Numa capital cheia de sol, nasceu Adamastor, que não era príncipe, não era rico, nem filho de político. Socialmente, não tinha qualquer importância. “Gente que a gente não vê, porque é quase nada”.
Nasceu e se criou nessa capital litorânea, aconchegante, para onde fluíam pessoas de outras cidades, tirando as possibilidades da vida das pessoas, que tinham nascido ali. E dessa forma, a cidade era cheia de mendigos e parasitas, meios de vida que não tem concorrência.
Os prédios da capital, no centro, tinham vários andares, o que mostrava a riqueza dos proprietários. Nos subúrbios, não passavam de um andar, sem que por isso deixassem de gerar riqueza.
Na capital, pelas ruas, havia centenas de automóveis em alta velocidade, matando gente, enquanto matavam o tempo.Também havia antigos cabarés, jornais, partidos políticos, e Sedes de Governo.
Adamastor, mesmo não tendo importância social alguma, era de boa família. Tão boa, que tinha até bons sentimentos. E agia sempre de acordo com a sua vontade, não sendo preso às normas ditadas pelos seus co-cidadãos.
A mãe de Adamastor, logo cedo, notou que o filho tinha um defeito gravíssimo: Só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira.
Alarmada, tentou modificar o temperamento do filho, mas foi impossível. Adamastor era diferente, no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar e na forma como se dirigia aos outros.
Enquanto usava calças curtas, os amigos da família consideravam-no um menino precoce e antipático. Depois de rapaz, passou a ser considerado irreverente e grosseiro.
Entre outras esquisitices, Adamastor pensava livremente e por conta própria. Assim, a família via Adamastor como um contestador do regime de governo. Os professores se indignavam, porque ele tinha ideias próprias e aprendia tudo ao contrário do que eles lhe ensinavam. Os colegas o detestavam.
Entretanto, a mãe de Adamastor, como toda mãe, descobriu no filho uma grande qualidade: Adamastor não fazia nada do que fazia, por maldade. Era questão de temperamento e inteligência privilegiada.
Ao contrário do que parecia, seu filho era extraordinariamente bom. Aliás, somente os olhos maternos enxergavam isso.
Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:
-Bacharel é o princípio de tudo. Não se precisa estudar muito. Seja bacharel! Você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.
Indignado, Adamastor contestou:
-Mas, eu não sou subserviente nem adulador. Não quero ser nada disso. Eu quero trabalhar!
O parente insistiu:
-Você quer ser um eterno vagabundo? Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: Dinheiro, prestígio, e posição social. Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém. Um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.
Adamastor respondeu:
-Eu discordo de você, e assunto encerrado!
A pedido de sua mãe, Adamastor procurou mostrar que tinha capacidade de trabalhar. Arranjou um emprego numa loja, mas foi logo despedido, sem qualquer explicação.
Mudou de emprego diversas vezes, sem dar certo em lugar nenhum, mesmo sendo honesto e tendo disposição para qualquer serviço.
A fama de Adamastor era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do chefe. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, pois achavam que ele queria se sobressair. E o intrigavam com o chefe, ate que fosse despedido.
Ele ria e encarava tudo com naturalidade. Via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e não ficava calado. Censurava o que achava errado e dizia tudo o que queria.
Em todos os lugares onde trabalhou, fosse em indústria, loja comercial ou fábrica, sentiu a rejeição dos colegas, sendo logo despedido. O motivo era sua excessiva dedicação ao trabalho, o que irritava os preguiçosos.
Desiludido com a maldade humana, Adamastor chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim. E o caminho que faz mais sucesso é o da bajulação e da hipocrisia. Esse caminho, ele jamais percorreria.