Ercília Nogueira Cobra nasceu em Mococa, SP, em 1/10/1891. Escritora, jornalista e uma das pioneiras do movimento feminista. Combateu, através da publicação de dois livros com seus próprios recursos, a obrigatoriedade de manutenção da virgindade até o casamento, com veemência estampada nos títulos: Virgindade Anti-Higiênica: preconceitos e convenções hipócritas (1924) e Virgindade Inútil: novela de uma revoltada (1927)
Filha de Jesuína Ribeiro da Silva e do deputado Amador Brandão Nogueira Cobra, tradicional família de cafeicultores paulistas. Com a morte do pai, a família foi à falência e perdeu a Fazenda Paraíba. Vivia na capital, mas teve que voltar a viver em Mococa. Não se adaptando à vida no interior, planejou uma fuga junto com a irmã mais velha. Em seguida foram localizadas num circo na cidade de Santos.
A pedido da mãe e por ordem do Secretário de Segurança, foram enviadas para um colégio interno de freiras, o Asilo Bom Pastor, quando teve o nome mudado para Maria Madalena, aos 17 anos. Aí permaneceu por 4 meses até 20/7/1909. As irmãs foram estudar em Pirassununga e eram consideradas indisciplinadas e inteligentes. Conta uma neta da família que as duas foram chamadas a depor na delegacia, e começaram a falar entre si em francês. O delegado interveio na conversa também em francês. As duas logo passaram a falar em alemão.
Em 1915 foi diplomada professora; passou num concurso para dar aulas em Mogi Guaçu, mas não assumiu o cargo. Passou a escrever para o jornal anarquista Giesta e viajar, chegando a conhecer o Rio de Janeiro, Buenos Aires e Paris na década de 1920. Pouco depois publicou o ensaio Virgindade anti-higiênica: preconceitos e convenções hipócritas (1924), publicado em tom de manifesto pela editora de Monteiro Lobato, causou polêmica no meio social. Sua crítica ao tabu da virgindade baseava-se na psicanálise, como antinatural e causadora de distúrbios psíquicos. O livro, visto como uma crítica acirrada à religião, ao casamento e à educação da mulher, foi retirado de circulação.
Em 1926 mandou uma carta para a revista O Malho, criticando o atraso da sociedade brasileira e exaltando os franceses pelo avanço contra a desigualdade de gênero naquele país. No ano seguinte publicou outro livro, agora como ficção: A virgindade Inútil: novela de uma revoltada (1927), causando nova polêmica. Cláudia, a protagonista da novela, ao perder a virgindade numa viagem de trem, torna-se legalmente maior de idade e em seguida caiu na prostituição. Sobre esta condição, declarou em seu ensaio que “90% das mulheres que estão nos prostíbulos não caíram por vício, mas por necessidade”. Claudia demonstra certa liberdade sexual através de relações homo e heterossexuais.
Seus textos eram diretos e vistos como agressivos: “Filhos são criaturas humanas, que se não nascem sob boa orientação, vão encher cadeias e prostíbulos…” “Bendita a mulher francesa, já que os milhões de operários sem emprego que enchem a Europa não são oriundos dela…” “Os cem mil morféticos que perambulam pelo Brasil têm origem na criminosa fecundidade irrefletida…”. Durante o Estado Novo, foi presa em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Não sabemos as razões destas prisões. Mas, sabe-se que foi interrogada nua e uma parente conta que ela tentou o suicídio numa destas ocasiões. Cansada e marginalizada no meio social, mudou-se, aos 43 anos, para Caxias do Sul; adotou o nome de Suzana Germano e abriu a “Pensão Royal”, um cabaré na zona do meretrício.
Mantinha correspondência com sua mãe e em 1934 enviou uma carta dizendo que “relativamente fui uma pessoa feliz. Fiz o que quis na vida, e continuo fazendo o que eu quero! Os preconceitos estúpidos desta sociedade em decadência a qual a Senhora pertence nunca me incomodaram”. Documentos policiais da época demonstram críticas da sociedade contra o cabaré, citando “fatos que depõem a moral e os bons costumes”. O promotor público classificou o local como “antro de perdição” e sua proprietária como “desavergonhada”. No início da década de 1940, a pensão mudou-se do centro para a periferia da cidade, devido a um abaixo-assinado da vizinhança. Em seguida sua casa foi penhorada pela Prefeitura, devido aos atrasos no pagamento de impostos. Não se tem notícia do local e data de sua morte. A última informação, em 1940, consta que um oficial de justiça ao cumprir um mandado na Pensão Royal, certifica que ela não morava mais em Caxias do Sul.
Em agosto de 1986, a pesquisadora Maria Lúcia de Barros Mott publicou o artigo Biografia de uma revoltada: Ercília Nogueira Cobra nos “Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas”, nº 58, p.89-104. Em 2016, Daniele de Medeiros Souza apresentou a dissertação de mestrado em Ciências Sociais na UFRN com o título O grito do silêncio na obra de Ercília Nogueira Cobra: de mulher demoníaca a feminista pioneira. Apesar de não ter recebido nenhuma homenagem em sua cidade natal, seu nome foi dado a uma escola pública em São Vicente, SP.