OS BRASILEIROS: Matias Aires
José Domingos Brito
Matias Aires Ramos da Silva de Eça nasceu em 27/3/1705, na Capitania de São Paulo. Filósofo, escritor e tradutor, considerado o maior nome da Filosofia de Língua Portuguesa do século XVIII. Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa e autor do famoso livro Reflexões sobre a vaidade dos homens, publicado em 1752.
Filho de Catarina de Orta e José Ramos da Silva, provedor das expedições que encontraram ouro nas Minas Gerais. Segundo Alceu Amoroso Lima, “a figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Seu filho Matias estudou no colégio jesuíta de São Paulo e aos 11 anos, a família mudou-se para Lisboa, onde o pai era amigo de D. João V e foi designado para o cargo de Provedor das Casas de Fundição. As filhas foram estudar no Convento de Odivelas e Matias ingressou no tradicional Colégio de Santo Antão. Em 1722 entrou na Faculdade de Direito de Coimbra.
Continuou os estudos na Galiza, obtendo os diplomas de Bacharel em Filosofia e Mestre em Artes. Em 1728 foi estudar na Sorbonne, em Paris, e obteve diplomas em Direito Civil e Canônico. Retornou a Lisboa em 1733 e passa a viver numa de suas Quintas, tornando-se notável literato e naturalista. Por essa época manteve longa amizade com Antonio José da Silva, “o Judeu”, que procurou salvá-lo da fogueira da Inquisição, sem sucesso. Com a morte do pai, em 1743, o substitui no cargo de Provedor da Casa da Moeda. Passa a residir no Solar das Janelas, atual Museu de Arte Antiga, levando uma vida suntuosa e dilapidando a herança paterna. Por esta época inicia uma disputa jurídica com a irmã Teresa Margarida (conhecida como a primeira romancista em língua portuguesa) visando obter a melhor parte da herança, sem sucesso. Em 1761 não se deu bem com as reformas do Marquês de Pombal e foi destituído do cargo de Provedor, agravando sua situação econômica. Veio a falecer em 10/10/1763 numa condição distinta daquela vida de riqueza levada até então.
Foi nesse contexto que escreveu, num tom pessimista, a Carta sobre a fortuna, onde declara “E assim nada espero da fortuna, nem a fortuna de mim pode esperar nada; porque o meu talento foi discursivo sempre, operativo nunca, e a fortuna quer obras e não palavras... Tudo sei para dizer, mas para fazer só sei que não sei nada. As minhas artes são todas em pensamento e por isso são justamente desgraçadas, porque a fortuna não pode fazer milagres” A Carta foi incluída, a partir de 1778, em sua obra mais conhecida Reflexões sobre vaidade dos homens: discursos morais sobre os efeitos da vaidade, publicada em 1752.
Esta é sua obra mais conhecida e teve origem, segundo o estudioso Carvalho Reis, na vida faustosa levada pelo seu pai e que foi continuada pelo filho, que não obstante a deferência com que era tratado no Brasil, “agora era apenas o filho de um dos tais mineiros que o povo da corte invejava, mas não estimava”. Tais experiências terão ensinado, posteriormente, ao filho que a vaidade própria tende a ofender a vaidade alheia, dando início ao seu interesse em refletir sobre o assunto. Tais reflexões ocorreram a partir do trecho bíblico extraído do Eclesiastes: “Vanitas vanitatum et omnia vanitas” (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade).
Antes dele, o Padre Antônio Vieira também refletiu sobre a vaidade, mesmo não considerando a vaidade como um pivô, tal como Matias Aires. Segundo Vieira "Os homens, como somos camaleões da vaidade, mudamos de cor a cada mudança de vento: quantos são os ventos de que nos sustentamos, tantas são as cores de que nos vestimos". Claro que esta falha moral foi criticada pelo Padre: “Portai-vos de tal maneira, sendo sempre o mesmo, que vos possam todos louvar, ao menos que vos possam conhecer”.
Ainda segundo Alceu de Amoroso Lima, o culto à ciência foi levado para Portugal por Matias Aires, completamente embebido de cartesianismo e influenciado pelo naturalismo científico que o século XVII legara ao século XVIII. Assim ele foi um dos grandes humanistas do século XVIII, comparado à Montaigne e La Rochefoucauld. É considerado um dos que abriram caminho aos estudos e ao cientificismo em Portugal. Trata-se de um filósofo relativamente pouco conhecido no Brasil, talvez devido ao fato de apenas ter nascido no Brasil colonial e ter vivido em Portugal desde os 11 anos. Isto tem levado a uma discussão se ele era português ou brasileiro. Tal discussão se deve ao fato de na primeira Constituição Brasileira, de 1824, e primeira Constituição Portuguesa, de 1822, não existirem referências sobre “nacionalidade”. Assim, ele pode ser considerado paulista, brasileiro e português, i.é um polipátrida.
É patrono da cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Letras e da cadeira nº 3 da Academia Paulista de Letras, onde é considerado o primeiro filósofo brasileiro. O professor Antonio Pedro Mesquita, doutor pela Universidade de Lisboa, deixou um alentado estudo sobre o filósofo: Homem, sociedade e comunidade: o pensamento de Matias Aires, publicado em 1998 pela Imprensa Nacional, em Lisboa.