Era a festa de 40 anos de casados de meus pais, Lia e Francisco, em Nova-Cruz (1979). Houve um almoço de arromba, feito por Dona Capitão, uma cozinheira de luxo, disputada pelas famílias “chiques” de Nova-Cruz, quando queriam preparar banquetes. A mulher tinha fama de exímia cozinheira. E realmente devia ser.
De Natal, foram convidadas somente pessoas da nossa família e umas quatro ou cinco pessoas muito amigas da minha mãe. De Nova-Cruz, também, somente os familiares. Uma comemoração simples, em família, conforme o desejo da minha mãe e do meu pai. Os cinco filhos, noras, genros e netos estavam presentes. Foi um dia muito alegre, e a casa ficou cheia de pessoas queridas.
Chegamos a Nova Cruz no domingo de manhã cedo. Dona Capitão já estava em ação. O cheiro de peru e lombo de porco, assando no forno, já estava no ar. Em cima do fogão, uma enorme caçarola com peru guisado e outra com galinha caipira, além de carne de sol, assada na manteiga do Sertão, que seria acompanhada de feijão verde, arroz e farofa.
Depois de conversar um pouco com meus pais, tive vontade de dar uma olhada na cozinha. Encontrei Dona Capitão com uma colher de pau na mão, mexendo uma panela enorme, e despejando nela dois vidros grandes de “maionese”. Curiosa, perguntei o que ela estava fazendo.
De cara fechada, a mulher respondeu:
– É um estrogonofe de carne.
Não me contive e disse:
– Nunca vi maionese em estrogonofe; só vejo creme de leite.
Aborrecida, ela disse:
– Ainda vou colocar o creme de leite.
Tratei de me afastar, antes que Dona Capitão se chateasse comigo. De simpática e delicada, ela não tinha nada. Era do tipo de cozinheira convencida, que não gostava de plateia na cozinha.
Cismei com o tal estrogonofe e jurei pra mim mesma que dele não comeria.
Quando o almoço foi servido, não tive coragem nem de chegar perto daquele “picadinho metido a besta”.
Pensei com meus botões: -Isso vai dar é dor-de-barriga nesse povo.
O almoço foi um sucesso. Todos acharam a comida maravilhosa. Dona Capitão ficou feliz da vida, por ouvir tantos elogios à sua comida. Todos comeram bastante, e chegaram a repetir.
Excetuando-se os donos da festa, Francisco e Lia, que só gostavam da comida costumeira e simples, os convidados se empanturraram de tudo, inclusive do tal estrogonofe. Eu, que já tinha jurado pra mim mesma que não chegaria nem perto dele, cumpri a jura, e dele não comi.
Depois, vieram as sobremesas, uma variedade de saborosas iguarias, incluindo “pudim de leite” e “manjar do céu”. Não faltaram licores caseiros e o indispensável cafezinho.
Vendo várias redes armadas no alpendre, os mais velhos procuraram tirar uma soneca. Mas, a maioria dos convidados ficou no bate-papo, debaixo do “Ficus-Benjamina”, em frente à nossa casa.
Duas horas depois, começou o entra- e- sai no único banheiro que havia dentro de casa. E o banheiro antigo, que ficava no quintal, quase sem uso, nunca teve tanta serventia. Formou-se até fila, para as pessoas usarem o banheiro interno. À certa altura dos acontecimentos, teve gente que fez de sanitário umas telhas velhas, que estavam no fundo do quintal, por não aguentar esperar que um dos banheiros desocupasse.
A dor de barriga foi geral. Parecia uma epidemia. O estoque de papel higiênico “Tico-Tico”, recém lançado, acabou, e entrou em ação o papel de embrulho, que enrolava sabão, e o que vinha da padaria com pão, etc. Meu pai teve que ir depressa à venda, buscar mais papel higiênico. Foi um vexame “tragicômico”.
A festa tornou-se hilária e o “estrogonofe” feito por Dona Capitão ficou na história. Foi a primeira e única vez que essa célebre cozinheira de Nova-Cruz entrou na nossa casa.
O cunhado da minha Mãe e a esposa, no dia seguinte, retornaram a Natal, e ele, por brincadeira, ao se despedir, disse à minha Mãe, que estava muito feliz, por ter se curado do seu problema de intestino preso. Foi a única pessoa que disse ter gostado da dor-de-barriga.