019 foi o ano em que foram fechados diversos hospitais no interior (O de Canguaretama, por exemplo, e em Natal, o Hospital Ruy Pereira).

Em Natal, o elefante branco, em que se transformou o Estádio Arena das Dunas, continua no mesmo lugar, suntuoso e imponente, local onde estão petrificados bilhões de reais, fora os que foram embolsados pelos empreendedores desonestos. Está servindo agora, para shows de qualidade duvidosa e feiras de artesanato.

Está provado que, no final do ano de 2019, os governantes de todo o Brasil já tinham conhecimento da existência do Coronavírus. Entretanto, acharam por bem esconder o problema, até que passasse o Carnaval, em nome da ganância pelos bilhões gerados pelo turismo carnavalesco e sexual, fonte de renda advinda dos dias do reinado de Momo. Esconderam da população a notícia do Coronavírus e adiaram a quarentena para depois do Carnaval. Isso, sem pensar nas vidas humanas que seriam dizimadas, mas apenas visando o lucro estrondoso, advindo do Carnaval, principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Os brasileiros, principalmente, os nordestinos mais pobres, só tomaram conhecimento da terrível pandemia que se alastrava pelo País, quando o monstro do Coronavírus, já começava a fazer suas vítimas, dizimando a população, desenfreadamente.

O sofrimento do povo, diante dessa terrível Pandemia, soma-se à solidão imposta pelo isolamento social e ao desespero e pavor de contaminação. Nesta quarentena, que já ultrapassou o prazo estipulado inicialmente, e hoje já caminha para uma verdadeira “oitentena”. O povo não aguenta mais essa “prisão domiciliar”, mesmo sem tornozeleiras. O desengano e a depressão estão tomando conta das pessoas, que se sentem presas em casa.

Estamos no 6º mês do tão festejado e esperado Ano Gêmeo (2020), e a Ciência , até aqui, não chegou a um denominador comum, no que diz respeito à descoberta do remédio certo, capaz de curar o Coronavírus, nem inventou ainda a Vacina milagrosa, capaz de erradicá-lo do solo brasileiro.

Estamos ainda, em pleno pico da pandemia, que continua, fazendo inúmeras vítimas, de todas as idades. Entre elas, incluem-se médicos, enfermeiros, maqueiros, auxiliares de enfermagem e outros profissionais da área da Saúde, que trabalham na linda de frente dos Hospitais e Unidades de Saúde Pública e Privada.

Repito que o povo foi traído, miseravelmente, pelos políticos, que ao invés de preparar hospitais e Unidades de Saúde com UTIS e respiradores, para receber os doentes de Coronavírus, preferiram passar os meses de janeiro e fevereiro veraneando e brincando o carnaval.

Os nossos Governantes ainda não se conscientizaram, de que a moeda mais valiosa de um País é o seu povo. com Saúde e Educação. No momento crucial que atravessamos, a maior obrigação dos Governadores e Prefeitos, é, antes de tudo, salvar vidas, empregando de forma transparente e honesta as verbas federais milionárias, enviadas pelo Governo Federal aos Estados e Municípios, afetados pela Pandemia.

O descaso e a desorganização dos governantes refletem na falta de leitos, UTIS, respiradores etc, para os doentes de Coronavírus. A ordem médica é para que o doente fique em casa e só se dirija às Unidades Hospitalares, quando o quadro se agravar. Isso, para não superlotar os hospitais públicos, onde faltam leitos e tudo o que é necessário para o tratamento dos doentes do Coronavírus, apesar das verbas milionárias, que estão sendo enviadas pelo governo federal.

Enquanto milhares de pessoas estão morrendo, vitimadas pelo Coronavírus, outras estão se salvando, graças ao uso da Cloroquina, que tem como base o sulfato da Quinina (ou Quinino), planta medicinal usada pelos índios, na cura da Malária, e que foi usada, com êxito, em Natal, no tratamento da Gripe Espanhola de 1918. Conta a história, que o Dr. Januário Cicco, médico norte-riograndense, prescreveu uma fórmula à base de Quinino, que mandou aviar em farmácia, em forma de pílulas, para que os sanitaristas distribuíssem nas choupanas, para tratar as pessoas pobres, acometidas da terrível gripe.

O fato é que o povo brasileiro continua esperando “Godot”, (numa comparação com a peça “Esperando Godot”, escrita pelo dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), considerada um dos principais textos do “teatro do absurdo”.  Acontece que Godot, a solução para todos os problemas, era citado a toda hora, mas nunca chegou. Inclusive, baseado na peça, foi feito o filme “Esperando Godot “. De acordo com o enredo, em um lugar indefinido, dois amigos se encontram: Estragon e Vladimir. A primeira frase dita no filme por Estragon, já indica a inutilidade da presença deles naquele lugar: “nada a fazer”. Eles lá se encontram para esperar um sujeito de nome Godot, que nunca chegou.

Que não seja esse o caso que estamos vivendo. Os brasileiros continuam aguardando a vitória da Ciência sobre o cérebro macabro do Frankenstein chinês.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de maio de 2020

AS COMPRAS

 

AS COMPRAS

O homem foi a esse supermercado, muito mais por curiosidade e compulsão de comprar, do que por necessidade. Em sua casa, a despensa estava sortida, não faltando nada, que justificasse o sacrifício de enfrentar filas.

Usando a obrigatória máscara de proteção à boca e nariz, Martinho posicionou-se na fila, para entrar no supermercado, o que acontecia de um em um freguês. Isso demorou uns 40 minutos . Ao chegar sua vez de entrar, foi abordado por um segurança, que o “convidou” a higienizar as mãos com álcool gel, cuja garrafa ali estava à disposição dos fregueses.

 

Livre do segurança, Martinho pegou um carrinho de compras e embrenhou-se por tudo o que era gôndola com mercadorias. À medida que olhava para as prateleiras, seus olhos piscavam cada vez mais. E cada vez mais, Martinho ia enchendo o carrinho de produtos variados, inclusive vinhos, queijos e carnes. Realmente, ali era tudo mais barato, embora algumas marcas fossem desconhecidas.

Com o carrinho esborrotando de produtos alimentícios, incluindo frutas e biscoitos variados para os netos, o homem achou pouco e pegou outro, para comprar produtos de limpeza e higiene.

Consumidor compulsivo e viciado nas “parcelinhas” do cartão de crédito, Martinho esbaldou-se nas compras, como se estivesse sozinho no supermercado. Nem atentava para a quantidade enorme de pessoas simples, que também faziam compras, observando a lista que traziam nas mãos e empurrando seus carrinhos.

Ao encerrar as compras, por já ter lotado o segundo carrinho, foi que Martinho percebeu que as filas dos caixas pareciam quilométricas. Entrou em uma delas, empurrando os dois carrinhos. Logo a fila aumentou, também, atrás dele. Foi aí que percebeu os olhares de revolta dos fregueses, sobre os seus dois carrinhos, exageradamente cheios de produtos variados. Dariam para o resto do ano.

O homem sentiu que estava sendo olhado com censura e indignação, e ouviu alguns xingamentos, por causa do grande volume de produtos que estava comprando.

Assustado, sua primeira vontade foi sair dali depressa e devolver às prateleiras todos os produtos que havia pegado. Mas, com isso, perderia mais um tempão. Outra vontade, foi abandonar ali os dois carrinhos, fingindo que iria pegar um produto, do qual havia esquecido. Mas, mesmo irritado e indeciso, terminou aguardando a sua vez.

Os xingamentos contra Martinho aumentaram e quando chegou sua vez no caixa, ele já estava com os nervos em pandarecos. Praticamente, rebolou as compras, no espaço a elas destinado para registro, de forma tão apressada, que o caixa lhe pediu para colocar os produtos com mais calma.

Nessa hora, Martinho ouviu alguém dizer:

– Esse cara vai demorar mais de uma hora no caixa!!!

E ouviu o tumulto que se formou contra ele. Sabia que o valor das suas compras iria dar o que falar, e deu mesmo.

A fila toda ficou sabendo, que o valor ultrapassou, bastante, o valor do salário mínimo. Os fregueses que estavam perto dele, fizeram questão de olhar de perto a tela registradora e cochicharam uns com os outros.

Martinho escutou um homem, com aparência sofrida, dizer:

– Ah, infeliz! Um homem rico desse, vem comprar aqui, só pra atrapalhar!

Sentindo a agressividade dos fregueses da fila em que estava, Martinho saiu do supermercado, mais nervoso do que estava em casa. Empurrando os dois carrinhos, e quase correndo, teve medo de ser agredido, assaltado ou linchado.

Ainda bem, que não viram seu carrão no estacionamento.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de maio de 2020

A FEROCIDADE

 

 

A FEROCIDADE

Certa vez, apareceu em Gubbio, cidade da Itália, um enorme lobo, que devorava pessoas e animais. Os moradores da cidade, apavorados, trancaram-se em suas casas, não saindo nem mesmo para o trabalho.

Francisco, um dos moradores, e muito religioso, ao tomar conhecimento dos ataques da fera, e de que os homens estavam preparando uma armadilha para matá-la, resolveu interferir, indo sozinho enfrentá-la, munido apenas da sua Fé em Deus.

Depois de muito caminhar, Francisco avistou a fera, que, ao vê-lo de longe, caminhou em sua direção, com a enorme boca escancarada.

Fazendo um largo Sinal da Cruz e usando a sua Fé em Deus, Francisco viu o lobo fechar a boca, parar e baixar a cabeça. E sem demonstrar qualquer ou-o em sua direção, direceio, chamzendo:

– Venha cá, irmão Lobo! Estou aqui para lhe ordenar, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não me faça nenhum mal, nem mais a qualquer outro homem!

Você tem matado e devorado animais, e ousado matar homens, feitos à imagem do Senhor, merecendo, por isso, a forca, como qualquer ladrão ou traiçoeiro assassino.

Mas, estou aqui para estabelecer a Paz, entre você e os moradores da cidade.

De agora em diante, você não mais fará mal a criaturas do Senhor e todos o perdoarão pelo mal que já praticou. Nem homens nem cães tornarão a persegui-lo.

Eu lhe prometo que os moradores desta terra se obrigarão a alimentá-lo todos os dias. Bem sei que a fome é a responsável pelos seus crimes.

O lobo, então, aproximou-se mansamente de Francisco e lambeu-lhe os pés, num sinal de que aceitava aquele pacto de Paz.

Sério e emocionado, Francisco lhe ofereceu a mão muito magra e branca, na qual o lobo colocou a pata direita, dando-lhe, assim, um sinal da sua boa-fé. Com os olhos cheios de lágrimas e a voz apertada pelos soluços, Francisco acrescentou:

-Meu irmão Lobo…eu o convido, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, a me seguir, sem receio, para celebrar esta Paz!

E o lobo seguiu Francisco até o centro da cidade, onde os cidadãos, estupefatos, os viram chegar, lado a lado.

Francisco, então, falou para todos:

“Escutai, irmãos:

O irmão Lobo prometeu-me, de agora em diante, viver em paz com vocês e nunca mais os atacar. E vocês lhe devem prometer que, de hoje em diante, lhe darão o que comer, diariamente. Eu ficarei fiador pelo irmão Lobo e fiador também pela promessa de vocês, para que todos vivam em Paz!

O lobo se ajoelhou diante de Francisco e baixou a cabeça, com movimentos de submissão, em sinal de que cumpriria todas as suas promessas. E levantando a pata direita, colocou-a na mão de Francisco, para regozijo e admiração da multidão que a tudo assistia.

E todos louvaram a Deus, por lhes haver mandado Francisco, que, por suas grandes virtudes, tinha transformado a ferocidade do lobo em amor.

Celebrada a Paz, o lobo passou a viver na cidade, caminhando, mansamente, de porta em porta, sem fazer mal a ninguém. Era muito bem alimentado pelo povo, e podia andar por todos os lugares, não havendo cão que contra ele ladrasse.

Lamentavelmente, essa Paz só durou dois anos, pois Francisco se mudou da cidade, para evangelizar em outras regiões, e o povo logo esqueceu das promessas feitas. Não tardaram a surgir pessoas más, que instigaram os moradores a fechar as portas ao lobo e deixar de alimentá-lo, conforme o prometido.

Um certo dia, com paus, pedras e gritos de raiva, acompanhados de latidos de cães, o lobo foi enxotado para fora da cidade, e também perseguido a tiros. Só salvou a pele, graças à ligeireza da fuga e à proximidade da mata e das escarpas pedregosas, por onde subiu sem fôlego, sangrando em diversas partes do corpo.

Decepcionado com aquela traição, o lobo se perguntava como pudera acontecer aquilo. Nada fizera de errado, nem quebrara a sua solene promessa.

O lobo se viu sozinho, sem ter Francisco para protegê-lo e sem ter mais quem lhe desse a comida prometida.

O seu estômago não mudara. Era grande e exigente. Depois de tantos sustos, pedradas e correrias, pedia reforço. Estava faminto…

Outra vez, a cidade se viu em polvorosa. Outra vez, os rebanhos voltaram a ser dizimados, e as lágrimas voltaram a inundar os olhos de muitos habitantes, pela morte de algum parente.

O lobo era, outra vez, a fera insaciável e sanguinária, o pavor daquela região.

E todos responsabilizavam Francisco, pelos novos ataques do lobo. Por isso, a ele recorreram.

Com o coração partido, Francisco convocou o lobo para censurá-lo e obrigá-lo a dar explicações da sua enorme culpa.

A uma considerável distância, temendo nova traição, o lobo falou, somente para Francisco:

“Senhor…Ouvi a vossa palavra e jamais feri a lei que me foi imposta. Aqui mesmo, vivi estes dois anos de trégua…Vivi em calma, mas não satisfeito. Tinha o estômago confortado, mas o espírito em confusão. O homem que, segundo vossas palavras, foi feito à imagem de Deus Nosso Senhor, é mil vezes pior do que a pior fera da mata. Tendo tudo ao seu alcance, procura sempre conquistar mais, e o faz pelo caminho mais condenável. Para isso, usa, ora o embuste, ora a mentira, não hesitando em empregar a força.

Sorri para o irmão, desejando a sua desgraça. Beija a mão do poderoso, e pisa a cabeça do miserável e pequeno. Tendo os frutos dos pomares, feitos por Deus, persegue, mata e estraçalha os animais, para comer-lhes a carne rubra. E cria outros, com o mesmo fim interesseiro e assassino!

E a mim, que um naco qualquer poderia contentar, davam-me comida podre e que nem um chacal aceitaria; e agora, nem isso, preferindo dar-me pedradas, pauladas e tiros… A mim, que não fui feito à imagem de Deus e que só devo comer carne…A mim, que ouvi as vossas palavras e respeitei a vossa Paz…

E é a mim que falais, a mim que vindes pedir contas, pela quebra da promessa feita!

Deveis pedir contas a eles, os humanos! A eles, sim, irmão Francisco! A eles, que, tendo tudo, sempre querem mais! A eles, que prometem com os olhos e com a boca e faltam com o coração! A eles, que, mesmo tendo sido feitos à imagem de Nosso Senhor, são mais monstruosos e temíveis do que eu ou qualquer outro animal feroz!”

Terminando de se justificar perante Francisco, e vendo entre os seus seguidores, muitos que se agachavam à procura de uma pedra, o lobo recuou e fugiu para a floresta, de onde jamais tornou a sair. Partiu desiludido dos homens e das suas leis.

São Francisco de Assis, o protetor dos animais, e que com eles se comunicava, ao ver o lobo partir para a floresta em disparada, permaneceu alguns minutos meditando. Completamente desolado e em lágrimas, reconheceu a grande verdade que havia brotado das palavras do irmão Lobo.

Realmente, a verdadeira fera era o homem, e era para ele que o seu discurso deveria ser dirigido.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de maio de 2020

A PRAGA E A PREGA

 

A PRAGA E A PREGA

Particularmente, já cumpri mais do que uma quarentena (isolamento compulsório), esperando que seja erradicada a pandemia do Coronavírus.

Esse confinamento fez-me vasculhar coisas guardadas em gavetas e na memória. Coisas importantes, só para mim. Registro de momentos felizes e tristes, há muito tempo adormecidos, mas que uma vez por outra aparecem nos meus sonhos.

Minha Mãe, quando tinha algum problema de saúde que a obrigava a se manter em repouso, impedindo-lhe de sair de casa, às vezes, impaciente, dizia:

– Ô prega na minha vida!!! Tanta coisa que eu tenho para fazer!!!

Hoje, ela já não se encontra entre nós. Mas, se viva fosse, certamente, atravessando essa pandemia, iria sentir-se prisioneira, sem poder, nem mesmo ir à Igreja, assistir às Missas dominicais.

Com medo de me contaminar com o Coronavírus, essa praga que, fatidicamente, está contribuindo para o controle da superpopulação mundial, ultrapassei a quarentena. Continuo cumprindo as ordens, por sinal, inconstantes, do Governo do Estado, com relação ao isolamento.

Na verdade, essa pandemia está sendo uma gorda loteria premiada, para a POLITICALHA, que está pegando nas verbas destinadas à Saúde Pública. Está, também, provocando depressão e enlouquecendo a população, com estatísticas alarmantes, algumas, comprovadamente, contraditórias.

No Brasil, para uns, essa praga é um castigo do Céu; uma lição para os hereges, componentes da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira (ou simplesmente Mangueira), cujo enredo do último carnaval, teve como ponto culminante a execração e o ultraje da figura de Jesus Cristo, o Homem mais importante da História da Humanidade. Houve uma afronta gritante, aos Cristãos e aos princípios religiosos.

A Mangueira, com esse enredo podre, uma verdadeira ode ao satanismo, pensava que iria conquistar o 1º lugar. Ledo engano. Com esse enredo desrespeitoso e chocante, ridicularizando e execrando a figura de Jesus Cristo, essa tradicional Escola de Samba (Mangueira), não só deixou de conquistar o 1º lugar, como perdeu uma legião de antigos torcedores, que se decepcionaram e se revoltaram com o infeliz enredo.

Entre esses torcedores revoltados, deveria estar a minha Mãe, católica praticante e temente dos castigos de Deus.

Eu ficava feliz, ao ver a alegria da minha Mãe, assistindo pela televisão, ao desfile da Mangueira.

Certa vez, perguntei-lhe:

– Por que a senhora torce pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira? Eu torço pela Beija-Flor!

A resposta veio em cima da bucha:

– Ora, minha filha! Tem coisa melhor no mundo, do que uma manga rosa madura???

Minha mãe era inteligentíssima e muito espirituosa. Não tinha maldade e tinha resposta para tudo.

Quando havia a Loteria Esportiva, às vezes, por influência minha, ela fazia um joguinho básico, ao gosto dela.

Certa vez, o Vasco da Gama, jogando no Rio de Janeiro (em casa), perdeu para o Maringá Futebol Clube, do Paraná. Foi a maior Zebra do ano. Dos poucos pontos que acertou, minha Mãe acertou essa Zebra.

Quando conferi o jogo dela, rindo, eu lhe disse:

– Mamãe, a senhora acertou a Zebra!!! A maior Zebra do ano! A senhora torce pelo Maringá? A resposta dela foi ótima:

– Torço, porque eu adoro a música “Maringá Maringá…depois que tu partiste, tudo aqui ficou tão triste…”

O brasileiro costuma dizer, que o Ano Novo só começa mesmo depois do Carnaval. Até então, pessoas viajam para as praias para veranear, outras viajam de férias para outros estados ou até para o exterior.

Apesar de já estarmos no mês de maio, 5º mês deste ano de 2020, o brasileiro ainda não pôde dizer que o Ano Novo, “vida nova”, começou. Os planos para este novo ano estão congelados. Mas Deus proverá!

O Coronavírus representa uma verdadeira praga, para quem estava aguardando, que o Ano Novo começasse logo depois do Carnaval.

E as palavras da minha Mãe, continuam soando aos meus ouvidos:

– Ô prega na minha vida!!!

Estou sem sair de casa, aguardando a notícia da erradicação da terrível praga do Coronavírus. Já sonhei, até, com um comboio, que por aqui passava, levando de volta o Coronavírus, para as profundezas do inferno chinês, de onde nunca deveria ter saído.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de maio de 2020

BICHO VOADOR

 

BICHO VOADOR

Muitos grupos indígenas vivem isolados, tentando manter a sua autonomia, ou para fugir da morte. Deslocam-se para as áreas mais preservadas, que por vezes são de unidades de Conservação ambiental, ou Terras Indígenas já demarcadas. Os índios tem sido massacrados, desde o “descobrimento” do Brasil, o que, na verdade foi uma invasão, pois a terra descoberta já era por eles habitada.

Tem ocorrido frequentemente, a criação de unidades de Conservação, em áreas de localização de povos isolados, ao invés de demarcá-las como terras indígenas. No Maranhão, os grupos isolados perambulam por terras indígenas já demarcadas. Mesmo assim, estão ameaçados de extinção, devido à permanente invasão e exploração ilegal de madeira nessas terras. Os crimes de genocídio, que são aqueles praticados com a intenção de aniquilar um povo, tem sido, relativamente, frequentes na Amazônia, nas últimas décadas, com a construção de estradas e hidroelétricas.

Pois bem. Décadas atrás, quando os índios eram somente índios, e, com razão, como ainda hoje acontece, temiam a aproximação do “homem branco”, usavam como transporte somente a canoa. Os médicos sanitaristas de todo o Brasil organizavam expedições e se embrenhavam na selva amazônica, para o trabalho assistencial.

Armavam acampamentos, tratavam dos índios doentes, faziam parto, distribuíam remédios e davam orientações.

Os índios viviam nas suas respectivas etnias isoladas, para fugirem da maldade dos saqueadores de suas terras e de suas vidas. Algumas etnias, ainda hoje, vivem isoladas na selva amazônica, sem qualquer contato com os homens brancos, que só lhe querem fazer o mal. Não admitem que eles se aproximem de suas ocas e mostram-se violentos diante de qualquer tentativa de aproximação. Não conhecem o açúcar, o sal, nem o sabão. Sua alimentação se restringe a peixe e farinha de banana verde. Tem a saúde muito frágil.

Os expedicionários chegavam à região dos índios, num pequeno avião. Quando o avião pousava, os índios se escondiam. Morriam de medo daquele “bicho pesado e voador”. Somente o índio Tupinambá se aproximava para ver de perto o avião.

Esse índio destoava dos demais, e gostava de se aproximar do homem branco, para ver de perto o avião. Seu deslumbramento era perceptível. E sempre dizia a quem estava por perto, que “índio querer passear no “bicho voador.”

O médico da expedição, depois de ouvir isso repetidas vezes, resolveu chamar o índio para fazer uma pequena viagem. Dessa forma, satisfazer-lhe-ia o desejo de andar naquele “bicho pesado e voador.”

O Piloto iria fazer um voo de reconhecimento sobre a mata. Tupinambá ficou muito contente com o convite e aceitou na hora. Não saiu de perto do avião, até a hora de realizar seu sonho.

E lá se foram o piloto, o médico e o índio, que ria de felicidade, feito uma criança.

Quando o avião decolou, para fazer medo ao índio, o piloto, por maldade, falou para o médico:

-Olhe, Doutor! Nós estamos sobrevoando o local onde, no ano passado, caiu um avião igual a esse. Não escapou ninguém!!!

Ouvindo isso, o índio entrou em pânico e perguntou:

“Bicho voador poder cair?!!!” O piloto e o médico sorriam, se divertindo com a reação do índio, que gritava e pedia socorro. Queria porque queria sair do avião à força.

Nunca mais Tupinambá chegou perto do avião, nem falou com os expedicionários.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de abril de 2020

O PESADELO

 

O PESADELO

Depois de vários dias sem frequentar, compulsoriamente, salão de cabeleireiro, shoppings, supermercados, restaurantes etc. o que faz parte da minha rotina, continuo confinada, para evitar a contaminação do CORONAVÍRUS.

Como sempre ouvi minha mãe dizer que “quem não toma conselho, raramente acerta”, prefiro cumprir as determinações do poder público. Com a Saúde, não se brinca.

A minha distração são meus livros, o computador, a televisão e o celular.

Não aguento mais os noticiários agourentos da televisão, com prognósticos aterrorizantes sobre a pandemia que se alastra, também, pelo Brasil.

De tanto ouvir notícia ruim, comecei a ter pesadelos. O último que tive, foi que eu acordava pela manhã, sozinha, e as minhas estantes estavam completamente vazias. Não encontrava um só livro, em nenhum lugar do apartamento. Era uma época em que não havia computador, televisão e muito menos telefone.

Acordei em pânico e corri para a minha pequena biblioteca. Os livros estavam todos lá. Tudo intacto. Respirei aliviada, quando vi que tinha sido um pesadelo.

A nossa memória armazena “informações”, que, quando dormimos, às vezes se libertam e ocupam nossa mente. Freud explica.

Pois bem. Depois desse pesadelo, lembrei-me de um filme que eu e meu marido (de saudosa memória) assistimos na década de 70, “FAHRENHEIT 451”, na sessão de “Cinema de Arte”, no Cine Rio Grande, em Natal.

Nessa época, os Shoppings ainda não existiam, com suas inúmeras e geladas salas de projeção. Os tradicionais cinemas de Natal, como o Cine Rio Grande e Cine Nordeste, eram muito mais aconchegantes.

Esse filme, “FAHRENHEIT 451”, dirigido por François Truffaut e estrelando Oskar Werner e Julie Christie, foi um sucesso de bilheteria.

É uma adaptação do livro de Ray Bradbury (1920-2012), publicado pela primeira vez em 1953. Escrito nos anos iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma crescente e disfuncional sociedade americana. Trata-se de uma sociedade do futuro, uma cidade fictícia, onde todos os livros são proibidos; opiniões próprias, contra o sistema, são consideradas antissociais e o pensamento crítico também é proibido. Essa cidade baniu todos os materiais de leitura e o trabalho dos bombeiros é manter as fogueiras a 451 graus, a temperatura que o papel queima.

O personagem central, Guy Montag, trabalha como “bombeiro”, o que no enredo. significa “queimador de livro”. O número 451 é a temperatura, em graus Fahrenheit, da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

O bombeiro segue a profissão de seu pai e de seu avô, e tem a certeza de que seu trabalho (queimar livros e a casa que os abriga, bem como perseguir as pessoas que os detém) – é a coisa mais certa que existe.

Ele sempre se lembra de um fato ocorrido na sua infância, quando faltou luz e sua mãe acendeu uma vela, no escuro, proporcionando a todos uma luz estranha, mas sob a qual ele se sentiu muito bem.

Qualquer pessoa flagrada lendo livros era, no mínimo, confinada num hospício. Os livros ilegais, encontrados e queimados, eram obras famosas, principalmente de autores como Walt Whitman (poeta, ensaista e jornalista norte-americano), Willian Faulkner (escritor norte-americano, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1949), e outros.

Os leitores procuravam gravar, mentalmente, seus livros preferidos, antes que fossem queimados.

O autor do romance conta que o mesmo foi escrito nos porões da biblioteca Powell, na Universidade da Califórnia, em uma máquina de escrever alugada. Sua intenção original, ao escrever o romance, era mostrar seu grande amor por livros e bibliotecas, e frequentemente se refere a Montag, o bombeiro, como uma alusão a ele mesmo.

A história é encerrada, com leve tom otimista. É dito que a sociedade que Montag conheceu foi quase totalmente dizimada, e uma nova sociedade estaria nascendo de suas cinzas, com um destino ainda desconhecido.

Nesse novo mundo, as pessoas que liam livros antes, de forma oculta, começam a revelar-se, explicando a todos os demais, de onde vieram e de que forma o conhecimento que detém poderá transformar a vida de todos, de modo positivo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de abril de 2020

DONA CAPITÃO

 

DONA CAPITÃO

Era a festa de 40 anos de casados de meus pais, Lia e Francisco, em Nova-Cruz (1979). Houve um almoço de arromba, feito por Dona Capitão, uma cozinheira de luxo, disputada pelas famílias “chiques” de Nova-Cruz, quando queriam preparar banquetes. A mulher tinha fama de exímia cozinheira. E realmente devia ser.

De Natal, foram convidadas somente pessoas da nossa família e umas quatro ou cinco pessoas muito amigas da minha mãe. De Nova-Cruz, também, somente os familiares. Uma comemoração simples, em família, conforme o desejo da minha mãe e do meu pai. Os cinco filhos, noras, genros e netos estavam presentes. Foi um dia muito alegre, e a casa ficou cheia de pessoas queridas.

Chegamos a Nova Cruz no domingo de manhã cedo. Dona Capitão já estava em ação. O cheiro de peru e lombo de porco, assando no forno, já estava no ar. Em cima do fogão, uma enorme caçarola com peru guisado e outra com galinha caipira, além de carne de sol, assada na manteiga do Sertão, que seria acompanhada de feijão verde, arroz e farofa.

Depois de conversar um pouco com meus pais, tive vontade de dar uma olhada na cozinha. Encontrei Dona Capitão com uma colher de pau na mão, mexendo uma panela enorme, e despejando nela dois vidros grandes de “maionese”. Curiosa, perguntei o que ela estava fazendo.

De cara fechada, a mulher respondeu:

– É um estrogonofe de carne.

Não me contive e disse:

– Nunca vi maionese em estrogonofe; só vejo creme de leite.

Aborrecida, ela disse:

– Ainda vou colocar o creme de leite.

Tratei de me afastar, antes que Dona Capitão se chateasse comigo. De simpática e delicada, ela não tinha nada. Era do tipo de cozinheira convencida, que não gostava de plateia na cozinha.

Cismei com o tal estrogonofe e jurei pra mim mesma que dele não comeria.

Quando o almoço foi servido, não tive coragem nem de chegar perto daquele “picadinho metido a besta”.

Pensei com meus botões: -Isso vai dar é dor-de-barriga nesse povo.

O almoço foi um sucesso. Todos acharam a comida maravilhosa. Dona Capitão ficou feliz da vida, por ouvir tantos elogios à sua comida. Todos comeram bastante, e chegaram a repetir.

Excetuando-se os donos da festa, Francisco e Lia, que só gostavam da comida costumeira e simples, os convidados se empanturraram de tudo, inclusive do tal estrogonofe. Eu, que já tinha jurado pra mim mesma que não chegaria nem perto dele, cumpri a jura, e dele não comi.

Depois, vieram as sobremesas, uma variedade de saborosas iguarias, incluindo “pudim de leite” e “manjar do céu”. Não faltaram licores caseiros e o indispensável cafezinho.

Vendo várias redes armadas no alpendre, os mais velhos procuraram tirar uma soneca. Mas, a maioria dos convidados ficou no bate-papo, debaixo do “Ficus-Benjamina”, em frente à nossa casa.

Duas horas depois, começou o entra- e- sai no único banheiro que havia dentro de casa. E o banheiro antigo, que ficava no quintal, quase sem uso, nunca teve tanta serventia. Formou-se até fila, para as pessoas usarem o banheiro interno. À certa altura dos acontecimentos, teve gente que fez de sanitário umas telhas velhas, que estavam no fundo do quintal, por não aguentar esperar que um dos banheiros desocupasse.

A dor de barriga foi geral. Parecia uma epidemia. O estoque de papel higiênico “Tico-Tico”, recém lançado, acabou, e entrou em ação o papel de embrulho, que enrolava sabão, e o que vinha da padaria com pão, etc. Meu pai teve que ir depressa à venda, buscar mais papel higiênico. Foi um vexame “tragicômico”.

A festa tornou-se hilária e o “estrogonofe” feito por Dona Capitão ficou na história. Foi a primeira e única vez que essa célebre cozinheira de Nova-Cruz entrou na nossa casa.

O cunhado da minha Mãe e a esposa, no dia seguinte, retornaram a Natal, e ele, por brincadeira, ao se despedir, disse à minha Mãe, que estava muito feliz, por ter se curado do seu problema de intestino preso. Foi a única pessoa que disse ter gostado da dor-de-barriga.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de abril de 2020

DOMINGO DE PÁSCOA

 

DOMINGO DE PÁSCOA

Violante Pimentel

A palavra Páscoa, em português, deriva do termo em hebraico “Pessach” (passagem), celebração de tradição judaica, que relembra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito. A Páscoa comemorada pelos hebreus era realizada próximo à época que marcava o início da primavera.


Apesar do Cristianismo ter surgido de uma seita derivada do Judaísmo, o significado da páscoa cristã é diferente, pois relembra os três dias da morte até a ressurreição de Cristo.


A Ressurreição de Cristo é um dos principais pilares da fé cristã, o que evidencia a importância dessa festa no calendário da religião.

Cristo, visto como Cordeiro de Deus, ofereceu-se em sacrifício para salvar a humanidade do pecado. Depois de ter sido crucificado e morto, ressuscitou após três dias. A crucificação e ressurreição de Cristo teriam acontecido exatamente na época de realização do festival judaico, o que criou um paralelo entre as duas comemorações.


Na tradição cristã católica, a páscoa encerra a Quaresma, que é um período de quarenta dias, marcado por jejuns. A última semana da Quaresma, é a chamada “Semana Santa”, iniciada no Domingo de Ramos, que marca a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém; passa pela Sexta-feira da Paixão, que é marcada pela morte de Cristo; e é finalizada no Domingo de Páscoa, ou DOMINGO DA RESSURREIÇÃO, que celebra a Ressurreição de Jesus Cristo.


A data da Páscoa foi instituída pela Igreja, durante o Concílio de Niceia, em 325 d.C

Atribuem-se os símbolos da páscoa – o coelho e os ovos – a elementos pagãos. Acredita-se que ovos e coelhos eram vistos por povos na antiguidade, como símbolos da fertilidade. Assim, à medida que esses povos foram cristianizados, esses elementos foram sendo absorvidos pela festa cristã.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 12 de abril de 2020

JESUS CRISTO, O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA (TEXTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

JESUS CRISTO, O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA

Villante Pimentel

 

"EM BIOLOGIA, NASCEU SEM A CONCEPÇÃO NORMAL;

EM FÍSICA, DESMENTIU A LEI DA GRAVIDADE, QUANDO ANDOU SOBRE AS ÁGUAS E SUBIU AOS CÉUS;

EM ECONOMIA, ELE REFUTOU A LEI DA MATEMÁTICA AO ALIMENTAR5000 PESSOAS COM SOMENTE CINCO PÃES E DOIS PEIXES; E AINDA FAZER SOBRAR 12 CESTOS CHEIOS.

EM MEDICINA, CUROU OS ENFERMOS E OS CEGOS SEM ADMINISTRAR NENHUMA DOSE DE MEDICAMENTO.

A HISTÓRIA É CONTADA ANTES DELE E DEPOIS DELE, ELE É O PRINCÍPIO E O FIM.

ELE FOI CHAMADO MARAVILHOSO, CONSELHEIRO, O PRÍNCIPE DA PAZ, O REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES;

AFIRMOU DIZENDO, QUE NINGUÉM VEM AO PAI SENÃO POR ELE;

ELE É O ÚNICO CAMINHO, A VERDADE E A VIDA;

ENTÃO...QUEM É ELE? ELE É JESUS!

O MAIOR HOMEM DA HISTÓRIA: JESUS!!!

ELE NÃO TINHA SERVOS, E NO ENTANTO O CHAMAVAM DE SENHOR.


NÃO TINHA NENHUM GRAU DE ESTUDO, E NO ENTANTO O CHAMAVAM DE MESTRE.


NÃO TINHA MEDICAMENTOS, MAS ERA CHAMADO DE MÉDICO.


ELE NÃO TINHA EXÉRCITO, MAS REIS O TEMIAM...


ELE NÃO GANHOU BATALHAS MILITARES, E NO ENTANTO, CONQUISTOU O MUNDO!


ELE NÃO COMETEU NENHUM DELITO, E NO ENTANTO FOI CRUCIFICADO.


FOI ENTERRADO EM UMA TUMBA, E NO ENTANTO, ELE VIVE!!!"


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de abril de 2020

A CEBOLA

 

A CEBOLA

O ardor sentido nos olhos, ao se picar uma cebola, e a consequente choradeira, é um fenômeno que se deve às células desse vegetal, uma parte rica em enzimas e a outra em sulfuretos. Ao serem cortadas, essas duas células se rompem e se misturam. Reação que resulta em uma substância chamada ácido sulfénico e é transformada em um gás. A irritação é produzida quando esse gás atinge os olhos, pois eles estão constantemente úmidos. É produzida, então, uma solução fraca de ácido sulfúrico. O organismo se defende do incômodo, produzindo mais lágrimas.

Mariza era muito emotiva e por tudo chorava. Desde criança, seu apelido era “Maria chorona”. Por isso, era sempre levada na gozação, pelos quatro irmãos e até pelos pais. Chorava de alegria, de tristeza, de raiva ou decepção. Uma música triste, em tom menor, sempre lhe fazia chorar.

Depois de mocinha, ajudava a mãe na cozinha e aprendeu a cozinhar divinamente. Vivia com os nervos à flor da pele, sem perspectiva de crescer na vida.

Filha de família pobre, foi alfabetizada em Grupo escolar, mas não pôde prosseguir nos estudos. Assumiu os afazeres da casa, com a morte da mãe.

Vivia sonhando com um príncipe encantado, que a tirasse daquela pobreza franciscana. Mas esse príncipe estava difícil de chegar. Seu pai, agricultor, já cansado, recebia pequena aposentadoria pelo INSS.

Sempre triste, Mariza se realizava, quando preparava comida. Descascava cebola com a maior satisfação, já que a cebola, quando é cortada, quase sempre provoca lágrimas.

Com a morte da mãe, ela sentiu-se na obrigação de ser forte, evitando chorar na frente do pai e dos irmãos. Eles não suportariam ver seu sofrimento e iriam sofrer muito, vendo-a assumir o papel de dona de casa, no lugar da mãe.

Certa vez, enquanto todos jantavam, tomando a sopa de feijão, igual àquela que sua mãe fazia, perceberam seus olhos lacrimejando e se entreolharam. Antes de qualquer comentário, Mariza se antecipou:

– Meus olhos estão lacrimejando, por causa da cebola que cortei para colocar na sopa.

Nenhum comentário. Mesmo sabendo que não era, todos fingiram acreditar que a culpa daquelas lágrimas era da cebola.

Na verdade, naquela hora em que todos estavam sentados à mesa, Mariza estava vivendo uma grande crise de saudade da Mãe, como sempre acontecia. Sua alma estava dilacerada.

Mas, ela mesma gostou da desculpa da cebola, e, a partir de então, sempre que o pai e os irmãos a surpreendiam chorando, ela se antecipava: – Estava descascando cebola.

Por isso, a comida que preparava era muito acebolada. As cebolas nasciam em abundância, na horta que ela cultivava..

Certo dia, Mariza soube que cientistas estavam inventando coisas para modificar a cebola. Elas não iriam mais provocar lágrimas. Mariza não gostou da ideia e pediu a Deus para que eles não obtivessem êxito nesse invento.

O que seria dela sem as cebolas, que eram suas cúmplices?


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de abril de 2020

SEMANA SANTA - HISTÓRICO

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SEMANA SANTA - HISTÓRICO

Violante Pimentel

A SEMANA SANTA é uma tradição religiosa cristã que celebra a PAIXÃO, a MORTE e a RESSURREIÇÃO de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ela se inicia no Domingo de Ramos, que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e termina com a Ressurreição de Jesus, que ocorre no domingo de Páscoa.

OS DIAS DA SEMANA SANTA:

1- DOMINGO DE RAMOS - Abertura solene da Semana Santa, com a celebração da Missa de Ramos, onde os fiéis exibem um ramo nas mãos, comemorando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Jesus é recebido com um Rei, mas os mesmos homens que o receberam com festa o condenaram à morte. Jesus é recebido e aclamado com ramos de palmeiras. Nesse dia, são comuns procissões em que os fiéis levam consigo ramos de oliveira ou palmeira, o que deu origem ao nome da celebração. De acordo com os Evangelhos, Jesus foi para Jerusalém celebrar a Páscoa Judaica com os seus discípulos. Entrou na cidade como um rei, mas sentado num jumentinho - simbolo da humildade - e foi aclamado pela população como o Messias, o Rei de de Israel. A multidão o aclamava: "Hosana ao Filho de Davi!" Isso aconteceu alguns dias antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição.

SEGUNDA-FEIRA SANTA - A Segunda-Feira Santa é o segundo dia da Semana Santa, cujo começo tem lugar no Domingo de Ramos, e durante o qual os cristãos se preparam em orações para reviver a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

TERÇA-FEIRA SANTA - É o terceiro dia da Semana Santa, onde são celebradas as Sete Dores de Nossa Senhora Virgem Maria. E um dia de penitências, no qual os cristãos cumprem promessas de vários tipos ou o dia da memória do encontro de Jesus e Maria no caminho do Calvário.

1.4 QUARTA-FEIRA SANTA- Ou QUARTA-FEIRA DE TREVAS- É o quarto dia da Semana Santa. Em algumas Igrejas celebra-se nesse dia a piedosa procissão do encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Ainda há Igrejas que nesse dia celebram o Ofício das Trevas, lembrando que o mundo já está em trevas, devido à proximidade da morte de Jesus. É uma celebração bonita e muito triste.

QUINTA-FEIRA SANTA - ou QUINTA-FEIRA DA CEIA DO SENHOR - é o quinto dia da Semana Santa e, na manhã desse dia, nas catedrais das dioceses, o Bispo se reúne com o Clero para a celebração do Crisma, na qual são abençoados os óleos que serão usados na administração dos Sacramentos do Batismo, Crisma e Unção dos Enfermos. Com essa celebração se encerra a Quaresma.
Neste mesmo dia, à noite, são relembrados os três gestos de Jesus durante a Última Ceia: a instituição da Eucaristia, o exemplo do Lava-pés, com a instituição de um novo mandamento (ou "ordenança") segundo algumas denominações cristãs, e a instituição do Sacerdócio. É neste momento que Judas Iscariotes sai para entregar Jesus por trinta moedas de prata. E é nesta noite que Jesus é preso, interrogado e, no amanhecer da sexta-feira, açoitado e condenado a morrer na CRUZ.

SEXTA-FEIRA SANTA ou SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO -

É quando a Igreja recorda a morte de Jesus. É celebrada a Solene Ação Litúrgica, Paixão e a Adoração da Cruz. A recordação da morte de Jesus consiste em quatro momentos: A Liturgia da Palavra, Oração Universal, Adoração da Cruz e Rito da Comunhão. Presidida por presbítero ou bispo, os paramentos para a celebração são de cor vermelha.

SÁBADO SANTO ou SÁBADO DE ALELUIA -
É o dia da espera. Os cristãos junto ao sepulcro de Jesus aguardam sua ressurreição. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como disse Santo Agostinho, que se inicia com a Bênção do Fogo Novo e também do Círio Pascal; proclama-se a Páscoa através do canto do Exultet e faz-se a leitura de 8 passagens da Bíblia (4 leituras e 4 salmos) percorrendo-se toda história da salvação, desde Adão até o relato dos primeiros cristãos. Entoa-se o Glória e o Aleluia, que foram omitidos durante todo o período quaresmal. Há também o batismo daqueles adultos que se prepararam durante toda a quaresma. A celebração se encerra com a Liturgia Eucarística, o ápice de todas as missas.

DOMINGO DE PÁSCOA -

É O DIA MAIS IMPORTANTE PARA A FÉ CRISTÃ, POIS JESUS VENCE A MORTE, PARA MOSTRAR O VALOR DA VIDA. Esse dia é estendido por mais cinquenta dias até o Domingo de Pentecostes.

A PÁSCOA CRISTÃ celebra, portanto, a RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de abril de 2020

A SEMANA SANTA, NA MINHA JUVENTUDE

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A SEMANA SANTA, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE
O APELO QUE GUARDO NA MEMÓRIA:
“UMA ESMOLINHA, PELO AMOR DE DEUS! PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’OJE!!!”

 

Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Nessa época, década de 60, bacalhau era produto de baixo custo.


Paralelamente, na Sexta-Feira, havia uma grande preocupação das famílias, de esconder suas galinhas dentro de casa. Os "biriteiros" de plantão costumavam furtá-las dos quintais nessa noite, e transformá-las em guizados, para lhes servir de tira-gosto.


O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os "gatunos" eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por brincadeira, às vezes compartilhada pelos próprios donos.


As comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma e coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.


A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga. Era um período de reflexão, e esperança de um mundo melhor.


Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia, sob pena de em vez do leite, do animal jorrar sangue. Ainda por cima, propagava-se o perigo de ficar entrevado, para aquele que tomasse banho nesse dia.


Esses medos faziam parte da crendice popular, nos recantos nordestinos mais atrasados.


Na Quinta-Feira Santa , quando se revive a traição de Judas, durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.


Na Sexta - Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem.


Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.


As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.


Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.


O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus.. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.


A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de abril de 2020

A HISTÓRIA SE REPETE

 

 

A HISTORIA SE REPETE

A Gripe Espanhola de 1918 se alastrou pelo mundo, inclusive pelo Brasil, fazendo inúmeras vítimas. O Rio Grande do Norte também foi atingido.

Quando eu era adolescente, gostava muito de conversar com uma tia-avó muito idosa, Idila dos Santos Lima, irmã da minha avó-materna, a poetisa Anna Lima. Ela falava muito sobre a Gripe Espanhola (1918), que tinha vitimado duas irmãs suas, muito jovens, Luzia e Olindina.

Tia Idila provinha de uma prole de nove irmãos, incluindo Anna Lima, Dr.Luiz Antônio dos Santos Lima e Dr. Nestor dos Santos Lima. Com o passar do tempo, os irmãos foram morrendo, restando ela, como única sobrevivente.

Apesar do grande número de vítimas, resultante da epidemia da Gripe Espanhola, a história registra a grande luta dos médicos, em busca de soluções, através de remédios que pudessem evitar a ação da “influenza”. As autoridades, preocupadas em evitar o alastramento da gripe, fizeram uso dos jornais em todo o território nacional, para divulgar uma série de medidas consideradas úteis, visando minimizar os riscos de se contrair a doença.

Por coincidência, as recomendações eram quase as mesmas de hoje, no combate à atual Pandemia do COVID-19 (CORONAVÍRUS).

Durante a Gripe Espanhola de 1918 (INFLUENZA), a Inspetoria de Higiene recomendava ao povo:

1- Evitar aglomerações, principalmente à noite.

2- Não fazer visitas.

3- Tomar cuidados higiênicos com o nariz e a garganta; inalações de vaselina mentolada, gargarejos com água e sal, com água iodada, com ácido cítrico, tanino e infusões contendo tanino, como folhas de goiabeira e outras.

4- Tomar como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino, nas doses de 25 a 50 centigramas por dia, e de preferência no momento das refeições.

5- Evitar toda fadiga ou excesso físico. O Doente, aos primeiros sintomas, deve ir para a cama, pois o repouso auxilia a cura e afasta as complicações e contágio; também, não deve recebe,r absolutamente, nenhuma visita.

6- Evitar as causas de resfriamento é de necessidade, tanto para os sãos, como para os doentes e convalescentes. As pessoas idosas devem aplicar-se com mais rigor ainda, todos esses cuidados.

Além dessas recomendações que foram publicadas a pedido da Inspetoria de Higiene, os médicos começaram a se manifestar rapidamente, acerca de quais seriam os remédios mais adequados para combater a epidemia que estava se abatendo sobre a população naquele momento.

No dia 19.10.1918, foi publicada no jornal “A República” uma carta enviada pelo Dr. JANUÁRIO CICCO, com recomendações à população natalense, as quais foram republicadas durante vários dias, nos meses de outubro a dezembro, no mesmo jornal. A carta continha um conjunto de medidas prescritas pelo DR JANUÁRIO CICCO, com o objetivo de combater a Influenza, abaixo reproduzida:

“ Sr. Redator de “A REPÚBLICA”,

Acreditando auxiliar a defesa da Saúde Pública, contra a epidemia de gripe ou influenza espanhola que, celeremente, se dissemina por toda a parte, e, por isso mesmo, sem medidas de profilaxia geral, devo aconselhar à população deste estado, o que se fez na França, na memorável epidemia de 1889 e 1890.

Parece ter sido Hochard o divulgador do efeito dos sais de QUININO contra a gripe e este juízo mereceu a confirmação de todos os médicos eminentes. Embora alguns contestassem o valor profilático da QUININA por ser vaso-constritor e portanto, hipertensor e como a gripo-toxina é deprimente e hipertensora, o remédio preferido antes e durante a moléstia é a QUININA, porque ela é ainda anti-térmica, anti-séptica, abrevia a convalescença e se opõe à astenia.

Ninguém espere adoecer para fazer uso dos sais de quinina; é necessário tomá-lo como preventivo, tanto mais quanto o professor Hochard acrescenta serem as formas ligeiras da gripe, sem febre, apenas com coriza e uma simples traqueíte, mas suscetíveis de agravação do que outra qualquer, pela insidiosidade da moléstia e suas complicações.

Ainda como medida de profilaxia individual, é indispensável fazer a desinfecção das fossas nasais e da boca com soluções de fenol (50 centigramas por 1.000 de água), água thenicada (5 gramas para 1.000), fenosalil (2 gramas para 1.000), água oxigenada, etc… Os cuidados da pele são indispensáveis e o uso diário de banhos mornos é aconselhável. A pulverização ou insuflação nas fossas nasais de um antiséptico não irritante (Subnitrato de bismute- 6 gramas, benfoime pulverizado – 6 gramas, ácido bórico – 20 centrigramas, mentol – 10 centigramas) completam as medidas de defesa às cavidades.

À menor indisposição que se sinta, frio, arrepios, mesmo quebrantamento de forças, coriza, guarde-se o leito, não devendo afrontar-se às correntes de vento para atenuar ou evitar como diz o professor G. André, o segundo ou terceiro ato deste drama.

O professor Mossé afirma que o QUININO exerce uma ação preventiva sobre as manifestações da infecção gripal e por este motivo deve ser usada em dose relativamente elevada. E aproveitando as múltiplas propriedades dos sais de quinina, dei às farmácias uma forma pilular, cujo uso será indicado de acordo com a idade.

Não é novidade farmacêutica, mas a QUININA, associada a outros elementos anti-fluxionários, age, levantando as forças vitais contra o bacilo da gripe e anulando a gripo-toxina sobre os centros nervosos.

Não é para reclamar as pílulas que dou aqui instruções de profilaxia, mas sendo a classe desafortunada que maior tributo paga às epidemias, formulei uma receita de fácil aquisição e emprego.

Seria até para louvar se os poderes competentes distribuíssem recursos, mandando um funcionário da inspetoria de higiene em toda choupana fornecer esta ou qualquer outra fórmula farmacêutica contendo QUININA e aconselhando: Cuidados higiênicos nas habitações, evitando as bebidas alcoólicas, os excessos, a fadiga, as aglomerações; escolher uma alimentação sadia, beber água fervida para fugir das complicações intestinais e trazer o ventre desembaraçado. São estas as precauções e os conselhos a seguir, é tudo o quanto se pode fazer à falta de outra profilaxia.

Muito grato pela publicação destas linhas, se asseguro: Vosso amigo e admirador Januário Cicco.”

É interessante notar o valor que, já na época da Gripe Espanhola, se deu ao sal de quinino, tanto no processo preventivo, quanto curativo, o que fez com que este produto atingisse em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, um preço astronômico, provocando uma intervenção do poder público no sentido de frear a especulação, que foi a distribuição do produto por órgãos do governo. Outra tentativa de combater a disseminação da epidemia foi a utilização da vacina destinada ao combate da varíola .

No livro A Gripe Espanhola em São Paulo, escrito por Cláudio Bertolli Filho, consta uma análise de 27 receitas prescritas por médicos que atuaram na capital paulista, onde são identificadas 178 diferentes drogas, com predominância de calomelanos (soluções com baixa concentração de mercúrio), os compostos de quinino, os chás de erva e o fósforo. A primeira substância tinha uma função purgativa, pois o ideário médico da época considerava que a eliminação do bolo fecal e a regularidade das funções intestinais eram o caminho mais acertado para a eliminação das toxinas, produzidas pelo micróbio da Influenza.

Apesar da evolução fantástica da Medicina, atualmente, mais de 100 anos depois da Gripe Espanhola, a Quinina continua sendo usada, agora na luta pela cura do CORONAVÍRUS, associada a outros medicamentos.

Que a Cloroquina tenha êxito!

Dr. Januário Cicco (30 de abril de 1881 · São José de Mipibu-RN / 1 de novembro de 1952 – Natal-RN)


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de março de 2020

A QUININA

 

A QUININA

Reza uma lenda espanhola, que, certa vez, um soldado acometido de Malária, no meio da selva, tremendo de febre, calafrios e morrendo de sede, bebeu da água amarronzada de uma pequena lagoa, onde o tronco de uma árvore havia caído. Depois de matar a sede com essa água marrom, o soldado adormeceu. Só acordou no dia seguinte, sem qualquer indisposição. A febre altíssima e calafrios haviam passado completamente.

A árvore era QUININA.

Os colegas, que já o consideravam quase moribundo, surpreenderam-se quando o viram curado, como por milagre.

O soldado, então, lhes falou da febre, calafrios e sede desesperadora, que sentira no dia anterior, e da água marrom, que bebera, avidamente, até se fartar.

A cura do soldado se espalhou e a Quinina passou a ser usada no tratamento da Malária (ou Impaludismo).

Em 1633, um jesuíta, chamado Padre Calancha, descreveu as propriedades de cura da árvore na Crônica de Santo Agostinho:

“Uma árvore cresce, que eles chamam de árvore da febre, na região de Loxa, cuja casca tem cor de canela. Quando transformada em pó, juntando-se uma quantidade equivalente ao peso de duas moedas de prata, e oferecida ao paciente como bebida, ela cura febre. E tem curado, milagrosamente, em Lima.”

Jesuítas, no Peru, começaram a utilizar a casca da árvore para prevenir e tratar Malária.

Em 1645, o padre Bartolomeu Tafur levou algumas cascas para Roma, onde seu uso espalhou-se entre os clérigos.

Em 1654, a casca peruana foi introduzida na Inglaterra.

A descoberta da Quinina pelo Ocidente data do final do século XVI e início do século XVII, durante a conquista do Império Inca pelos espanhóis, na região do Peru. Nessa época, os invasores espanhóis tomaram conhecimento de uma árvore usada pelos índios para curar febre.

A QUININA é uma árvore medicinal, cujo tronco possui uma casca de poderoso gosto amargo, sendo considerada um dos mais importantes vegetais, usados no combate à Malária, ou Impaludismo.

A importância extraordinária dessa árvore reside na sua casca, considerada como um dos mais valiosos medicamentos, para a cura de febres intermitentes, nevrálgicas, e outras doenças.

Foi o médico genovês, Sebastião Bodos (1663), quem primeiro descreveu a casca da Quinina e mencionou suas propriedades febrífugas. Mas a droga deve o seu maior sucesso à cura da condessa Del Cinchon, esposa do vice-rei espanhol no Peru, acometida de forte febre terçã (própria da Malária). Ao ingerir uma poção feita pelos índios chamada “quina-quina”, a febre cedeu e a continuidade do tratamento a deixou curada.

A partir desse relato, padres jesuítas da missão espanhola levaram o pó para a Europa, para vendê-lo como medicamento para a cura da Malária, que depois ficou conhecido como “pó dos jesuítas”.

Em 1679, o Rei Charles II da Inglaterra foi vitimado por uma forte febre, porém sendo protestante, preferia morrer a tomar um medicamento católico, por melhor que ele fosse.

Surgiu um amigo seu, Robert Talbor, com um medicamento “protestante” que o rei não hesitou em tomar. Ficou curado e, como agradecimento, sagrou Talbor, cavaleiro e médico real.

Alguns anos depois, foi revelado que o remédio “protestante” de Talbor era, na verdade, o “pó dos jesuítas”, apenas em uma formulação diferente.

O mal que acometeu a condessa e o rei, foi, de fato, a Malária. Este nome tem origem na expressão italiana “mala aria” (ar ruim), pois se acreditava que a doença era transmitida pelo ar, contaminado por pântanos e esgotos.

A Malária é causada pelo protozoário Plasmodium falciparum, descrito em 1880, pelo médico francês Charles Louis Alphonse Laveran, sendo transmitida pela picada das fêmeas do mosquito do gênero Anopheles.

Quinina (fórmula química: C20H24N2O2) é um alcalóide de gosto amargo, que tem funções antitérmicas, antimaláricas e analgésicas. O sulfato de quinina é o quinino.

A Quinina entra na composição de numerosos preparados, como: Água Tônica de Quinino, Vinho de Quina, Quinado, Tintura, Xarope e pílulas.

Para uso externo, a quinina serve como dentifrício e adstringente.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de março de 2020

VIVER É UMA ARTE

 

VIVER É UMA ARTE

As escolas, por melhores que sejam, não nos ensinam a arte de viver. Também não produzem nenhum sábio. A sabedoria é como uma planta que brota na mente de alguém, como por milagre, como é o milagre da vida.

A vida é um jogo de baralho. As cartas que recebemos são o nosso destino. A nossa maneira de jogar representa as nossas escolhas.

Pelos caminhos da vida, é comum nos depararmos com pessoas sábias, mas que nunca frequentaram uma escola. Por isso, podemos dizer que nem sempre o analfabeto é burro. Como também podemos dizer que nem sempre o alfabetizado é inteligente.

Certa vez, um homem prepotente, que se sentia acima de todos os homens, precisou entrar num barco, para fazer a travessia de um rio. Logo puxou conversa com o barqueiro, para ver até onde iria o grau de ignorância.daquele homem pobre e tímido, que ganhava a vida fazendo a travessia de viajantes num rio tão agitado.

E perguntou-lhe, de uma só vez:

– Você sabe ler e escrever? Já leu sobre os oceanos e os rios? Já ouviu falar em Matemática, Astronomia, Botânica e Geografia?

Encabulado, o humilde barqueiro respondeu que não sabia ler nem escrever. Também não sabia nada daquilo que ele estava perguntando. Nunca tinha ido a uma escola.

O homem rico deu uma gargalhada e disse, sarcasticamente:

– Que pena! Não aprendeu nada! Nem a ler nem escrever! Você perdeu boa parte de sua vida!

E o sabichão contou ao barqueiro que, além de ser Médico, entendia de outras ciências. Era filho de um fazendeiro rico e tinha estudado nas melhores escolas. E continuou contando grandeza e perguntando coisas ao barqueiro, sabendo que ele não saberia responder. Somente para ter o gosto de humilhar o pobre homem.

E repetiu para o barqueiro:

– Coitado de você! Perdeu boa parte de sua vida!!!

O barqueiro coçou a cabeça, nervoso, demonstrando irritação. Sentiu-se humilhado diante da conversa daquele homem rico e importante. De repente, o barco foi de encontro a uma pedra sofrendo uma avaria. Começou a entrar água no barco e o barqueiro disse para o doutor:

 Vosmecê que sabe tudo, também deve saber nadar!!! Tire os sapatos e o paletó, pois vamos ter que ir nadando, e a correnteza está muito forte…

Em pânico, o doutor gritou:

– Não!!! Eu não sei nadar!!!

O barqueiro respondeu:

– Que pena, doutor! Pois o senhor perdeu toda a sua vida!!!

Com muita dificuldade, o barqueiro nadou até a outra margem do rio, puxando o “doutor”, que por um triz não morreu afogado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de março de 2020

O RAPTO

 

O RAPTO

Ao chegar da escola, Paulinho, dez anos, encontrou uma novidade no quintal da sua casa : Uma bonita galinha pedrês.

Dona Elza, sua mãe, a tinha comprado para o almoço do domingo. Seria preparada ao molho de cabidela, também conhecido por molho pardo.

Paulinho havia deixado de comer galinha, desde o dia em que presenciou a cozinheira da casa, Josefa, matar uma galinha para servir no almoço. O menino ficou traumatizado. Nunca tinha visto uma cena tão grotesca.

Ao ver a nova galinha, Paulinho entrou em pânico, e lhe veio à mente, a empregada cortando o pescoço da galinha e o sangue jorrando, aparado num prato fundo com um pouco de vinagre, e por ela batido com um garfo, para fazer a cabidela, ou molho pardo.

Desta vez, Paulinho jurou para si mesmo que iria salvar a galinha. Era uma galinha cevada, gorda, que nem se defendeu, quando o menino a segurou, levando-a para um esconderijo.

Paulinho pegou um caneco com água para dar à galinha raptada, mas antes disso, molhou a pequena cabeça da ave, dizendo que a estava batizando, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E deu-lhe o nome de Martinha.

Logo que escureceu, Martinha se aninhou no quartinho de depósito, onde Paulinho a escondeu e logo adormeceu.

O menino entrou em casa feliz da vida, jantou com os pais e irmãos e foi logo dormir. Acordou tranquilo, pois sua amiga Martinha estava batizada e protegida num esconderijo. Josefa que procurasse fazer um almoço diferente, sem galinha e sem cabidela.

Somente na hora de pegar a galinha para matar, no domingo pela manhã, a cozinheira notou o seu sumiço. A mulher fez o maior rebuliço, procurando a galinha no quintal, e em cima das árvores. Perguntou a Paulinho se a tinha visto no dia anterior e a resposta foi não.

O menino insinuou que a galinha pudesse ter sido furtada ou tivesse fugido, com o que Josefa concordou. A empregada ainda se culpou, por não ter cortado as asas da galinha, logo que ela chegou.

Dona Elza, quando soube do sumiço da galinha, ficou muito chateada, pois estava desejando comer galinha à cabidela, como também seu marido e filhos, exceto Paulinho .

Desapontada, mandou que a cozinheira providenciasse uma macarronada à bolonhesa, ou seja, com suculento molho de tomate, misturado com carne moída, para substituir a galinha à cabidela, que a família tanto esperava.

Dois dias depois, Paulinho entrou em casa, desconfiado, com a galinha debaixo do braço, para dizer à mãe que ela havia aparecido no quintal. Disse-lhe que ela agora era sua amiga e se chamava Martinha. Fez a mãe prometer que ela nunca iria para a panela.

Pelos olhinhos cheios de lágrimas do filho, Dona Elza compreendeu que ele era o responsável pelo sumiço da galinha. Emocionou-se e respeitou o seu pedido.
Martinha, a galinha pedrês, morreu de velha.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de março de 2020

A INSATISFAÇÃO

 

 

A INSATISFAÇÃO

O comportamento humano é cheio de manias e esquisitices. Há pessoas que quando não tem problemas, arranjam. A felicidade bate à porta, mas elas estão sempre chutando o balde e jogando a felicidade fora.

Pois bem. Valter e Amarílis formavam um casal perfeito, pois o fator que os unia era o amor. Ele sempre dizia confiar piamente na esposa. Entretanto, não gostava de vê-la produzida, isto é, com roupas sensuais, maquiagem, unhas e cabelos feitos, pois ficava enciumado. Amarílis era belíssima e o marido tinha consciência de que era muito feio.

Ele desconhecia o ditado popular que diz:

“Quem ama o feio, bonito lhe parece”.

Mesmo contrariada, Amarílis era a própria Amélia do compositor Mário Lago, aquela “que era mulher de verdade”. Além de muito bonita, era extremamente virtuosa e simples. Muito feio, baixinho e gordo, Valter era servidor público federal e ela era “do lar”, para sua tranquilidade. O casal tinha dois filhos e a família era feliz.

Levavam uma vida simples. Iam muito ao cinema, e aos domingos iam à Missa das 19 horas.

Amarílis chamava a atenção de todos e causava muita inveja às mulheres. Era morena clara, olhos cor de mel, alta, corpo escultural e cabelos castanhos, lisos e longos.

Aos domingos pela manhã, o casal costumava ir à praia, com os dois filhos pequenos. Quando Amarílis ficava de maiô, todos os olhares convergiam para ela. Os motoristas eram muito gentis e paravam, espontaneamente, para que o casal e os filhos atravessassem a rua. Faziam isso para apreciar a beldade que desfilava à frente deles.

Em todas as conversas com os amigos, Valter tinha a mania, quase neurose, de falar da beleza da sua mulher e da sua feiura. Achava que ela merecia ter casado, com um homem bonito igual a ela. Tinha complexo de feiura e isso o incomodava muito. Ele mesmo, sem querer, despertava o interesse dos amigos por Amarílis.

Certo dia, visitando um amigo, Valter, sempre repetitivo, confessou sentir-se o homem mais infeliz do mundo, por ter uma esposa tão bonita. Disse-lhe que preferia ter se casado com uma mulher feia.

Esse amigo, dessa vez, perdeu a paciência e retrucou:

– Por que você não se separa logo dela e acaba com essa lenga-lenga? Arranje uma mulher feia como você! Parece que o que você quer mesmo é ser CORNO!

Valter nunca mais tocou nesse assunto e se afastou dos amigos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de fevereiro de 2020

A CONFISSÃO

 

A CONFISSÃO

Antero, ainda menino, ingressou no seminário, por imposição da mãe, que era muito carola. Missa diariamente, batina, orações, confissão, comunhão, pregações sobre a fé, esperança e caridade, rezas em Latim, no começo empolgaram o menino, que se sentia num pedacinho do Céu. Depois a empolgação diminuiu.

O Seminário Menor é aberto a jovens com idade entre 11 e 17 anos.

Betânia, 40 anos, viúva há dois anos, semanalmente frequentava a Capela do Seminário São Bento, para se confessar ao Padre Tiago. Desabafava com ele suas mágoas, angústias e dores, pela morte do marido, além das tentações e desejos, que o falecido, nas suas noites de insônia lhe provocava. A mulher confessava ao Padre sua culpa, por não se conformar com a solidão, sentir falta dos carinhos do marido e gostar dos sonhos eróticos que tinha com ele.

O Padre já havia decorado os pecados que a viúva vinha lhe confessar semanalmente. As penitências que lhe aplicava, inclusive orações para que Nossa Senhora do Desterro desterrasse da sua cabeça os maus pensamentos, não eram cumpridas.

A assiduidade com que a viúva ia se confessar na Capela do Seminário chamava a atenção das pessoas, e as más línguas já diziam que a viúva estava assediando o Padre.

Certa vez, Antero, o seminarista que ingressou no Seminário contra a vontade, acordou triste, com crise de saudade de casa e da sua liberdade. Visivelmente deprimido, depois do almoço, afastou-se dos colegas e foi meditar sozinho na Capela do Seminário, fora do horário previsto para meditação, o que não era permitido. Depois de algum tempo, avistou o austero Padre Tiago adentrar à Sacristia. Temendo ser visto pelo Padre, o seminarista escondeu-se no confessionário. O Padre se retirou e antes que Antero saísse do confessionário, Dona Betânia, a viúva, frequentadora habitual das confissões, ajoelhou-se no confessionário e falou:

– Estou aqui de novo, Padre Tiago, para me confessar. Pequei novamente.Não consigo me controlar mais e continuo pecando, desejando sexo e não sei mais o que fazer.

O seminarista entrou em pânico, ao perceber que estava desrespeitando as regras do Seminário. A primeira era ter entrado na Capela para meditar, fora do horário permitido. A segunda, foi se sentar no Confessionário. E agora, aconteceu o pior: estava ouvindo uma confissão, coisa que não cabia a um seminarista. A mulher não parava de falar, e Antero temia o escândalo que ela daria, ao notar que não era o Padre Tiago que estava no confessionário.
Horrorizado e ouvindo os “pecados” da mulher, o seminarista ficou em silêncio. A viúva, estranhando, perguntou:

– Está ouvindo, Padre Tiago? Parece que o senhor está cochilando!!!

O seminarista tossiu e logo resolveu falar:

– Minha senhora, procure logo um homem para se casar, antes que caia em pecado mortal! Eu não sou Padre Tiago. Sou um seminarista.

Antero saiu do confessionário, sob os insultos da viúva, que deu um verdadeiro escândalo na Capela do Seminário, acusando-o de se passar por Padre Tiago.

O caso foi submetido à apreciação de um Conselho, tendo à frente o Reitor do Seminário, resultando na expulsão do seminarista.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 26 de fevereiro de 2020

PRESIDENTE BOLSONARO E SEUS MINISTROS APLAUDIDOS NOS BONECOS DE PERNAMBUCO

 

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e multidão, texto que diz


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de fevereiro de 2020

A SUPERAÇÃO

 

A SUPERAÇÃO

Maria, nascida no interior do Rio Grande do Norte, era “aleijada de nascença”, como se dizia antigamente. Não tinha o braço direito nem as duas pernas. Mesmo com dificuldade, Maria aprendeu a se arrastar e andar sozinha, de joelhos, sempre protegidos por trapos, que, com o passar do tempo, foram substituídos por joelheiras. Era a 5ª filha e a única deficiente, de uma prole que chegou a 10 filhos.

Com a mente perfeita e sonhos próprios das crianças , Maria, mesmo contra a vontade da mãe, que temia que ela fosse vítima de discriminação, conseguiu frequentar uma escola particular, em Areia Branca, onde morava, e logo aprendeu a ler. À tarde, quando as amigas chegavam em sua casa, Maria brincava de dar aulas, procurando transmitir para elas, o que havia aprendido na escola. E assim, surgiu sua vocação para o magistério.

Nessa época, o deficiente físico, quase sempre, era marginalizado, sendo um peso morto para a família. Não era aceito para estudar ou trabalhar., e era excluído do convívio social..

Maria se tornou uma moça graciosa, inteligente e desinibida. Tinha uma personalidade muito forte e não aceitava ser discriminada. Logo cedo, demonstrou independência nos seus atos, dentro de casa. Dizia que queria ser professora e iria lutar por esse ideal. Passava as manhãs na escola particular e aproveitava os intervalos para ler cartilhas e livros de Português, Aritmética e Estudos Sociais.

Aos 12 anos, recebeu o certificado do Curso Primário, das mãos do mestre Albertino, dono do Educandário Padre Anchieta, particular, onde tinha passado a estudar. Mas, em Areia Branca não havia Curso Ginasial.

A família, então, mudou-se para Mossoró, para que os filhos fizessem o Curso Ginasial.. Mas Maria não foi aceita em nenhum colégio, por ser deficiente física.

A solução que a família encontrou foi se mudar para Natal, para que Maria realizasse seu sonho de continuar estudando. Maria trazia na bagagem a esperança de dias melhores. Queria estudar e trabalhar. Antes, porém, teria que fazer o Curso Ginasial. Foi aprovada mais de uma vez no Exame de Admissão ao Ginásio, no Colégio Atheneu, mas na hora da matrícula, era preterida, em virtude da sua deficiência física.. Terminou procurando o Secretário da Educação da época, que, comovido com o problema, determinou que sua matrícula fosse aceita.

Sonhava em fazer o Curso Pedagógico e ser professora em um Grupo Escolar. Enquanto isso, em sua residência, dava aulas particulares.

Depois de concluir o Curso Ginasial, Maria matriculou-se na Escola Normal do Estado, para fazer o Curso Pedagógico, e poder ser professora primária.

Quando cursava o 2º ano do Curso Pedagógico, foi editada a Lei nº 2.889, de 11 de janeiro de 1961, que trata da organização do Ensino Normal, que dispunha:

Art.. 21 – Os candidatos a exame de seleção deverão apresentar diploma de conclusão de Curso Ginasial……bem como satisfazer os seguintes requisitos:

a. Sanidade física e mental;

b. Ausência de defeito físico ou distúrbio funcional que contraindique o exercício da função docente;

c. Qualidades pessoais que o recomendem ao Magistério.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1961)

Finalmente, chegou o ano de Maria concluir o Curso Pedagógico (1962). Maria foi escolhida a oradora da turma. Estava muito feliz, pois iria receber o tão sonhado diploma do Magistério.

Já perto da formatura, numa certa manhã, a austera Diretora entrou na classe, para perguntar quem gostaria de receber o diploma com seu nome escrito em letras góticas. Maria levantou seu único braço e respondeu:

– Eu, senhora diretora!

A diretora respondeu rispidamente:

– Você não, Maria! Você não receberá o diploma! A sua condição física não permite!

Maria, ofendida e humilhada, não conseguiu segurar as lágrimas. Saiu caminhando de joelhos, como era o seu caminhar, e se dirigiu à casa de uma irmã , que trabalhava no Palácio do Governo. Depois de alguns minutos, as duas foram expor o caso ao Governador, que se comoveu com a “via crucis” de Maria e revogou a decisão da diretora.

Maria recebeu o diploma, mas continuou impedida de lecionar em escolas públicas e privadas, sob a mesma alegação. Era deficiente física. Faltavam-lhe o braço direito e as duas pernas. Só andava de joelhos..

Diante dessa decepção, Maria continuou ensinando particular. Fundou o Externato Santa Terezinha, de sua propriedade, onde era professora e diretora.

Como era muito dinâmica, ainda se formou em Ciências Econômicas, e em 1976, quando houve eleições municipais, Maria se candidatou a vereadora para a Câmara Municipal de Natal, pelo MDB, ficando na primeira suplência.

É lamentável, que essa grande mulher não tenha alcançado os tempos atuais, quando os deficientes físicos contam com a proteção legal, em todos os aspectos. Portadora de uma mente perfeita e uma inteligência privilegiada, Maria foi excluída do exercício do Magistério, por suas limitações físicas. Uma mulher culta, grande oradora e uma excelente professora.

As peculiaridades de caráter físico podem ser consideradas como características pessoais. As barreiras impostas a Maria, pela própria sociedade, não lhe permitiram realizar seu ideal, que era exercer o Magistério em escolas públicas e privadas.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de fevereiro de 2020

A DISCÓRDIA

 

A DISCÓRDIA

 

Conta a Mitologia Grega, que havia no Olimpo, local onde habitam os deuses, uma deusa muito má, cuja presença tirava a harmonia de qualquer ambiente. Era uma deusa invejosa e intrigante, que provocava desentendimentos entre as companheiras. De tão detestável, era chamada de Discórdia.

Júpiter, o rei dos deuses, expulsou Discórdia do Olimpo, e ela resolveu se vingar.

Durante uma reunião realizada na terra, da qual participavam todas as deusas, e para a qual Discórdia não fora convidada, esta atirou para a assembleia uma maçã de ouro, onde estava escrito: “Para a mais bela”.

Essa maçã de ouro passou para a história como “o pomo da Discórdia”.

Discórdia fez isso, para provocar a desarmonia entre as deusas, pois todas se julgavam belas e merecedoras do presente.

Juno, Minerva e Vênus foram declaradas as mais formosas. Mas, como o prêmio era um só, para não ofender as três extraordinárias belezas, nenhum dos deuses do Olimpo quis se comprometer com o julgamento. Foi decidido, então, que um mortal, jovem e belo pastor, chamado Páris, faria a eleição, para escolher a quem caberia o prêmio.

As três deusas ofereceram a Páris preciosos dons. Juno deu-lhe um reino; Minerva prometeu-lhe a vitória numa grande batalha e Vênus ofereceu-lhe por esposa a mais bela mulher do mundo.

No fim do certame, Páris considerou Vênus a mais bela mulher, entregando-lhe o prêmio. Muitos dizem que a escolha foi por causa do famoso cinturão da deusa, ao qual se atribuía a virtude de irradiar graça e beleza, a quem o usasse.

Páris era o filho dos reis de Troia, os quais tinham se desfeito dele, quando era menino, e mais tarde o haviam feito vir ao seu palácio. Nunca pôde esquecer a promessa de Vênus e quando chegou a ser um valente guerreiro e ouviu falar da esplendorosa beleza de Helena, disse para si mesmo: “É essa a mulher que Vênus me prometeu.” Reuniu, então, os seus navios e homens e partiu para o país onde Helena vivia. Aí a encontrou, raptou-a e levou-a com ele para Troia.

Tróia era uma cidade fortificada, capital de um grande e poderoso reino. Helena era a rainha de uma cidade grega, chamada Esparta.

Helena havia sido disputada por muitos pretendentes, mas escolheu Menelau, um rei lendário. Vivia feliz com ele, quando foi raptada por Páris.

E foi assim que teve início a Guerra de Troia, tema do maior, entre os poemas épicos da Antiguidade, os de Homero e de Virgílio.

Menelau apelou aos seus irmãos, líderes da Grécia, para que se unissem a ele, nos esforços para resgatar a esposa.

Houve entre os homens de Páris e os de Menelau, uma terrível guerra, que durou muitos anos. Nessa guerra, Páris terminou sendo morto. Menelau, então, pode retornar a Esparta, resgatando Helena, sua esposa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de fevereiro de 2020

INCITATUS

 

 

“INCITATUS”

Quando se fala da História Antiga, é difícil separar a realidade da fantasia. É o que acontece quando se discorre sobre a vida do terceiro imperador de Roma, Caio Júlio César Augusto Germânico, conhecido como Calígula, que reinou de 37-41 d.C. Calígula era da dinastia júlio-claudiana e passou para a história como um dos mais cruéis, polêmicos e extravagantes imperadores romanos.

O incondicional amor que esse Imperador nutria por seu cavalo, Incitatus (em latim, Impetuoso), levou-o à loucura de nomeá-lo Cônsul de Roma e Cônsul da Bitínia, uma antiga região do noroeste da Ásia Menor, na costa do Mar Negro. Contam os historiadores que isso era uma afronta ao Senado e às Instituições que ele desprezava, como déspota absoluto.

Incitatus tratava-se de um cavalo de corrida, trazido da Hispânia, de onde, na época, Roma importava cerca de 10.000 cavalos por ano. Hispânia foi o nome dado pelos romanos à Península Ibérica (atuais Portugal, Espanha, Andorra, Gibraltar e uma pequena parte ao sul da França).

De acordo com a biografia de Calígula, de autoria do escritor Suetônio, Incitatus tinha cerca de dezoito criados pessoais, era enfeitado com um colar de pedras preciosas e dormia no meio de mantas de cor púrpura (a cor púrpura era destinada somente aos trajes imperiais, ou seja, era um monopólio real). Foi-lhe também dedicada uma estátua em tamanho real, de mármore, com um pedestal em marfim. Por se tratar de um cavalo de corrida, Calígula exigia, na noite anterior à sua competição, um silêncio absoluto da cidade de Roma, para que não fosse incomodado o sono do animal, com quem o imperador dormia. O castigo, a quem ousasse interromper o silêncio, era a pena de morte.

O cavalo era, na realidade, o verdadeiro imperador, com poderes absolutos.

Verdade ou não, é interessante se conhecer a História Antiga, que foi construindo a História Moderna através dos séculos, para que se reconheça o que a Humanidade conquistou em matéria de liberdade. As possíveis loucuras dos atuais governantes não são nada, se comparadas às loucuras dos antigos imperadores e reis despóticos, tiranos e absolutistas do passado.

Estamos muito distantes do que foram os impérios antigos e suas arbitrariedades. Somente os pessimistas fanáticos não enxergam a realidade.

É importante que nas escolas se ensine a História Antiga, para se entender melhor e apreciar os saltos que a Humanidade deu, à procura de uma dignidade maior das pessoas, de uma visão mais clara dos direitos humanos, e do direito da sociedade de compartilhar o poder com os políticos.

Somente para lembrar os saltos para melhor da história humana, basta recordar que, por exemplo, nos tempos de Calígula e até séculos depois, os pais tinham o direito de vida e morte de seus filhos ao nascer. Podiam concedê-los o direito à vida ou, se não gostassem, podiam sacrificá-los.

O estatuto dos direitos da infância à vida e à necessidade de ser respeitados só tem 25 anos. Por sua vez, a mulher, há menos de um século, era mais um objeto nas mãos do homem do que uma pessoa com direitos. Na Espanha, há pouco tempo as mulheres não podiam viajar sem a permissão de seus maridos, estudar na Universidade, ter uma conta corrente.

Sem contar com os avanços da ciência e da medicina, que nos permitem viver mais do que nunca, demos saltos gigantescos na política e nas ciências sociais. Hoje a palavra escravidão é condenada, e ninguém pode ser punido por suas crenças e seus gêneros, nos países que chegaram a um certo grau de democracia e respeito pela individualidade.

Devemos ser resistentes às tentações dos governantes, de querer voltar aos tempos dos absolutismos. A resistência da sociedade e as lutas pelas liberdades, hoje nos permitem dizer que os tempos atuais são bem melhores, do que aqueles que a História Antiga nos mostra.

Os loucos, ao modo de Calígula, chegam a parecer ficção.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de fevereiro de 2020

A PRAGA

 

 

A PRAGA

Décadas atrás, minha tia- avó Idila Lima, solteirona e idosa, costumava às sextas-feiras dar esmolas, na janela da casa onde morava com o irmão, Dr. Nestor dos Santos Lima, na Praça 7 de Setembro, em Natal, onde hoje é o prédio da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte.

Segurando uma bolsa cheia de dinheiro, tia Idila se distraía, fazendo essa caridade. Eram moedas de pequeno valor, mas que, na época, davam para comprar alguma comida. Eram distribuídas moedas de 500 réis, depois de 1 cruzeiro, 2 cruzeiros, etc. Esse gesto provocava o agradecimento dos mendigos.

Tive a oportunidade de ouvir, diversas vezes, um agradecimento de um mendigo cego, ao receber a esmola das mãos de tia Idila, que dizia:

– DEUS TE LIVRE DA PRAGA DO MAU VIZINHO!!!

E tia Idila respondia:

– AMÉM!!!

Nesse tempo, eu era uma adolescente e ainda não conhecia o lado mau da vida.

Em Nova-Cruz, só havia maus vizinhos, na época das campanhas políticas. Eram adversários políticos, que discutiam, defendendo seus candidatos. Depois das eleições, as intrigas eram esquecidas.

Depois de adulta e casada, vi que essa qualidade de gente, o mau vizinho, existe mesmo.

Quando somos nós que temos um mau vizinho, às vezes, o caso torna-se desesperador. Já vi pessoas se mudarem de uma casa, ou apartamento, por causa de um mau vizinho.

Aquele agradecimento que eu ouvia o mendigo cego dizer para tia Idila, ao receber das suas mãos a esmola, nunca saiu da minha memória.

“Deus te livre da praga do mau vizinho!!!” Hoje, na maturidade, cheguei à conclusão de que o mau vizinho é, realmente, a pior praga que existe”.

Logo cedo, convenci-me da existência da praga do mau vizinho, no caso, da má vizinha.

Pois bem. Minha Mãe adorava gatos e criava uma gata Angorá, branca de olhos azuis, a quem chamava de Vélvete. Numa certa manhã, ouvi minha Mãe aos prantos, ao ver sua gata chegar no quintal da nossa casa, cambaleando e completamente sem pelos.

A vizinha, de mal com a vida, odiava a gata, porque ela tinha o costume de pular o muro para o quintal da casa dela. A megera, então, nesse dia, jogou na gata uma panela de água fervendo, o que fez cair todo o seu pelo. A gata morreu em consequência desse ato vil e criminoso.

A mulher negou o ocorrido, mas sua empregada, dias depois, contou à minha Mãe que a patroa vivia planejando dar um fim àquela gata, pois tinha horror quando a via no seu quintal. A gata sempre era enxotada de lá a vassouradas, até que a criminosa pôs em prática o seu plano macabro, jogando-lhe água fervendo.

Tirou na sorte grande, aquele que nunca teve um mau vizinho.

Num prédio onde morei, vi um morador agressivo e bêbado acabar com uma festinha de adolescentes, às 10 horas da noite, jogando baldes d’água nos convidados, diretamente do seu apartamento no 2º andar. A festinha era ao lado da piscina.

Outra vez, esse mesmo homem quis acabar com a comemoração de um aniversário, no salão de festas, mandando um recado pelo porteiro, para que desligassem o som, que o estava incomodando. Eu me meti e mandei-lhe um recado, dizendo que ele devia ir ao centro de velório que havia perto do prédio, para se distrair um pouco, olhando os defuntos que estavam sendo velados. Se ele não gostava da alegria dos vivos, fosse se distrair com a tristeza da morte.

Ainda faltava se cantar o “parabéns pra você”, e, por causa disso, a festa iria se prolongar um pouquinho mais. Era um som antigo, sem muita potência, e que só poderia incomodar os “chatos de galocha”, como ele.

Em edifícios de apartamentos, sempre há um mau vizinho, ou má vizinha, de mal com a vida, cheios de problemas de família, filhos desajustados, e que detestam qualquer manifestação de alegria, por parte dos demais moradores. Essas pessoas tiram a harmonia do prédio. Tornam-se antipáticas e agressivas. Tratam mal aos empregados do condomínio, dando-lhes ordens aos gritos, como se eles fossem seus empregados particulares. Já vi uma vizinha agressiva e violenta, ameaçar de demissão o porteiro do prédio. O homem se recusou a cumprir uma ordem sua de largar a portaria, para ajeitar alguma coisa no apartamento dela, como se o empregado fosse particular e não do condomínio.

Um amigo meu, que morava numa casa, teve seu cachorro envenenado pelo vizinho, que não suportava ouvi-lo latir.

Existem pessoas que carregam uma carga de energia negativa muito grande e acabam transmitindo essa energia consciente ou inconscientemente. Não suportam a felicidade de ninguém.

Os olhos são como lentes que concentram a energia do corpo e da alma, conseguindo transmitir um elevado grau de magnetismo e energia. Todo olhar é poderoso. Pode curar, regenerar, abençoar e até ajudar uma pessoa a prosperar na vida.

Mas quando o olhar vem de uma pessoa invejosa, cheia de ódio, despeito, rancor, raiva, ganância, egoísmo, malquerer, que tem o espírito e o coração impregnados de pensamentos negativos e de destruição, pode, em casos raros, causar a morte a quem seja vítima desta forma de olhar. Isso é o que se chama mau olhado ou olho gordo.

Portanto, Deus nos livre da praga do mau vizinho, ou má vizinha, e da cobra que habita dentro deles!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de janeiro de 2020

OS CISNES

 

 

OS CISNES

Telmo, contabilista, era um homem bonito, boêmio e inteligente. Tinha uma legião de amigos, principalmente boêmios como ele. Bebia muito e quando estava “alto”, gostava de fazer discurso e recitar. Tinha loucura pelo soneto Os Cisnes, de Júlio Salusse. Já era conhecido em mesas de bar, por essa sua queda de fazer “falas” e dizer poesias. Gostava de músicas românticas e era grande conhecedor da MPB.

Muito sentimental, quando a cerveja subia à sua cabeça, Telmo recitava “Os Cisnes”, com lágrimas nos olhos, focado na morte da esposa, aos 32 anos, vitima de um acidente de carro, há 15 anos, quando ela mesma dirigia. Esse acidente contribuiu para que ele se tornasse alcoólatra.

Mesmo acometido de cirrose hepática, Telmo contestava as recomendações médicas, para que parasse de beber:

-Doutor, eu não sou alcoólatra. Minha bebida é CERVEJA. Sou “cervejeiro” e sei que cerveja não prejudica o “figueiredo”. Ledo engano. O médico cansava de lhe dizer que a cerveja, em excesso, é tão prejudicial ao figado como o Uísque (Whisky), a cachaça ou qualquer outra bebida alcoólica.

Ele não se conformava com o resultado dos exames que lhe diagnosticaram cirrose em estado avançado, e descumpria as ordens médicas que o proibiam de beber. Além da bebida, fumava 3 carteiras de cigarros por dia. No bar, os amigos de copo, irresponsavelmente, diziam para ele que “quem vai em conversa de médico, fica doido”. E ele bebeu até que os sangramentos causados pela cirrose aparecessem e encerrassem sua trajetória de vida.

Certa vez, numa mesa de bar, onde a bebida corria solta, começou a cessão de lamentos e discursos. A cirrose estava ainda no início. Chegou uma fã de suas “falas”, que terminou pedindo:

-Sr. Telmo, recite aquela poesia linda, sobre os patos!!! Ou é sobre os gansos!!!

A gargalhada foi geral.

A poesia que a mulher queria ouvir era OS CISNES, poesia esta que representa o amor.

Isso mesmo. Os Cisnes sempre foram o símbolo da beleza e do amor eterno. Dizem os estudiosos que essa ave tem apenas um parceiro, ao longo de sua vida, e é fiel até a morte.

O Cisne é considerado uma ave diferenciada, em todas as suas formas, pois é uma espécie monogâmica, coisa raríssima no reino animal.

Depois do acasalamento, o macho e a fêmea tornam-se fiéis, até a morte. O ritual anterior ao acasalamento é como uma dança na água.

A beleza física dos Cisnes impressiona, especialmente quando abrem as asas para levantar voo.

O Cisne é uma ave branca em sua totalidade, que destaca seu bico “laranja” intenso, e uma mancha negra que envolve seus olhos e seu bico. Tem um tamanho muito maior do que os patos e seu pescoço longo e fino é sua característica mais marcante.

Pode medir até 1,5 metro de altura, e pesar até 15 quilos, no caso dos machos e até 11 quilos, no caso das fêmeas.

Suas belíssimas asas brancas e longas, quando abertas, atingem o mais alto ideal da beleza do universo.

No que se refere ao “namoro” dos Cisnes, este ocorre no inverno e começa com movimentos sensuais, que se iniciam no pescoço e com a emissão de sons roucos. Esses movimentos são feitos tanto pelo macho, quanto pela fêmea. Depois, os dois nadam juntos, colocam seus bicos várias vezes na água e cruzam os pescoços, como um sinal para o acasalamento. É uma verdadeira dança, e foi essa cena que inspirou “O Lago dos Cisnes”, um dos mais belos espetáculos do balé clássico mundial.

A atividade de compor para balé era considerada, até o século XIX, um ofício para pequenos e desconhecidos compositores, pois a atração principal era o bailado, e não a música propriamente dita. Entretanto, Tchaikovsky tornou-se célebre, justamente, pelas composições para balé, que iniciou já no final da carreira.

A primeira foi justamente “O Lago dos Cisnes”, encomendado pelo Bolshoi, que só foi aceito pela necessidade financeira de Tchaikovsky e, também, pelo seu desejo de se aventurar pelo mundo da dança.

O “Lago dos Cisnes” é uma das peças mais marcantes do balé clássico mundial. O Teatro Bolshoi, de Moscou, estreou o espetáculo em 1877, com a coreografia elaborada por Julius Reisinger a partir de uma composição encomendada a Tchaikovsky — autor de outras obras de impacto na história do ballet, como o “O Quebra Nozes”
(1892).

No séc XVII, pensava-se que todos os cisnes fossem brancos. Por mais cisnes que fossem vistos, eles eram todos brancos. Até que, na Austrália, foi descoberto o primeiro cisne negro. Apesar de milhares de anos de observações de cisnes brancos, bastou uma única aparição de um cisne negro, para derrubar a hipótese de que “todos os cisnes são brancos”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 21 de janeiro de 2020

UM PRESENTE

 

 

UM PRESENTE

Um presente é um mimo, um regalo, um carinho, um gesto de delicadeza, que se dá a alguém, espontaneamente. Normalmente, isso ocorre em datas de aniversário natalício. Demonstra, antes de tudo, um elo de consideração e afeto entre duas pessoas. O gesto, por si só, é o verdadeiro presente.

Há pessoas que não pensam assim, e tem a crônica mania de trocar por coisa diferente, qualquer presente que recebem. É como se quem as presenteou não tivesse bom gosto. Essas pessoas não valorizam a escolha de quem comprou o presente, e a primeira iniciativa é irem à loja onde o mesmo foi adquirido, para providenciar a troca e saber quanto custou. Se se tratar de peça de vestuário, não trocam nunca por número maior ou menor. Querem, tão-somente, um presente diferente daquele que lhes foi dado. E fazem questão de revelar a troca do presente, à pessoa de quem recebeu. É um modo estranho de ser.

Para mim, um presente recebido, antes de tudo, traz consigo o perfil e o gosto de quem o comprou. Não vejo nele o valor monetário, e o carinho que ele representa não tem preço. Não costumo trocar os presentes que recebo, nem tenho coragem de dizer à pessoa que me presenteou, o que já ouvi: “Se eu não gostar, eu troco por outra coisa.”

Considero isso, o cúmulo da indelicadeza. É a curiosidade mórbida, que compõe o caráter dessas pessoas, que as leva à loja, onde foi adquirido o presente, para saber seu preço. A segunda providência é trocar o presente por outro diferente, ou até por mais de um, quando o preço foi alto.

Essas pessoas, que sofrem da mania de trocar qualquer presente que recebem, só não devolvem a mercadoria na loja e pedem o dinheiro que o adquirente pagou, porque há uma regra no comércio, que diz: Mercadoria não se devolve; troca-se. Somente em caso de vício redibitório (defeito), o comprador poderá optar pela devolução da mercadoria e recebimento do dinheiro pago. Entretanto, esse direito é próprio do adquirente da mercadoria e não de quem a recebeu de presente.

O valor emocional de um presente não diz respeito ao preço, mas sim à afeição que liga a pessoa que deu o presente àquela que o recebeu. O gesto espontâneo de presentear não tem preço, nem comporta a expectativa de retribuição, ou contraprestação.

Há presentes que, para pessoas sensíveis, não tem preço. Um sorriso franco de uma pessoa querida, uma palavra de delicadeza, um abraço, um elogio, um telefonema falando de saudade, ou uma frase de amor, alegram mais a alma de quem está aniversariando, do que um objeto caro, comprado na mais rica loja.

O maior presente que se pode receber de alguém de quem se gosta é o carinho, o respeito e a consideração.

O ato de presentear, portanto, é um gesto espontâneo. Sinto saudade do tempo da delicadeza.

A franqueza rude sempre fere as pessoas sensíveis. Trocar um presente dado com carinho, só por trocar e ver quanto custou, não passa de um gesto indelicado.

Na minha infância distante, ouvi muito minhas tias Edite e Eulina dizerem:

“Esse presente é da Maroca. Não se dá, não se vende e não se troca.”

Traduzindo: “Foi Fulana quem me deu esse presente e eu não dou, não vendo e não troco.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 11 de janeiro de 2020

LEMBRANÇAS

 

 

LEMBRANÇAS

Por mais que se queira esquecer as amarguras da vida, as armadilhas do destino, e as pedras que encontramos pelos caminhos, as lembranças tristes sempre ocupam espaço na nossa mente.

Tento me fixar nas boas lembranças e desterrar os pensamentos amargos. para o Céu, onde os anjos, que não desceram à terra, continuam com a mesma idade e as mesmas asas.

As marcas que tenho na alma são tão profundas, que, mesmo na maturidade, muitas vezes sonho na casa grande de Nova-Cruz, de quintal enorme, ouvindo o apito do trem, e com a certeza de que depois da Rua Grande, correm os Rios Curimataú e Bujari, os rios temporários da minha infância.

A vida acumulou em mim tempestades de emoções. Ventania, chuva, e vida que segue. Há muitos anos, pessoas queridas moram no “convento” que há além da morte e que se chama Paz!” Penso na minha Mãe.

Esqueci o berço, mas não esqueci o colo. Carícia que volta, com doçura de eternidade..

Nova-Cruz não tinha energia elétrica e era fácil admirar o Céu estrelado. Eu, Salete e Auxiliadora, minhas amigas de infância, gostávamos de olhar para o Céu todas as noites, para contar as estrelas. Matina, a avó de Salete, nos alertava para o perigo que corríamos em contar estrelas. Esse costume, segundo ela, iria resultar no aparecimento de verrugas nos nossos dedos. Crendice popular, que nunca se concretizou.

Eu tinha pavor a dentista. Certa vez, precisei de tratamento dentário e minha mãe me prometeu o presente que eu quisesse, para que eu não desse escândalo no Consultório Dentário do Dr. Gilberto Tinoco, como eu, ainda criança, costumava fazer. Escolhi um presente impossível: A estrela Dalva. Mas me comportei bem e não gritei. O presente foi substituído por chocolates “torrone”.

Quando minha Mãe morreu , escolhi a estrela mais brilhante que vi no Céu, para ela habitar.. Ainda hoje, quando a tristeza me pega de frente, converso com minha mãe, olhando para essa estrela, minha estrela-guia.

Mesmo na maturidade, ainda me sinto a mesma menina, à procura de uma estrela. Sinto saudade de ser embalada. Insônia é isso…. É o milagre do amor de Mãe, o amor puro e verdadeiro.

Mais triste do que sentir saudade, é não ter do que sentir saudade. Só se tem saudade de momentos felizes.

O bom seria que pudéssemos segurar a felicidade e manter no olhar a magia dos sonhos. Que nunca esquecêssemos as brincadeiras da infância, a solidariedade e a compaixão.

Temos que desfrutar das coisas boas da vida. Não adianta vivermos à espera de ocasiões especiais, nem de apoteoses de felicidade. Cada dia é especial e deve ser vivido intensamente.

O amor, já se descobriu que é a solidão a dois. Então, a solidão sempre perseguirá o homem, sozinho ou acompanhado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 06 de janeiro de 2020

DIA DE REIS

 

DIA DE REIS

Violante Pimentel

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Os três Reis Magos indo entregar presentes ao Menino Jesus

 


O dia de Reis foi criado para lembrar a data em que os três Reis Magos entregaram presentes ao Menino Jesus. É uma festa da Igreja Católica Apostólica Romana, realizada entre os dias vinte e quatro de dezembro e 06 de janeiro, o dia da comemoração.


Trazida pelos portugueses na época da colonização do Brasil, a folia de reis é um movimento cultural onde os grupos saem caminhando a pé pelas ruas das cidades, para levar às pessoas as bênçãos do menino Jesus.


Os participantes saem a caráter, cada personagem possui roupas próprias, deixando a folia com um ar mais animado.
Dentre os personagens que aparecem na festa temos: mestre, contramestre, músicos, tocadores, reis magos, palhaço e outras pessoas, donas de conhecimentos da data.
Na história do natal os reis magos foram guiados por uma estrela até chegarem ao local onde Maria estava com seu filho, na presença de José. O caminho percorrido foi longo, pois cada um estava em uma localidade, por isso demoraram cerca de doze dias para chegar a Belém.


Gaspar partiu da Ásia, levando incenso para proteger o Messias. Sua utilidade é espantar insetos com o aroma espalhado pelo ar, fazendo também do objeto uma reprodução da fé e da espiritualidade.


Da Europa, o enviado foi Belchior ou Melchior. Seu presente, o ouro, era oferecido apenas para os deuses, motivo pelo qual o ofertou para Jesus, simbolizando a riqueza, a realeza.


A mirra não foi esquecida. Baltazar levou-a da África, como a lembrança oferecida aos profetas. É um óleo ou resina extraído de uma planta, utilizado para o preparo de medicamentos.


Em agradecimento ao cortejo e às bênçãos recebidas, as donas das casas deixam vários tipos de alimentos prontos, para oferecer aos personagens do cortejo. Como estes saem pelas ruas das cidades, desde bem cedo, vão recebendo desde lanches, café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.


Com a folia, encerram-se as comemorações natalinas em todo o mundo, podendo desmanchar as árvores de natal e retirar todos os enfeites que representam a festa. O importante é abençoar a todos com a festa!

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de janeiro de 2020

FELIZ ANO NOVO

 

 

FELIZ ANO NOVO

Cada ano que se inicia, faz-me lembrar que já carrego no corpo, na alma e no coração, as tatuagens do tempo. No entanto, não devemos deixar que a alegria fuja de nós, nem devemos parar de sonhar.

Já houve, na minha vida, várias entradas de Ano Novo, felizes, que hoje são saudades. Nesse tempo, meu Pai e minha Mãe estavam vivos. A vida me sorria e tudo me parecia cor de rosa.

Hoje, Dia de Ano Novo, 1 de janeiro de 2020, essas lembranças dos tempos idos e vividos fazem abrir no meu coração um leque de saudades. As recordações da minha infância e juventude estão muito vivas e a saudade dói em mim..

A vida é uma escada com muitos batentes. O melhor da vida é o meio da escada. Contando as pessoas que já estão em cima, ficamos tristes. Mas, como a tristeza nos faz baixar a cabeça, vemos que embaixo de nós vem muita gente. E isso nos alegra. A subida dos batentes, até o meio da escada, é o que tem de melhor. Puxar os que estão embaixo, para o meio da escada, é o que nos dá satisfação.

Levando em conta, que todos nós temos que cumprir a mesma escalada da vida, vemos que ninguém é melhor do que ninguém. A efemeridade da vida nivela ricos e pobres.

Entretanto, há ricos prepotentes, que se julgam acima de todos os homens. Isso é estupidez. A influência da estupidez é muito pior no homem do que nos animais irracionais..Os prepotentes esquecem que o tempo é inexorável e a vida tem prazo de validade. Quando o homem alcança o fim da escada, não existe caminho de volta..

Por isso, devemos pensar no Sermão da Montanha, onde Jesus Cristo proclamou a bem-aventurança de todos os pobres, os que tem fome e sede de justiça, os que padecem perseguições e os limpos de coração.

No Sermão da Montanha, Jesus disse: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e oprimem, – para que sejais filhos de vosso Pai que está nos céus, e faz que o sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.” Disse ainda:

“Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso, falo por parábolas: porque eles, vendo , não veem, e ouvindo, não ouvem nem compreendem. Neles se cumpre a profecia de Isaías: “Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e vendo, vereis, mas não percebereis.”

Jesus sabia que o seu reino não era deste mundo. Reclinou a cabeça, afinal, na cruz, onde foi morto pela primeira vez.

E todos os dias, Jesus Cristo continua sendo crucificado.

Há pessoas que tem a alma amarga e não se comovem diante do sofrimento do seu semelhante. São as pessoas que se julgam as donas da verdade e do País. Vivem sob a volúpia do poder.

Mas tudo tem seu fim.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de dezembro de 2019

NOITE DE NATAL

 

 

NOITE DE NATAL

Tradicionalmente, a Noite de Natal é sagrada para todos os lares. Noite de encanto e mistério para as crianças e de ternura e carinho para os adultos. Isso, para as famílias que tem boas condições financeiras. Para os pobres, é mais uma noite, onde as diferenças sociais são gritantes.

No silêncio da Noite mágica do Natal, as crianças sonham com Papai Noel, sorrindo para elas e lhes entregando os mais bonitos e engraçados brinquedos. Antes de se deitarem, mais cedo do que de costume, elas não esquecem de colocar os seus sapatos perto das suas caminhas, pensando na surpresa da manhã seguinte.

Antônio tinha oito anos. Na manhã do dia de Natal, levantou-se da cama muito cedo, para ver se o Menino Jesus, disfarçado de Papai Noel, dessa vez, tinha posto algum presente no seu sapato. Já estava cansado de desilusão, e quase convencido de que o velho, vestido de vermelho e de barbas brancas, não dava presente a menino pobre.

Para desapontamento de Antônio, no seu sapato estavam duas moedas de 1 real. E perguntou a si mesmo, por que o Menino Jesus fizera isso com ele?!!! Sabia que os seus conhecidos sempre ganhavam lindos presentes!!!

Na mesma hora, veio à cabeça de Antônio a ideia de que teria sido o seu pai que pusera as duas moedas no seu sapato, para que ele deixasse de acreditar em Papai Noel. Antônio nem tocou nas moedas. Achou o presente repugnante.

A partir de então, passou a detestar Papai Noel. Na sua cabeça, o Menino Jesus, tão amigo das crianças, mais uma vez tinha se esquecido dele.

O pai alcançou o seu intento, na hora em que acabou com a ilusão de uma criança de oito anos, seu próprio filho.

O menino chorou muito e sofreu como um adulto, ao ver seu sonho desfeito. Viu, pela primeira vez, entrar na sua alma o veneno da dúvida e a mágoa do pai. Ficou revoltado para o resto da vida.

A lenda do Papai Noel reveste-se de vários aspectos e é comemorada de forma diferente pelas famílias do mundo inteiro. Em muitos países, há o hábito de se armar a árvore de Natal. Há regiões, em que todas as famílias, sejam ricas ou pobres, arranjam o seu ramo de pinheiro e o enfeitam de brinquedos e luzes.

Escritores e poetas contam belas histórias sobre a origem desse costume. Falam da Rosa de Jericó, que, na noite de Natal, abriu-se debaixo dos pés da Virgem Maria, e das árvores que se vestiram de linda folhagem e deliciosos frutos, cobrindo de alegria a festa do Natal, que é essencialmente familiar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de dezembro de 2019

O TEMPO

 

 

O TEMPO

Balzaquiana ou mulher balzaquiana é uma expressão que surgiu após a publicação do livro A Mulher de Trinta Anos (1831-32), escrita pelo francês Honoré de Balzac. Tal expressão se refere às mulheres com idade próxima à casa dos 30 anos e, mais recentemente, também às mulheres de até 40 anos de idade.

Margarida era servidora pública e vivia para o trabalho. Depois de dois noivados desfeitos, fechou-se em amargura e resolveu dar um tempo a si mesma, para colocar as ideias em ordem. Revoltada com a leviandade dos homens, passou a se dedicar somente ao trabalho, dizendo sempre que o órgão público onde trabalhava, após aprovação em concurso, era “o marido de que precisava”. Seu trabalho garantia sua independência financeira e ela não queria mais pensar em casamento, pois, para ela, nenhum homem prestava.

Entretanto, uma vez por outra, batia em Margarida um vazio, ao ver as colegas casadas, separadas, viúvas, ou mesmo solteiras e livres, todas com suas histórias para contar, enquanto ela continuava sozinha e travada para assuntos amorosos.

Na verdade, pouca coisa ela tinha para contar.

De repente, passou dos trinta anos, tornando-se uma balzaquiana, e quando caiu em si, estava entrando na casa dos “enta”.

No dia em que completou quarenta anos, Margarida ficou depressiva, pois não viu o tempo passar. Bateu-lhe, então, uma certa tristeza, ao pensar que estava correndo o risco de envelhecer sozinha, sem marido e sem filhos. Quando menos esperasse, estaria com cinquenta anos. A velocidade do tempo estava lhe apavorando.

Apesar da sua ótima situação financeira, Margarida passou a sentir muita solidão. Resolveu tirar férias e viajar para o Rio de Janeiro, para se divertir. Talvez seu príncipe encantado ainda estivesse a caminho e ela conseguisse namorar e casar.

Margarida comprou roupas novas, da moda, deu um corte moderno no cabelo, colocou luzes, e ficou aparentando dez anos a menos. Era o que ela achava, ao se olhar no espelho. Sua autoestima aumentou consideravelmente. Tirou férias e viajou para o Rio de Janeiro, para se divertir com duas primas solteiras, que lá residem. Jurou para si mesma que iria descolar um grande amor.

E conforme planejou, chegando ao Rio, não perdeu tempo. Junto com as primas, divertiu-se pra valer. Mas a distância entre os sonhos e a realidade é grande. Do destino, ninguém foge. Margarida chegou a namorar com um viúvo reformado da Marinha, saiu com ele para jantar num restaurante fino, mas não pintou nenhum clima para que terminassem a noite num lugar mais íntimo.

Mesmo muito loura e com roupas sensuais, não conseguiu descolar nenhum namoro sério, como pretendia. Retornou a Natal, as férias terminaram e Margarida voltou à sua rotina. As amigas, loucas para se inteirar sobre as possíveis aventuras amorosas de Margarida no Rio de Janeiro, estranharam o seu mau humor, no retorno das férias. Quando lhe perguntavam se tinha arranjado algum namorado bacana no Rio de Janeiro, a resposta era uma só:

– O Rio de Janeiro é uma ilusão!!! Os homens de lá só querem as mocinhas do Funk e do pagode.

E Margarida continuou sozinha e donzela como nasceu.

Parafraseando a “Carolina” de Chico Buarque, “o tempo passou na janela e só Margarida não viu…”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de dezembro de 2019

O PRÊMIO

 

 

O PRÊMIO

O Futebol, esporte de origem popular, antigamente reunia em seus times jogadores muito pobres e sem estudo. Isso contribuía para a ocorrência de situações constrangedoras e, ao mesmo tempo, hilárias, durante alguma entrevista.

No Rio Grande do Norte, ao término de uma partida importante de Futebol, os times costumavam dar um prêmio ao melhor jogador em campo, escolhido por uma comissão especial de desportistas. Era uma forma de estimular cada vez mais, o desempenho dos jogadores.

Na década de 1960, o melhor jogador de uma partida de futebol, em Natal, era premiado com um rádio da marca MotoRádio, uma das melhores da época.

A MotoRádio foi uma empresa paulista, fundada em 1942, pelo imigrante japonês Hiroshi Urushima, em São Paulo.

Certa vez, o Palmeiras de São Paulo veio jogar em Natal, contra o ABC Futebol Clube. Após o término da partida, com um empate de 1X1, o jogador Niltão, do time do ABC, foi escolhido o melhor jogador em campo e recebeu como prêmio, doado pela loja “A Sertaneja”, um MotoRádio.

Entrevistado por um comentarista esportivo da Rádio Cabugi, ao responder se estava feliz com o prêmio recebido, Niltão falou:

– O prêmio, pra mim, foi G.G.

O comentarista esportivo retrucou:

– Não entendi. G. G.???

– Sim. JOINHA, JOINHA!!! E se eu fui escolhido o melhor jogador em campo, foi por merecimento de verdade. Também, corri feito um doido e me esforcei muito pra empatar o jogo. Mereci ganhar o prêmio e estou muito satisfeito.

Como não sei dirigir, vou vender a moto. Mas, o rádio, eu vou dar à minha Mãe. A “véia” adora escutar novela de rádio na casa da vizinha e quero dar a ela esse luxo. Ela agora vai escutar novela no rádio dela.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de novembro de 2019

A CONVERSA (CONTO DE VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A CONVERSA

No Brasil, é considerado que o pai do futebol foi Charles Miller, filho de um empregado de uma empresa ferroviária. Nascido no Brasil, Miller foi à Inglaterra para estudar na Banister Court School. Lá, tornou-se um admirador do futebol e quando retornou, em 1894, trouxe com ele duas bolas na mala.

Apesar de ter se firmado como o esporte preferido dos brasileiros já na década de 1920, o futebol não foi visto com bons olhos, durante sua popularização pelo país. As mais fortes críticas vieram de setores da elite intelectual.

O escritor Graciliano Ramos escreveu, em sua crônica “Traças a Esmo”, que o futebol era a prova da superioridade européia sobre o brasileiro, afirmando que sua popularidade seria passageira, em consequência do fraco biotipo dos brasileiros. E Graciliano Ramos terminava a crônica, com perversa ironia:

“Os verdadeiros esportes regionais estão aí abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé, tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas, a pega de bois, o calto, a cavalhada, e o melhor de tudo, o cambapé, a rasteira. A rasteira! Esse sim é o esporte nacional por excelência!”

As críticas mais sarcásticas, entretanto, partiram do escritor Lima Barreto (13.5.1881 – Rio de Janeiro- RJ – 1.11.1922 – Rio de janeiro – RJ).

Ele via no futebol um fator de conflito, e considerava os clubes, agremiações comandadas por descendentes dos senhores de escravos. Em seu artigo “Como Resposta, Careta”, na publicação “Marginália”, o escritor afirma ser o futebol “primado da ignorância e da imbecilidade“. Por essas opiniões, Lima Barreto chegou a criar a “Liga Contra o Foot-ball“, na qual tentava a proibição do esporte no País, usando como justificativas supostos malefícios da sua prática, como brigas e mortes.

A popularização do esporte iniciou a briga entre o amadorismo, a realidade da época, e o profissionalismo. Os primeiros indícios de jogadores assalariados vêm do futebol operário. Inicialmente, usado como lazer e fonte de disciplinarização para seus funcionários, os donos de fábricas logo perceberam que o sucesso das equipes que levavam o nome da fábrica era um ótimo meio de divulgação dos seus produtos. Os trabalhadores que se destacavam com a bola nos pés começaram, então, a gozar de vários benefícios, como prêmios por vitória (o ‘bicho’), dispensa para treinos, e trabalhos mais leves. Ocorria assim, pela primeira vez, a valorização do ‘capital esportivo’. Surgia, então, o que foi chamado de ‘operário-jogador’. Sobre isso, o escritor Mário Filho, abordando o caso específico do Bangu, fala no livro O Negro no Futebol Brasileiro:

“Operário que jogasse bem futebol, que garantisse um lugar no primeiro time, ia logo para a sala do pano. Trabalho mais leve. Os garotos que jogavam no largo da igreja sabiam que, quando crescessem, se fossem bons jogadores de futebol, teriam lugares garantidos na fábrica. Depois de trabalhar muito, e principalmente, de jogar muito, o operário-jogador ganhava o prêmio da sala do pano. E podia ser ainda melhor se continuasse a merecer a confiança da fábrica, do Bangu. Havia o escritório, o trabalho mais suave do que na sala do pano. E o ordenado era maior.” 

O aparecimento do ‘operário-jogador’ proporcionou aos operários a possibilidade do esporte ser uma segunda fonte de renda, além de uma relativa mobilidade social dentro da fábrica. A prática começou, então, a ser vista como possibilidade de ascensão social. Exemplo claro desse processo, o jogador Domingos da Guia, que fez muito sucesso na década de 30, relatou numa entrevista, que seu início no futebol começou muito mais por necessidade, do que por vontade própria. Seu interesse na atividade se dava pelos lucrativos ‘bichos’, que recebia após cada vitória.

Depois de uma escalada de lutas contra os preconceitos sociais, o futebol é hoje o esporte mais amado pelos brasileiros e um dos mais populares do mundo.

Décadas atrás, Otávio e Sérgio, jogadores de futebol de um conhecido time de São Paulo, não foram presos dentro de um ônibus, por um triz. Tudo por causa de uma animada conversa que os dois travaram, acerca da contratação de um novo jogador, pelo Corinthians.

No mesmo transporte, iam duas senhoras “de idade”, uma cochilando e a outra lendo a Bíblia Sagrada. Com a conversa dos rapazes, sentados no banco vizinho, a mulher que cochilava despertou. As duas, então, ficaram atentas ao que eles falavam.

Este era o diálogo dos dois jogadores de futebol:

– Otávio, você gostou da contratação de Bento?

E Otávio respondeu a Sérgio:

– Achei excelente! Ele brinca muito bem com “a menina”. Sabe meter com perfeição, por dentro e também por fora.

Sérgio, então, perguntou:

– Você acredita que Bento irá aguentar o serviço, durante 90 minutos?

Otávio respondeu:

– Claro! E ainda tem mais: Garanto que, durante esse tempo, ele vai meter cinco ou seis “meninas” no “corredor”…Vai ser um furacão!

Aí o bicho pegou… As duas senhoras, indignadas, “armaram um barraco”. Exigiram que o motorista expulsasse do ônibus aqueles dois tarados, que estavam lhes faltando com o respeito e conversando imoralidade. Exigiram, ainda, que o motorista levasse os tarados até uma delegacia de polícia, para que fossem presos em flagrante.

O escândalo que as duas mulheres fizeram foi enorme, e maior ainda foi o rebuliço dentro do ônibus, com os outros passageiros querendo ver a cara dos tarados.

O que salvou a “pátria” foi o fato do motorista ser louco por futebol, torcedor do Corinthians e conhecer os dois jogadores. Caso contrário, teria sido difícil explicar às pudicas senhoras, que “menina” era a bola e “corredor”, era uma parte do campo, nas proximidades das balizas.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de novembro de 2019

ARCO E FLECHA

 

 

ARCO E FLECHA

Poucos esportes se ligam, tão estreitamente, à história da humanidade, como o Arco e Flecha, ou tiro com arco, arma tradicional durante séculos, para a caça e a guerra. Seu uso remonta à idade da pedra e, na antiguidade, alcançou grande desenvolvimento.

Entretanto, a regulamentação da prática do Arco e Flecha, como atividade esportiva, só ocorreu na primeira metade do século XIX. Depois de um intenso emprego desses instrumentos no período medieval, a invenção da pólvora fez com que os arcos desaparecessem, aos poucos, dos campos de batalha e que seu emprego, com fins desportivos e de entretenimento, ganhasse crescente importância. O tiro com arco, prova olímpica de 1900 a 1920, foi, após vários anos de supressão, reintroduzido nos jogos em 1972.

Pois bem. Era uma vez, uma ilha delirante, chamada “Sol e Mar”, cheia de bananas, com muito sol e muito mar. Lá, um decadente bordel foi transformado num palácio real.

A população da ilha era composta por um rei, príncipes, ministros, um esfaqueador, vendedores ambulantes, lavradores, e muitos urubus em cima dos telhados. A ilha vivia grandes desventuras políticas, protagonizadas por homens de capas pretas, segurando suas espadas ameaçadoras. Era cercada de tubarões em todos os sentidos e por todos os lados.

Um certo dia, o povo acordou com um alto-falante anunciando aos quatro cantos da ilha:

– Atenção, moradores da Ilha “Sol e Mar!

– Por ordem do Suavíssimo e Humaníssimo Rei, Sua Majestade Folote II, não se pode mais entrar no Palácio real, comendo pipocas Bokus, nem mascando chicletes de bola. Muito menos, assoando o nariz ou tirando catota. em público. Também, fica proibido deixar escapar da “região cual” vento estocado e gases putrefatas, contaminando o ambiente real.

O filho único do Rei era abobalhado, mas, mesmo assim, era atleta e praticava Arco e Flecha. Para satisfazer seus gostos, o pai permitia que ele mantivesse sempre um homem do povo amarrado a uma cadeira, em praça pública, portando na cabeça um alvo, para que exercitasse seu esporte preferido. O alvo era sempre uma maçã, um cacho de bananas, uma melancia ou uma jaca. Mas, por maior que fosse o alvo, o “atleta” sempre errava a mira e acertava a flecha no peito do homem do povo. O rei, então, mandava anunciar, que aquela morte ocorrera em decorrência de um mal súbito, que fulminara o homem do povo.

Admoestado, o filho se justificava perante o Rei, de que precisava de fortes emoções, para se sobressair no seu esporte. Para ele, não tinha graça nenhuma preservar a vida de um homem do povo, se, para o próprio Rei, esse homem não tinha nenhum valor.

O rapaz insistia com o pai, para que ele permitisse que fosse amarrado à cadeira, em praça pública, não um homem do povo, mas um dos seus ministros, com uma jaca na cabeça. Somente assim, ele se sentiria motivado a atingir o alvo e preservar a vida do importante homem.

O Rei não concordou, temendo que o filho errasse o alvo, “sem querer”, e matasse o ministro. Aliás, essa cena já tinha ocorrido dois anos antes, quando um ministro, com uma jaca na cabeça como alvo, e amarrado a uma cadeira em praça pública, foi vítima da maldade do filho do rei. O rapaz preservou a integridade da jaca e matou o importante homem. Mais uma vez, a notícia que se espalhou foi de que a vítima tinha sido acometida de um mal súbito e fulminante.
O Rei relembrou o ocorrido, mas o filho disse que, dessa vez, com um ministro, ele teria mais cuidado. E perguntou ao pai:

– Meu pai, para que serve um ministro nesta Ilha?


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de novembro de 2019

O PROTESTO

 

 

O PROTESTO

Mailson da Nóbrega, economista brasileiro, exerceu o cargo de Ministro da Fazenda, no governo de José Sarney, no período da hiperinflação, em fins dos anos 1980. Foi sucedido por Zélia Cardoso de Mello.

Manuel Manu era Auxiliar de Serviços Gerais, de uma Secretaria do Rio Grande do Norte. Gostava de beber e faltava muito ao serviço. Era protegido do Chefe e por isso ainda não tinha perdido o emprego. Tinha pouco estudo e muita pose, por ser casado com uma jovem bem nascida. Apesar disso, sempre foi péssimo marido e pai, mas a mulher era apaixonada por ele e não aceitava os conselhos da família para que se separasse.

Manuel Manu, como ASG, ganhava um salário mínimo. O sogro era quem cobria as despesas da filha e do neto.

Certo dia, quando começou a gestão de um novo Secretário, o expediente da manhã, naquela Secretaria, começou agitado. Sentia-se no ar uma certa confusão, e ouviam-se vozes alteradas.

O novo Secretário foi avisado de que Manuel Manu, Auxiliar de Serviços Gerais, munido de um megafone, estava incitando os seus colegas de trabalho a fazerem greve, para terem aumento de salário. Protestava contra o fato dos Auxiliares de Serviços Gerais do Estado do RN ganharem um salário mínimo, enquanto o Ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, do Governo do Presidente José Sarney, ganhava uma fortuna. Tinha em mãos um jornal, onde estavam estampados os vencimentos do Ministro da Fazenda,

Na verdade, havia se instalado um movimento de protesto dentro da repartição, entre os Auxiliares de Serviços Gerais. Manuel Manu era um tipo moreno, barba por fazer e pose de líder.

O Secretário, então, mandou chamar Manuel Manu em seu gabinete, para uma conversa.

Visivelmente alcoolizado, o ASG entrou no Gabinete do Chefe, encarando-o com altivez e achando-se cheio de razão.

Dr. Abdias dos Santos, o novo Secretário, com a ironia que lhe era peculiar,dirigiu-se ao ASG:

– Bom dia, Manuel Manu! Antes de tudo, quero lhe dar os parabéns, por saber que você foi colega de bancos escolares do Ministro da Fazenda, Dr. Mailson da Nóbrega!!! Então, você tem Curso superior de Ciências Econômicas, igual a Mailson da Nóbrega! Quero ver o seu Diploma de |Nível Superior!!!

Gaguejando, Manuel Manu respondeu:

– Não, Dr. Abdias! Eu nem conheço o Ministro Mailson da Nóbrega, Nunca estudei com ele, nem sou formado em coisa nenhuma. Nem o ginasial eu terminei. Nunca gostei de estudar…

Dr. Abdias respondeu:

– E como você quer ganhar igual ao Ministro Mailson da Nóbrega??? Vá estudar, Manuel! E acabe imediatamente com essa algazarra, se não quiser perder o emprego.

Manuel Manu saiu do gabinete do Secretário, murcho e cabisbaixo. Imediatamente, o protesto terminou.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 09 de novembro de 2019

ISTO MESMO NÃO!!!

 

 

ISTO MESMO NÃO!!!

Nunca ouvi dizer que alguém houvesse morrido, porque comeu uma tapioca. “Na prática, a teoria é outra”…

Dona Lia, minha Mãe, era, essencialmente, uma mulher “do lar”, apesar de ser Professora de Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz. Adorava costurar e cozinhar. Bolo “Cabano” era sua receita de bolo preferida, Também, fazia tapioca divinamente, habilidade da qual muito se orgulhava. Aliás, Dona Lia sabia cozinhar tudo muito bem. Sabia até fazer macarronada, fabricando a massa ela própria, artesanalmente, abrindo-a com um rolo de madeira e cortando-a em tiras largas, com a ajuda de uma faca de mesa. Colocava as tiras para secar, num pano de prato enxuto, estirado sobre uma mesa e polvilhado de farinha de trigo. Isso, numa época remota, quando ainda não havia, em Natal, e muito menos em Nova-Cruz, máquina de fazer macarrão.

Dizia sempre que não conhecia ninguém, que fizesse tapioca tão bem quanto ela. Tinha empregada, mas gostava de fazer, ela mesma, as tapiocas. A empregada se encarregava, somente, de raspar o coco.

Depois da goma permanecer de molho algumas horas, numa panela de barro, quando a goma “sentava”, ela escorria a água e colocava para secar, às vezes, sob o sol. Em seguida, peneirava a goma, colocava sal e esquentava bastante uma assadeira rasa. Baixava o fogo e espalhava na assadeira duas colheres de sopa cheias da goma e por cima uma colher de sopa de coco natural, que havia sido partido em duas quengas e raspado no tradicional “raspador”, que se colocava num tamborete e se prendia, sentando em cima do cabo. Sobre o coco, espalhava mais duas colheres da goma. Com a ajuda de uma faca, verificava se a parte de baixo estava toda unida, e virava a tapioca para que assasse do outro lado. O movimento era rápido, para que a tapioca não queimasse ou ficasse chamuscada. Sobre a mesa, mantinha um pano de prato limpo e seco, e em cima dele espalhava as tapiocas para esfriar. Depois, molhava cada uma delas com leite de coco puro e fresquinho, ao mesmo tempo em que encostava uma borda na outra, dobrando-as.

Numa tarde, em que Dona Lia tinha se esmerado, para fazer uma travessa de deliciosas tapiocas, no estilo tradicional, molhadas com leite de coco, eis que entra de casa a dentro uma parenta nossa, do tipo que não faz elogios a nada nem a ninguém. Como manda a boa educação, a parenta foi convidada a sentar-se à mesa e participar do nosso lanche da tarde, onde o prato único eram as tapiocas, acompanhadas de um excelente café, coado num pano, e cujo cheiro se espalhava pela casa toda.

A parenta comeu muita tapioca com café, sem fazer um só elogio. Enquanto isso, Dona Lia elogiava suas próprias tapiocas e as filhas e neta faziam eco:

– Que tapiocas maravilhosas, mamãe!!! Ô vó, que tapioca gostosa!!! Quero mais!!!

A parenta, então, empanturrou-se de tapioca, sem querer acordo com ninguém. Não deu um pio, para elogiar a habilidade de Dona Lia, por mais que ouvisse os elogios que nós lhe fazíamos.

De repente, para surpresa nossa, a mulher parou de comer e quebrou o silêncio:

– Lia, outro dia eu comi uma tapioca tão gostosa, na casa de Maria de Lourdes, uma amiga minha! Ela faz tapioca tão bem, como eu nunca vi igual!!!

Esse elogio, às tapiocas feitas por uma pessoa desconhecida de Dona Lia, soou-lhe aos ouvidos como uma grosseria, uma ofensa, uma desfeita das grandes.

O sangue de Dona Lia ferveu nas veias, ela ficou vermelha como uma pimenta e não se conteve:

– Tapioca melhor do que a minha??? Invente outra coisa!!! ISTO MESMO NÃO!!!

Dona Lia perdeu a graça, e teve de se controlar, para não dizer à parenta os desaforos que ela merecia ter ouvido.

Era uma parenta muito próxima. Quanto mais, se fosse uma “CONTRAPARENTA!!!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 02 de novembro de 2019

O INSTRUMENTO

 

 

O INSTRUMENTO

Dona Francisca era uma mãe zelosa, à moda antiga, e não permitia que Bibina, sua filha de 17 anos, ficasse a sós com o noivo, na sala de visitas da sua casa, todas as noites.

A conservadora senhora, viúva, ficava de plantão, sentada numa poltrona, fingindo fazer tricô, enquanto sua filha e o noivo conversavam, fazendo planos para o futuro, até 21:30 h, nenhum minuto a mais.

Como, à noite, estava muito cansada dos afazeres domésticos, Dona Francisca não percebia os cochilos que costumava dar na poltrona, deixando cair no chão as agulhas de tricô e o novelo de lã.

 

Certa noite, a dona da casa cometeu o deslize de adormecer, profundamente, na poltrona. Despertou assustada, e flagrou o casal aos beijos e abraços, dando para notar que o batom da boca da sua filha tinha passado para o rosto do rapaz.

Isso foi o estopim da bomba, e a mulher ficou indignada. Tentou disfarçar, mas não conseguiu. No dia seguinte, sentindo-se desrespeitada, Dona Francisca deu de presente ao futuro genro uma Escaleta, instrumento musical que estava na moda. Exigiu que, a partir daquela noite, o rapaz tentasse aprender a tocar de ouvido, pois ela estava muito cansada e iria se deitar. Ficaria ouvindo do quarto. Só não queria que a sala ficasse em silêncio, nem, ao menos, um minuto.

Como acordava muito cedo para cuidar dos afazeres domésticos, essa foi a solução que a mulher encontrou para deixar de ser vigilante da filha e do futuro genro, e, ao mesmo tempo, sem deixar de zelar pela virgindade da jovem. Era muito conservadora e queria que a filha casasse virgem.

Dona Francisca acreditava que, com a Escaleta, o rapaz não tentaria se aproveitar do momento mágico, vivido todas as noites com sua filha, até 21:30 h. Não iria procurar certas intimidades, coisas que, na sua opinião, só poderiam acontecer depois do casamento, no Padre e no Juiz.

A mulher só não imaginava que era a filha que ficava direto tentando tocar a Escaleta. O rapaz, com a boca e mãos livres, podia avançar o sinal o quanto quisesse. Da sala, ouvia-se Dona Francisca roncando. A filha ia olhar e via que a mãe estava dormindo profundamente.

O casal, muito apaixonado e com os hormônios fervendo, abusando da liberdade proporcionada, ingenuamente, por Dona Francisca, não se controlou por muito tempo. Logo, o casamento foi antecipado. Bibina casou grávida, sob os protestos e insultos da mãe.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 26 de outubro de 2019

O MELHOR REMÉDIO

 

 

O MELHOR REMÉDIO

Ambrósio, dono de uma farmácia numa cidade do interior, lamentava muito por não ter podido estudar. Achava que daria um ótimo médico. Pela experiência que adquiriu na farmácia, sabia indicar remédios e curar virose, dor de barriga e outras perturbações passageiras.

Com a maturidade, tornou-se falante e gostava de opinar sobre problemas de saúde. Como, atualmente, o problema de saúde mais sério que existe no mundo é a depressão, Ambrósio tornou-se “especialista” no assunto e já tinha opinião própria sobre a terrível enfermidade, que, se não tratada, poderá ter um final trágico.

Nas suas conversas com os amigos, ele passou a receitar “mulher para homem” e “homem para mulher”, para evitar e até curar a depressão. Era muito criticado por causa disso, embora houvessem provas de cura radical de pessoas depressivas, após encontrarem sua alma gêmea.

E era o que Ambrósio “receitava”, para as pessoas que sofriam de depressão. Entretanto, tudo dependia da sorte de cada pessoa, pois, se a união fosse desastrosa, o resultado poderia ser bem pior. Um casamento desastrado pode provocar, até, uma debilidade mental, para o resto da vida, em quem já tem tendência à depressão. Mas, a receita de Ambrósio raramente falhava. O difícil era conseguir o remédio, ou seja, um bom “lençol de orelha”, produto que não é vendido em farmácia. Tudo dependia da escolha certa e da sorte.

Em certos Países, onde o número de pessoas que vivem sozinhas é muito elevado, para combater a depressão, algumas instituições filantrópicas promovem campanhas, para aproximar pessoas solitárias, para fins matrimoniais. Os resultados são sempre surpreendentes. Porém, foi constatado que as pessoas, em sua maioria, vivem sozinhas por simples opção.

Na mesma cidade onde morava Ambrósio, Cacilda, 35 anos, tinha mania de doença. Era hipocondríaca. Absorvia todos os sintomas de qualquer doença de que ouvisse falar, e, com isso, seu sistema nervoso ficava muito abalado. Vivia à beira de uma depressão. As doenças provocadas por mosquitos, como Dengue, Zica e Chikungunya, ela teve todas. Fora isso, achava que sofria da vesícula, do apêndice, dos rins, e de tudo que há no abdômen. Levada à capital do Estado para se consultar diversas vezes, não foi constatada nenhuma enfermidade em Cacilda.

Por obra do destino, passou um vento bom na cidade e trouxe de volta para lá, um viúvo fresquinho, que há 20 anos morava no Rio de Janeiro. Reformado da Marinha, e triste por ter, recentemente, perdido a esposa, Melquíades resolveu voltar à sua terra natal, onde tinha parentes. Suas irmãs lhe apresentaram Cacilda, e alcovitaram o namoro dos dois, que terminou em casamento.

Esse foi o remédio que Cacilda precisava para se curar da hipocondria e da sua ansiedade crônica, quase depressão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 19 de outubro de 2019

CASA DE PRAIA

 

 

 

CASA DE PRAIA

Antônio tem casa de praia, onde costuma descansar nos finais de semana. Para ele, não existe nada melhor nesse mundo, do que poder relaxar na praia, deitado numa confortável rede, sentindo o cheiro de maresia e o barulho do mar. Diz sempre que sua esposa, Marlene, sua alma gêmea, também adora relaxar na praia, e é com muita satisfação que ela se encarrega da enorme feira semanal, para abastecer a geladeira e o “freezer”, para os fins de semana na praia. Quase sempre, o casal recebe a visita de amigos, como também do filho, com a nora e dois netos.

Seu fim de semana na praia é sagrado. Na sexta-feira à noite, o casal organiza as coisas que tem que levar para o fim de semana, e os dois arrumam na caminhonete. Marlene se encarrega de preparar petiscos e quitutes à vontade. Antes do amanhecer, o casal já está na estrada. Uma hora depois, os dois já estão na casa da praia, descarregando a camionete.

 

O marido abastece o “freezer” e a geladeira e depois vai verificar se a bomba está funcionando, para encher a caixa d’água. Sempre encontra vazamento em alguma torneira, bronca pequena, que ele aprendeu a resolver.

Por sua vez, Marlene se instala logo na cozinha, para preparar um reforçado café da manhã. Em seguida, a mulher se encarrega de varrer e arrumar a casa, sacudir os colchões, forrar as camas e lavar os banheiros. Depois, começa a preparar o almoço, que sempre é uma feijoada, um cozido ou um peixe com pirão,

Antônio varre os alpendres e arma as redes. Depois, sozinho, vai dar um mergulho no mar e caminhar um pouco pela praia. Mas não se demora, pois o sol já está bastante quente.

Depois do almoço, Antônio se aboleta numa rede, mas não consegue dormir. Tem que consertar o chuveiro, ajeitar o ferrolho do portão da garagem e colocar “spray” contra ferrugem nas dobradiças e fechaduras das portas.

Marlene, depois de lavar a louça do almoço, também se deita numa rede e adormece.

A noite chega e eles jantam. Depois, assistem os noticiários na televisão, numa imagem péssima, sinal de que há algo errado com a antena.

Antônio espalha inseticida pela casa, para matar baratas e mosquitos. Os maruins e muriçocas não deixam ninguém em paz.

Acordam cedo, com a chegada do filho, a nora e os dois netos. Marlene prepara o café da manhã e põe a mesa, com bolo, pão, queijo e presunto. Faz cuscuz e tapioca, frita ovos, e todos comem à vontade.

Marlene aguardava uma nativa que sempre lhe ajuda, nos fins de semana. Mas, dessa vez, a moça mandou um recado dizendo que não poderia ir, pois estava doente.

Após o café da manhã, Antônio foi fazer sua caminhada matinal pela praia, para levar sol e dar um mergulho no mar. Marlene não pôde sair da cozinha. Estava terminando de preparar o almoço e uma sobremesa.

Antônio chegou da praia e ficou no terraço com o filho, tomando uma cerveja. Marlene, com ar de cansada e suada, pôs o almoço na mesa.

Todos almoçaram e depois procuraram se deitar nas redes, exceto Marlene, que permaneceu na cozinha, lavando pratos e panelas, e organizando o que era preciso levar de volta. A mulher arrumou tudo na camionete e depois acordou o marido. para pegarem a estrada. A nora arrumou as crianças e juntou as roupas molhadas para lavar em casa. Elas acharam o dia maravilhoso. Antônio, o filho e a nora de Marlene, também.

Chegaram em Natal à noitinha, pois o trânsito estava congestionado. Antônio tomou um banho reconfortante e, exausto, adormeceu na sua confortável cama box, só despertando no dia seguinte, quase na hora de ir trabalhar. Marlene descarregou a camionete, guardou o que precisava, tomou banho e, exausta, também atirou-se na cama, adormecendo imediatamente.

No dia seguinte, no trabalho, Antônio, com ar de cansado, gaba-se aos colegas de que não troca o seu descanso na praia, nos finais de semana, por nada neste mundo.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 14 de outubro de 2019

COMPULSÃO POR CELULAR

 

 

COMPULSÃO POR CELULAR

Há pessoas que não controlam a compulsão por telefone celular e não conseguem passar uma hora, sequer, sem usá-lo, mesmo que estejam numa festa. O pior é que forçam os amigos ou amigas que estão ao seu lado a se desligarem da música que a orquestra está tocando, obrigando-os (as) a olhar, mesmo na penumbra, para o seu celular, e ver fotos dos seus familiares, coisas que só interessam a elas próprias. Quem está na festa para se divertir, de repente se torna refém do amigo (a), compulsivo (a), sendo obrigado a olhar fotos e tecer elogios, só por delicadeza.

O compulsivo por celular é o dono do pedaço. Para eles, prevalece a regra “os incomodados que se mudem”. O seu “semancol” não funciona e o egocentrismo lhe faz roubar as atenções de quem foi ali à procura de diversão. E ele (a) se torna um chato (a).

O chato também tem a mania de comentar acontecimentos vividos em viagens, com detalhes que somente a ele interessam. O ar de superioridade que ele ostenta, quando relata esses episódios, interessantes somente para ele, provoca, às vezes, irritação nas pessoas que o escutam, principalmente aquelas que não costumam viajar. Há quem não viaje por comodismo, por falta de dinheiro, ou por medo de avião ou navio.

Para esses, prevalece o ditado popular “Boa romaria faz, quem em sua casa está em paz.”

Entretanto, há também pessoas discretas, que viajam sempre, mas não gostam de propagar o que viram, e pessoas curiosas e chatas, que, quando sabem que alguém chegou de uma viagem, principalmente internacional, fazem mil perguntas e querem saber de todos os detalhes.

Pois bem. João Amaro, um homem de pouca conversa, havia chegado de uma viagem internacional e foi convidado para uma festa de Bodas de Ouro de um casal amigo. Ocupou uma mesa com a esposa, aguardando a chegada de outros amigos. Nesse ínterim, chegou à sua mesa um chato curioso, sentou-se e lhe cobriu de perguntas:

– É verdade que você foi à Paris? Com certeza, foi ao Museu do Louvre e viu a Mona Lisa; viu as mulheres lindas do Lido e do Moulan Rouge; deve ter visitado o Palácio de Versalhes, e passeou a pé pelo Bois de Bologne, ao cair da tarde. Deve ter jantado naqueles bistrôs de Saint-Germain ou nos restaurantes típicos de Montmartre.

João Amaro respirou fundo, cheio de tanta pergunta, e respondeu:

– Eu sou um homem pobre e fui a Paris, a serviço. Fiz refeições no hotel onde me hospedei. Não tive tempo para me divertir. Além do mais, em Paris é tudo muito caro. O senhor deve ser rico e deve ter estado lá a passeio, somente para fazer turismo e se divertir.

O chato curioso tomou a palavra:

– Realmente, a vida em Paris é caríssima!!! O Museu do Louvre, os Cabarés Lido e Moulin Rouge, os bistrôs de Saint Germain e Montmartre, o Palácio de Versalhes, é tudo belíssimo! Sonho todas as noites com a cidade-luz! Adoro Paris, mas nunca estive lá, pois meu dinheiro não dá para isso! Ai, quem me dera! Se eu pudesse e se meu dinheiro desse!!!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 05 de outubro de 2019

AMOR POR AVIÃO

 

 

AMOR POR AVIÃO

Anos atrás, quando índios eram somente índios e só tinham coragem de andar em canoa, os médicos sanitaristas organizavam expedições e se embrenhavam na selva amazônica, para o trabalho assistencial. Tratavam dos índios doentes, distribuíam remédios e faziam parto nas índias.

 

Os índios viviam nas suas respectivas etnias e não gostavam do homem branco.. Ainda hoje, na grande selva amazônica, existem etnias que não admitem que o homem branco se aproxime delas. Não conhecem o açúcar nem o sabão e só se alimentam de peixe e banana verde.

Os expedicionários chegavam à região dos índios, num pequeno avião. Quando o avião pousava, as tribos se escondiam com medo.

Numa determinada região, observaram que havia um índio, que sempre se aproximava deles e gostava de ficar perto, olhando para aquele “bicho pesado que voava”. .E, falando um pouquinho a linguagem do homem branco, pedia ao piloto para dar um passeio naquele avião. O homem prometeu que,qualquer dia, ele iria realizar seu sonho.

Certo dia, em que seria feito um voo de fiscalização das plantações, o piloto pediu licença ao Médico, chefe da expedição, para levar o índio com eles, e assim cumprir a promessa que lhe tinha feito, diversas vezes. O Médico concordou, mesmo não tendo gostado da ideia.
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O índio, que vivia grudado no avião feito um chiclete, ficou feliz da vida. Sorria feito criança, quando se viu passeando de avião. Finalmente seu sonho estava sendo realizado.

Por pura maldade e para fazer medo ao índio, o piloto, em pleno voo, falou:

-Olhe, doutor, estamos sobrevoando o local onde, no ano passado, caiu um avião igual a esse e não escapou ninguém.

Ouvindo isso, o índio entrou em pânico e perguntou:

– E AVIÃO CAI??? QUERO DESCER!!!

O índio gritava e pedia socorro.

O piloto e o médico sorriam, se divertindo com a reação do índio, que queria sair do avião à força.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 28 de setembro de 2019

O EVENTO

 

 

O EVENTO

Anos atrás, Mariana se inscreveu para participar de um Congresso de Direito Administrativo em Fortaleza, que ocorreria no Hotel Vila Galé, na Praia do Futuro. Como não havia mais vagas nesse hotel, sua filha Sílvia, que também participaria do evento, fez uma pesquisa na Internet, a fim de conseguir hospedagem num hotel que também ficasse na Praia do Futuro, e nas proximidades do hotel do evento. Sílvia terminou encontrando uma pousada, que se enquadrava, perfeitamente, às pretensões de sua mãe. A diária estava em promoção, ao preço de 60 reais, enquanto o preço da diária no hotel “5 estrelas” era quase 500 reais. Mariana lembrou-se do ditado “esmola grande, cego desconfia” e não quis nem saber.

 

Mais tarde, de cabeça fria e sem outra opção, Mariana terminou cedendo, e autorizou a filha a fazer as reservas de três diárias na tal pousada, e transferir os 50% de praxe, do valor da hospedagem.

Saindo de Natal, num voo executivo da Varig, às 14 horas de uma terça-feira, uma hora depois já estavam Mariana e a filha Sílvia, desembarcando no aeroporto de Fortaleza, onde um taxista as aguardava, exibindo um cartaz com o nome das duas, para levá-las ao “hotel”.

O táxi velho tinha escrito na porta o nome da pousada. O motorista, quase idoso, tinha aparência de sujo e vestia roupa visivelmente surrada.

A “pousada”, apesar de usar como referência de localização a Praia do Futuro, ficava num descampado, onde não se via viva alma, nem casas na vizinhança.

Muito desconfiadas, Mariana e Sílvia preencheram as fichas no balcão de entrada e perguntaram a uma atendente se havia muitos hóspedes ali, para participar do Congresso de Direito Administrativo, cuja abertura se daria na manhã seguinte. A resposta da funcionária foi positiva, e, além de já haver muitos hóspedes, segundo ela, outros estavam para chegar ainda naquela tarde.

O taxista permaneceu na portaria, conversando com as atendentes, enquanto Mariana e Sílvia foram encaminhadas à ”suíte” para elas reservada. Ficaram decepcionadas com a simplicidade e o desconforto do pequeno cômodo.

A pousada era uma casa térrea, antiga, e simples. No jardim havia uma pequena piscina, mas não se via nenhum movimento de hóspedes, parecendo mais que as duas estavam hospedadas num convento.

Mariana e Sílvia deixaram a bagagem no quarto e contrataram o mesmo motorista para levá-las ao Hotel Vila Galé, na esperança de que houvesse surgido alguma vaga. Em lá chegando, pediram que ele aguardasse um pouco, para, em seguida, deixá-las no melhor Shopping de Fortaleza.

Como por milagre, o hotel Vila Galé informou-lhes que no dia seguinte, logo cedo, iria desocupar uma suíte. Mariana não pensou duas vezes, e pagou logo a reserva das três diárias, no hotel do evento, como se as duas tivessem alcançado uma graça. De lá, o taxista as deixou no Shopping, cobrando-lhes um preço exorbitante, sem que elas contestassem.

O bonito Shopping havia passado por uma grande reforma e ali naquele templo de consumo, as duas lancharam, olharam as lojas e se descontraíram, por saber que no dia seguinte estariam no Hotel Vila Galé.

Voltaram para a pousada às 21 horas, e não viram movimento nenhum, fora as duas moças da “recepção”, onde tinham preenchido as fichas de entrada.

Dormiram assustadas e preocupadas em se levantar cedo, tomar café e se transferir para o hotel Vila Galé, antes da abertura do evento.

Foram as primeiras a chegar à sala de refeições. Pareciam ser as únicas hóspedes. do “hotel”.

Uma mulher morena e gorda colocava numa mesa de alvenaria, que separava essa sala, da cozinha, um bolo em fatias, uma bandeja pequena com fatias de queijo, uma bandeja com alguns pães do tipo “francês”, dormidos, uma garrafa térmica com café e outra com leite. Fora isso, açúcar e adoçante dietético.

Mariana e Sílvia esperavam, pelo menos, um café da manhã reforçado. Enquanto mãe e filha se entreolhavam, demonstrando insatisfação por estar ali, levaram um susto horrível. Uma voz estridente partiu da cozinha, dirigindo-se às duas:

-VOCÊS VÃO QUERER OVO???

A resposta das duas soou uníssona:

-Não! Obrigada!

A pergunta partira da mulher morena e gorda, que parecia ser a cozinheira do “hotel”.

Uma crise de riso se apoderou de Mariana e Sílvia, que se limitaram a se servir do que já havia na mesa.

A vontade era sair dali correndo.

Foram pegar as malas no quarto e pediram a conta. A “recepcionista” não perguntou nem o que tinha havido.
O mesmo taxista já estava na recepção. Foi quem levou Mariana e Sívia ao Hotel Vila Galé.

Essa arapuca serve de lição, para que ninguém acredite 100% nas ofertas da Internet.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 21 de setembro de 2019

A EXPOSIÇÃO

 

 

A EXPOSIÇÃO

Nas festas de exposição de animais, comuns em algumas cidades nordestinas, o bode reprodutor, o chamado “pai-de-chiqueiro”, sempre se destaca, pelo porte elegante, desenvoltura, chifres belíssimos, cavanhaques e sacos enormes.

Os bodes são os machos reprodutores, criados e mantidos nas propriedades, para fazerem a monta, garantindo a geração de cabritos de alta qualidade. Há grande influência na qualidade da sua descendência. Enquanto a cabra produz um ou dois descendentes ao ano, o bode cobre 35 fêmeas, podendo ser o pai de até 70 crias.

Zé de Firmo era um empregado de confiança na Fazenda Curió, do “Major” Elomar, conhecido criador de bodes. O “Major” tinha um bode reprodutor de raça estrangeira, que pesava quase 60 quilos. Participava de todas as exposições de animais que havia na região e sempre era premiado. Esse bode, pai-de-chiqueiro, que era chamado de Belo, era o orgulho do fazendeiro. Belo não parava de cobrir as cabras, que viviam prenhas. Era uma fonte de renda inigualável.

Certa vez, um grupo de religiosas de um Colégio de Natal foi convidado para a abertura da Exposição de Animais, que acontece anualmente.

Como de costume, o dono da Fazenda Curió estava presente, expondo Belo, seu valioso bode reprodutor, verdadeiro pai-de-chiqueiro, escoltado por seu tratador. Zé de Firmo era um homem falante e gasguito, que mal sabia ler e escrever. Mas era um excelente empregado, fiel escudeiro do “Major” Elomar.

As freiras aceitaram o convite e lá estavam, felizes e deslumbradas com a beleza dos bovinos e caprinos, entre eles Belo, o bode reprodutor escoltado por Zé de Firmo. As religiosas, sob o comando da Madre Superiora, admiravam a beleza dos animais expostos, até que se aproximaram de Belo, e ficaram encantadas com o que viam em sua frente. Belo era um bode pai-de-chiqueiro, de postura elegante, exibindo seus enormes chifres, um belo cavanhaque, além de um avantajado saco, que balançava ao vento, no simples caminhar. Um belíssimo animal branco malhado, arisco, fogoso e berrante.

As freiras, como se sabe, são verdadeiras santas, incapazes de dizer ou admitir palavrões ou palavras irreverentes em sua frente. Estão acostumadas a ouvir as maravilhosas músicas sacras nas Missas e a fazerem suas orações.

A mais empolgada delas, impressionada com a “performance” do Bode Belo, puxou assunto com Zé Firmo, homem rude, e dono de um palavreado chulo, querendo saber se o precioso animal “dava conta” mesmo das cabras.

Diante dos visitantes, que arrodeavam o famoso bode reprodutor, a freira ouviu de Zé Firmo, a seguinte resposta, que soou como uma explosão nos seus ouvidos e das demais religiosas:

– Dona, a senhora não sabe como este bode é sem-vergonha!!! Só vive cobrindo as cabras!!! É um “fudedorzinho” da gota serena!!!

Nesse ínterim, a religiosa teve uma crise histérica e começou a gritar. Saiu da exposição numa maca do SAMU, direto para uma urgência hospitalar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 14 de setembro de 2019

O GOL

 

 

O GOL

Era um dia feriado, consagrado ao Exército Brasileiro. Um dia de laser, dentro do Quartel do 16 RI, em Natal, com várias competições esportivas, inclusive um jogo de futebol, disputado por dois times formados por Oficiais.

Na plateia, estavam presentes Tenentes, Capitães e o General Mendes Rosa, um homem careca, bonito e simpático, muito querido pelos oficiais e por toda a Corporação. Deficiente visual de um olho, em consequência de um acidente em serviço, esse General, optou por permanecer em atividade, mesmo tendo direito à transferência para a Reserva Remunerada. Para ele, era um orgulho continuar fazendo parte do serviço ativo do Exército Brasileiro.

As torcidas dos dois times de futebol já estavam a postos, esperando o início do jogo, que iria decidir um campeonato interno. Um deles seria o campeão do torneio e receberia uma taça relativa àquela data.

O jogo começou cheio de emoção, e somente no final do 2º tempo, foi que um dos times conseguiu fazer um gol sensacional, o chamado gol de placa. O autor foi o Tenente Luz, Oftalmologista do Corpo Médico do Exército, que, num assomo de euforia, não se conteve e disse para os colegas:

– PORRA!!! Este gol eu quero dividir com o General Carequinha!!!

A gargalhada dos colegas foi geral. Acontece, que o General Mendes Rosa, ouviu isso e entendeu que era com ele, que nunca admitiu ser chamado de careca ou carequinha por ninguém, principalmente por um Oficial que lhe era subalterno na carreira militar. O General, que estava assistindo ao jogo com alguns amigos e com eles tomava seu Whisky, não gostou nada do que ouviu. Sentiu-se ridicularizado, como se fosse um palhaço. Fechou a cara e se retirou.

O Tenente Luz, que não imaginava que o General tivesse ouvido o que ele falou para os colegas, arrependeu-se desde o dia em que nasceu e perdeu o fim de semana, nervoso e com dor de barriga, só em pensar na punição que deveria receber na segunda-feira. Sabia que seria punido por aquele desrespeito e podia até pegar uma cadeia.

O General Mendes Rosa gostava muito do Tenente Luz, e às vezes se consultava a ele. Não esperava nunca ser desrespeitado logo por esse Oficial a quem tanto prezava.

Na segunda-feira, logo cedo, o Tenente Luz chegou ao Quartel, e, imediatamente, foi chamado à sala do General. Levou um chá de espera de uma hora, no sol quente, até que recebeu a ordem para entrar. Quase tremendo de medo do que iria acontecer, foi recebido grosseiramente pelo General, que sempre o tratava por Dr. Luz, mas, dessa vez, limitou-se ao “Bom dia, Tenente Luz!”

E num tom grosseiro e autoritário, o General perguntou-lhe:

– O senhor pode repetir as palavras que proferiu no campo de futebol, sexta-feira, logo que fez o gol da vitória?

O Tenente, visivelmente nervoso, mas com toda altivez, respondeu:

-Antes de repetir o que eu disse, confesso que me arrependi tremendamente e jamais repetiria aquelas palavras. Na euforia do gol, quis homenagear o senhor, sem imaginar que iria lhe magoar. O que eu disse foi:

“Porra! Esse gol eu divido com o General Carequinha! “

O General, com sua voz estridente, respondeu:

-O senhor me faltou com o respeito e me expôs ao ridículo, como se eu fosse um palhaço. Sempre o respeitei como médico, tratando-o por Dr. Luz, dando-lhe sempre um tratamento especial. Mas o senhor não correspondeu.

O Tenente Luz, bonito e vaidoso, não cortava os cabelos à moda militar. Tinha uma cabeleira negra e sedosa, o que era uma liberalidade que gozava junto ao seu superior.

O General não disse mais nada. O Tenente Luz foi entregue ao ajudante de ordem, para ser encaminhado à barbearia da corporação, onde teve a cabeleira raspada, sendo preservada, apenas, uma pequena trunfa na parte superior.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 07 de setembro de 2019

A PROTETORA

 

 

A PROTETORA

Cândida sempre foi muito estudiosa. Formou-se em duas faculdades: De Psicologia e de Letras. Optou por ser professora, obtendo aprovação em concurso público federal.

Sua marca registrada sempre foi a personalidade forte, que chegava a ser confundida com fanatismo. Desde criança, tinha opinião própria, até nas escolhas de suas roupas, o que não acontecia com suas duas irmãs. Ainda adolescente, tinha fanatismo por partido político, candidatos, time de futebol, cantores, artistas de cinema, fora os heróis de revistas em quadrinho.

Apesar de ser tratável, Cândida sempre saía do sério, quando alguém ousava se posicionar contra os seus fanatismos. Quem assim o fizesse, imediatamente recebia sua reprovação, o que, às vezes, resultava em intrigas passageiras.

Desde criança, Cândida deixou de comer galinha, pois, certo dia, sem querer, viu a cozinheira da sua casa matando uma, para preparar o almoço. Ficou em pânico e revoltada. As poucas galinhas de sua mãe, que restaram no galinheiro, morreram de velhas e de morte natural, a pedido dela. Afeiçoou-se às galinhas e pôs nomes em cada uma delas, inclusive uma se chamava Marta Rocha, o no nome de uma Miss Brasil.

Certa vez, Cândida, já adulta, viu um gatinho ser atropelado perto da sua casa. Penalizada, levou-o para uma clínica veterinária e pagou as despesas do tratamento, até que ficasse curado. O gato teve alta e Cândida passou a criá-lo. Alguém soube disso e a casa se transformou num depositário de gatos enjeitados. As pessoas abandonavam os gatos no jardim da sua casa e Cândida se afeiçoava a eles, transformando-se numa verdadeira protetora. Se um adoecesse, Cândida chamava o veterinário, para atendimento a domicílio. Gastava uma boa parte do seu salário com remédios e às vezes internamentos em clínicas veterinárias.

Numa visita ao Cemitério, perto do túmulo de um ente querido, Cândida viu um gato com uma ferida no pescoço. Por telefone, chamou um médico veterinário até lá. O homem examinou o gato e receitou os remédios necessários. Mas, no Cemitério “moravam” outros gatos, doentes e famintos. Cândida não os levou para a sua casa, mas assumiu, consigo mesmo, o compromisso de patrocinar o tratamento de suas enfermidades e levar sempre ração para eles, sob os cuidados do Administrador. Decorridos alguns anos, Cândida ainda mantém o mesmo hábito, sozinha, e por conta própria. Solteira por opção, sua vida é dividida entre sua residência, o trabalho profissional, e as visitas ao Cemitério, onde seus pais estão sepultados, e onde se encontra um enorme número de gatos, esperando a visita de sua protetora.

Mesmo já contando tempo de serviço suficiente para se aposentar, Cândida, que detesta a palavra “aposentadoria”, optou por continuar trabalhando, até que seja alcançada pela compulsória. É uma grande mulher, digna de admiração.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 31 de agosto de 2019

O DESABAFO

 

O DESABAFO

Um conhecido Professor, de uma faculdade de Direito particular, de Natal, chegou para dar aula atrasado, pela primeira vez em sua vida. Visivelmente irritado, o jovem e eloquente professor pediu desculpas aos alunos pelo atraso.

Antes de iniciar o tema da aula de Direito, para se descontrair, improvisou uma fala para a turma, quase toda feminina, sobre os problemas da vida a dois.

Começou dizendo que aconselhava aos alunos, moças e rapazes, casados ou solteiros, que nunca atormentassem a vida de seus cônjuges, se quisessem ser felizes no casamento. Principalmente, não tirassem o espaço um do outro dentro de casa.

E frisou bem que a mulher, quando é vaidosa demais, torna-se egoísta, de tal forma, que não tem tempo de pensar no bem-estar do marido nem dos filhos. Estes são entregues às babás ou às creches, e, às vezes, os pais só veem os filhos pequenos quando eles estão dormindo, ou nos fins de semana. Por esse motivo, as crianças se apegam mais às babás do que aos pais, e, em casa, preferem dar atenção aos brinquedos eletrônicos, incluindo-se os “tablets”, e filminhos, principalmente um tal de “Galinha Pintadinha”, por quem ele, pessoalmente, sentia verdadeira ojeriza.

Disse que sua mulher “privatizou” a suíte do casal, apossando-se do banheiro, de tal forma que ele só dispunha, nas inúmeras prateleiras de vidro, de um pequeno espaço, para colocar sua escova de dentes. Disse que vivia estressado, pois, ao chegar do trabalho no final da tarde, sua mulher nunca estava em casa. Sempre tinha saído para a Academia e ele já estava cansado de jantar sozinho, por não ter paciência de esperá-la até 19 horas.

Naquele dia, especialmente, disse ele, estava com os nervos em pandarecos. Depois do café da manhã, como sempre fazia, havia entrado no banheiro para tomar banho, já pensando no trânsito que iria enfrentar, para chegar até ali e dar sua primeira aula. Lavou os cabelos com “shampoo” e condicionador, enxugou-se e se arrumou apressadamente. Ao se pentear, percebeu que tinha exagerado no condicionador, ou sua mulher tinha comprado uma nova marca, aliás de cheiro excelente. Mas seus cabelos haviam ficado ralos e sem jeito. Muito vaidoso, não conseguiu penteá-los ao seu gosto. Disse que estava se achando a cara de “ Marcelino Pão e Vinho”, com uma franja cobrindo sua testa, coisa que ele detestava.

Disse ainda que, na hora de sair de casa, havia entrado no banheiro e aproveitara para ver a marca do novo condicionador que a destrambelhada da mulher tinha resolvido comprar. Devia ser algum lançamento e de uma marca muito cara, do jeito que ela gostava.

Qual não foi sua surpresa, ao constatar que, em vez de condicionador, ele tinha usado nos cabelos, após o “shampoo”, um sabonete íntimo, cremoso, da sua esposa, com um perfume inebriante. Já era tarde para lavar os cabelos novamente.

E concluiu sua fala:

-Não é brincadeira, não! Eu, um Advogado e Professor respeitado, estou aqui me sentindo uma VULVA, por causa da futilidade da minha mulher!!!!!!

A classe não conteve o riso, e o desabafo do Professor diminuiu o seu estresse.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de agosto de 2019

O GALANTEIO

 

 

O GALANTEIO

O antigo galanteio nada tem a ver com o chamado Assédio sexual, definido no Art. 216 do Código Penal, como o ato de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

Tempos atrás, não se falava em assédio sexual, como hoje. O que havia era galanteio. As cantadas “sadias”, elogios e galanteios não eram crimes, e podiam até envaidecer a mulher, aumentando-lhe a autoestima. As propostas indecentes sempre existiram, sem que caracterizassem crime de assédio sexual, como nos tempos atuais.

Dr. Minora, um conhecido advogado, recebeu em seu escritório uma senhora, bonita e insinuante, 50 anos, que queria contratá-lo para fazer o seu divórcio.

Depois de ouvir os motivos que estavam levando a cliente a pedir a separação, o advogado elogiou a sua beleza e comentou que existia homem idiota, que não enxergava a mulher que tinha ao seu lado.

Na verdade, o advogado era galanteador por natureza e não podia ver uma mulher bonita, que tentava conquistá-la, mesmo que fosse sua cliente, Sentia um certo fascínio por mulheres casadas, em fase de separação. Sentiu-se atraído pela cliente e os elogios eram verdadeiros.

A mulher sentiu-se gratificada, pois vinha atravessando uma fase de desprezo do marido, que há meses não tinha com ela qualquer relacionamento conjugal. Isso massageou o seu ego.

Ao sair do escritório, o Dr. Minora foi com um amigo, Dr. Rildo, também advogado, até o café mais próximo, onde fizeram um lanche e conversaram sobre sua nova cliente. Contou ao amigo os elogios que lhe tinha feito e se justificou, dizendo que toda mulher gosta de receber elogios, principalmente quando já está entrando na idade madura.

De repente, de surpresa, a esposa do Dr. Minora chegou ao café e sentou-se para lanchar também, junto com o marido e o amigo. Muito bonita e elegante, Rosilda despertou a atenção de quem estava por perto, e o amigo do seu marido. não conseguia deixar de admirar a sua beleza. Teceu-lhe elogios e parabenizou Dr. Minora, pela bela mulher que ele tinha. Disse, ainda, que o Dr. Minora era um felizardo. por ter se casado com uma mulher daquela, bonita, elegante e simpática.

Ele sempre ouviu Dr. Minora dizer que um homem educado, quando está diante de uma mulher atraente, tem o dever de fazê-la sentir-se admirada. Isso massageia o ego feminino, pois a mulher gosta de elogios.

A indiferença do homem diante de uma mulher bem vestida e elegante é humilhante para ela, principalmente quando se trata de uma mulher na idade madura. Vem logo o complexo de velhice, que é o pavor de todas as mulheres.

Baseado no que sempre ouvia o Dr. Minora dizer, o amigo se desmanchou em elogios à sua esposa, que ficou muito envaidecida.

Dr. Minora ficou sério e não gostou do que viu e ouviu. Teve uma crise de ciúme.

O amigo se justificou:

– Sempre escutei você dizer que o homem educado tem que elogiar as mulheres.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 17 de agosto de 2019

UMA PESSOA ADORÁVEL

 

UMA PESSOA ADORÁVEL

Numa Escola pública de Natal, num dia de prova de Português, o primeiro quesito foi uma Redação, com o tema “Uma pessoa adorável” Nessa escola, predominava o número de alunos criados somente pela mãe.

Todos fizeram a redação, focalizando seus heróis de revistas em quadrinhos, artistas de cinema e televisão, cantores, e até jogadores de futebol. Em nenhum momento, homenagearam os pais ou outros parentes, exceto Antonina, uma aluna exemplar, que sempre se destacava em tudo, inclusive na educação. Essa aluna era a mais aplicada da classe e foi quem primeiro entregou a prova.

Sobre o tema da redação, ela assim se expressou:

“Para mim, uma pessoa adorável é o meu Pai, Antônio Firmino. Ele é meu herói , meu amigo. Tem dedicado sua vida a mim e à minha irmã, desde que perdeu nossa mãe para o câncer.

Já faz seis anos e até hoje ele não quis casar novamente. Diz sempre que jamais nos dará uma madrasta. Eu digo a ele que isso não seria problema nenhum. Toda pessoa viúva tem direito de se casar de novo. Mas ele diz que não quer. Para mim e minha irmã, ele é pai e mãe. Faz o possível para nos dar uma boa educação e diz que seu maior objetivo na vida é nos ver formadas e muito felizes.

Neste mundo, não existe pessoa melhor do que meu Pai. É a ele que eu mais amo na vida.”

Ao corrigir a redação de Antonina, a professora ficou impressionada com a maturidade dessa aluna de 12 anos e se emocionou. Leu a redação em voz alta para toda a classe ouvir.

Aquela declaração de amor ao pai provocou lágrimas em alguns alunos. Todos se comoveram com o fato de Antonina ser órfã de mãe.

A menina ficou feliz com o destaque que a professora deu à sua redação, considerando-a uma das melhores da classe.

Seus colegas passaram a olhá-la de forma mais carinhosa e solidária.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 10 de agosto de 2019

A MOLEZA

 

A MOLEZA

Numa sexta-feira, ao terminar o expediente, os advogados de um escritório de advocacia de Natal, como costumavam fazer, saíram direto para um barzinho. Pouco tempo depois, Marleide, 45 anos, esposa do mais velho, Dr. Salomão, 50 anos, começou a lhe telefonar direto, para que fosse para casa jantar. Já impaciente, o marido disse-lhe que ela podia jantar com os filhos, pois o papo estava muito bom e ele iria demorar mais um pouco.

Do barzinho, seguiram todos para a casa de um deles, para continuar bebendo e conversando.

O Dr. Salomão se excedeu no Whisky e ficou completamente embriagado. Já eram quase 23 horas e o advogado adormeceu na cadeira, sem jeito de despertar.

Querendo encerrar a brincadeira, os colegas o levaram para tomar um banho de chuveiro na suíte do casal. Tiraram sua roupa e o deixaram sentado no chão do box, com o chuveiro aberto. Uma hora depois, Dr. Salomão chegou no terraço, ainda tonto, mas devidamente vestido, cabelo penteado e molhado. Pediu aos amigos que fossem deixá-lo em casa, pois sua mulher devia estar uma fera.

Como era de se esperar, foi recebido com “quatro pedras na mão” e uma série de impropérios. Não adiantou dizer onde estava, nem com quem, pois isso já não interessava à mulher dominadora e ciumenta.

Dr. Salomão jogou-se na cama, e adormeceu na mesma hora, vestido do jeito que chegou da rua. Não tirou nem os sapatos. Quando já estava roncando, Marleide resolveu tirar a roupa do marido e deixá~lo dormir somente de cueca.

A indignação da esposa de Dr. Salomão aumentou ainda mais, ao ver que o marido estava usando uma calcinha feminina, preta e toda rendada!!! A mulher teve uma crise histérica e gritou para quem quisesse ouvir que iria se separar dele no dia seguinte, pois acabara de descobrir que era casada com um boiola, há quase 20 anos, sem saber!

Dr, Salomão dormia em berço esplêndido, roncando loucamente, enquanto Marleide se “descabelava” de raiva dele, com vontade de esganá-lo.

No dia seguinte todos os colegas do escritório ficaram sabendo da confusão da “calcinha preta” e foi preciso que fossem todos, inclusive a dona da calcinha, à casa de Marleide e Dr. Salomão. para desfazer o equívoco.

O difícil foi convencer Marleide de que seu marido, ao tentar vestir a cueca depois do banho, por equívoco, vestiu a calcinha da dona da casa, que estava ao lado. Ele não tinha nada de boiola.

Foi muita moleza do Dr. Salomão!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 03 de agosto de 2019

A CIRURGIA

 

A CIRURGIA

Há várias décadas, entrando pela 2ª metade do século passado, em Nova-Cruz (RN) o atraso era geral. Não havia energia elétrica, água encanada, hospital, clínicas ou consultórios médicos.

Qualquer problema de saúde, que um chá com uma “Cibalena” não resolvesse, o caminho certo era procurar atendimento médico em Natal ou João Pessoa, capital da Paraíba, Estado com o qual a nossa cidade faz fronteira.

Dona Lia, minha saudosa mãe, padeceu durante anos, com problemas de varizes nas duas pernas. Para completar o sofrimento, surgiu na sua perna esquerda, uma pequena úlcera varicosa, que logo aumentou de tamanho, passando a arder e doer cada vez mais.

Depois de usar os unguentos vendidos na farmácia e todos os remédios caseiros, sem qualquer resultado, Dona Lia se deslocou para Natal, a fim de se consultar a um especialista em varizes. Marcou uma consulta com o mais famoso Cirurgião Vascular da capital, a quem vou chamar de Dr. Abelardo.

A consulta ao Cirurgião Vascular foi feita e o tratamento indicado para a úlcera varicosa foi o cirúrgico, com a retirada da veia Safena (Safenectomia).

Feitos os exames pré-operatórios, inclusive o risco cirúrgico, o Cirurgão Vascular marcou a data e o horário da cirurgia, a ser realizada na Casa de Saúde São Lucas, numa terça-feira, às 14 horas.

Dona Lia, muito nervosa, tinha veneração pelo renomado Cirurgião e Obstetra, Dr. José Tavares, por quem, abaixo de Deus, teve sua vida salva, num delicado caso de uma gravidez molar, anos atrás. Dessa vez, entretanto, seu problema de saúde teria que ser tratado por um Cirurgião Valcular. Ela não se conformava com isso.

Na sexta feira, que antecedeu à cirurgia de Dona Lia, à noite, estiveram na casa de sua irmã Carmen, onde ela estava hospedada, seus amigos: Dr José Tavares (Obstetra), Dr. Héllen Costa (Cardiologista) e o Dr. José Valério Cavalcanti (Clínico Geral e Cirurgião), como sempre acontecia,

A amizade desses médicos com a tia Carmen Pimentel era grande, e, ao saberem do nervosismo de Dona Lia, ante a perspectiva da cirurgia a que iria se submeter na 4ª feira, todos se prontificaram a assistir ao procedimento.que seria feito pelo famoso Cirurgião Vascular.

Na hora marcada, estavam todos na Casa de Saúde São Lucas. Depois dos preparativos de praxe, vimos nossa mãe ser levada na maca para o centro cirúrgico.

Em seguida, passaram por nós os três médicos antigos que iriam assistir ao procedimento e por fim o Dr. Abelardo, responsável maior pela complexa cirurgia, que durou cinco horas.

A cirurgia foi um sucesso e o Dr. Abelardo, ao ver seu feito assistido por médicos antigos e renomados, brincou com todos e disse que ali, de fraco o único era ele.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de julho de 2019

A ARAPUCA

 

 

 

A ARAPUCA

Há viciados em bar, que não se conformam em voltar para casa, no fim da noite, quando o proprietário começa a fechar as portas e os garçons começam a recolher mesas e cadeiras. Por eles, continuariam fazendo o exercício de levantamento de copos, até o dia amanhecer. Alguns fazem de conta que não estão vendo o dono fechando as portas e os garçons arrumando tudo. O expediente etílico, para eles, deveria ser do tipo “24 horas”.

Continuam sentados na mesma mesa, às vezes cochilando, mas sem vontade de deixar o bar. Esperam que a vassoura passe perto dos seus pés, para poderem se levantar. São os chamados alcoólicos inveterados, que esquecem que tem família em casa, ou que são separados e moram sozinhos. Saem do bar, reclamando que a cidade é atrasada e não tem vida noturna.

Dois amigos boêmios, corretores de imóveis, saíram de um bar, em Natal, quase de madrugada, e se dirigiram a uma “boate”, à procura de companhia feminina para o fim da noite.

Quando lá chegaram, o mais afoito simpatizou logo com uma bonita morena e subiu para o quarto com ela. No quarto, a mulher, rapidamente, uniformizou-se para a prestação do serviço, ou seja, tirou tudo. Enquanto isso, o homem, embriagado , sentou-se na cama e começou a desabotoar a calça e a camisa. A mulher, querendo se livrar logo daquele freguês, mostrou-se impaciente e pediu para ele se apressar. Em tom autoritário e grosseiro, disse-lhe que, na cama. havia um jornal para ele colocar os pés. Por isso, não precisaria tirar os sapatos.

O homem se irritou, sentindo-se maltratado e humilhado por aquela mulher, cuja profissão lhe exigia respeito e consideração aos clientes.

De repente, o boêmio sentiu-se sóbrio e, com toda dignidade, falou:

-Basta! Não quero mais nada com a senhora!

Vestiu a roupa, rapidamente, e desceu as escadas.

Atrás dele, a mulher gritou:

-Tem que me pagar! Ocupou meu tempo!!!

E ele respondeu:

-Pagar o que, se nem cheguei perto de você?!!! Para tudo nesta vida, é preciso ter classe, inclusive na profissão que você exerce.

Nessas alturas, apareceu um “leão- de -chácara” para defender a mulher. Ao ouvir o relato do cliente, viu que ele tinha razão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de julho de 2019

A PRIMEIRA MOITE

 

A PRIMEIRA NOITE

Lúcia e Bento, recém-casados, viajaram em lua de mel, de carro, para conhecerem uma agradável cidade serrana, na Paraíba.

A viagem, mesmo longa, foi muito agradável, pois os dois “pombinhos”, finalmente, iriam se pertencer, uma vez que Lúcia teve uma educação muito rígida e reprimida... Nesse tempo, as noivas ainda casavam virgens.

Já instalados num hotel, aparentemente antigo, os dois chegaram exaustos da viagem. Pediram almoço no quarto mesmo, tomaram banho e resolveram descansar o resto do dia.

O quarto com banheiro era muito aconchegante, com mobília estilo colonial e cortinas discretas, em cor neutra. À noite, pediram o jantar, e depois continuaram com os afagos e carinhos que há tempos reprimiam.

A felicidade plena dos dois jovens na noite de núpcias, com a certeza de que nada no mundo perturbaria aqueles momentos mágicos que estavam vivendo, completava o cenário do sonho das “mil e uma noites”.

Diz a sabedoria popular, que “o diabo sempre encontra um meio, de lançar a sua gota de absinto na taça da felicidade”. Coincidência ou não, isso sempre acontece.

O casal que estava em paz, gozando das delícias da primeira noite, de repente passou a ouvir risadas e conversas indecentes, dos hóspedes que bebiam no quarto vizinho. Depois de alguns minutos, sem que a balbúrdia cessasse, Bento foi até à gerência e pediu providências, no sentido de que aqueles hóspedes diminuíssem o barulho. Ele e a esposa estavam sem poder relaxar.

Mesmo tendo sido abordados com cordialidade pela gerência, a reclamação não foi bem recebida pelos rapazes, que disseram estar comemorando o aniversário de um deles. Já haviam pedido muita bebida e comida e a euforia continuou.

Lúcia e Bento se entregaram, novamente, aos braços um do outro, tentando não ouvir as risadas nem as conversas picantes dos rapazes. Mas, era impossível.

Ao saberem, pelo empregado do hotel, que no quarto vizinho havia um jovem casal em lua de mel, a excitação e euforia dos hóspedes aumentou. Aparentemente embriagados, falavam ao mesmo tempo, até que se ouviu uma voz forte e pastosa:

– É preciso que os noivos venham aqui brindar conosco! Nós beberemos à saúde deles e ensinaremos ao cara seus deveres conjugais! Melhor ainda, será nós irmos ao quarto deles!!!

Após essas palavras, seguiu-se uma euforia ainda maior, e vozes chamando uns aos outros para irem ao quarto dos noivos. Os dois jovens em lua de mel estremeceram, temendo que o quarto fosse invadido pelos rapazes, e houvesse um assalto ou um estupro.

Por sorte, ouviu-se uma ordem superior, quase aos gritos, mandando que eles se calassem e ficassem onde estavam. Aos poucos, a balbúrdia cessou e fez-se um relativo silêncio.

Nesse ínterim, o clima de desejo entre o casal esfriou, dando lugar a um medo terrível dos hóspedes do quarto vizinho. A noite de amor foi interrompida e se transformou numa noite de terror. Nesse tempo, não se falava em assalto, nem existia a violência dos dias atuais.

Lúcia e Bento estavam certos de que aquela seria a noite mais feliz da vida deles. Mas, ninguém pode dizer “hoje serei feliz”. Às vezes, a pessoa faz os melhores planos para sua vida, mas o Universo conspira contra eles.

Quando o casal já estava calmo e sentindo-se em paz, os hóspedes do quarto vizinho voltaram a fazer barulho. Dessa vez, começou uma cantoria, acompanhada por um trombone. Vieram até a porta dos recém-casados e gritaram:

– Boa noite para os noivos!!! Muitas felicidades!!!

Cantaram uma canção de amor, acompanhada pelo trombone e finalmente deixaram o hotel, para sossego do casal e do hoteleiro, que temia perder a freguesia dos hóspedes costumeiros e barulhentos, mas que lhe davam muito lucro.

Lúcia e Bento continuaram imóveis na cama, tensos, como se tivessem despertado de um pesadelo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de julho de 2019

RETRATO DE UM CASAMENTO

 

 

RETRATO DE UM CASAMENTO

Faço parte, no facebook, do grupo “NOVA-CRUZ NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO”. O presidente do grupo é Celso Lisboa Neto, o nosso querido amigo Celsinho. Ontem à noite, ele postou uma foto das antigas, como ele diz, e pediu a quem identificasse alguma pessoa conhecida, que se pronunciasse. A foto era de um casal de noivos, na calçada da Igreja, com um grupo de convidados, incluindo os padrinhos. Um grupo grande de pessoas. Os noivos, eu não conhecia. Do grupo, identifiquei, apenas, dois casais, que, conforme alguém comentou, eram as testemunhas. Tratavam-se do Sr. Carluce e esposa dona Bernadete, e do Sr. Alfredo Ângelo e esposa, dona Terezinha. Repito que os noivos, eu não conhecia.

 

Na leitura dos vários comentários à postagem da fotografia, fiquei surpresa, quando alguém escreveu que ali na foto estavam Seu Chico e Dona Lia, exatamente meu pai e minha mãe.. Eu contestei e escrevi um comentário, dizendo que meus pais não estavam na foto. Disse que a autora do comentário, certamente, havia confundido Seu Alfredo com meu pai. Aliás, sempre achei os dois parecidos.

Ao ler meu comentário, contrário ao dela, a moça insistiu que na foto estavam seu Chico e dona Lia. Fiquei irritada e voltei a repetir que não eram eles.

A moça voltou a insistir que Seu Chico e Dona Lia estavam na foto, a qual lhe fora ofertada pela própria dona Lia. Para completar minha irritação, a moça comentou que aquele casamento era, exatamente, de Seu Chico e Dona Lia.

Então, aqueles noivos eram os meus pais, e eu não tinha reconhecido??? Disparate maior do que esse não podia existir. Quase pirei, pois sempre soube que minha mãe e meu pai se casaram em Natal, onde ela morava. Eles fixaram residência em Nova-Cruz, a terra dele e onde ele sempre morou, mas, repito, o casamento deles foi celebrado em Natal. E a foto, mesmo antiga, era de um casamento em Nova-Cruz!!!

Quando eu já estava cansada de repetir, que naquela foto não estavam meu pai e minha mãe, um conterrâneo que também é do grupo, “salvou a pátria”, com um comentário definitivo:

– Minha gente, esse retrato é do casamento de “CHICO PRETO” e Dona Lia, pessoas de Nova-Cruz.

Chico Bezerra e Dona Lia Pimentel Bezerra, meus pais, realmente, não estavam na foto. Eu tinha razão…

Tive uma crise de riso e fiquei aliviada por ter sido desfeito o equívoco. Ora, ora, meu pai era Francisco Bezerra e o apelido era Chico. Minha mãe se chamava Lia e não tinha apelido. Nasci e me criei, sabendo que eles haviam se casado em Natal. De repente, vejo na página do Grupo NOVA-CRUZ NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO, a foto do casamento de Chico e Lia, na Igreja de Nova-Cruz!… Vi logo que não eram eles. Mas, a moça que postou a foto teimou comigo e repetiu diversas vezes. que Seu Chico e Dona Lia estavam na foto, e que a mesma era do casamento deles.

Tive razão de me irritar. Mas ela também teve. Só depois da confusão, foi que o nome de Chico Preto apareceu. A noiva também se chamava Lia, o nome da minha Mãe.

Haja Deus!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de julho de 2019

O TREM

 

 

O TREM

Anos atrás, o trem passava como um raio em Logradouro, um lugarejo que liga Nova-Cruz (RN) à Caiçara (PB), uma das fronteiras do Rio Grande do Norte com a Paraíba..

A meninada, todas as tardes, esperava o espetáculo da passagem do trem, o que para eles era uma diversão.

A velocidade, com que o trem passava por ali, impedia que eles vissem os passageiros nas janelas. Mesmo assim, davam adeus para eles e os mais medonhos distribuíam-lhes “bananas” (o gesto com o braço). Os meninos corriam ao lado do trem, enquanto podiam. Cansados, abandonavam a corrida e voltavam para as suas brincadeiras costumeiras. Jogavam bola, até o fim da tarde.

Zequinha, 12 anos, ficava sempre pensativo, depois que o trem passava. Não se conformava com a indiferença do maquinista, ao passar pelo lugarejo onde eles moravam, sem parar.

Muito inteligente e levado, o menino traçou um plano para obrigar o trem a parar em Logradouro. Somente assim, ele e os colegas poderiam matar a curiosidade e ver de perto a locomotiva “Maria Fumaça” e os inúmeros vagões.

Certa tarde, depois que o trem passou, Zequinha prometeu aos colegas que, no dia seguinte, iria fazer com que ele parasse em Logradouro. Só não disse como. Os colegas ouviram isso e duvidaram. No outro dia, depois da escola e do almoço, foram todos, como sempre, esperar a passagem do trem, para acenar ou dar “bananas” para os passageiros.

Quando o trem surgiu ao longe, no topo da ladeira, Zequinha se posicionou entre os trilhos, com os braços abertos e de frente para ele, como se desafiasse o maquinista a matá-lo ou frear. A meninada gritava, apavorada, mandando que Zequinha saísse do meio dos trilhos. Eram 3 horas da tarde. De longe, o maquinista avistou o menino, de braços abertos, impedindo a passagem do trem. A locomotiva apitava sem parar, ao mesmo tempo em que o homem tentava freá-la, num esforço sobre-humano.

Finalmente, o trem parou e o maquinista desceu da locomotiva Maria Fumaça, rangendo os dentes de raiva, louco para repreender o menino. Por um triz, o homem não o atropelou. Sem falar no risco que o trem correu de descarrilhar, causando transtornos aos passageiros.

Os meninos, ao verem o trem frear, fugiram em disparada, junto com o causador do quase acidente. Não tiveram tempo de ver o trem de perto, pois todos sumiram, com medo do maquinista.

Zequinha, a partir dessa façanha, tornou-se o líder da sua turma de amigos. Além disso, passou a ser conhecido na redondeza, como o menino que fez o trem parar em Logradouro.

Levou uma surra do pai, pela imprudência praticada, a qual poderia ter tido um desfecho trágico.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de julho de 2019

O XERIFE ULTRAJADO PELOS LADRÕES

 

 

VIOLANTE PIMENTEL – NATAL-RN

Prezado Editor,

Boa tarde!

Jesus Cristo continua sendo crucificado todos os dias. Ontem, foi a vez dele se encarnar na pessoa do Ministro Sérgio Moro, o grande brasileiro que, como Juiz, atuou a Operação Lava-Jato, no combate à corrupção que ainda se alastra pelo País.

Os assaltantes do erário público, ladrões de colarinho branco, achincalharam, ultrajaram e humilharam o Ministro Sérgio Moro, chamando-o de ladrão, numa gritante inversão de valores, uma vez que ali os ladrões eram eles próprios. Tiveram a coragem de ultrajar o homem íntegro, que tem nas mãos a lista de nomes dos maiores ladrões do Brasil, com seus respectivos codinomes, inclusive, daqueles que o agrediram.

O Ministro Sérgio Moro é odiado por esses elementos, por ter erguido a bandeira de combate à corrupção espalhada pelo Brasil, punindo os responsáveis e colocando na cadeia os peixes mais graúdos, que se consideravam intocáveis, os verdadeiros tubarões.

Na Audiência da Comissão de Constituição e Justiça na Câmara dos Deputados, a Nação assistiu a um espetáculo degradante, numa cena revoltante de inversão de valores, onde bandidos interrogavam e ultrajavam o “xerife”. Eram as bananas “querendo comer o macaco”, contrariando a metáfora que diz:

“O macaco é quem come a banana. A banana não pode comer o macaco.”

Os agressores do Ministro Sérgio Moro, todos atolados em investigações criminosas até o pescoço, e todos com processos nas costas, sentiram-se no direito de interrogar, intimidar e ultrajar o Herói Brasileiro, Ministro Sérgio Moro, numa atitude vil e revoltante.

Que esses Parlamentares inconsequentes, e com “ficha suja”, sejam logo punidos, na forma da lei, pelos crimes já apurados e agora pelos crimes de Calúnia e Injúria contra o Ministro Sérgio Moro, e também por falta de decoro parlamentar, uma vez que, durante a audiência, comportaram-se como verdadeiros canalhas e agitadores.

Para seu engrandecimento, o Brasil precisa de mais homens honrados, como o Ministro Sérgio Moro, símbolo de competência e integridade moral!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 29 de junho de 2019

A ABRIDEIRA

 

 

A ABRIDEIRA

 

No Brasil, a aguardente de cana, posteriormente denominada “cachaça”, está ligada à cultura popular, assim como o samba e o futebol. Começou como bebida dos escravos e de pessoas pobres. Com a evolução dos costumes, os ricos descobriram a cachaça e o preconceito que havia contra ela desapareceu. Atualmente, a cachaça está presente nos melhores restaurantes nordestinos e é considerada a “Abrideira” do apetite, principalmente quando se trata de uma feijoada.

A cachaça nasceu da indústria do açúcar. Tornou-se bebida nacional e está para o Brasil, como o Rum está para a Ilha de Cuba. O Tabaco, soberano em Cuba, e abundante no Brasil, não conseguiu superar a cachaça, na influência cultural.

Os negros e ameríndios gostavam muito da aguardente destilada do mel de açúcar. O nome “cachaça, termo do Brasil” surgiu em 1873, no Tesouro da Língua Portuguesa, de Domingos Vieira,

A cachaça tornou-se a mais popular bebida brasileira. Foi a primeira bebida destilada pelo português, imitando a técnica espanhola usada na América. Para a cachaça, convergiram todos os sumos das frutas nativas ou aclimatadas no Brasil, resultando na série inacabável das “batidas”.

Como toda bebida alcoólica, a cachaça, tomada com moderação, não faz mal a ninguém. No entanto, quando o hábito de beber se torna um vício, qualquer bebida passa a ser prejudicial à saúde.

As bebedeiras tem sido responsáveis por casos hilários.

Certa vez, após uma festa de Padroeira numa cidade do interior, Josenildo e mais dois colegas “biriteiros” pegaram a estrada para voltar para Caraúbas, num “Celta” antigo.

No primeiro boteco que eles avistaram, pararam o carro para ir ao banheiro e aproveitaram para beber umas “bicadas” de cachaça. Logo continuaram a viagem e menos de duas horas depois, avistaram outro boteco. O mesmo ritual. Pararam, foram ao banheiro e aproveitaram para tomar outra “chamada”. Pegaram a estrada novamente. Quem estava dirigindo era Josenildo, o dono do Celta. Nessa pisada, já viajavam ha mais de três horas, e ainda havia muita estrada pela frente.

Uma hora depois, avistaram outro boteco e pararam novamente, para as mesmas finalidades.

Prosseguiram viagem novamente, até que avistaram mais um boteco. Quando Josenildo estava estacionando, notou que o possível dono estava fechando as portas. Os três homens desceram do carro, e só por muita insistência o proprietário os atendeu. Disse que serviria apenas uma dose a cada um, pois estava de saída. Iria ao velório de um fazendeiro da região, Seu Brás Fonseca, de quem era compadre..Josenildo disse que o falecido era seu padrinho de Crisma e por isso eles também iriam ao velório. Os três viajantes do Corsa acompanharam o fusquinha do dono do boteco.

Chegando ao casarão da fazenda, dirigiram-se à enorme sala, onde estava ocorrendo o velório. Josenildo, já bastante melado, não suportou olhar para o morto e chorou compulsivamente, chegando a beijar-lhe a testa. Disse que aquele homem era seu padrinho de Crisma e para ele representava o seu segundo pai..Disse que naquele triste momento, sentia-se órfão de pai pela segunda vez. Seu pai havia morrido, há dois anos.

Os três filhos do “de cujos” cumprimentaram Josenildo e ele explicou que morava em São Paulo há alguns anos, e tinha vindo de férias, visitar a mãe e a irmã.

Na realidade, os três amigos nunca tinham visto o falecido. Mesmo assim, Josenildo fez um discurso, exaltando as boas qualidades do “seu padrinho”, e lamentando sua triste e inesperada partida.

Os três impostores passaram a noite toda no velório, comendo do bom e do melhor, e bebendo cachaça a noite toda, como é costume no interior.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de junho de 2019

COISAS DO ARCO DA VELHA

 

COISAS DO ARCO DA VELHA

 

A calçada da casa de praia na Barra do Cunhaú estava animada. Sessão de conversas amenas de uma noite de verão. Histórias do “Arco da Velha” vinham à tona. Lembranças e saudades das coisas de Nova-Cruz.

Saudade do apito e do barulho do trem, quando a locomotiva Maria Fumaça fazia suas manobras em plena madrugada; saudade do toque do triângulo do vendedor de cavaco chinês; saudade de Seu Anísio, o vendedor de pão, gritando na porta da casa da minha avó, “Olha o pão, dona Júlia!”; saudade da voz do vendedor de copos d’água na feira: “Água doce, fria, gelada, do Piquiri!!!”.

Arco-da-velha é uma expressão usada, quando se quer referir algo de tempos antigos. Trata-se de uma forma reduzida de “Arco da lei velha”, em referência ao “Arco-íris”, que, segundo diz a Bíblia Sagrada, no Velho Testamento, Deus teria criado, em sinal da eterna aliança entre ele e os homens, após o dilúvio.

Enquanto conversávamos animadamente, parou na calçada uma nativa muito desbocada, que foi logo puxando conversa:

– Eu queria ter nascido uma jabuticaba… É a fruta da felicidade. Nasce e vive pregada no tronco da Jabuticabeira, e morre sendo “degustada”. Disse isso e passou, deixando-nos com ar de riso.

A Jabuticabeira é uma árvore brasileira, da família Myrtaceae. Originou-se no centro-sul do país, e depois tornou-se conhecida, passando a ser plantada em toda a América do Sul.

Aliás, a Jabuticabeira e o seu fruto fazem parte, agora, do anedotário político brasileiro, como metáfora, em relação ao crescimento econômico do País e à politicalha que se apoderou do Brasil há vários anos. A bandalheira cresceu, igual a uma Jabuticabeira florida, que frutificou assombrosamente e se alastrou pelo país inteiro.

A jabuticaba é uma frutinha negra, muito gostosa. A Jabuticabeira é uma árvore brasileira, da família Myrtaceae. Originou-se no centro-sul do país. Depois propagou-se, passando a ser plantada em toda a América do Sul.

Já existe até um ditado popular que diz:

“Se só existe no Brasil e não é jabuticaba, desconfie”.

O economista Winston Fritsch, um dos formuladores do Real, em 1966, foi categórico: “Quando falam que o Brasil tem alguma coisa diferente dos outros países que não é jabuticaba, então é besteira.” A frase ilustra uma apropriação simbólica frequente da jabuticaba: se o país burlar os padrões do mundo globalizado, acabará mal.

“Jabuticaba do mesmo pé” significa o mesmo ditado: ” É tudo farinha do mesmo saco.”

É característica da Jabuticabeira, o crescimento lento e a rápida velocidade com que da flor surge o fruto maduro (30 dias).

Mas, as jabuticabas fenecem rapidamente.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 15 de junho de 2019

O CÓDIGO DE BARRAS

 

O CÓDIGO DE BARRAS

 

Nerina era muito espirituosa e vivia de bem com a vida. Muito querida, tinha sempre um bom conselho para dar às amigas. Não sabia o que era mau-humor. Era casada com Salin,, um turco da fala enrolada, apesar de radicado no Brasil, há muitos anos.

 

O casamento já durava há mais de 20 anos e Nerina continuava fogosa , o que não acontecia com o marido. O homem só se preocupava com o seu comércio e já não a tratava com o carinho e o romantismo de antigamente. Mas Nerina procurava sempre ser coquete e sensual, para despertar o desejo de Salin.

Muito astuciosa e sentida com o esfriamento do marido, Nerina resolveu lhe provocar ciume. Certo dia, na hora do almoço, quando estava toda a família reunida, Nerina recebeu uma corbelle de rosas vermelhas, com um cartão assinado por um “admirador misterioso”.

A empregada recebeu o presente e Nerina levantou-se para ver quem era o remetente. O marido estava na mesa, almoçando de cabeça baixa, e de cabeça baixa continuou. Não deu o menor cabimento de olhar o que era. Também não demonstrou o menor ciúme. Serviu-se da sobremesa e se retirou da mesa. Quando Salin saiu da mesa, o filho mais velho do casal disse para a mãe:

– Deixa de presepada, mamãe…Essa corbelle, eu juro que foi a senhora mesmo quem lhe enviou. Não existe por trás disso nenhum admirador… O rapaz caiu na risada, sob os protestos da mãe.

Nerina mantinha na parede da sala de visitas as fotos dos sogros, em tamanho natural. Salin passava horas olhando para as fotos, e às vezes parecia estar conversando com os pais.

Concita, uma amiga de infância de Nerina, que havia morado fora vários anos, voltou para Natal e foi fazer-lhe uma visita.. Ao ver as duas fotos na parede e ouvir da amiga que aqueles eram os pais de Salin, perguntou:

– Eles são vivos?

Nerina respondeu:

– Graças a Deus, não!!!

Conversando com Nerina a amiga contou-lhe que estava namorando com um homem muito bom, mas sem estudo. Ele falava errado e lhe fazia vergonha. Numa roda de pessoas intelectuais, ele se saía com:

“Nesse “INTERÍM…” “Menas gente”, “O pessoal chegaram” e daí por diante. Ela disse que sentia muita vergonha do namorado falar errado. Só estava levando o namoro adiante, com medo da solidão.

Nerina, então, torcendo para que a amiga, já coroa, saísse do caritó, deu-lhe o conselho mais inteligente do mundo:

– Ô Concita, você, já com 50 anos, quer um namorado pra fazer discurso, ou pra namorar? Porque se for pra fazer discurso, mande desenterrar o finado Rui Barbosa!!!

As gargalhadas foram grandes.

Chegou o aniversário de 60 anos de Nerina, e os filhos organizaram um almoço em sua homenagem, reunindo 100 convidados, entre familiares e amigos. A festa foi num sábado pela manhã, num buffet de luxo, ao som de um excelente pianista, que executava uma seleção de MPB, de 1ª qualidade.

Foi uma festa muito bonita, e a aniversariante, muito bem vestida, de cabelo arrumado e maquiada, irradiava alegria, não aparentando a idade que estava completando.

Às 16 horas, todos se aproximaram da mesa , muito bem ornamentada, onde estava o belíssimo bolo artístico, confeccionado pela mais famosa especialista de Natal., para o tradicional “parabéns a você”.. Acenderam as duas velas , 6 e 0 e começaram a cantar “Parabéns”.

Na hora de apagar as velas, Nerina se recusou a fazê-lo. As velas queimando e os filhos e netos adulando a aniversariante para apagá-las. Só eram duas: um 6 e um 0 (sessenta, de rombo), e mesmo assim, Nerina só fazia rir.

Então, a filha lhe perguntou por que motivo ela não queria apagar as velas. Rindo muito, Nerina confessou:

– Para apagar as velas, vou ter que fazer um bico, soprar e vai aparecer meu Código de Barras, que eu tenho horror. E, ainda mais, vai aparecer nas fotos…

Ela se referia às inevitáveis rugas (preguinhas) que ficam abaixo do nariz.

Sopra, Mãe!!! Sopra, Vó!!! Sopra as velas!!!

Finalmente, Nerina apagou as velas, protegendo o “Código de Barras” com as duas mãos, numa cena hilária, que provocou risos em todas as pessoas presentes.

Muito espirituosa, a aniversariante gritou:

– Mas não mostro o “Código de Barras!!!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 08 de junho de 2019

OS CONES INFERNAIS

 

 

OS CONES INFERNAIS

 

Os cones de tráfego (também chamados cones de estrada ou cones de segurança) são cones de plástico, de cores brilhantes e fortes. São sempre vermelhos, amarelos ou laranja, com uma fita refletora que os torna mais visíveis., Esses cones são muito usados nas estradas e também dentro das cidades. Tem a finalidade de avisar aos condutores de veículos, que por ali trafegam, algum desvio necessário, em decorrência de obras ou serviços. São usados, também, nas Blitz, dentro ou fora da cidade.

Dentro das cidades, quando necessário, os cones são usados para organizar o trânsito em frente às escolas, espaços públicos , ou marcar ruas em obras e serviços, que impliquem em desvio de passagem de veículos..

Esses cones são fáceis de colocar e retirar. Onde se precisam de marcas maiores e consistentes se utilizam barreiras de tráfego, recheadas de areia.

O furto de cones de tráfego parece ser comum entre vândalos, pessoas embriagadas e violentas. Eles são usados na realização de blitz nas estradas, em vésperas de feriados e nos dias de carnaval. São de grande utilidade. Entretanto, em Natal, nos últimos anos, os cones de tráfego passaram a invadir o espaço de circulação de pessoas e veículos, a ponto de impedir a passagem por algumas ruas e lojas, dificultando a vida do povo. Os cones deixaram de ser usados somente pelo DETRAN, passando agora, ilegalmente, a serem usados por particulares, donos de garagem e lojas, impedindo o estacionamento de veículos em sua frente. O uso dos famigerados cones invadiu indiscriminadamente o comércio do Bairro do Alecrim, a ponto de você se ver obrigado a usar estacionamentos privativos e afastados. Os logistas não permitem que se estacione na frente de suas lojas, mesmo que o condutor do veículo seja um freguês.

O contribuinte paga IPTU e IPVA, e se vê impedido de circular livremente, a pé, ou de carro, pelas ruas da cidade. Centenas de “amarelinhos” (a cor da farda é amarela), servidores da “indústria da multa”, com talonário e caneta bic na mão, “pastoram” quem infringe as absurdas regras estabelecidas para o condutor de veículo particular ou não, gerando multas altas e constantes. Os guardas de trânsito, jocosamente chamados de amarelinhos, estão em toda parte, caçando presas para multar e garantir suas gratificações na folha de pagamento.

Além do desassossego provocado pelos agentes de trânsito (Amarelinhos), com um talonário de multas e uma caneta “bic” na mão, aplicando multas absurdas, até em portas de hospital, finais de semana, deparamo-nos, agora, com a proliferação de cones de trânsito por toda parte, atrapalhando a passagem de pessoas e veículos..

Sábado à tarde, precisei parar numa padaria, no Tirol, e a Avenida Afonso Pena estava interditada, cheia de cones impedindo a passagem de veículos, e com barracas armadas e espalhadas nas duas vias (mão e contramão), A metade da Avenida Afonso Pena, uma via pública, de intensa movimentação, estava à disposição de um logista, durante toda a tarde do sábado. Estava servindo a uma exposição de produtos encalhados de uma determinada loja. Um evento de iniciativa privada, impedindo a passagem de veículos.

Certa vez, num dia de semana, às 13 horas, precisei ir ao Escritório de uma Casa Funerária no Alecrim, pegar a Nota Fiscal das despesas que havia pago pelo funeral de uma tia minha e fiquei procurando vaga para estacionar o carro. Depois de rodar muito, sem encontrar onde estacionar, vi um espaço na frente de uma loja, com dois famigerados cones impedindo o estacionamento. Já estressada, num calor de quase quarenta graus, e cansada de ouvir das pessoas que ali era “estacionamento proibido”, dei uma de doida. O escritório da Funerária ficava perto de onde eu estava, e a Nota Fiscal das despesas, segundo informação que me fora dada por telefone, já estava pronta. Em menos de 20 minutos, daria para eu ir e voltar. Parei o carro entre os dois cones, e foi o suficiente para vir correndo um vigilante da loja e me mandar tirar o carro. Na mesma hora, chegou um guarda de trânsito e me pediu para eu estacionar em outro local. Chorando de raiva e muito nervosa. implorei ao guarda :

-Pelo amor de Deus, seu Guarda, deixe eu parar esse carro aqui, pois só quero ir ali àquele Escritório do “Grupo Vila”, buscar uma Nota Fiscal, que já está pronta, referente às despesas do funeral de uma tia minha, que se enterrou ontem. Eu volto rapidamente.

Nessas alturas, meu nível de estresse aumentou e eu disparei no choro. O guarda me olhou assustado , tirou os cones da frente da calçada da loja e disse:

-Tenha calma, senhora! Já que é coisa rápida, pode deixar o carro aqui. Eu mesmo vou ficar pastorando, para evitar que um colega meu venha lhe aplicar uma multa e queira rebocar o veículo.

Quase sem acreditar naquele fato, para mim inédito, do próprio guarda de trânsito me tratar com tanta gentileza, fui quase correndo ao escritório do Grupo Vila, recebi a Nota Fiscal que já estava pronta, e retornei como um raio.

Agradeci ao guarda e ele me tratou com muito respeito. Saí dali, ainda triste, tanto pela morte da minha tia Edite, como pelo estresse que acabara de passar. Entretanto, senti-me gratificada, por ter encontrado, naquele momento, um Guarda de Trânsito tão humano.

Lembrei-me do filme “OS BRUTOS TAMBÉM AMAM”.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 01 de junho de 2019

O GATO

 

 

O GATO

 

Carmen criava um gato preto retinto, a quem dera o nome de Koruga. Ela acostumou o gato a ser “luxento” . Era um gato tão bonito, que parecia um príncipe negro, um verdadeiro “ébano”.

O gato vivia dormindo no sofá, no tapete, nas cadeiras, nas camas, conforme sua vontade, e ela não permitia que ninguém o enxotasse. Koruga tinha todas as regalias, como se fosse um filho que Carmen não tivera.

 

Certa vez, Carmen notou que Koruga estava na cadeira de balanço e quando Madalena, a empregada, apareceu na sala, ele deu um pulo e saiu correndo apavorado. Achando estranho o comportamento do gato, Carmen perguntou à empregada por que o animal tinha medo dela. A moça gaguejou, dizendo que gato era assim mesmo. Carmen fez de conta que tinha se conformado com a resposta, mas resolveu fiscalizar o tratamento que a empregada dava a Koruga.

Não demorou muito para que Carmen flagrasse as vassouradas que o gato levou da empregada, por ter entrado na cozinha. Isso devia ser frequente, e agora estava explicado o motivo desse medo. Bastou esse flagrante, para que a serviçal fosse despedida, sem dó nem piedade. Não houve pedido de desculpa nem lágrimas, que fizessem Carmen confiar mais nessa mulher.

Koruga era louco por sardinha enlatada. Era mais inteligente do que certos humanos.

À tardinha, quando estava perto da hora de Carmen voltar da Receita Federal, onde trabalhava, Koruga se plantava na janela, olhando para a rua, até que o fusquinha de sua dona apontasse na esquina da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Antes disso, não tinha quem conseguisse tirá-lo da janela. Nessa época, as janelas ainda podiam ficar abertas até à noite. Era um tempo em que, em Natal, ainda não havia ladrão.

Um certo dia, meses depois da saída da perversa empregada, Carmen já estava no trabalho, quando chegou na sua casa um irmão casado. Foi ver a mãe e terminou almoçando lá. Depois, dirigiu-se ao quarto de hóspedes, para dar um cochilo. Chateado por encontrar o gato deitado na cama, enxotou-o com uma grosseira mãozada. O homem adormeceu e dormiu a tarde toda. Ao acordar, enfiou os pés nos sapatos e eles estavam cheios de cocô de gato, cujo fedor se espalhou por toda a casa.

Nesse ínterim, Carmen chega do trabalho e sente falta de Koruga na janela. Entrou em casa, na hora em que o irmão esbravejava contra o gato e o procurava para dar-lhe outras mãozadas, por ter enchido seus sapatos de cocô.

O escândalo foi grande. Carmen quando ouviu o alarido dentro de casa, interferiu e ameaçou o irmão de cortar relações com ele, se tivesse a ousadia de encostar um dedo em Koruga, seu gato de estimação. Nesse momento, Koruga estava acuado e escondido debaixo de outra cama, temendo ser espancado novamente.

Esse irmão demorou muito a voltar à casa de Carmen.

Dessa vez, para alegria de Carmen, Koruga se vingou do agressor.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 25 de maio de 2019

PISA NA FULÔ

 

 

PISA NA FULÔ

 

Esse era o apelido de Gerinaldo, um “faz tudo” ou “quebra-galho” de Natal. Ele era ótimo para fazer pagamentos em bancos, enfrentar filas do INPS, desde a madrugada, para tirar fichas para atendimento médico, resolver problemas na Prefeitura, no Detran e em outras repartições públicas. Todos os “abacaxis”, ele descascava com perfeição. Era um portador de 1ª qualidade, e sabendo que portador não merece pancada, arranjava confusão em tudo que era canto. Pedia para ser logo atendido e inventava, sempre, que a pessoa interessada estava muito doente. O apelido lhe foi posto pelos amigos “biriteiros”, em homenagem à música do saudoso João do Vale, “Pisa na Fulô”, que ele gostava de cantar.

 

 

Era o final da década de 80, quando chegaram a Natal as primeiras secretárias eletrônicas, também chamadas de atendedores de chamadas (ou ainda atendedores automáticos). Era um dispositivo usado para responder automaticamente chamadas telefônicas e gravar mensagens, deixadas por pessoas que ligavam para um determinado número, quando a pessoa chamada não podia atender o telefone, nessa época, fixo. As primeiras secretárias eletrônicas usavam tecnologia de fita magnética. Hoje, os equipamentos são mais modernos, mas as fitas magnéticas ainda são utilizadas em muitos dispositivos de baixo custo.

Na época, uma secretária eletrônica facilitava os contatos comerciais. Era o que havia de mais moderno. No caso de Sérgio, que era representante comercial, ele podia atender aos clientes através do telefone, anotando os pedidos deixados na secretária eletrônica.

O dono da secretária eletrônica podia gravar sua própria mensagem, ou utilizar-se da mensagem-padrão, instalada de fábrica, que era mais prático.

Como o aparelho atendia, automaticamente, o telefone e gravava recados, era ideal para quem precisava se ausentar do escritório, ou para quem trabalhava sozinho.

Ao saber do lançamento desse importante aparelho eletrônico, Sérgio comprou um imediatamente e a firma lhe indicou um técnico autorizado para a instalação. A fita gravada de fábrica, com uma bonita voz feminina, dizia:

“ESTA É UMA GRAVAÇÃO. NO MOMENTO, SÉRGIO NÃO SE ENCONTRA. APÓS O SINAL, DEIXE SEU RECADO.”

No primeiro dia, foi um fracasso. Sérgio só chegou ao escritório no 2º expediente, confiando na secretária eletrônica. Apertou o botão para ouvir as mensagens deixadas por seus cliente, mas só ouviu desaforos e palavrões.

No dia seguinte, Pisa na Fulô foi logo cedo ao DETRAN, agendar a vistoria do carro de Sérgio. Ao ser atendido, surgiu um problema e ele, de um orelhão, ligou para o escritório do “patrão”, ignorando a existência da secretária eletrônica.

Ao ouvir que aquela voz era uma gravação e que ele deixasse seu recado, o fiel escudeiro de Sérgio entrou em parafuso. Pensou logo que tivesse ligado para o número errado. Insistiu na ligação e na 3ª vez explodiu, soltando o verbo para “aquela sirigaita” que atendera o telefone de Seu Sérgio:

-Moça, eu quero falar com Seu Sérgio!!! Quem tá falando aqui é Pisa Na Fulô. Só quero falar com Seu Sérgio!!!Passe o telefone pra ele!!! Ainda estou no Detran!!! Chame logo, sua condenada!!!

E terminou Pisa na Fulô mandando a secretária eletrônica se danar.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 18 de maio de 2019

OS LENÇÓIS

 

 

OS LENÇÓIS

 

Na sua venda, que na verdade era um armazém de “Secos e Molhados”, Seu Francisco vendia em grosso e a varejo. No grande depósito, entre diversas mercadorias, ele estocava açúcar da Usina “Estivas”, comprado em sacas de 60 quilos, feitas de tecido de algodão rústico. À medida que o açúcar ia sendo despejado num depósito de madeira com tampa, para ser vendido a granel, ou seja, no peso, as sacas vazias eram levadas para nossa casa por Dona Lia, minha mãe, que as colocava de molho e depois de bem lavadas, secas e passadas, fazia com elas panos de chão, para a limpeza doméstica.

Como eram muitas, minha mãe sempre costumava doar sacas vazias às pessoas que lhe pediam. Algumas donas de casa usavam essas sacas até mesmo para confeccionar lençóis e fronhas, para uso da família.

Nesse tempo, os lençóis e fronhas eram costurados em casa, numa máquia de costura, quase sempre da marca “Singer”, movida a pedal. Comprava-se em peças o tecido apropriado para esse fim (bramante).

Nos tempos em que não havia tanta tecnologia, os armazéns (ou vendas) existiam em cada esquina, e eram a maior, e, às vezes, a única fonte de mantimentos para a população, principalmente nas cidades do interior do Estado.

Nesse tempo, os dias eram calmos e não havia violência. As mães podiam mandar um filho sozinho a uma venda, comprar alguma coisa de última hora e pedir ao dono para anotar na caderneta. Esse era o sistema de crediário mais antigo e seguro da época. Dificilmente, um freguês não cumpria a obrigação de pagar a caderneta no dia em que recebia “o ordenado”. O tempo da desonestidade ainda não tinha nascido.

O dono da venda, geralmente, sabia de cor os dias em que cada freguês recebia seu ordenado, palavra usada para “salário” ou “vencimento”, naquela época, e tinha como certo o pagamento das dívidas do mês para aquela data. A palavra dada valia mais do que o papel e a letra.

Nas cidades do interior, todos se conheciam pelo nome, e todos confiavam uns nos outros.

Nas vendas ou armazéns de “Secos e Molhados”, havia sempre uma balança sobre o balcão, para pesar as mercadorias que seriam vendidas a granel. As balanças antigas foram substituídas pelas da marca”Filizola”, mais modernas e bonitas, com o marcador do peso à mostra, em ponteiros. Os antigos “pesos”, aos poucos, foram abolidos.

A “Caderneta”, portanto, era o “cartão de crédito” de antigamente. Todas as pessoas da cidade tinham conta corrente em alguma venda (ou armazém). Compravam o mês todo e pagavam quando saía o “ordenado”. Os calotes quase não existiam. Também não existia o supérfluo, que hoje “enlouquece” os compradores compulsivos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de maio de 2019

A VOCAÇÃO

 

 

A VOCAÇÃO

 

Era dia de Finados, 2 de novembro, década de 70. Luizinho, 12 anos, entrou na venda do tio Francisquinho, pela manhã, e pediu que lhe confiasse uma caixa de velas, com 20 caixinhas, para ele vender no Cemitério. Quando vendesse todas, voltaria para pagar a dívida. Perguntou qual era o valor e por quanto deveria vender cada caixinha. Queria lucrar um dinheirinho.

O tio ficou surpreso com o pedido, pois era a primeira vez que isso acontecia. Confiou no menino e entregou-lhe a caixa com as velas. Uma hora depois, Luizinho estava de volta, para pagar o que devia, com parte do apurado e comprar “fiado” outra caixa de velas. Voltou ao Cemitério para continuar a venda. 
Nessas idas e vindas, o menino passou o dia todo vendendo velas no Cemitério, e pagando ao tio quando voltava para comprar outra caixa. Guardava o lucro no bolso da calça curta que vestia. Nessa época, em Nova-Cruz, não havia lanceiros nem ladrões.

Luizinho guardou o pouco dinheiro que obteve com a venda das velas e passou dias custeando seus gastos com chocolates, pirulitos e outras guloseimas, sem incomodar a mãe.

Chegaram as festas de fim de ano. Em Nova-Cruz, o Comercial Atlético Clube promovia um grande baile no dia 1º de janeiro, com uma orquestra de Natal, João 
Pessoa ou Recife. Essa festa atraía o povo da redondeza e também de João Pessoa e Natal. Havia, ainda, a turma animada do Recife, pessoas que tinham família em Nova-Cruz.

Luizinho começou a azucrinar o juízo de sua mãe, dois dias antes dessa festa. Queria, por que queria, que ela preparasse um caldeirão de carne moída para ele vender cachorro quente em frente ao Clube, onde populares ficariam no sereno, apreciando a entrada do povo rico e bem vestido. Os populares, com certeza, iriam sentir fome e comprariam cachorro quente para lanchar.

A mãe deu-lhe diversos “não”, sob a alegação de que seria uma vergonha seu filho, tão novo ainda, vender cachorro quente em frente ao Clube. Eles não precisavam disso. Ela e o marido podiam sustentar os 5 filhos. Inconsolável , Luizinho chorou muito. Dona Lia, sua tia, ouviu a discussão e entrou na casa da concunhada, para saber o que estava acontecendo. Ao se inteirar do problema, teve pena de Luizinho e intercedeu em seu favor. Disse à sua mãe que não via nada demais nisso. Afinal, era uma noite de festa e o dinheiro apurado seria para ele mesmo. Além do mais, trabalhar não era desonra.

E lá se foi Luizinho, na noite do baile, com um caldeirão de carne moída, muito bem temperada por sua mãe, e um pacotão de pão de sanduíche, vender cachorro quente, em frente ao Clube. Seu ajudante era outro garoto, amigo seu.

A venda de cachorro quente foi um sucesso.

Enquanto a vocação para o comércio aflorou logo cedo em Luizinho, a vocação para estudar passou por muito longe. Ele nunca se saiu bem na escola. Por mais 
que a mãe e o pai o estimulassem a estudar, inclusive colocando-o em aulas de reforço, quase sempre era reprovado. Nunca conseguiu ser um bom aluno.

Um tio materno de Luizinho, dono de uma madeireira em Natal, tomando conhecimento do problema, propôs à irmã trazê-lo para trabalhar com ele. Aqui ele poderia continuar os estudos.

Para Luizinho, esse convite foi uma alegria. Com 14 anos, viajou para Natal com o tio e passou a trabalhar com ele na madeireira. Tornou-se os pés e as mãos desse tio. Anos depois, o homem se aposentou e encerrou suas atividades. Luizinho recebeu uma excelente indenização em madeira e o ponto comercial onde trabalhava, que tinha uma grande clientela. Investiu numa pequena fábrica de portas, janelas e esquadrias, a que deu o nome de “O JANELÃO”. Tornou-se um comerciante próspero. Casou-se e constituiu família, com uma prole de quatro filhos.

Tempos depois, Luizinho construiu um Restaurante na Praia de Tabatinga, com um apartamento no 1º andar, onde passou a residir. O menino sonhador, nascido em Nova-Cruz, que, por vontade própria, chegou a vender velas no Cemitério e cachorro quente na frente do Clube da cidade, transformou-se num alto comerciante em Natal e dono de um requintado restaurante. Ainda tinha muitos planos pela frente. Mas seus sonhos pararam aí.

Numa noite de domingo, depois de um dia muito cheio, Luizinho, aos 45 anos, morreu, em consequência de um assalto, no Restaurante de Tabatinga, sua maior 
realização.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 04 de maio de 2019

O ALFAIATE

 

O ALFAIATE

 

Nicanor ficou rico costurando roupas masculinas. Alfaiate de mão cheia, aprendeu esse ofício, ainda rapaz, ajudando a um antigo alfaiate da cidade. Começou pregando botões, fazendo costuras de mão e alinhavos. Anos depois, de ajudante, passou a dono da alfaiataria. Nesse tempo, as máquinas de costura eram manuais ou de pedal. Com a sua arte, conseguiu juntar dinheiro e, vivendo com simplicidade, tornou-se um homem razoavelmente rico.

 

Já coroa, casou-se e constituiu família, com uma prole de quatro filhos. Mesmo cheio de dinheiro, Nicanor continuou com “um pé preso na senzala”, como diz o ditado popular. Sem estudo e convivendo com pessoas simples, mal assinava o nome e tinha um vocabulário muito pobre. Faltava-lhe o traquejo social e a cultura geral que a leitura proporciona. Faltava-lhe também o bom gosto na maneira de se vestir. Ao falar, perdia-se nas palavras, mas não se perdia nas ideias. Mesmo rico, Nicanor continuou sendo um homem simples.

Era tímido e sabia manter a distância entre ele e os seus clientes ricos.

Um dos seus clientes, padrinho do seu filho, convidou-o para se associar aos Clubes da cidade, a fim de se entrosar mais com as pessoas. e fazer novas amizades. Afinal, ele tinha dinheiro suficiente para frequentar a mesma roda social dos seus fregueses.

Aconselhou-o a arranjar um “personal stylist”,professor de etiquetas, para lhe ensinar a ser traquejado.

A primeira orientação desse “professor” foi de que ele providenciasse roupas de boas marcas, de cores berrantes e chamativas, para se vestir com mais elegância.

Sua esposa, Esmeralda, não aprovou nada disso, pois era muito simples e tímida. Mas o marido não lhe deu ouvidos.

Ele, então, foi na onda do compadre e se associou ao Clube Comercial e ao Lions Clube da cidade. Reuniões, festas, mensalidades e novas amizades.

Nicanor passou a frequentar uma academia e se matriculou num curso de dança de salão. Seu sonho era aprender a valsar.

Contratou um professor de Português para lhe dar aulas, mas não houve jeito de Nicanor aprender nada mais do que já sabia. Continuou falando errado e lendo e escrevendo pouco e ruim. Leitura lhe dava sono. Jamais seria um autodidata.

Nicanor terminou desistindo de tudo, ao ver que estava gastando muito, e o custo-benefício não compensava. Preferiu continuar na sua vida simples de antes. Nada de novo no “front”. Leitura lhe dava sono. Vida social, academia e aula de dança, tudo isso custava dinheiro, o dinheiro do seu trabalho. Era mais barato, continuar fazendo suas caminhadas, junto com Esmeralda, sua esposa. Essa mudança de hábitos estava mexendo com o seu bolso. Afinal, tudo o que ele conquistou foi fruto de anos e anos de trabalho na sua alfaiataria. Nicanor nasceu pobre, mas não queria ver a sua família terminar a vida pobre. Desistiu de ser chique e voltou à sua vida normal, para felicidade geral da família e para o bem de suas finanças.

“Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de abril de 2019

A UNIÃO

 

A UNIÃO

 

Antonina, viúva, 38 anos, tinha duas filhas e era costureira. Apaixonou-se por Zé Bento, um fazendeiro de 60 anos, também viúvo e com um filho rapaz. O romance dos dois resultou num “casamento” pelo regime do livre arbítrio, onde não foi preciso padre nem juiz. Como toda vassoura nova varre bem, o “casamento” começou muito feliz. Antonina teve quatro filhos, um atrás do outro.

Decorridos 15 anos dessa união, Zé Bento começou a mudar. A paixão que uniu o casal se diluiu no tempo e no espaço.

Do dia pra noite, o homem virou a cabeça e abandonou a família, sem dar qualquer satisfação a ninguém. Foi dominado por outra paixão violenta, que fez ruir por terra sua união com Antonina, aparentemente estável e definitiva.

A mulher adoeceu de tristeza e de revolta, com a falsidade de Zé Bento. Jamais imaginou que, sendo bem mais nova do que ele, fosse passar por essa humilhação de ser abandonada, juntamente com todos os filhos, inclusive o enteado.

Revoltado com a atitude do pai, por haver abandonado a mulher e os filhos, Júnior, filho do 1º casamento de Zé Bento, já com 30 anos, assumiu a família, e meses depois pediu Antonina em casamento. Sentia-se o pai dos seus próprios irmãos e o peso da responsabilidade pesava sobre os seu ombros. Literalmente, ocupou o lugar do pai, dentro de casa.

Zé Bento, quando soube do resultado do embrolho que havia provocado, e do casamento do filho Júnior com Antonina, entrou em parafuso e, envergonhado, meteu a cara na cachaça. Indignado, sentia-se traído pelo filho e desrespeitado pela ex-companheira. Como “macaco não olha pro rabo”, Zé Bento não reconhecia seus erros.

A situação de Antonina mudou. De madrasta, quase mãe, passou a ser mulher do enteado, irmão dos seus quatro filhos, por parte de pai. Júnior passou a ser padrasto dos irmãos e ao mesmo tempo marido de Antonina, que antes era sua madrasta e mãe dos seus irmãos. Antonina agora era a mulher do enteado, quase filho. Os quatro filhos que teve com Zé Bento eram irmãos por parte de pai de Júnior, que, por conseguinte, passou a ser o pai deles. Júnior passou a ser padrasto dos seus irmãos e marido da “madrasta”.

Zé Bento não se conformava de ser sogro de Antonina, sua ex- mulher. Nem com o fato dela ser mulher do seu próprio enteado, quase filho.

Passou a viver embriagado, e a toda hora comentava com os companheiros de copo que essa história era de arrombar…

Já não sabia quem era ele…

Para aumentar a confusão, Antonina e Júnior tiveram um filho homem, neto dela e de Zé Bento. Com essa, o homem esclerosou de vez.

O caso foi igual ao drama vivido por um homem, que passou por situação semelhante e resolveu morrer, por não saber mais quem era.

Quando a cabeça não pensa, o corpo padece.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 20 de abril de 2019

O APELO

 

 

O APELO

 

“UMA ESMOLINHA, PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’HOJE!!!”

Nunca esqueci esse triste apelo, ouvido das crianças que pediam esmolas, de porta em porta, em Nova-Cruz, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Aos meus ouvidos, esse apelo soava como um lamento cheio de dor.

Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, durante a Semana Santa, especialmente na quinta e na sexta-feira. A distribuição começava de manhã cedo, sem hora para terminar.

 

 

 

Nessa época, começo da década de 60, bacalhau era produto de baixo custo. Não chegava a Nova-Cruz o bacalhau de 1ª qualidade.

A Semana Santa, principalmente para os católicos, era uma época triste e sombria. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito.

Para começar, não havia aula durante a Semana Santa. Não se ouvia música profana; ninguém chamava “nome feio”, e ninguém brigava. Era um período de reflexão, arrependimento e orações.

Na Quarta-Feira de Trevas, que antecede o martírio de Jesus, parecia que o mundo estava de luto, com a perspectiva de que no dia seguinte começaria o seu Calvário. Na Igreja lotada de fiéis, era rezado o “Ofício das Trevas” , no final da tarde,

A crendice popular era tão forte, que grande parte do povo da roça chegava ao ponto de não tomar banho na Quarta-Feira de Trevas, achando que era pecado e temendo ficar entrevado. Foi preciso a intervenção de Frei Damião, numa das “Santas Missões” que costumava fazer na cidade, para convencer o povo da roça de que não era pecado tomar banho na Quarta-feira de Trevas. E o Santo Frade Capuchinho, sempre terminava seus sermões, pela manhã, dizendo:

-Agora, vocês voltem para suas casa, e vão tomar banho!!! Não quero que cheguem aqui na Igreja mais tarde, fedendo a “bacurim”!

Na Quinta-Feira Santa, quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza e solidariedade. Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até o Calvário ou Gólgota, colina na qual seria crucificado e que, na época, ficava fora de Jerusalém.

Fazia parte da cultura nordestina, o furto de galinhas, na Sexta-Feira da Paixão, para servir de tira-gosto aos cachaceiros de plantão. Essa brincadeira grosseira, detestada pelas donas de casa, quase sempre era praticada por turmas de amigos, que gostavam de farrear.

Para se precaver dessa prática desalmada, à tardinha, as donas de casa mais cuidadosas transferiam as galinhas, do galinheiro para um quarto dentro de casa.

Na Semana Santa, as comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma com coco de presente, feitos em Casa de Farinha. O cheiro e o gosto desses beijus, eu nunca esqueci.

A partir da 4ª feira de trevas, não se comia carne. O almoço era na base de bacalhau, peixe, ou fritada de sardinha “Coqueiro”, feijão e arroz de coco.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era o chamado dia do “beija”.

Nesse dia triste, eram obrigatórios, de acordo com os preceitos da Igreja Católica, o jejum e a abstinência de carne e bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.

Os clubes sociais, os bares ou outros ambientes de entretenimento também não funcionavam.

A tristeza só desaparecia no Sábado de Aleluia, que revive a expectativa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse dia, havia a malhação de Judas, um boneco/homem, de palha ou de pano, em tamanho natural, que era exposto em praça pública, para ser castigado. por ter traído Jesus.

A malhação ou queima de Judas é uma tradição vigente em diversas comunidades católicas e ortodoxas, que foi introduzida na América Latina pelos espanhóis e portugueses. É também realizada em diversos outros países, sempre da Sexta-Feira da Paixão para o Sábado de Aleluia, à meia noite. Simboliza a morte de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus.

A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre na madrugada do Sábado de Aleluia para o Domingo.

No Domingo de Páscoa, a data mais importante do calendário cristão, comemora-se a Ressurreição de Cristo, três dias depois de sua morte. Esse é o maior motivo e fundamento da Fé cristã.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 13 de abril de 2019

O QUINTAL

 

O QUINTAL

 

A casa da minha infância, em Nova-Cruz (RN), era vizinha à de Dona Júlia, minha avó paterna, onde havia um enorme quintal. Eu acordava cedo e corria logo para lá, ao encontro das goiabeiras, colher as minhas frutas preferidas.

Minha avó sempre dizia que eu iria ficar com o pescoço defeituoso, de tanto olhar para cima, procurando goiaba. No quintal, havia uma vara com um gancho, próprio para esse fim, o que facilitava o trabalho, quando as goiabas brotavam nos galhos altos. As mangas caíam sozinhas.

Eu vivia com os pés cheios de frieira, pois, contrariando as ordens da minha mãe e da minha avó, eu entrava descalça no chiqueiro dos porcos, onde também havia pinhas maduras. Sem as sandálias, podia subir melhor nas pinheiras.

O chiqueiro dos porcos, no interior nordestino, é uma fonte de micoses e fungos. Os porcos são animais injustiçados. Os criadores inventaram que eles são sujos e não tem paladar. Por isso, os criam na lama e os alimentam com restos de comida. São criados no desconforto, com fama de mal-cheirosos e sujos. No Sul, o tratamento dado aos porcos é diferente. As pocilgas são amplas e limpas.

Está provado que os porcos nunca utilizam o local em que comem e dormem, para fazer suas necessidades fisiológicas. Isso só acontece quando não há espaço suficiente. Eles adoram tomar banho dentro d’água. Deitam-se na terra molhada, porque não conseguem transpirar. São, praticamente, obrigados a se deitar na lama.

Voltando à “Frieira”, ela provocava uma coceira desesperadora e incontrolável nos pés, principalmente entre os dedos. E eu coçava até sangrar… Às vezes, os pés ardiam tanto, que se tornava impossível até o uso de chinelo.

“A frieira é uma infecção provocada pelos fungos Trichophyton mentagrophytes ou Trichophyton rubrum, que ataca preferencialmente a sola dos pés e os espaços entre os dedos. Conhecida também como tinea pedis ou pé de atleta, a frieira é a micose de pele mais comum no mundo. “

Certa vez, meus pés ficaram tão inflamados, e com o aspecto tão feio, que o “Unguento Maravilhoso”, vendido na farmácia de Nova-Cruz, não estava mais surtindo efeito. Por sorte, coincidiu que, à noite, Nova-Cruz seria palco de um grandioso comício, com a presença do renomado médico norte-riograndense, Dr. Vulpiano Cavalcanti, líder do antigo Partido Comunista Brasileiro, posteriormente transformado em PC do B (1962).

Depois desse esperado comício, meu tio Paulo Bezerra, correligionário e amigo pessoal do Dr. Vulpiano Cavalcanti, levou-o para jantar em sua casa, que era vizinha à nossa.

Tio Paulo aproveitou a ocasião e também o levou até a nossa casa, para ver o estado dos meus pés. À luz de candeeiro, Dr. Vulpiano Cavalcanti examinou meus pés e prescreveu uma fórmula, a ser manipulada em Natal, com urgência, para ser aplicada sobre eles três vezes ao dia, e durante 60 dias. Foi um santo remédio.

A partir de então, para minha tristeza, fui definitivamente proibida de andar de pés descalços no quintal da casa de Dona Júlia.

Mas, esse quintal nunca saiu dos meus sonhos e faz parte das minhas saudades. Era um paraíso particular, onde, de manhã cedo, ouvia-se o cantar dos passarinhos e se sentia o cheiro das frutas frescas, misturado com o cheiro do mato verde.

Ainda hoje, sofro da nostalgia do quintal, recanto sagrado que faz parte das lembranças da minha infância.

Tenho pena das crianças que, na vida moderna, não desfrutam mais das coisas da natureza e não sabem como é gostoso brincar num quintal. Elas não conhecem a paz que existe nesse recanto do paraíso, cujo cheiro nos acompanha por toda a vida, povoando nossos sonhos.

Toda criança precisa conhecer um quintal, onde possa brincar, correr, saborear uma fruta colhida por ela mesma, e onde possa, de manhã cedo, ouvir o cantar dos passarinhos, o “có có có” das galinhas “de verdade” e o “glu glu glu” dos perus.

Longe desse insensato mundo do Celular e da Televisão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 06 de abril de 2019

E O DESTINO DESFOLHOU

 

 

“E O DESTINO DESFOLHOU”

 

Esse é o título de uma linda valsa, uma das preferidas do meu pai. Quando eu era menina, sempre o ouvia solfejá-la. Descobri agora, pesquisando, que é da autoria de Gastão Lamouner (1893-1984) e Mário Rossi (1911-1981) – gravação de Carlos Galhardo (ODEON- 1938).

 

Houve uma época, quase na década de 60, em que estava na moda as moças estudarem acordeon (sanfona). Em Nova-Cruz, foi uma verdadeira “coqueluche”. Minha mãe comprou uma sanfona para a minha irmã Ana Maria e contratou o Mestre da Banda de Música de Nova-Cruz, para ministrar aulas a ela e à outra minha irmã, Valéria. Elas estudavam pelo “Método de Acordeom”, de Mário Mascarenhas”. Nesse Método, entre inúmeras músicas, também constava a valsa “E o Destino Desfolhou”, de que meu pai tanto gostava.

Por ser eu a caçula, ou talvez por economia, não fui matriculada na aula de sanfona. Tampouco, podia chegar perto dela, com a desculpa das minhas irmãs de que eu iria desafiná-la.

Irmã caçula sofre muito…Todos achavam que eu era muito criança para estudar acordeon. Sentindo-me injustiçada, quando eu me via sozinha em casa, a primeira coisa que eu fazia era colocar a sanfona no colo e tentar aprender a tocar de ouvido. E aprendi a tocar, quase com perfeição, todas as músicas que minhas irmãs estudavam pela partitura,com aulas diariamente, das 13 às 14 horas. Eu me “babava” de inveja, mas não tinha coragem de reclamar. Só não entendia por que não me foi dado o direito de também estudar acordeon. Seria pecado ser caçula??? Mas isso não me impediu de aprender a tocar, mesmo de ouvido.

Conheço pessoas que só tem orelha. Mas tenho certeza de que, além de orelha, eu também tenho “ouvido”. E dei prova disso. Aprendi a tocar sozinha. Aliás, o Nordeste é berço de excelentes sanfoneiros, que aprenderam a tocar sozinhos, de ouvido. São coisas de Deus…

Certa vez, no Cinema Éden, do meu tio Paulo, foi organizado um “showmício”, em homenagem a um determinado candidato a governador do Estado do Rio Grande do Norte. Luiz Gadelha, conhecido político de Nova-Cruz e marido da minha tia Nazinha, foi o organizador. Pensando que eu também estudava acordeon, perguntou-me se podia incluir meu nome na pauta das atrações musicais que fariam parte do show. Eu disse que sim, só por danação, e que só não poderia levar a sanfona. A música que eu escolhi para tocar foi “E o Destino Desfolhou”, que minhas irmãs tocavam por partitura e eu aprendi “de ouvido”. Mas, na nossa casa, ninguém sabia disso.

Pois bem. No dia do “showmício”, o cinema do tio Paulo ficou lotado.

Luiz Gadelha, fazendo as vezes de apresentador, começou a anunciar diversos números artísticos. Houve poesias, cantorias, e chegou a minha vez de tocar. E ele anunciou:

“Ouviremos, agora, um número de acordeon!!! Com a garota Violante, a valsa “E O DESTINO DESFOLHOU”. Silêncio total…

Subi no palco pela entrada lateral e sentei-me em uma cadeira que já me esperava. Luiz Gadelha me acompanhou, trazendo a sanfona de um dos músicos e colocou-a sobre o meu colo.

Toquei calmamente, como se estivesse sozinha em casa. Não enxerguei ninguém na plateia. Nem meus pais, que estavam nas cadeiras da frente. O Mestre da Banda de Música , professor de acordeon das minhas irmãs, levantou-se e me acompanhou com o Saxofone, numa verdadeira apoteose interiorana. Sinal de que eu estava tocando bem. Só dei por mim, quando estrondaram os aplausos do “respeitável público”.

Desci do palco por onde eu tinha entrado e corri para junto de Dona Lia e Seu Francisco, que me abraçaram fervorosamente. Meu pai estava chorando, emocionado com a surpresa de me ver tocar, e ainda por cima, a música que ele adorava, “E O DESTINO DESFOLHOU”.

Minha mãe ainda estava tensa, com a surpresa de me ver subir ao palco e tocar, sem ainda ter sido aluna do Mestre da Banda de Música, como minhas duas irmãs.. Ela comentou que, ao ouvir Luiz Gadelha anunciar o meu nome, pensou que ele houvesse se confundido. Com certeza, quem iria apresentar o número de acordeon seria Ana ou Valéria, alunas do Mestre da Banda de Música .E quando me viu entrar no palco, com Luiz Gadelha atrás de mim trazendo uma sanfona, gelou… Esperou que a apresentação fosse um fracasso, coisa de menina danada. Mas foi um sucesso…

Dona Lia adorava contar essa história…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de março de 2019

UMA LUTA INGLÓRIA

 

 

UMA LUTA INGLÓRIA

 

Acabou-se o tempo em que a vaidade era requisito exclusivamente feminino.

Décadas atrás, ouvi meu avô materno dizer que perfume de homem era o suor. No seu entender, homem de verdade não usava perfume, pois isso era coisa de mulher.

Com a modernidade, o homem passou a ser concorrente da mulher, em matéria de vaidade e também na luta contra a velhice. A vaidade física dos dois é a mesma, a começar

pela pintura dos cabelos e tratamentos em busca de rejuvenescimento.

Minha avó materna, a poetisa Anna Lima, respondendo sobre o que mais temia na vida, disse:

“O que mais temo na vida é a velhice caprichosa/ que faz da moça bonita/ uma carcaça horrorosa/ uma megera maldita”. Palavras fatídicas.

As mulheres detestam dizer a idade, muito mais do que os homens. Todas temem o envelhecimento.

Quando a fachada facial começa a dar sinais de que ela já não tem 24 anos, a mulher entra em ação, para camuflar o início da maturidade. E quando se torna impossível esconder as primeiras rugas, a mulher vaidosa procura logo uma solução, recorrendo aos cosméticos antirrugas ou ao esteticista. Se tiver boa condição financeira, apela para os modismos: “botox”, “pelling”, e, por fim, cirurgia plástica, recursos que cooperam, de forma mais que perfeita, com “as farsas” contra o envelhecimento. E a luta continua, até que se esgotem todos os recursos possíveis e imagináveis, na preservação da juventude.

Mesmo assim, chega um dia em que o prazo de validade da juventude se esgota. E o tempo de vigência da beleza física também.

Pois bem. Matilde era esposa de um político importante do Rio Grande do Norte, e chegou a ocupar o “posto” de 1ª dama de uma importante cidade. Muito vaidosa e rica, todos os anos viajava ao Rio de Janeiro, para “pedir socorro” ao mais famoso cirurgião plástico da época, na luta contra o envelhecimento. A força dos anos pesava sobre ela como uma maldição.

Ao longo de mais de dez anos, submeteu-se a várias cirurgias plásticas e sempre voltava do Rio com cara de menina, “passível de pegar sarampo”. Rosto esticado, silhueta elegante, mas já sem a leveza do andar, própria da juventude.

Induvidosamente, toda luta tem começo, meio e fim. Chega um tempo em que, realmente, a velhice caprichosa “ faz da moça bonita uma carcaça horrorosa, uma megera maldita”.

Matilde, ao se aproximar dos 80 anos, já havia se submetido a todas as cirurgias plásticas que a medicina permitia. Passou por todas as recauchutagens possíveis e imagináveis. Nem o moderno “botox” resolvia mais. Só fazia efeito dois meses e a pele arriava novamente.

Finalmente, na sua última viagem ao Rio à procura de socorro, seu cirurgião plástico usou de franqueza e lhe disse que sua verdadeira idade não lhe permitia mais nenhuma cirurgia plástica. Sua pele estava completamente flácida e não tinha mais elasticidade para ser esticada.

O mundo desabou sobre a cabeça da vaidosa Matilde. Revoltou-se com o médico, mas teve que se conformar. Dessa vez, voltou à sua cidade, sem ter feito nenhum procedimento para rejuvenescer. Olhava-se no espelho, sentia-se uma múmia, e não se conformava com o “veredicto” do famoso médico, de que não adiantava mais fazer plástica.

Não havia base nem pó de arroz que escondesse as rugas do seu rosto. Quem a conhecia sabia que ela tinha sido uma mulher linda, chique e adorada pelo marido, que fazia questão de alimentar a sua excessiva vaidade.

Matilde entrou em depressão e foi obrigada a fazer terapia, para tentar aceitar a velhice.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de março de 2019

UMA VACA PARIDA

 

UMA VACA PARIDA

Violante Pimentel

 

Desde criança, em Nova-Cruz (RN), eu era acordada por Dona Lia, minha mãe, às 5 horas da manhã, para tomar leite cru no curral de Seu Leó. Depois, passamos para o curral de Seu Manoel Silvestre, onde o ordenhador avisava:

 

– Leite com "dote" é mais caro, porque não faz espuma.

 

Ele queria dizer "Toddy", um dos achocolatados mais antigos do Brasil, e, na época, o mais usado. Meu copo de 500 ml era de alumínio e eu o tomava completamente cheio. E sem "dote". Gostava do leite com açúcar e muita espuma.

 

A Toddy foi fundada em 1916 pelo porto-riquenho Pedro Santiago.

 

Em 15 de março de 1933, Pedro Santiago obteve licença do governo provisório de Getúlio Vargas, para comercializar o produto no Brasil.

 

Vim para Natal, aos 15 anos, para estudar na Escola Normal. Trouxe comigo, entre as minhas saudades, a saudade do leite cru da minha infância, tomado na companhia da minha mãe e irmãs. Perdi, para sempre, o convívio com aquela folia gostosa do curral, quando tomava leite cru, tirado diretamente do "peito da vaca", em ordenha manual.

 

Esse afastamento faz parte das minhas lembranças e das minhas perdas. Parece infantilidade, mas não é. Com a minha vinda para Natal, distanciei-me de um dos melhores costumes da minha terra, que era essa ida ao curral todas as manhãs, quando o sol estava raiando.

 

Mesmo passando as férias escolares em Nova-Cruz, a vida foi mudando seu rumo, e o rumo foi mudando a minha vida. Nas férias escolares, cheguei a ir algumas vezes ao curral de Seu Miguel Silvestre, mas sem a mesma euforia do meu tempo de criança.

 

Meu plano era terminar o curso pedagógico e voltar para Nova-Cruz, para exercer o magistério. Mas a roda-viva do cotidiano mudou tudo. Casei-me aos 18 anos e continuei morando em Natal.

 

Meu marido tinha um irmão, que morava, e ainda mora, em São Paulo, e é proprietário de uma chácara no município de Pereiras, a duas horas da capital paulista. Logo que casamos, fomos a São Paulo, juntamente com a minha sogra, visitar esse seu irmão. No fim de semana, fomos a Pereiras, conhecer a chácara.

 

Minha surpresa foi grande, quando chegamos nesse local abençoado. Eu não sabia que na chácara do meu cunhado havia algumas cabeças de gado, incluindo uma vaca parida. À tardinha, ele nos convidou para tomar leite cru, e eu me esbaldei. Matei a saudade do leite cru de Nova-Cruz, do curral de Seu Leó e do curral de Seu Miguel Silvestre.  Lembrei-me do aviso do ordenhador, palavras que nunca esqueci:

 

– "LEITE COM "DOTE" É MAIS CARO"! Porque "Dote", não deixa o leite espumar! "

 

Em Pereiras, eu, meu marido, minha sogra, meu cunhado e sua namorada tomamos leite-cru até topar.

 

Foi gratificante o meu reencontro com o leite cru, tirado "do peito da vaca", na hora. Leite puro, sem ser "batizado" com água, e sem aditivos químicos para conservá-lo, como acontece com o leite atualmente. O leite " in natura" é inigualável. Por mais cara que seja a marca do leite pasteurizado e industrializado, nenhum tem o seu sabor.

 

O progresso modificou tudo, trazendo danos à saúde do consumidor e aumentando o lucro do produtor. Prejudicou o povo com os aditivos químicos e hormônios, que complementam a ração do gado, mas provocam doenças da moda, como "intolerância à lactose".

 

Para quebrar a harmonia do fim de semana em Pereiras, assustei-me com os gritos de pavor da namorada do meu cunhado, dono da chácara, que estava tomando banho e saiu do banheiro toda molhada e enrolada na toalha, chorando, como se tivesse visto uma assombração. A moça, criada na capital, aterrorizou-se com a presença de uma inofensiva rãzinha, agarrada à parede do banheiro. Não estava acostumada com sapos, rãs, grilos e outros bichinhos que vivem no mato.

 

Minha sogra, mais que depressa, preparou-lhe uma garapa, para que se acalmasse.

 

Eu, acostumada com os sapos e enormes Cururus de Nova-Cruz, quando entendi do que se tratava, tive uma crise de riso, no que fui acompanhada por meu marido. Saímos da sala e fomos rir bem distante da casa. Nunca tinha visto tanto "fricote" na minha vida, como diria minha mãe.

 

O tempo passou e hoje, quando ouço pessoas amigas, falando em comprar apartamentos novos, carros importados, IPHONE e IPAD, fico rindo e confesso que o meu sonho de consumo continua sendo uma vaca parida, para eu poder tomar leite cru à vontade.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de março de 2019

O CENTRO DA TERRA

 

 

O CENTRO DA TERRA

 

Quando alguém perguntava, aos antigos sábios, onde ficava o Inferno, de pronto, eles respondiam:

– O INFERNO FICA NO CENTRO DA TERRA.

E citavam a existência dos vulcões.

Nessa época, os vulcões eram temidos, como se fossem a cozinha do Inferno. E ninguém queria ser condenado a arder numa fornalha.

Séculos se passaram e o inferno, até hoje, continua sendo no centro da terra, povoado por assassinos, ladrões, estupradores, pedófilos, assaltante etc.

O tempo levou consigo os sábios de antigamente, que tinham inspiração divina. Mas a resposta deles, com relação à localização do inferno, ainda prevalece.

Nos dias atuais, a televisão e a Internet trazem para dentro de nossas casas, notícias piores do que a erupção de um vulcão. São verdadeiras comédias humanas, tragédias que aterrorizam crianças, adultos e idosos.

Acordamos com as notícias do inferno dentro de nossas casas. Além da violência das ruas, entre os humanos, aumentou assustadoramente o índice de violência doméstica, assaltos e crimes de toda espécie. Desapareceu a tranquilidade do povo, que vive assustado, mesmo quando trancado em apartamentos de luxo e condomínios fechados, verdadeiras “gaiolas douradas”.

Paralelamente, tem aumentado o índice de desastres ecológicos, acidentes aéreos e tragédias que destroem vidas humanas.

O homem está acuado, com medo, e preso em gaiolas de ouro, enquanto os bandidos estão soltos, invadindo bancos e escolas, dizimando vidas humanas.
O povo brasileiro está cansado de sofrer.

A tragédia de Brumadinho (MG), que, para os entendidos, foi anunciada previamente, mostrou que, para os ricos, uma vida humana não tem o menor valor.

E de quebra, hoje, o Brasil foi surpreendido com o massacre ocorrido em uma Escola Pública de Suzano (SP). Dois assassinos, ex-alunos, armados até os dentes, contra uma escola totalmente desarmada e de portas abertas. Mais uma tragédia, que chocou o povo brasileiro.

O povo anseia por notícias boas! Chega de indecência na televisão e nas ruas, vídeos imorais, violência nas redes sociais e baixaria!

Chega de se tentar tirar leite de pedra, procurando atrapalhar o novo Governo do Brasil, legitimamente eleito!

Apesar do sofrimento do povo brasileiro, ainda houve, em São Paulo, no ultimo carnaval, uma Escola de Samba, cujo samba-enredo homenageou o Demônio e humilhou Jesus Cristo, com coreografia agressiva à religião católica. Nota ZERO para essa Escola de Samba.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de março de 2019

DEU A LOUCA NO MUNDO

 

 

DEU A LOUCA NO MUNDO

 

A palavra moda vem do latim “modus” e significa costume, maneira ou comportamento.

A evolução da moda e dos costumes, ao longo de décadas, indiretamente, tem contribuído para a degeneração dos valores morais da sociedade.

Entretanto, “para os anormais, tudo é normal”.

O modernismo atual resultou no culto ao que é “antinatural” e ao que se opõe aos costumes e aos princípios morais. Essa mudança conseguiu fazer, numa grande parte da população, uma verdadeira lavagem cerebral, no que se refere a tudo aquilo que envolve respeito à moral e aos costumes. No começo, houve um choque entre os costumes tradicionais e o modernismo considerado “indecente”, pelas pessoas conservadoras. Mas a maioria é quem manda…

 

Antigamente, no nordeste brasileiro, a moda chegava atrasada. Mas com a globalização, o modismo passou a influenciar as pessoas, imediatamente.

A televisão é uma verdadeira escola de novos hábitos e costumes, e a juventude tende a seguir os seus ensinamentos.

Pois bem. Certa vez, no início da década de 60, presenciei Dona Lia, minha saudosa mãe, que costurava muito bem, ficar sem graça, ao receber a visita de uma sobrinha que tinha chegado da capital. A jovem, de 17 anos, estava vestida com uma mini blusa de mangas compridas e uma calça bastante colada ao corpo, de cintura baixíssima, que mostrava o umbigo e boa parte do torso. Para Dona Lia, isso era falta de pudor. Ela considerava o umbigo uma parte sagrada do corpo, pois estava ligada ao parto.

Horrorizada com a exposição do umbigo da sobrinha, Dona Lia, muito franca, não se conteve e disse:

– Minha filha, você se vestiu tão bem, mas deixou de fora seu umbigo?!!!

Resposta da sobrinha:

– É calça “Saint-Tropez”, tia! É a última moda!!!

Dona Lia respondeu que considerava aquela roupa uma indecência. Para ela, o umbigo era quase uma parte genital. Era falta de pudor, deixá-lo à mostra.

A resposta da jovem veio com estupidez:

– A SENHORA É DE 12… “ (Xingamento usado, na época, pelos jovens, para agredir as pessoas mais velhas e conservadoras) .

Deu uma rabissaca e deixou a tia falando sozinha.

Minha mãe ficou chocada com isso. Nunca imaginou que fosse chegar o dia em que as moças se cobririam todas, mas deixariam à mostra o umbigo. Nunca tinha visto uma indecência tão grande!!!

Pouco tempo depois, surgiram outros modismos que escandalizaram Dona Lia, como o “monoquíni”, “fio dental” “exposição de barriga grávida” (adotada pela saudosa atriz Leila Diniz) e a nudez mostrada na televisão.

Coisas muito piores, como as que acontecem atualmente, incluindo a desvirtuação total dos valores morais, ela não chegou a ver.

A cintura baixa foi uma novidade dos anos 1960, na forma da calça saint-tropez, que mostrava escandalosamente toda a região do umbigo. A parte da frente da calça, que tinha normalmente 30cm, passou a ter entre 10 e 20cm, alongando o desenho do torso. Este corte de calças durou mais alguns anos como parte da cultura hippie, nos anos 1970. A região francesa onde foi lançada essa moda, emprestou seu nome ao novo tipo de calça.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de março de 2019

O HOMEM NA LUA

 

 

O HOMEM NA LUA

Violante Pimentel

 

 

A chegada do homem na Lua, que completará 50 anos no dia 20 de julho do corrente ano, marcou um dos ciclos da corrida espacial, disputada entre os Estados Unidos e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

A Apolo 11 foi um voo espacial tripulado norte-americano, responsável pelo primeiro pouso na Lua.

A ficção se confundiu com a realidade. Na tarde de 16 de julho de 1969, a nave Apollo 11, que foi lançada de Cabo Canaveral, na Flórida (EUA), levou à órbita da Lua os astronautas Neil Armstrong, Edwin "Buzz" Aldrin e Michael Collins. Quatro dias depois, Armstrong entrou para a história, como o primeiro ser humano a pisar na superfície lunar.

 

O comandante Neill Armstrong e o piloto Buzz Aldrin pousaram o módulo lunar Eagle em 20 de julho de 1969 às 20h17min UTC. Armstrong foi, portanto, o primeiro homem a pisar na Lua seis horas depois já no dia 21, seguido por Aldrin vinte minutos depois. Os dois passaram aproximadamente duas horas e quinze minutos fora da espaçonave e coletaram 21,5 quilogramas de material para trazer de volta à Terra. Michael Collins pilotou sozinho o módulo de comando e serviço Columbia na órbita da Lua, enquanto seus companheiros estavam na superfície. Armstrong e Aldrin passaram um total de 21 horas e meia na Lua até reencontrarem com Collins.

 

"Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade" - foram as palavras proferidas pelo astronauta Neil Armstrong, enquanto descia do módulo aterrissado na superfície lunar, em 20 de julho de 1969. Ele tornou-se o primeiro ser humano a caminhar sobre a Lua, seguido pelo astronauta Edwin Buzz Aldrin, seu companheiro de missão. Esse momento histórico foi televisionado para o mundo todo. Cerca de um bilhão de pessoas assistiram a essa memorável cena, testemunhando o que viria a ser uma das maiores conquistas tecnológicas de todos os tempos e um marco do progresso científico. A chegada do homem ao solo lunar foi uma conquista obtida na corrida entre os Estados Unidos e a Rússia (na época ainda União Soviética), as duas potências econômicas que disputavam, em meio à Guerra Fria, a superioridade científica, tecnológica e cultural.

 

Os soviéticos saíram na frente, com o lançamento do satélite espacial Sputnik, em 1957 e no mesmo ano foram os primeiros a enviar seres vivos, como a cadela Kudriavka, e, logo depois, o astronauta Yuri Gagarin, ao espaço em 1961.

Sete anos depois, os norte-americanos comemoraram o pioneirismo, ao circunavegar a Lua e, no ano seguinte, a missão Apolo 11, tripulada por Michael Collins, Neil Armstrong e Edwin Aldrin, fincou a bandeira dos EUA na superfície da Lua, aos olhos estarrecidos dos telespectadores do mundo todo.

 

Em 1968, foi lançado o filme de ficção científica "2001: A Space Odyssey (2001: Uma Odisseia no Espaço), produzido e dirigido por Stanley Kubrick, coescrito por Kubrick e Arthur C. Clarke, baseado parcialmente no conto " "The Sentinel" do próprio Clarke. Um romance do mesmo nome, escrito concomitantemente com o roteiro, foi publicado logo após o lançamento do filme.

O filme lida com os elementos temáticos da evolução humana, existencialismo, tecnologia, inteligência artificial e vida extraterrestre.

A trilha sonora é belíssima, resultado da associação feita por Kubrick entre o movimento de satélites e os dançarinos de valsas, o que o levou a usar a valsa Danúbio Azul, de Jonhann Strauss II, e o famoso poema sinfônico de Richardd Strauss, Also sprach Zarathustra, para mostrar a evolução filosófica do Homem, teorizado no trabalho de Friedrich Nietzsche de mesmo nome.

Esse filme assombrou o mundo, e o sucesso foi enorme.

 

Pois bem. Em Nova-Cruz (RN), interior nordestino, conheci um senhor. Seu Josivaldo, ferroviário aposentado, que não acreditava em notícia de rádio, jornal ou televisão. 

Analfabeto de pai e mãe, para ele qualquer notícia extraordinária era pura mentira.

Josivaldo era um homem muito sério e mal-humorado. Certas coisas lhe pareciam absurdas. Parecia que em sua volta tudo fedia.

 

Foi assim com a notícia da chegada do homem na lua.

Ele esbravejava, para todo o mundo ouvir:

 

– Uma notícia mentirosa dessa, quem inventou devia ser preso. É coisa de Satanás!!!

 

Para Seu Josivaldo, certas coisas lhe pareciam absurdas. Uma delas foi a chegada do homem na Lua. Parecia que em sua volta tudo rodava. E com essa notícia de que o homem fora à Lua, quem saiu de órbita foi Seu Josivaldo. Desorientou o juízo mesmo. E não parava de gritar:

 

– Essa foi a maior mentira de todos os tempos!!! Deus ia permitir uma coisa dessa? Como é que o homem furou a Lua pra entrar???

 

E Seu Josivaldo morreu com mais de 90 anos, sem acreditar que o homem foi à Lua. Descrente como ele, ainda existe muita gente no interior nordestino.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de fevereiro de 2019

O TELEGRAMA (PROFESSOR CLEMENTINO CÂMARA)

 

O TELEGRAMA

(PROFESSOR CLEMENTINO CÂMARA)

Violante Pimentel

 

Minha mãe me contou. Era um começo de noite em Nova-Cruz (RN), quando meu pai chegou do trabalho, trazendo um telegrama vindo de Natal.

 

À luz de candeeiro, ele leu o telegrama em voz alta, onde viu escrito:  "PROFESSOR CELESTINO MORREU." 

 

Minha mãe, filha de Celestino Pimentel, tomou o telegrama, leu novamente, e gritou: –Não foi meu pai que morreu!!! Aqui está escrito: "PROFESSOR CLEMENTINO MORREU".

 

Muito choro na sala, principalmente da minha avó Júlia, prima/irmã de Clementino Câmara e das tias que tinham estudado em Natal, na sua casa.

 

Sempre ouvi minha avó falar com muito carinho desse primo/irmão, que ficou órfão de pai aos dois anos de idade, e de mãe, aos nove. Apesar do pai ter sido senhor de engenho, dono de terras e escravos, depois de sua morte, a família passou sérias dificuldades.

 

Clementino Câmara Nasceu na Praia de Pipa, em Tibau do Sul (hoje, Município de Goianinha), a 17.01.1888

 

Dona Júlia, minha avó paterna, dizia que Clementino aprendeu a ler atrás da porta, ouvindo aulas particulares.

 

Ainda garoto, em Natal, começou a trabalhar como serralheiro e depois como operário de fábrica de tecidos (Patronos e Acadêmicos, V. II, p. 194 - Veríssimo de Melo). Aos 17 anos, em Natal, matriculou-se num Externato, completando sua alfabetização. Começou a ensinar aos próprios colegas de classe, que tinham mais dificuldade em aprender.

 

Aos 18 anos, ensinava particular nas residências e também na casa onde morava em Natal, na antiga Rua dos Tocos, cuja sala foi transformada em sala de aula.

 

Já casado, numa das aulas particulares, mandou para casa, por mau comportamento, o aluno JOÃO CAFÉ FILHO Motivo: Ao ser chamado à atenção, o aluno, muito insubordinado, deu "uma banana" à dona Hilda, esposa do professor. Na época em que não se dizia palavrão, esse gesto significava uma grande irreverência.

 

Professor Clementino nunca imaginou, que, décadas depois, esse aluno insubordinado chegaria à Presidência da República do Brasil, como chegou (Café Filho foi presidente do Brasil entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Filho de Presbítero da Igreja Presbiteriana, foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil (junto com Ernesto Geisel).

 

Professor Clementino Câmara tornou-se autodidata, dedicando-se à leitura de jornais e se interessando pela História do Brasil e do Rio Grande do Norte.

 

Firmando-se como professor particular, fez boas amizades e conseguiu emprego num jornal da cidade, chegando a trabalhar como redator.  Tempos depois, foi convidado para lecionar no Atheneu Norte-Rio-Grandense e posteriormente na Escola Normal, onde chegou a exercer o cargo de diretor.  Sua disciplina era História e Geografia do Rio Grande do Norte.

 

Publicou as seguintes obras: "Revelações", "Geografia e História do Rio Grande do Norte", "Décadas" e "Romance do Atheneu".

 

Clementino Câmara, além de professor, consciente das funções que exercia e da dedicação com que assumiu o magistério durante toda a sua vida, tinha dois posicionamentos não aceitos pela Igreja católica, nem pela forma de governo da época. Ele havia assumido sua função de intelectual, junto à Maçonaria e à Igreja Presbiteriana. Os dois posicionamentos se opunham aos princípios religiosos dominantes.

 

Pesquisou a linguagem popular e os costumes do povo do agreste, do campo e das praias, fazendo anotações, que se tornaram preciosas em sua vida literária. Transformou sua longa pesquisa em livro, ao qual deu o título de "GERINGONÇA DO NORDESTE." (1937)

 

Esse livro merece uma especial atenção, pelo fato de ter sido censurado durante o Estado Novo. O livro buscava tratar a questão do estudo realizado por Clementino Câmara, sobre os termos falados pelas classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste. Na verdade, era um grande dicionário de gírias populares e que, por se tratar de um patrimônio intelectual da cultura potiguar, deveria ser publicado pelo governo do Estado, com base na lei estadual 145, de 06.08.1900, que versava sobre o custeio de publicação de livros escritos por autores potiguares.

 

A recusa veio, então, pelo interventor Rafael Fernandes Gurjão, por meio do parecer emitido por uma comissão que julgara o livro como " INADEQUADO E ATÉ PERIGOSO" para os jovens que porventura o lessem.

 

Por falta de sorte, o requerimento foi parar nas mãos do Cônego Amâncio Ramalho, Diretor do Departamento de Educação do Estado e guardião dos interesses do Estado Novo, em se tratando de política educacional. O trabalho foi jogado no Arquivo Público Estadual, como se fosse lixo.

Cinquenta anos depois (1986), e muito depois da morte do grande Professor Clementino Câmara, esse processo, datado de 4.10.1937, foi localizado no Arquivo Público Estadual. Nele, o insigne Professor, invocando a lei estadual nº 145, de 6 de agosto de 1900, de incentivo à cultura, sancionada pelo então Governador Alberto Maranhão (V. "MARANHÃO, Alberto Frederico de Albuquerque", Século XIX), solicita a publicação do seu estudo sobre as classes populares do sertão, agreste e praias do Nordeste, onde colhera elementos para constituir um vocabulário típico e que, assim entendia, logo seria incorporado ao léxico. O Governador, à época Rafael Fernandes, que em pouco tempo seria Interventor, indeferiu o requerimento, face ao parecer contrário recebido. Entre outros argumentos, alegava-se o realismo de certas expressões "que não podiam cair em mão de pessoas de pequena idade". Não obstante, o Dr. Edgar Barbosa, um dos Membros da Comissão, aprovara-o, reputando-o como ótimo glossário de modismos, dos mais completos que já se editaram no Brasil. Acompanhando-o, apenas sugerira a exclusão de alguns termos; o terceiro membro, Sr. Véscio Barreto, omitira-se e o Cônego Amâncio Ramalho, na condição de Diretor do Departamento Estadual de Educação, encaminhara a decisão).

 

Cinquenta anos depois, "post mortem", ironicamente, o processo foi retirado do Arquivo Público Estadual, sendo o trabalho do Professor Clementino Câmara resgatado, estudado e usado como base de tese de pós-graduação, por aluno da UFRN. Somente assim, o trabalho de pesquisa do Professor Clementino Câmara foi reconhecido. Aprovada a tese, o autor, Geraldo Queiroz, publicou o livro GERINGONÇA DO NORDESTE, agora com o subtítulo A FALA PROIBIDA DO POVO. (Saiu a 2ª Edição - Natal-2009).

 

Na capa, não há referência ao nome do Professor Clementino Câmara, primeiro ocupante da Cadeira nº 19 da Academia Norte-rio-grandense de Letras (Patrono: Ferreira Itajubá) e Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

 

Hoje, Clementino Câmara é nome de rua, de escola e de Loja Maçônica, em Natal. Faleceu, nesta capital, em 18 de setembro de 1954.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 14 de fevereiro de 2019

A INTRIGA

 

A INTRIGA

Violante Cavalcante

 

Bartolomeu passou muito tempo no Rio de Janeiro e, já beirando os 60 anos, voltou para sua terra natal, no interior do Rio Grande do Norte. Boêmio e seresteiro, reencontrou vários amigos da sua juventude e os encontros em mesa de bar tornaram-se diários.  Voltou do Rio de Janeiro, chiando e com uma boa economia financeira, fruto do seu trabalho em um Jornal. Veio disposto a viver a vida com que sempre sonhou:  "Sombra e água fresca". Queria, agora, somente tomar suas cervejas, conversar com os amigos e curtir serestas, onde ele mesmo era o melhor violonista e cantor.

 

Divorciado, preferiu permanecer sozinho, sem qualquer relacionamento sério. Bom de copo e de conversa, os amigos sempre aguardavam, com ansiedade, a sua chegada.

 

Certo dia, Bartolomeu sentiu um incômodo no pescoço e, muito assombrado com doença, foi depressa à casa do Dr.  Simplício, um médico antigo da cidade, que há anos estava aposentado.  O Dr. Simplício, disse-lhe que não estava mais clinicando, mas, por delicadeza, apalpou o pescoço de Bartolomeu, constatando alguns gânglios. Contundente, o médico sugeriu, então, que ele fizesse uma consulta com um médico moderno, na capital do Estado. Podia não ser nada e podia ser muita coisa. Por isso, era melhor prevenir do que remediar.

 

Bartolomeu ficou decepcionado com o Dr. Simplício e considerou uma grosseria o fato de ele ter se recusado a lhe receitar qualquer remédio.  E falou:

 

– O que é isso, Dr. Simplício?  Um médico bom, como o senhor sempre foi, não esquece nunca o que aprendeu no exercício da sua profissão. Não está vendo que eu não vou sair daqui para me consultar a um médico novo, que ainda não tem a sua experiência?

 

Bartolomeu reclamou tanto que o médico saiu do sério. E falou aborrecido:

 

– Olha, Bartolomeu, para mim é difícil dar um diagnóstico sem os exames que se fazem necessários. Por isso, eu insisto com você, para que vá a um médico em Natal, especialista em pescoço.

 

Bartolomeu não concordou com a sugestão do Dr. Simplício e disse que não iria a nenhum outro médico, muito menos em Natal.  Já tinha passado muito tempo longe de sua terra e de seus familiares, e não se afastaria mais dali por motivo nenhum.

 

Nessas alturas, o nervosismo tomou conta de Bartolomeu e ele perguntou ao médico:

 

– Se for câncer, quanto tempo terei de vida, doutor?  Pode dizer, pois não tenho medo de morrer!!!

 

Já irritado com a insistência de Bartolomeu, o médico sentenciou:

 

–Se for câncer, no máximo, seis meses.

 

Bartolomeu saiu arrasado da casa do Dr. Simplício. Não foi a nenhum centro adiantado para se consultar e continuou no interior, com a sua vida normal, de boemia e boas conversas com os amigos. Passou a usar no pescoço, todos os unguentos caseiros que lhe arranjavam, e, aos poucos, seu pescoço normalizou.

 

Quase um ano depois, Bartolomeu, completamente em forma, resolveu voltar à casa do Dr. Simplício, que lhe sentenciara, se fosse câncer, "no máximo, seis meses de vida". Lógico, que não era câncer. Sorte de Bartolomeu.

 

O velho médico costumava passar as tardes na janela de sua casa, olhando o movimento da rua.  Quando Bartolomeu vinha se aproximando, Dr. Simplício o reconheceu, saiu da janela e a fechou bruscamente. Humilhado, Bartolomeu foi ao encontro dos amigos que o esperavam no bar e contou a decepção por que tinha passado. Literalmente, o médico batera a janela na sua cara.

 

Um dos amigos saiu-se com essa tirada:

 

– Não se engane não, Bartolomeu. Esse Dr. Simplício ficou intrigado com você, somente porque você não morreu!!!


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