AS BRASILEIRAS: Anna Rosa
José Domingos Brito
Anna Rosa Termacsics dos Santos nasceu em 1821, na Hungria e veio para o Brasil, com a família, aos 7 anos. Professora de piano, canto e alfabetizadora, foi precursora do movimento feminista brasileiro ao publicar o livro, em forma de manifesto: Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar, em 1868. Tal direito foi alcançado no mundo em 1893 (Nova Zelândia) e no Brasil apenas em 1932.
Filha de Antônio Termacsics e mãe desconhecida pelas fontes, foi descoberta pela historiadora Cristiane de Paula Ribeiro a partir de uma investigação, iniciada em 2016, para sua dissertação de mestrado. Descobriu primeiro seu nome, pois o Tratado traz na capa e página de rosto apenas a sigla A.R.T.S. Outras descobertas se deram com o entusiasmo da pesquisadora no encontro com a feminista tão precoce na história. Ficou sabendo que pertencia a uma família de posses; que gostava de ler; estudou aritmética, filosofia e história e devia ter uma boa biblioteca em casa.
A vinda da família para o Brasil deveu-se a perda de uma fortuna em processo judicial tido como “injusto e ruinoso”. O pai era agricultor e comerciante de vinhos conhecido na região. Aqui a família viveu na região de Taubaté, mudando-se para o Rio de Janeiro em meados de 1850. A família mantinha uma escola, onde ela, aos 15 anos, passou a dar aulas de piano, corte, costura e bordado. Manteve a docência, sobretudo a musical, até sua morte em 15/1886.
Foi uma mulher que trabalhou muito para manter seu sustento, vivendo em pequenos sobrados nas redondezas do centro do Rio de Janeiro. Além de trabalhar como professora de piano e canto, lecionou idiomas e alfabetização em algumas residências e colégios. Não se casou nem teve filhos, condição que dificultava sua vida num ambiente em que a mulher tinha poucas condições de se manter só e dignamente. Poucos antes de falecer, ainda se via seu nome anunciado em jornais como professora.
Seu Tratado conta com uma dupla reivindicação, ambas pioneiras: o reconhecimento da mulher como cidadã e o direito ao voto. Não é pouca coisa, visto que se deu em meados do século XIX. O livro foi publicado pela Tipografia Paula Brito, um nome conhecido no métier cultural da época, cuja editora era frequentada por Machado de Assis, Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo entre outros. Foi reeditado em 2022, incluído na série “Vozes Femininas” na Edições Câmara (dos Deputados), com prefácio e notas da pesquisadora Cristiane de Paula Ribeiro, cuja dissertação de mestrado traz o título A vida caseira é a sepultura dos talentos: gênero e participação política nos escritos de Anna Rosa Termacsics dos Santos (1850-1886), disponível na Internet.
A fim de termos uma ideia do conteúdo do livro, reproduzimos algumas partes, onde autora expõe suas reflexões sobre a emancipação da mulher: “Para interesse tanto dos homens como das mulheres, e do melhoramento do mundo, no mais largo senso, a emancipação da mulher, que o mundo moderno se gaba que tem efetuado (…), não pode parar aí”. Sobre o sufrágio feminino, sua reivindicação é mais objetiva: “O protesto das mulheres não é contra um abuso especial, mas contra um inteiro sistema de injustiças; e a importância particular do sufrágio político para a mulher é porque ele parece ser o símbolo de todos os seus direitos”.
Sobre a educação dispensada à mulher, que tinha um curriculum diferenciado do homem, suprimindo algumas matérias básicas, sua reflexão é um desabafo: “só a educação faz a diferença; diz-se que a mulher é deserdada da natureza, é destituída do espírito de invenção, que nada tem produzido; que o homem é astrônomo, poeta, maquinista e descobridor de terras; mas se ele recebesse a triste educação da mulher, que só serve para pasto do despotismo do homem, quero saber que habilidades ele adquiriria”.
Tratado sobre a emancipação política da mulher e ... - YouTube