Dedé era um porco de sorte. Pertencia à dona Beatriz, jovem esposa de um fazendeiro rico, que lhe dera de presente de aniversário. Era alimentado à base de ração e melaço, sob orientação de um veterinário.
Um tratador especial era encarregado de medir a temperatura da sua alimentação, inclusive da água e do leite que bebia.
No recanto reservado a Dedé, tinha iluminação própria e um colchão de crina, confortável e asseado, onde ele aprendeu a dormir. Engordava a olhos nus.
O porco olhava para os seus donos com olhos de gratidão. E sempre ouvia dona Beatriz dizer:
“Como está lindo e forte o nosso bebê. ”
Ele era muito mais bem tratado, do que milhares de crianças, espalhadas pelo Brasil afora.
Dedé tinha no pescoço um laço de fita larga, cor de rosa, que lhe dava um certo charme.
Dona Beatriz, uma mulher muito seca e indiferente, desde que recebeu o porco de presente, tornou-se carinhosa com o marido, mudança por ele notada e que o deixou feliz.
Na fazenda, foram tomadas as mais modernas medidas sanitárias, para que o porco tivesse boa saúde. Dedé tinha um banheiro com privada dotada de descarga, e uma tina cheia d’ água, para se banhar, conforto que faltava aos empregados..
Em todos os recantos por onde circulava o porco, havia termômetros instalados, para que sua temperatura fosse sempre auferida. Tudo sob orientação do veterinário, que se empenhava em evitar que o animal adoecesse.
Certo dia, numa das costumeiras visitas da sua dona em companhia do esposo, o porco foi encontrado sozinho, bebendo água de uma fonte. Eles ficaram furiosos, apesar de já ter sido feita análise bacteriológica e química da água, que constatara conter zero por cento de bactérias nocivas, e uma certa quantidade de uma substância bastante saudável de óxido de ferro e ácido carbônico, importantes para a saúde dos porcos, .
O fazendeiro, conforme costumava fazer, mergulhou o termômetro na água e ficou indignado com o que estava vendo. Em lugar dos 8 graus centígrados, o termômetro só marcava 7.5!.
A dona do porco teve um chilique de raiva, por não encontrar o tratador ainda no serviço. Dedé foi retirado da água delicadamente, sob as explicações carinhosas da sua dona, de que aquilo era para evitar que suas tripinhas resfriassem e ele adoecesse. Tamparam a tina e foram tomar satisfações com o tratador, que acabara de chegar:
– Você não mediu a temperatura da água de Dedé!!!
Gaguejando, Bento, o empregado, disse que tinha se atrasado no serviço, porque estava acudindo o filho, que havia sofrido um ataque de epilepsia.
O casal gritou impropérios para o empregado, sem se compadecer do problema de saúde do filho dele. E por causa disso, o tratador foi posto na rua, com a mulher e o filho doente, sem qualquer complacência dos patrões.
A dona do porco se voltou contra o empregado, esquecendo toda a dedicação que ele tivera como cuidador da pocilga, durante vários anos.
Antes de sair com a mulher e o filho doente, sem dinheiro e sem saber para onde ir, o cuidador da pocilga, desesperado, num acesso de loucura, sangrou o porco, com uma facada no pescoço. O veterinário, chamado com urgência, nada pôde fazer. A dona do porco quase morreu de tristeza.
Os guardas amarraram o assassino e o levaram preso. Depois, os jornais noticiaram:
“O crime de um bruto. O zelador de pocilga de nome Bento, acabava de ser despedido por negligência. Para se vingar, ele matou cruelmente a golpes de facas um porco que constituía um espécime único. O bruto já se encontra nas mãos da justiça. Comenta-se que o criminoso não tem religião. Se isso se confirmar, ficará demonstrado que aqueles que não acreditam em Deus são capazes das maiores monstruosidades.”
Bento passou três meses sob prisão preventiva, recusando-se a falar e a se alimentar. Também se recusava a ir à missa na cadeia. No curso do inquérito, foram descobertas algumas máculas no seu passado:
Com a idade de 15 anos, ele fora condenado a quinze dias de prisão, pelo delito de provocar tumulto. Ele estava parado e recebeu ordens de um guarda para circular, e as ordens foram desobedecidas. Coisas da mocidade.
Fora condenado, ainda, por uma segunda vez, por ter gritado na rua, diante de algumas senhoras elegantes:
“Sim, senhoras! De chapéus e plumas, heim?”. Fato que demonstrava seu caráter revoltado, com as desigualdades sociais.
O promotor relembrou tais pormenores assim, como todos os pecados do réu. Ressaltou, habilmente, os maus instintos revelados pelo passado do assassino e afirmou que “se o acusado tivesse à mão o fazendeiro, tê-lo-ia assassinado, em lugar do porco.” Uma alegação infeliz, pois se fosse essa a pretensão de Bento, tê-la-ia posto em prática, facilmente.
O defensor público viu-se diante de uma tarefa muito difícil. Apagar o passado do réu, não podia. Quanto ao menino doente, eram circunstâncias atenuantes muito vagas e românticas, para que a elas se agarrasse com unhas e dentes. A vida do menino, para ele, não era nada, diante da vida do porco, tirada cruelmente.
A dona do porco, presente ao julgamento, ao ver pousada sobre a mesa, entre outras provas, a fita cor de rosa, que colocara no pescoço do seu “bebê”, não pôde conter as lágrimas. Chorou compulsivamente, causando aos presentes, dó e piedade.
Respondendo a uma pergunta feita pelo Juiz, ela respondeu:
-Eu reconheço esta fita cor de rosa. Ela pertenceu ao meu querido Dedé, cujas cinzas estão sepultadas sob os canteiros de lírios do meu jardim.
O acusado foi condenado a seis meses de prisão, por “dano voluntário à propriedade alheia.” Mas. o pior castigo que ele recebeu foi a notícia da morte do seu filho doente, pelo qual, se pudesse, daria sua vida.
Para os ex-patrões, a justiça se completou com a morte do filho do empregado.
E assim, o porco Dedé repousa em paz sob um canteiro de lírios imaculados, no meio dos quais se ergue um monumento com estas inscrições:
“Aqui jaz o nosso Dedé, morto pela mão do assassino Bento, condenado a seis meses de prisão, com seis dias de jejum. O extinto foi inumado a 8 de maio de 1907, com a idade de um ano e meio. Que a terra lhe seja leve!”