Órfã de mãe aos 4 anos de idade, com 5 irmãos, Lia foi criada pelo pai e pela madrasta.
Como estavam em crescimento, as crianças eram contempladas com roupas grandes e folgadas, para não ficarem logo perdidas, como dizia a madrasta.
Quando os dois irmãos mais velhos atingiram a idade para o serviço militar, foram cursar a Escola Naval, no Rio de Janeiro, por iniciativa do pai.
Engajados na Marinha de Guerra, Luiz, o primogênito, ao receber seu primeiro soldo, passou a enviar uma mesada para as quatro irmãs, em Natal.
Lia já estava com 13 anos. Avisou à madrasta, que, com a sua parte, queria comprar um corte de tecido para costurar um vestido, ela mesma. A madrasta foi contra, dizendo que a enteada não sabia costurar, o que era verdade. Lia insistiu e comprou o tecido para fazer sua roupa nova.
Pegou um dos seus vestidos enormes, que a madrasta mandava costurar, desmanchou, recortou e usou como molde sobre o tecido comprado. Diminuiu o tamanho do novo vestido e aprimorou, conforme o impulso do talento que lhe aflorava.
Para surpresa da madrasta e das irmãs, o vestido ficou bonito e na medida certa, sendo considerado formidável. Daí em diante, Lia tornou-se sua própria costureira e das suas irmãs. As auxiliares domésticas, com o tempo, tornaram-se suas freguesas.
Lia tornou-se uma grande costureira. Vivia entre linhas e retalhos, numa antiga máquina “Singer”, movida a pedal, alinhavando sonhos e costurando verdadeiros mimos. Naquela época, as costuras de mão, como chuleados, bainhas, casas, colocação de botões, colchetes e pressões eram um trabalho à parte. Máquina a motor, com “ponto de ouro” não havia nem em sonho.
Mesa, fita métrica, tesoura, alfinetes, agulhas e linhas faziam parte do universo de trabalho de Lia. E a máquina de costura, locomotiva dos seus sonhos, era sua maior amiga.
Lia tinha uma Caderneta de Anotações, onde registrava as medidas das suas freguesas: Larguras do busto, cintura, quadris, comprimento da saia, largura e altura do braço e punho, eram as medidas básicas.
Sempre costurava cantarolando modinhas, mas, às vezes, era surpreendida calada e pensativa.
Com pouco mais de 20 anos, Lia conheceu um primo da madrasta, comerciante e residente em Nova-Cruz, no agreste potiguar, surgindo entre os dois um amor à primeira vista. O rapaz, poucos dias depois, a pediu em casamento. Lia aceitou e se preparou para casar e ir morar em Nova-Cruz, onde o progresso passava muito longe. A cidade não tinha energia elétrica nem água encanada. Os esgotos eram a céu aberto.
Uma única exigência, Lia fez ao futuro marido: O bangalô que ele mandara construir em Nova-Cruz, onde fixariam residência, teria que ter um aparelho sanitário de louça. Nessa época (1940), isso era luxo. O que se usava nas casas do interior era “sentina” (vaso sanitário rústico, feito de barro, com apoio para os pés, onde o usuário ficava de cócoras).
Em nome do amor, Lia enfrentou a mudança de vida, da capital para o interior, trocando o conforto pelo desconforto.
Concluída a casa e celebrado o casamento, Lia começou vida nova, vendo realizado seu sonho de se casar por amor e poder constituir uma família. O casal gerou uma prole que seria de seis filhos, se o 5º, de nome Galdino, não se tivesse encantado aos sete meses de vida.
Com o casamento, a costureira deu lugar à dona de casa, esposa e mãe. Passou a costurar somente para a família, nas horas vagas.
Lia e todos os irmãos sabiam falar Inglês, pois aprenderam com o Pai poliglota, Celestino Pimentel, Professor Catedrático da língua Inglesa.
Anos depois, em Nova-Cruz, aceitou o convite para ensinar Inglês, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, da Congregação Franciscana. Nesse tempo, não havia concurso, nem maiores exigências para o exercício do magistério.
Lia também ajudava ao marido na sua venda, diariamente, na parte da tarde, e onde ele dava tempo integral.
Sempre foi uma mulher atuante. Participava de todos os eventos sociais e religiosos da cidade, inclusive das festinhas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, onde costumava recitar ou fazer saudações nas datas comemorativas, como o Dia das Mães.
Muito carismática e dona de uma educação requintada, Lia conquistou Nova-Cruz e elegeu essa terra abençoada, também, como sua terra natal.
Nunca foi candidata a cargo eletivo, mas vivia tentando “armar quebra-cabeças”, para ajudar as pessoas mais necessitadas.
Anos depois, já na maturidade, chegou a receber o título de Cidadã Nova-Cruzense, outorgado pela Câmara Municipal.
Francisco e Lia viveram um amor único e definitivo, vibrando com o sucesso dos filhos e sofrendo com eles, quando alguma coisa os fazia sofrer.
E com o cuidado de quem costurava uma colcha de retalhos, Lia estampou nessa maravilhosa peça o seu sonho realizado: um lar cheio de amor, ornamentado pelos filhos, aos quais ela e Francisco ensinaram os princípios morais para consolidação do caráter, e as virtudes da caridade, generosidade, lealdade e da gratidão, as quais formam o caminho da felicidade, muito mais do que bens materiais.