Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de dezembro de 2022

UMA DUPLA TALENTOSA DE CANTADORES (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Sebastião da Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,
que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,
já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,
penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,
misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,
é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,
mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

* * *

Sebastião da Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:

Se não fosse você na existência,
não seria o que sou nesse momento,
não teria o menor conhecimento
do trabalho, da vida e da sequência,
não teria também a doce essência
de uma vida tão boa e divertida,
se não fosse você minha querida
a alegria da vida eu não sentia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você na minha estrada,
eu teria cansado pelo meio,
e devido ao fracasso e aperreio,
eu achei minha vida fracassada,
você veio de mão tão levantada,
com a imagem divina e esculpida,
hoje tenho a lição bem aprendida,
que me serve de riso e alegria.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

 

Sebastião da Silva:

Se não fosse você meu bem amado,
eu não tinha alegria de viver,
eu não tinha sequer razão de ser,
você veio por Deus abençoado,
eu não era um homem apaixonado,
eu não tinha uma vida bem vivida,
não teria um pouco de bebida,
nem a musa pra minha companhia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você minha paixão,
eu estaria aqui insatisfeito,
não teria o amor dentro do peito,
e um calor de uma mão na outra mão,
um pouquinho na vida de emoção,
a lição que por mim foi recebida,
essa imagem bonita e colorida,
que hoje em dia me serve de poesia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:

Se não fosse você meu bem-querer,
o meu filho não teria nascido,
eu também não seria seu marido,
e não teria alegria de viver,
não teria você pra proteger
minha vida por Deus oferecida,
já estava passada e esquecida,
mas você me atendeu como eu queria.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você mulher amada
minha deusa perfeita e tutelar,
companheira invencível do meu lar,
eu teria perdido minha estrada,
hoje eu tenho também minha morada,
minha mesa sortida e prevenida,
que não falta água fria e nem comida,
feijão, fava, arroz, milho e melancia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:

Se não fosse você querida dama,
eu vivia sem riso e sem carinho,
nesse mundo eu estaria sozinho,
sem sentir do amor aquela chama,
eu não tinha você na minha cama,
como Deus da imagem esculpida,
pra fazer minha vida aquecida
no momento que a minha parte esfria.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você sagrada dama,
não teria nem casa, nem parede,
nenhum pote pra matar minha sede,
nem lençol engomado em minha cama,
não teria a mulher que hoje me ama,
e a lição não seria transmitida,
a viagem pra mim era perdida,
envolvido na triste travessia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:

Foi você que me deu o doce ego,
que me deu alegria de viver
e que me fez muito bem compreender
e entender esse fardo que carrego,
se não fosse você seria cego,
nessa rota bastante dividida,
nesse curso de ida e de descida,
como cego chorando atrás de um guia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Me perdi na metade do caminho,
encontrei essa deusa em minha frente,
hoje em dia o meu mundo é diferente,
no meu lar canta alegre o passarinho,
tenho sempre o amor e o carinho,
a mulher verdadeira e prevenida,
eu não canto a saudade, despedida,
o que eu canto é o riso, a alegria.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:

Sem você que já foi contribuinte,
não teria viola no meu peito,
não teria o repente agora feito,
não cantava também no século vinte,
sem você eu seria algum pedinte,
sem ter lar, sem família e sem guarida,
talvez fosse esmoler na avenida,
sem ninguém botar nada na bacia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você me dar lição,
inda hoje pelejo até aprendo,
na lição do amor ainda rendo,
porque sinto paixão e emoção,
estaria caído pelo chão,
atraído do vício da bebida,
como folha que já fica perdida,
sob os braços da louca ventania.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de novembro de 2022

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE ABC (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Adalberto Pereira glosando o mote:

Acordei para ver a madrugada
Abraçar com carinho o novo dia.

Fui dormir com meu coração contente
Por um dia cheio de felicidade;
Sem rancor, sem angústia e sem maldade,
Consegui ter um sono diferente,
Esquecendo as tristezas que na gente
Faz morada pra tirar nossa alegria.
Tive um sonho parecendo fantasia.
Pra fugir dessa noite agitada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

No jardim, vi os belos beija-flores
Misturados com ousados bem-te-vis;
Bons exemplos de uma vida mais feliz.
Passarinhos misturando suas cores;
Para eles não existem dissabores.
Seus cantares nos transmitem alegria
Em perfeitas e sonoras melodias.
Num sussurro sutil da minha amada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

A cidade trabalhava normalmente,
Pra buscar o progresso desejado.
Na floresta, o barulho do machado,
Maltratava nossa mata inocente.
Quem espera um futuro mais decente,
Com certeza não terá tanta alegria.
Maltratar inocente é covardia
Dessa gente de moral atrofiada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

As estrelas enfeitavam o infinito
E a lua se escondia no horizonte;
A manhã com seu jeito elegante
Alegrava cada coração aflito.
Tudo isso vem de Deus e é bonito
Mais parece uma orquestra em harmonia,
Deleitando com sonora melodia
Os ouvidos da plateia apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Anoitece e um sonoro violão
Acompanha o cantar do seresteiro,
A donzela abandona o travesseiro
Pra fugir da terrível solidão.
Da janela sob a luz do lampião
Ela sente o sabor da melodia;
E naquele sentimento de alegria
Não esconde que está apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Contemplando a beleza do oceano
Vi as ondas com seu barulho feroz.
Eu achei que aquela era a voz
Vinda de um animal serrano.
Descobri como Deus é soberano
E perfeita a sua sabedoria.
A beleza do infinito eu sentia,
Quando a face pelo vento era tocada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Sorridente deixei meu leito quente
Pra sentir o sabor da natureza.
No jardim descobri toda beleza
Pra mudar o vazio que há na gente.
É aí que o nosso corpo sente
O valor de estar em alegria.
Mas é bom ter em nossa companhia
A presença de uma pessoa amada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

* * *

ABC DO CASAMENTO – Antonio Sena Alencar

A – Amor é um sentimento
Que nasce no coração
E quando um casal o tem
Com firmeza e devoção
Não existe falsidade
Que fira a fidelidade
De sua doce união.

B – Bela e bacana é a vida
De um casal que se ama,
Porque em qualquer evento
Nenhum do outro reclama;
E de maneira geral
Na vivência conjugal
Não há lugar para trama.

C – Casamento eclesiástico
Ou civil é cerimônia
Que deve ser respeitada
Por qualquer pessoa idônea,
Mas no foro conjugal
O que mais pesa afinal
É um casal de vergonha.

 

D – Divórcio há sem razão,
Porque na realidade
Quando dois jovens se amam
E juram fidelidade
Devem tomar consciência
De que sua convivência
É o “dou fé” da verdade.

E – Em qualquer plano da vida
Deve haver sinceridade,
Respeito, compreensão,
Amor e fidelidade:
São estes bons sentimentos
Que abrem nossos momentos
De maior felicidade.

F – Família é o princípio
E o fim de um casal,
Dentro do conceito humano,
Cristão e material;
E a sua formação
Parte da consagração
Da união conjugal.

G – Galã é sempre um herói
Na hora de cortejar
Uma jovem favorita
A seu modo de amar;
Mas importante é saber
Se a pode converter
Numa senhora exemplar.

H – Homens de bom sentimento,
De caráter, de critério,
Procuram sempre levar
este assunto muito a sério,
pois não existe um evento
mais triste num casamento
que o de um adultério…

I – Importante nesse plano
É que moças e rapazes
Busquem saber de antemão
Quais as pessoas capazes
Na pretensão desse sonho,
Prevenindo um matrimônio
Dentro das melhores bases.

J – Jovens de ambos os sexos
Simulando honra e brio
Há hoje por toda parte,
Porém ante o desafio
Do fardo familiar
Enchem de filhos um lar,
Deixando o mesmo vazio.

L – Lua-de-mel é o ponto
De partida de um casal,
Mas nem sempre é bom augúrio
Para a vida conjugal,
Porque certos casamentos
Perdem-se nesses momentos
De ilusão sensual.

M – Marido e mulher convêm
Unir-se de coração,
Depois dum namoro sério,
Com justa consagração;
E antes do casamento
Confrontar seu sentimento
Moral, humano e cristão.

N – noivado é assunto sério,
Que deve ser meditado
Por ambos os pretendentes
Antes de ser programado.
Um plano de vida a dois
Deve antes – não depois-
Do enlace ser traçado.

O – Ódio é um sentimento
Que nunca deve existir
Entre marido e mulher,
Pois qualquer um que nutrir
Esse pensamento atroz
Não pode, de viva voz,
Um lar feliz construir.

P – Paz e Amor são os dois
Elementos principais
Que devem manter de cedo
Uma moça e um rapaz,
Logo que o casamento
Aflora em seu sentimento,
Para um futuro eficaz.

Q – Queima é um casamento
Bastante precipitado,
Conhecido no Nordeste,
Feito sem ser programado;
E nunca inspira um futuro
Feliz, sadio e seguro
Como o que é planejado…

R – Realmente um matrimônio
Contraído de repente
Nunca pode assegurar
Um futuro eficiente.
Um desajuste entre os dois
Pode acontecer depois
Por questão de antecedente…

S – Seguro morreu de velho:
Este é um provérbio antigo
Que deve ser respeitado
Ante um possível perigo…
E as moças e rapazes
Devem ser mais perspicazes
Quando em busca desse abrigo.

T – Toda moça que se preza
Não se entrega a um rapaz
Antes de tornar-se sua,
Por atos sacramentais,
Pois se assim proceder
Já passa a comprometer
Seus predicados morais.

U – Unir-se conjugalmente,
Sem conscientização,
É algo muito arriscado
Dentro do dever cristão…
Como tudo, o casamento
Deve ter o planejamento
Equilíbrio e decisão.

V – Virgindade é a virtude
Maior que a moça detém,
No plano do matrimônio,
Coisa que muitas não têm..
E muitas separações,
Intrigas e frustrações,
Desse infortúnio provêm.

X – Xodó é uma palavra
Do nosso vocabulário
Aplicada ao namoro
Ou namorado primário;
Mas pode naturalmente
Ter um elo consistente
De valor prioritário.

Z – Zelo, afeto e devoção,
No plano familiar,
São finalmente a divisa
E a pedra basilar
Que implicam no sucesso,
Na grandeza e no progresso
De um casal exemplar.

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 19 de novembro de 2022

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

 

* * *

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

* * *

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

* * *

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.

* * *

Uma novilha amojada
Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.

* * *

Carneiro do meu sertão,
Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.

* * *

Vê-se o sertanejo moço
Com três meses de casado;
Antes de ir pro roçado,
Da mulher, beija o pescoço.
Ela lhe traz, no almoço,
Uma bandeja de angu,
A titela de um nhambu,
Depois lhe abraça e suspira.
O sertanejo admira
As manhãs do Pajeú.

* * *

É, bonito, é saudoso, é natural
O cenário do campo sertanejo.
No sertão, todo dia, bem cedinho
Vê-se um galo descendo do poleiro,
Um cabrito berrando no chiqueiro,
No terreiro, fuçando, um bacorinho.
Um preá sai torcendo o seu focinho,
Como um cego tocando realejo;
Na cozinha, uma velha espreme o queijo,
Um bezerro pulando no curral.
O retrato do corpo natural
É a veste do homem sertanejo.

* * *

O meu verso é como a foice
De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.

* * *

E o boi tristonho a puxar
O carro pela rodagem,
De tanta fome e de sede,
Chega a lhe faltar coragem,
Se vendo a listra de lágrimas
Correr na cara selvagem.

* * *

Botei espora nos pés,
Pulei em cima do bicho,
Entrei na mata fechada
Coberta de carrapicho,
Dando manobra na sela,
Chega rangia o rabicho.

* * *

São quatro peitos roliços
Que, unidos, fazem cama.
Todos quatro são furados
E o leite não se derrama,
Mas sai com facilidade
Depois que o bezerro mama.

* * *

O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bulindo.

* * *

A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.

* * *

Feliz está o vaqueiro
Ordenhando a vacaria;
Já bebeu o leite quente,
Comeu da coalhada fria
E quando sai para o campo,
Canta, aboia e assovia.

 

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 12 de novembro de 2022

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (III) - (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIO FLORIANOM)UND

 

Orlando Tejo (1935- 2018), e o seu livro, que já vai na 11ª edição, e foi tema de vários documentários, teses, artigos e estudos

* * *

Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba
Um índio passou-lhe a bimba
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num tratô
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá.

* * *

Eu cantei lá no Recife
Dentro do pronto socorro
Ganhei 500 mil réis
Comprei 500 cachorros
Morri no ano passado
Mas neste ano, não morro.

* * *

Frei Henrique descansou
Nas encosta da Bahia
Depois fez a travessia
Pra chegá onde chegou
Pegou a índia, champrou
Ela não pôde falá
Assou carne de jabá
Misturou com querosene
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

Um General de Brigada
Com quarenta grau de febre
Matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio
Peixe só presta de rio
Piau de tromba amarela.

* * *

Na corrida de mourão
Quem corre mais é quem ganha
São Thomé vendia banha
Na fogueira de São João
Foi na guerra do Japão
Que se deu essa ingrizia
Camonge quage morria
Da granguena berra-berra
Quem se morre é quem se enterra
Adeus, até outro dia.

* * *

Às tantas da madrugada
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão.

* * *

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum
Feliz da mesa que tem
Costela de guaiamum
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem compromisso nenhum.

* * *

Jesus ia rezar missa
Na capela de Belém
Chegou Judas Carioca
Que viajava de trem
Trazia trinta macaco
Botou tudo num buraco
Não tinham nenhum vintém.

* * *

Jesus saiu de Belém
Viajando pra o Egito
No seu jumento bonito
Com uma carga de xerém
Mais tarde pegou um trem
Nossa Senhora castiça
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!

* * *

São Pedro, na sacristia
Batizou Agamenon
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom
Montado na sua idéia
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

* * *

Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

* * *

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando pra ela
Cheio de contentamento
O satanás num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento.

* * *

Eu vi numa gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcaça de um jumento
Que bicho mais peçonhento
É lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento.

* * *

Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô qui num é tolo
Sei tirá couro de bode
Sei impaiolá tijolo
Sô o cantado milhó
Qui a Paraiba criou-lo.

* * *

POETA MERLÂNIO MELO FALA SOBRE ZÉ LIMEIRA

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de novembro de 2022

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (II) - (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

* * *

No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num Dia de Finado
Uma vaca pastava no cercado
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina
Um moleque zarôi vendia pente
Um cavalo chinês trincava o dente
Uma zebra corria atrás dum frade
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,
Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem
Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento.

Já namorei uma Rosa
Que era nega cangaceira,
Gostava de fazê feira,
Tinha uma boca mimosa
Mas, por modo dessa prosa,
Escrevi pra Santa Rita…
Ronca o pombo na guarita,
Passa um poico no chiqueiro,
Diz o bode do terreiro:
Viva a moça mais bonita

Ainda não tinha visto
Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

No samba que nego dança
Tem cheiro de muçambê
Quem nunca viu venha vê
Limeira fazendo trança
Foi lá perto de Esperança
Que eu ví a truba passá
Cai aqui cai acolá
Sargento, cabo e dotô
Canta , canta, cantador
Que teu destino é cantar.

Eu não sei fazer o doce
Mas sei quando ele tá bom,
Moça que bota batom
Pra mim ela já danou-se
Lampião se atrapalhou-se
Ficou pra lá e pra cá,
Foi quando no Ceará
A guerra se arrebentou
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava ,
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno…
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num trator
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

A minha póica maluca
Brigou com setenta burro
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca
Dei-lhe um bofete na nuca
Que derrubei seu chapéu
Vai chegando São Miguel
Montando numa cadela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Eu me chamo Zé Limeira
Cantador do meu sertão
O sino de Salomão
Tocando na laranjeira
Crepusco de fim-de-feira
Museu de São Rafael
O juiz prendeu o réu
Depois fechou a cancela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Quando Abel matou Caim
No Rio Grande do Sul
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as beradas de capim
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumode prender Abel
Dois pedaços de costela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

 

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de outubro de 2022

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (I) - (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

 

* * *

Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e o mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento:
“Tudo aquilo era boato”
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento!

Um dia Nossa Senhora
Se encontrou com Rui Barbosa
Tiraram um dedo de prosa
Viraram e foram se embora
Judas se enforcou na hora
Com uma corda de cimento
Botaram os filhos pra dentro
Foi pra arca de Noé,
Viva a princesa Isabé,
Diz o Novo Testamento.

Pedro Álvares Cabral
Inventou o telefone
Começou tocar trombone
Na porta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento.

Um sujeito chegou no cais do porto
E pediu emprego de alfaiate
Misturou cinturão com abacate
E depois descobriu que estava morto
Ligou seu rádio no focinho de um porco
E afogou-se num chá de erva cidreira
Requereu um diploma de parteira
E tocou numa ópera de sinos…
Eram mãos de dezoito mil meninos
E não sei quantos pés de bananeira.

Eu já cantei no Recife
Na porta do Pronto Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas este ano eu não morro…

Sou casado e bem casado
Com quem não digo com quem
A mulher ainda é viva
Mas morreu mora no além
Se voltar um dia à Terra
Vai morar no pé-da-serra
Não casa com mais ninguém.

Lá na serra do Teixeira
Zé Limeira é o meu nome,
Eurico Dutra é um grande
Mas vive passando fome
Ainda antonte eu peguei
Na perna dum lubisome.

Minha mãe era católica
E meu pai era católico
Ele romano apostólico
Ela romana apostólica
Tivero um dia uma cólica
Que chamam dor de barriga
Vomitaro uma lumbriga
Do tamanho dum farol
Tomaro Capivarol
Diz a tradição antiga.

Minha avó, mãe de meu pai
Veia feme sertaneja
Cantou no coro da Igreja
O Major Dutra não cai
Na beira do Paraguai
Vovó pegou uma briga
Trouve mamãe na barriga
Eu vim dentro da laringe
Quage me dava uma impinge
Diz a tradição antiga.

Zé Limeira quando canta
Estremece o Cariri
As estrêla trinca os dente
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civí

Aonde Limeira canta
O povo não aborrece
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Quem vem lá é Zé Limeira
Cantor de força vulcânica
Prodologicadamente
Cantor sem nenhuma pânica
Só não pode apreciá-lo
Pessoa senvergônhanica.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de outubro de 2022

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

AMANHÃ

Amanhã, ilusão doce e fagueira,
Linda rosa molhada pelo orvalho:
Amanhã, findarei o meu trabalho,
Amanhã, muito cedo, irei à feira.

Desta forma, na vida passageira,
Como aquele que vive do baralho,
Um espera a melhora no agasalho
E outro, a cura feliz de uma cegueira.

Com o belo amanhã que ilude a gente,
Cada qual anda alegre e sorridente,
Como quem vai atrás de um talismã.

Com o peito repleto de esperança,
Porém, nunca nós temos a lembrança
De que a morte também chega amanhã.

* * *

HERANÇA

Querida esposa que ouvindo está
Roubou-lhe o tempo a jovial beleza,
Mas tem o dote da maior nobreza
Sua bondade não se acabará.

Morrerei breve, porém Deus lhe dá
Força e coragem com a natureza
De no semblante não mostrar tristeza
Quando sozinha for viver por cá.

Não tenho terra, gado, nem dinheiro,
Só tenho o galo dono do terreiro
Que a madrugada nunca ele perdeu.

Conserva esposa, minha pobre herança,
Seja bem calma, paciente e mansa,
Você não chore, que este galo é seu.

* * *

A FESTA DA NATUREZA

Chegando o tempo do inverno,
Tudo é amoroso e terno,
Sentindo o Pai Eterno
Sua bondade sem fim.
O nosso sertão amado,
Estrumicado e pelado,
Fica logo transformado
No mais bonito jardim.

Neste quadro de beleza
A gente vê com certeza
Que a musga da natureza
Tem riqueza de incantá.
Do campo até na floresta
As ave se manifesta
Compondo a sagrada orquesta
Desta festa naturá.

Tudo é paz, tudo é carinho,
Na construção de seus ninho,
Canta alegre os passarinho
As mais sonora canção.
E o camponês prazentero
Vai prantá fejão ligero,
Pois é o que vinga premero
Nas terras do meu sertão.

* * *

MEDO DA MORTE

Cachingando, cego e surdo
Sem ver e sem estar ouvindo
Pra mim não é absurdo
Vou meu caminho seguindo
Nunca pensei em morrer
Quem morre cumpre um dever
Quando chegar o meu fim
Eu sei que a terra me come
Mas fica vivo o meu nome
Para os que gostam de mim.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 08 de outubro de 2022

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE PELEJA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A genial poeta cearense Dalinha Catunda, colunista do Jornal da Besta Fubana

* * *

Dalinha Catunda glosando o mote

Paixão cega e tosse braba
Só vêm pra lascar o peito.

Não sou mulher de chorar
Por quem não liga pra mim
Eu mando é comer capim
Jamais vou me acabrunhar
Paixão que vem pra lascar
Não acolho e nem respeito
Despacho logo o sujeito
Pois meu encanto se acaba:
Paixão cega e tosse braba
Só vêm pra lascar o peito.

* * *

Chico Nunes glosando o mote:

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia
Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira…
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

* * *

José Lucas de Barros glosando o mote:

A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

Chico Motta viveu de cantoria,
Imitando as graúnas sertanejas,
Nos ardores de inúmeras pelejas
Que aprendeu a enfrentar com galhardia;
Seu programa, nem bem raiava o dia,
Acordava o sertão alvissareiro,
Mas, depois do seu verso derradeiro,
Que inda está, nas quebradas, ecoando,
A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

* * *

Pinto do Monteiro glosando o mote:

Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

Me lembro perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai cavava a cova
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade,
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

* * *

Severino Ferreira glosando o mote:

O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

Sei que Pinto deixou como recinto
A Monteiro que é sua cidade
O Nordeste até hoje tem saudade
De um poeta pacato e tão distinto
Outro galo não faz mais outro pinto
Que seja poeta e verdadeiro
Se pegar a galinha no terreiro
E tentar fabricar o ovo “gora”
O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

* * *

Waldir Teles glosando o mote:

Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

Quando morre um parente ou um amigo
Resta só lamentar, ninguém dá jeito
A tristeza se aloja em nosso peito
A angústia se apossa do abrigo
O seu corpo levado pra o jazigo
É seguido por uma multidão
Nem compensa apertar na sua mão
É inútil dizer não vá agora
Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

* * *

Jó Patriota glosando o mote:

A casa que tem criança
Deus visita todo dia.

Quando a criança adormece
A mãe já fraca do parto
Nos quatro cantos do quarto
Deus em pessoa aparece.
O Santo Espírito desce
Distribuindo alegria
Aquela rede sombria
Tem uma mão que balança
A casa que tem criança
Deus visita todo dia.

* * *

PELEJA DE MANOEL RIACHÃO COM O DIABO – Leandro Gomes de Barros

Riachão estava cantando
Na cidade de Açu
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu,
Tinha a camisa de sola
E as calças de couro cru.

Beiços grossos e virados
Como a sola de um chinelo,
Um olho muito encarnado,
O outro muito amarelo,
Este chamou Riachão
Para cantar um duelo.

Riachão disse: – Eu não canto
Com negro desconhecido
Porque pode ser escravo
E andar por aqui fugido
Isso é dar cauda a nambu
E entrada a negro enxerido.

Negro

Eu sou livre como o vento
E minha linhagem é nobre
Sou um dos mais ilustrados
Que o sol neste mundo cobre.
Nasci dentro da grandeza
Não sai de raça pobre.

Riachão

Você nega porque quer
Está conhecido demais
Você anda aqui fugido
Me diga que tempo faz?
Se você não for cativo
Obras desmentem sinais.

 

Negro

Seja livre ou seja escravo
Eu quero cantar martelo
Afine a sua viola
Vamos entrar em duelo
Só com a minha presença
O senhor está amarelo.

Riachão

Vejo um vulto tão pequeno
Que nem o posso enxergar
Julgo que nem é preciso
Nem a viola afinar
Pela ramagem da árvore
Vê-se o fruto que ela dá.

Negro

Riachão isto é frase
De homem muito atrasado
Porque são vistos fenômenos
Que na terra se têm dado:
Uma cobra tão pequena
Mata um boi agigantado.

Riachão

Meu riacho pela seca
Dá cheias descomunais
Na correnteza das águas
Descem grandes animais
Jibóias, surucujubas
E jaguares a mais.

Negro

O jaguar rende-me culto
A serpente aos meus pés morre
No que chegar minha ira
Só um poder o socorre
Eu digo ao rio: “Pare ai!”
A água para e não corre.

Riachão

Você não é Josué
Que mandou o sol parar
Esse parou três dias
Para a guerra acabar
Nem Moisés que com a vara
Fez o mar também secar.

Negro

Faço tudo que quiser
Minha força é sem limite
Os feitos por mim obrados
Não vejo homem que os cite
Eu determino uma coisa
Não há força que a evite.

Riachão

Salomão também fazia
O que queria fazer
Por meio de mágica ou química
Quis segunda vez nascer
Mas em vez do nascimento
Conseguiu ele morrer.

Negro

Salomão facilitou
Confiado na ciência
Encaminhou tudo bem
Mas faltou-lhe a paciência
Se não fosse aquele erro
Tinha tido outra existência.

Riachão

Eu necessito saber
Onde é seu natural
Porque não sei se o senhor
Tem nascimento legal
De qual nação é que vem
Se procede bem ou mal.

Negro

Você vem interrogar-me
Eu lhe interrogo também
Diga para onde vai
E de qual parte é que vem
Se é solteiro ou casado
Diga que profissão tem?

Riachão

Não tenho superior
Sou filho da liberdade
E não conto minha vida
Pois não há necessidade
Porque não sou foragido
Nem você é autoridade.

Negro

É preciso advertir-lhe
Fazer-lhe observação
Me trate com muito jeito
Cante com muita atenção
Veja que não se descuide
E passe o pé pela mão.

Riachão

E para cantar repente
Já estou muito habilitado
Conheço algumas matérias
Sou um pouco adiantado
Tive estudo quatro anos
Me considero letrado.

Negro

Sou professor de matérias
Que sábio não as conhece
A lei que dito no mundo
O próprio rei obedece
Meus feitos são conhecidos
A fama se estende e cresce.

Riachão

Você diz que tem ciência
Dê-me uma explicação
Se a Terra faz movimento
De quem é a rotação?
Por que é que em 12 horas
Há uma transformação?

Negro

O sol não é quem se move
Este é fixo em seu lugar
A Terra está sobre eixos
Os eixos a fazem rodar
Que por essa rotação
Faz a luz do sol faltar.

Riachão

Descreva o grande mistério
Que entre nós a Terra tem:
De que é formada a chuva
Em que estado ela vem
É criada aqui por perto
Ou em um lugar além?

Negro

A água em estado líquido
Por meio de abaixamento
Que há na temperatura
E pelo resfriamento
Essa água é condensada
Ajudada pelo vento.

A corrente atmosférica
De uma montanha elevada
Que ajuda a temperatura
Forma nuvem condensada
Do vento movendo as nuvens
É disso a chuva formada.

Que essa chuva depois
Que toda a terra ensopar
Por meio da evaporação
Torna ao espaço voltar
Reproduzindo o processo
Que acabei de lhe tratar.

Riachão

O senhor conhece bem
Este país brasileiro?

Negro

Ora, respondeu o negro
Eu conheço o estrangeiro
Desde o córrego mais pequeno
Até o maior ribeiro.
Por exemplo o Amazonas
Que extrema com o Pará
O Pará com o Maranhão
Piauí com o Ceará
E assim todos mais outros
Se alguém duvida é ir lá.

E se qualquer um daqui
Pretendendo viajar
Até o Rio de Janeiro
E não querendo ir por mar
Eu lhe ensino o caminho
Ele vai sem se vexar.

Riachão

Como fez esta viagem
Onde se encontra caminho?
Lugar de uma só morada
Sem haver mais um vizinho
Tanto que em muitos lugares
Não anda homem sozinho.

Negro

Pode qualquer um sair
Do Açu ao Mossoró
Querendo pode passar
Na cidade de Caicó
Subir pela margem esquerda
Do rio do Seridó.

Riachão disse consigo
Esse negro’ é um danado!
Esse saiu do inferno
Pelo demônio mandado
E para enganar-me veio
Em um negro transformado.

Disse o negro: — Meu amigo
Não queira desconfiar
Garanto que o senhor
Não ouviu bem eu cantar
Na altura que eu canto
Outro não pode chegar.

Riachão

Vá na altura em que for
Riachão lhe respondeu
Remexa todos os livros
Que o senhor aprendeu
Eu não conheço esse ente
Que cante mais do que eu.

Negro

Você ficará sabendo
O peso de um cantador
Quando me vir outra vez
Me trate de professor
Render-me-á obediência
Conhecerá meu valor.

Riachão

O senhor diga o seu nome
Eu quero lhe conhecer
Pois só assim posso dar-lhe
O valor que merecer
Em tudo que você diz
Ainda não posso crer.

Negro

Você sabendo eu quem sou
Talvez que fique assombrado
Superior a você
Comigo tem se espantado
Os grandes de sua terra
Eu tenho subjugado.

Riachão

Eu canto há dezoito anos
Há vinte toco viola
Sempre encontro cantador
Que só tem fama e parola
Quando canta meio-dia
Cai nos meus pés, no chão rola.

Negro

Eu já canto há muitos anos
Não vou em toda função
Arranco pontas de touro
Quebro o furor do leão
Nunca achei esse duro
Que para mim tenha ação.

Riachão

Garanto que de hoje em diante
O senhor tem que encontrar
A força superior
Que o obrigue a se calar
Porque eu boto o cerco
Quem vai não pode voltar.

Negro

Manoel tu és criança
Só tens mesmo é pabulagem
Vejo que falar é fôlego
Porém obrar é coragem
Juro que de agora em diante
Não contarás mais vantagem.

Riachão

Meu pai chamava-se Antônio
Seu apelido era Rio
De uma enxurrada que dava
Cobria todo baixio
Secava em tempo de inverno
Enchia em tempo de estio.

Negro

Conheci muito seu pai
Que vivia de pescar
Sua mãe era tão pobre
Que vivia de um tear
Seu padrinho tomou você
E levou-o para criar.

Riachão

Onde mora o senhor
Que a meu avô conheceu?
Que eu nem me lembro mais
Do tempo que ele morreu
E você está parecendo
Muito mais moço que eu.

Negro

Eu sei o dia e da hora
Que nasceu seu bisavô
Chamava-se Ana Mendes
A parteira que o pegou
E conheci muito o frade,
E vi quando o batizou.

Riachão

Bote sua maca abaixo
Conte sua história direito
Da forma que você conta
Eu não fico satisfeito
Como ver-se um objeto
Antes daquilo ser feito?

Negro

Seu bisavô se chamava
Apolinário Canção
Era filho de um ferreiro.
Que o chamavam Gavião
Sua bisavó Lourença
Filha de Amaro Assunção.

Riachão

Mas que idade tem você?
Que me faz admirar?
Conheceu o meu bisavô?
Eu não posso acreditar
Assim nestas condições
Me faz até desconfiar.

Negro

Seu bisavô e avô
Foram por mim conhecidos
Seu pai, sua mãe e você
Antes de serem nascidos
Já estavam na minha nota
Para serem protegidos.

Riachão

Que proteção tem você?
Para proteger alguém
Sua pessoa e os trajes
Mostram o que você tem,
A sua cor e aspecto
Esclarecem muito bem.

Negro

Eu protejo você tanto
Que o defendi de morrer
Você se lembra da onça
Que uma vez quis lhe comer?
Que apareceu um cachorro
E fez a onça correr?

Riachão

Me lembro perfeitamente
Quando a onça me emboscou
Que já ia marcando o salto
Que um cachorro chegou
A onça correu com medo
Eu não sei quem me salvou.

Negro

Pois foi este seu criado
Que viu a onça emboscá-lo
Eu chamei por meu cachorro
Para da onça livrá-lo!
Se lembra quando você
Ouviu o canto de um galo?

Riachão

Eu me lembro disso tudo
Porque assim foi passado
Mas que idade tinha eu
Quando esse caso foi dado?
Eu era tão pequenino
Que meu pai teve cuidado.

Negro

Você tinha nove anos
Foi caçar um novilhote
Se entreteve com umas flores
Que tinha lá no serrote
A onça foi esperá-lo
Para lá soltar-lhe o bote.

Riachão disse consigo:
De onde veio esse ente
Que de toda minha vida
Conhece perfeitamente?
Esse será o diabo
Que está figurando gente?

Negro

O senhor pergunta assim
De que parte venho eu
Eu venho de onde não vai
Pensamento como o seu
Eu saí do ideal
Primeiro que apareceu.

Riachão

Agora acabei de crer
Que tu és o inimigo
Te transformaste em homem
Para vir cantar comigo
Mas eu acredito em Deus
Não posso correr perigo.

Negro

Ainda não lhe ameacei
Nem pretendo ameaçá-lo
Estou pronto a defendê-lo
Se alguém quiser atacá-lo
Em minha humilde pessoa
Tem um pequeno vassalo.

Riachão

Não quero saber de ti
Porque tu és traidor
Desobedeceste a Deus
Sendo Ele o Criador
Fizeste traição a Ele
Quanto mais a um pecador.

Negro

Riachão amas a Deus
Sendo mal recompensado
Deus fez de Paulo um monarca
De Pedro um simples soldado
Fez um com tanta saúde
Outro cego e aleijado.

Riachão

Se Deus fez de Paulo um rei
Porque Paulo merecia
Se fez de Pedro um soldado
Era o que a Pedro cabia
Se não fosse necessário
O grande Deus não fazia.

Negro

O teu vizinho e parente
Enricou sem trabalhar
Teu pai trabalhava tanto
E nunca pôde enricar
Não se deitava uma noite
Que deixasse de rezar.

Riachão

Meu pai morreu na pobreza
Foi fiel a seu Senhor
Executou toda ordem
Que lhe deu o Criador
E foi uma das ovelhas
Que deu mais gosto ao pastor.

Negro

Arre lá! lhe disse o negro
Você é caso sem jeito!
Eu com tanta paciência
Estou lhe ensinando direito
Você vê que está errado
Faz que não vê o defeito.

Riachão

É muito feliz o homem
Que com tudo se consola
Posso morrer na pobreza
Me achar pedindo esmola
Deus me dá para passar
Ciência e esta viola.

O negro olhou Riachão
Com os olhos de cão danado
Riachão gritou: — Jesus
Homem Deus Sacramentado!
Valha-me a Virgem Maria
A Mãe do Verbo Encarnado!

O negro soltando um grito
Ali desapareceu
De uma catinga de enxofre
A casa toda se encheu
Os cães uivavam na rua
O chão da casa tremeu.

Riachão ficou cismado
Com o cantor desconhecido
Que quando encontrava um
Tomava logo sentido
O seu primeiro repente
Era a Deus oferecido.

Essa história que escrevi
Não foi por mim inventada
Um velho daquela época
Tem ainda decorada
Minhas aqui só são as rimas
Exceto elas mais nada.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 01 de outubro de 2022

O TEMA É SAUDADE (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TEMA É SAUDADE

Pedro Malta

 

Francisco Maia de Queiroz, o Louro Branco (1943-2018)

* * *

Louro Branco

No dia que eu morrer
Deixo a mulher sem conforto
Roupas em malas guardadas
E o chapéu em torno torto
E a viola com saudades
Dos dedos do dono morto.

* * *

Lindomar Paiva

Uma vez eu amei muito e sofri,
A ela eu dediquei o meu carinho,
Mesmo assim, ela me deixou sozinho,
Sem pensar no quanto eu padeci,
Ela nem imagina o que eu perdi,
Nem o quanto sozinho eu chorei,
Tudo que ela me fez, eu perdoei,
Derramei toda lágrima no meu pranto,
Quem quiser ter saudades do meu tanto,
Sofra e ame do tanto que amei.

* * *

Manoel Filó

Quem numa separação
Sofrer contrariedade
Reconquiste o que perdeu
Pra viver mais à vontade
Porque não é de espingarda
Que a gente mata a saudade.

* * *

Biu de Crisanto

Não esqueço um só segundo
Dos dias da mocidade
Mas o tempo me roubou
Da vida mais da metade
Restando só amargura
Tristeza, dor e saudade.

* * *

Antonio Pereira de Moraes

Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.

*

Saudade tem cinco fios
Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.

*

Saudade é como a resina,
No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.

*

Adão me deu dez saudades
Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.

*

No Silêncio da Saudade
Quem ama sofre calado,
Ausente de seu amor!
Tornando-se um sofredor…
Porque não ver ao seu lado,
Seu coração é magoado!

*

Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

*
Se a saudade matasse
No túmulo eu já vivia
Há muito eu já residia
Mas continuo no impasse
Se o meu amor voltasse
Essa saudade morria
A mim não perturbaria
A vida era um mar de rosa
Cantando e falando prosa
Na vida eu tinha alegria…

*
Quem ama sofre calado
Seu peito é tristeza e dor
Tornando-se um sofredor…
Porque não tem ao seu lado,
Seu amor mais desejado
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 24 de setembro de 2022

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 15.07.22 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

* * *

Aderaldo Ferreira de Araujo (Cego Aderaldo)

Quis casar-me, oh, que loucura,
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recebo dia a dia,
Ouço apenas melodia,
Acostei-me à flor de um goivo,
De repente fiquei noivo,
Me casei com a poesia.

* * *

Dimas Batista

Na vida material
cumpriu sagrado destino
o Filho de Deus, divino,
nos deu gloria espiritual.
Deu o bem, tirou o mal,
livrando-nos da má sorte.
Padeceu suplicio forte,
como o maior dos heróis.
Morreu pra dar vida a nós:
A vida venceu a morte.

* * *

Diomedes Mariano

Na escola da vida todos vão,
Procurando aprender devagarinho,
É preciso saber com atenção,
Separar a roseira do espinho,
Quem semeia o que é bom, só colhe o bem,
Ninguém pode tentar pisar ninguém,
Que se julga mais fraco ou que se esconde,
Pra galgarmos sucesso nessa vida,
Humildade é o ponto de partida,
Só consegue o que quer, quem faz por onde.

* * *

João Paraibano

Dorme uma galinha choca
Sentindo as sombras das telhas
Um cão balança as orelhas
Mordidas de muriçoca
Se deita numa barroca
Sem conforto na dormida
Passa a língua na ferida
Enquanto chega o xerém
Todo mundo canta bem
Nas madrugadas da vida.

* * *

Pedro Bandeira

Pra quem tem educação
A fama se estabelece,
Toda pessoa merece
Que você dê atenção,
Cada história é uma instrução
Pra quem souber reparar,
E quem quiser aceitar
Aceite como cultura,
Cada uma criatura
Tem história pra contar.

* * *

Vinícius Gregório

E se eu nascesse de novo
E Deus me desse um menu
Onde eu visse o mundo inteiro,
Cada canto a olho nu.
E mandasse eu escolher
Onde eu queria nascer,
Com certeza ia dizer:
De novo no Pajeú!

* * *

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

* * *

Bráulio Tavares

A baleia é talvez o maior bicho
existente na terra ou no mar
e que o homem insiste em atacar
por maldade, por ódio ou por capricho.
Para o alto ela lança um grande esguicho
quando emerge de lá da profundeza;
mesmo sendo animal de tal grandeza
a ninguém ela ataca nem ofende;
tanta gente vê isso e não aprende
quanto é grande o poder da Natureza.

* * *

Genival Pereira (Gato Novo)

Dei na loba que Rômulo mamou nela
Agitei as água do rio Nilo
Fiz o mar acalmar, ficar tranquilo
E ajudei fazer Eva da costela .
Fui na arca quebrei uma janela
E ali soltei todos animais
Implorei a meu Deus, o Pai dos pais
E o dilúvio cessou em um minuto
Fiz Noé gargalhar num chão enxuto
E que é que me falta fazer mais …

* * *

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 17 de setembro de 2022

SEIS MESTRES DO IMPROVISO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

Pedro Malta

 

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,
rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

*

O menino e o rapaz,
estando juntos na sala,
um fala porém não ri,
o outro ri mas não fala;
um tem na mão um brinquedo,
tem o outro uma bengala.

*

Linda é a baixa de arroz
quando está amarelando;
uma vara em pé no meio
com um molambo balançando,
pros passarinhos pensarem
que tem gente tocaiando.

*

A cabra abana as orelhas
para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

*

Não fale mal de Zefinha,
Que nunca foi amor seu,
A mulher que fez da sua
Honra um presente e me deu.
Sonhou beijando um poeta,
Quando acordou era eu.

* * *

Otacílio Batista

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo prá serrana:
Bote um traguinho de cana
Bebe, tempera a garganta
Almoça , pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

*

O poeta e o passarinho
São ricos de inteligência
Simples como a natureza
Eternos como a ciência
Estrelas da liberdade
Peregrinos da inocência.

* * *

Diniz Vitorino

Nós temos por certa a morte,
mas ninguém deseja tê-la…
Quando morre uma criança,
o pai lamenta em perdê-la,
mas Jesus, todo de branco,
abre o céu pra recebê-la.

*

Meu colega, você vive
da fama que teve outrora,
e esses versos bem bolados
que o povo escuta e decora,
você faz de ano em ano
e eu faço de hora em hora!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Zé de Vidal

O coveiro é um vivente
De pequena autoridade;
De baixo nível e salário,
Porém na realidade,
Preso que coveiro prende
Nunca mais tem liberdade!

* * *

José Lucas de Barros

Quando menino, eu queria
Ser homem com rapidez,
Depois, contabilizando
Tudo que o tempo me fez,
Hoje morro de vontade
De ser menino outra vez.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de setembro de 2022

UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ

Pedro Malta

 

 

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

O RETRATO DO SERTÃO

Se o poeta marinheiro
Canta as belezas do mar,
Como poeta roceiro
Quero o meu sertão cantar
Com respeito e com carinho.
Meu abrigo, meu cantinho,
Onde viveram meus pais.
O mais puro amor dedico
Ao meu sertão caro e rico
De belezas naturais.

Meu sertão das vaquejadas,
Das festas de apartação,
Das alegres luaradas,
Das debulhas de feijão,
Das danças de São Gonçalo,
Das corridas de cavalo
Das caçadas de tatu,
Onde o caboclo desperta
Conhecendo a hora certa
Pelo canto do nambu.

É diferente da praça
A vida no meu sertão;
Tem graça, tem muita graça
Uma noite de São João.
No clarão de uma fogueira,
Tudo dança a noite inteira
No mais alegre pagode ,
E um caboclo bronzeado
Num tamborete sentado
Tocando no pé de bode.

Os que não querem dançar
Divertem com adivinha,
Outros brincam a soltar
Foguete traque e chuvinha.
A mulher quer ser comadre
E o homem quer ser compadre,
Um ao outro dando a mão.
Assim, o festejo cresce
E o sertão todo estremece
Dando viva a São João.

Se por capricho da sorte,
Eu sertanejo nasci,
Até chegar minha sorte
Eu hei de viver aqui,
Sempre humilde e paciente
Vendo, do meu sol ardente
E da lua prateada,
Os belos encantos seus
E escutando a voz de Deus
No canto da passarada.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de setembro de 2022

OITO MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE JOSÉ SOARES (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FORIANO)

 

Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

* * *

Otacílio Batista

Minha mãe me criou dentro do mar
Com o leite do peito de baleia
Me casei no oceano com a sereia
Que me fez repentista popular
Canto as noites famosas de luar
E linguagem das brisas tropicais
Entre abraços e beijos sensuais
Nos embalos das ondas seculares
Conquistei a rainha mãe dos mares
E o que é que me falta fazer mais?

* * *

Francisco Ferreira

O amor é força bruta
O estrondo do trovão,
Quando ele chega domina
As forças do coração,
É a claridez do relâmpago
Clareando a escuridão.

* * *

Luís Campos

Esse negócio de chifre
É coisa muito comum
Já levei chifre de noite
De manhã e em jejum
O remédio é paciência
Pitu e cinquenta e um.

* * *

Sebastião da Silva

No outono, verão e no inverno
Eu vivi trabalhando no roçado
Aboiando feliz atrás do gado
E vendo mato mudar seu próprio terno
Mas, com ordem do Santo Pai Eterno
Eu comprei a viola, o meu piano,
Nela ganho meu pão cotidiano,
É amiga, divina e predileta,
Obrigado meu Deus por ser poeta
Nos dez pés de martelo alagoano.

* * *

Dimas Batista

Ali na cabana de alguns pescadores
Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois a chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo meus versos na beira do mar.

* * *

João Paraibano

Cai a chuva no telhado,
a dona pega e coloca
uma lata na goteira,
onde a água faz barroca:
cada pingo é um baião
que o fundo da lata toca.

* * *

Poeta Anízio

A saudade é sentimento
Que amarga e dá prazer
Mas faz parte do viver
Do amor é o fermento
Se é parte do tormento
Ver as lágrimas derramando
Mesmo triste vou cantando
Não posso ficar fingindo
Saudade é chorar sorrindo
Com o coração chorando.

* * *

Onésimo Maia

Eu sou tão analfabeto,
Que nem sei dizer o tanto;
Vendo um lápis, tenho medo;
Vendo um caderno, me espanto,
Mas, quando um jumento rincha,
Eu penso um poema e canto.

* * *

O CEGO NO CINEMA – José Soares

Um mudo disse a um mouco
Que lembra quando nasceu.
O mouco disse também
Que um aleijado correu.
O cego disse que viu
Quando um defunto morreu.

O mudo, cego e o mouco,
Cada um com seu problema.
Os três então se uniram
Pra resolver o dilema.
E depois se encaminharam
A uma sessão de cinema.

Foram ao cinema Glória
Que não fica muito além,
E quando chegou a vez
Do cego pagar também,
Ele disse: – Eu vou pagar
Com uma nota de cem!

Quando a moça demorou
Para trocar o dinheiro
O cego abriu o bocão
E disse pro companheiro:
– Uma velha parideira
Pare muito mais ligeiro!

Pareciam três babacas
Cego, o mudo e o mouco,
Três figuras impolutas
Dois otários e um baiôco.
Ouvindo a conversa deles
Eu me ri que fiquei rouco.

 

O cego entrou no cinema
Com uma varinha na mão.
Tentou sentar na poltrona,
Arreganhou-se no chão.
Ficou ali, esperando
A hora da projeção.

O filme, naquele dia,
Era impróprio para 18.
O cego todo metido
Numa jaqueta V-8,
Além de ser malcriado,
Ainda era um cego afoito.

Quando começou o filme,
Ia tudo muito bem.
Mas, um trovão de risada,
Partindo não sei de quem,
Fez o povo dar risada,
E o cego sorrir também.

Vendo a plateia sorrindo,
O cego gritava à toa.
Na cadeira, junto ao cego,
Sentou-se uma mulher boa.
O cego disse: -Gostosa!
Eu adoro uma coroa!

Já na metade do filme,
O cego se levantou,
Procurou uma parede,
Mas a mão escorregou
E alcançou um lugar
Que a coroa não gostou.

A coroa levantou-se
E disse: – Você tá cego?
Ele disse: – Não senhora,
Às vezes eu escorrego.
A madame me desculpe,
De outra vez eu não pego!

A coroa, revoltada,
Foi se sentar lá na frente,
Mas um sujeito tarado
Gritou logo: – Passa o pente!
Essa coroa arrochada
Nem parece que é crente!

Aí, catucaram o cego,
E ele se aborreceu.
Ele disse: – Quem quer a feira?
Na tua mãe mando eu.
Eu já deixei uma dona
Porque cutucava eu!

No filme o mocinho disse:
– O bandido desmaiou!
O cego, em cima da bucha
Gritou bem alto: – Matou!
Que o cego não era cego
Todo mundo acreditou.

Antes do filme acabar,
O mouco gritava: – Ei!
Gostasse muito do filme?
O cego disse: – Gostei!
A emoção foi tão grande
Que eu quase me borrei!

Gosto de filme de pau,
Para me rir com a luta.
Mas, quase meti o braço
Numa nega feia e bruta,
Que me chamou de cego
Comedor de araruta…

Eu nunca perco um filme
Quando me dizem que é bom.
Lá, eu entro até usando
Uma sandália Verlon,
Seja no Art-Palácio,
São Luiz e Trianon…

– Assisto briga de galo,
Jogo dama e dominó,
Vejo corrida no prado,
Depois vou dançar forró.
Jogo também de goleiro,
Mas pego uma bola só…

– O Sport, quando joga,
Eu vou para ver Odilon.
Fui ver o treino do Náutico,
Não tinha jogador bom.
Quando o Santa joga, eu vou
Ver o pique de Ramon!

– Fui a urna gafieira
Apreciar um embalo.
Depois, fui em Ouro Preto
Ver uma briga de galo,
E nunca achei atrevido
Que pisasse no meu calo!

Eu tenho uma namorada,
Só vocês vendo a paixão.
É bonita e carinhosa,
Só me chama tremendão.
Quando me encontro com ela,
É muita chumbregação!

– Quando não estou disposto,
Ela me chama de mole.
Parada, é um mexe-mexe,
Quando anda, um bole-bole.
Se eu reclamo ela diz
Que eu sou miado do fole!

– No dia que quer namorar,
Segura na minha mão
E diz: -Meu ceguinho lindo,
To sentindo um comichão.
Se deite aqui do meu lado,
Vem meu cavalo do cão!

Eu vivo triste porque
Só fiquei sabendo agora
Que ela tem um defeito:
Fuma como uma caipora,
E é tão mal feita de corpo,
Que parece uma albacora…

Também meu amigo-urso
Disse que ouviu falar,
Que ela disse a um doido
Que não queria casar,
Que eu, além de ser cego,
Não sabia namorar…

– Ela só gosta de homem
Que é desplanaviado.
Não liga que seja cego,
Mudo, surdo ou aleijado.
Ta certo que eu sou um cego,
Mas não sou cego safado!

– Disseram também que ela
Está carregando um bucho
De não sei quem, mas criar
Filho de outros é luxo.
Do jeito que a coisa vai,
Não aguento esse repuxo!

– Outro dia, viram ela
No beco da malandragem,
Junto com uma baranga
Que gosta de fuleiragem,
E o ceguinho, aqui, não pode
Carregar essa bagagem.

Os que contaram a estória,
Garantem que não mentiram.
Dois aleijados dançaram,
E dois pobres cegos se viram
Os dois mudos que cantaram
E os dois moucos que ouviram


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de agosto de 2022

JONAS BEZERRA E ACRÍZIO DE FRANÇA: DOIS REPENTISTAS TALENTOSOS
 

JONAS BEZERRA E ACRÍZIO DE FRANÇA: DOIS REPENTISTAS TALENTOSOS

Pedro Malta

 

Acrízio de França

Hoje aqui nesse festim
A viola emociona
Quem chegar aqui na zona
Pra poder nos escutar
Essa arte popular
Vai voar pro exterior
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Agora peguei o ritmo
Que manda Acrízio de França
Porque a minha esperança
Aqui não vai apagar
Estilo pode criar
Você é meu professor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Acrízio de França

O estilo da cantoria
Vem da minha criação
Se esse estilo é bom ou não
Você é quem vai julgar
Tem você pra me ajudar
E o povo pra dar valor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Respondo a sua pergunta
Eu gostei do seu estilo
Mais parece o rio Nilo
Indo pra dentro do mar
Depois que na terra entrar
Eu rasgo como um trator
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar .

Acrízio de França

Hoje aqui na grande festa
Dos poetas violeiros
Nós trouxemos os redeiros
Pra poder nos apoiar
Mesmo em cantiga de bar
Esses jovens dão valor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pega a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Cantando o rio
Chamado rio Piranhas
Eu sou filho das entranhas
Da Paraíba exemplar
Minha homenagem
É pra todos do setor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Voa sabiá
Veja outros horizontes
Passe por cima dos montes
Enxergue cada pomar
Viva feliz
Com os filhotes no seu ninho
Do jeito de um passarinho
Eu também quero voar
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar “.
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.

Acrízio de França

Ao caçador
Eu peço a partir de agora
Não bote o fogo na flora
Pra ver onde ele pode estar
Também já fui
Caçador de espingarda
Mais hoje em dia eu sou guarda
Pra deter quem for matar
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de agosto de 2022

TRÊS MOTES BEM GLOSADOS E UM CORDEL DE BICHOS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O grande poeta cantador paraibano Nonato Costa

* * *

Nonato Costa glosando o mote:

Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Pra quem vai prestar contas a Jesus
Tem pra sempre gratuita uma morada
E como símbolo na porta de entrada
Tem o nome do dono numa cruz
Não tem conta de água nem de luz
Não precisa avalista ou corretor
E Deus perdoa seu saldo devedor
Quando o banco da vida abre falência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Não existe desvio no caminho
Quando o cerco da morte está armado
Pelos súditos o rei vive cercado
Mas no dia que morre vai sozinho
Dos dois lados do túmulo tem vizinho
Mas não há um diálogo a se propor
E a caveira jamais vai recompor
A beleza que tinha a aparência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

O local é salgado pelo pranto
Dos que perdem seus entes mais queridos
Os irmãos, as esposas, os maridos
E os amigos que vão praquele canto
Condomínio fechado, campo santo
É pra lá que vai todo pecador
E ao entrar a balança do Senhor
Tira um peso da nossa consciência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Empresário, princesa, vagabundo
Evangélico e ateu, homem ou mulher
Apesar de ser grátis ninguém quer
Nesta casa morar nenhum segundo
O portal que nos leva a outro mundo
Não exige função superior
E nem precisa RG que o emissor
Quando chama já sabe a referência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Com chibanca ou enxada o homem faz
Esta casa sem planta e sem dinâmica
Onde o piso é sem pedra de cerâmica
E o seu teto sem lustres de cristais
Sem textura as paredes laterais
Sem contato com o mundo exterior
E uma hora qualquer seu construtor
Vai pra lá encerrar sua existência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote:

São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

O latido amistoso de um “jupi”,
Vira-lata raçudo sem ter raça,
Uma banda de pífanos na praça,
O penoso cartar da juriti,
Um boaito saindo do jequi
E um vaqueiro a pegá-lo pela mão,
O estrondo redondo do trovão
Avisando que em breve vai chover,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

* * *

Zé Silva glosando o mote

Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

Como é bom ser menino, ser criança,
Ter um mundo de sonhos, de ilusões,
Caminhar num caminho de emoções,
Aquecido no sol da esperança.
No entanto, esse tempo de bonança,
Como tudo que é bom, pouco demora.
Como a marcha dos anos me apavora
E a tudo transforma tão ligeiro!
Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

* * *

Um cordel da autoria de Arievaldo Viana e Gonzaga Vieira

UM DIA DE ELEIÇÃO NO PAÍS DA BICHARADA

O comendador Cachorro
Era um amigo dileto
Da velha Rita Mingonga
De quem sou tataraneto
Quando os bichos escreviam
Os dois se correspondiam
Com ternura e com afeto

Depois que a velha morreu
Ficou a correspondência
Com sua neta Raimunda
Que deixou pra tia Vicência
Titia deixou pra mim
E foi justamente assim
Que aprendi cantar ciência

Morava o comendador
Na Vila da Cachorrada
Município da Rabugem
Distrito Tábua Lascada
Na corte do Rei Leão
Era um grande figurão
Porém não fazia nada

O elefante e o urso
Eram grandes generais
Tramaram uma revolta
No reino dos animais
E depois em praça pública
Proclamaram a República
Tornando-se os maiorais

 

Deportaram o velho rei
Para uma selva africana
Leão terminou seus dias
Já velho, numa savana
Levou somente o macaco
Viviam de vender tabaco
Cachaça, ovo e banana

O general elefante
Implantou a ditadura
Mandou prender o cachorro
Numa sala muito escura
De lá cachorro escreveu
Tudo que aconteceu
Falou até de tortura

Nesse tempo apareceu
Um tucano oportunista
Galego, do olho azul
Se dizendo progressista
Aliou-se a um pavão
Que enganava a nação
Com papo socialista

No tempo da ditadura
Do general elefante
O pavão foi deportado
Por ser um bicho pedante
Doutor em sociologia
Depois, com a democracia
Ele voltou triunfante

Candidatou-se o tucano
Tornou-se governador
O pavão por sua vez
Elegeu-se senador
Com o poder foi transformado
Renegou todo o passado
Tornando-se um traidor

Chegando a presidência
Tendo como vice o galo
Tornou-se um lesa-pátria
Este pavão de quem falo
Cachorro disse bem franco:
“ – Da águia do ninho branco
Ele tornou-se um vassalo…”

Aliou-se com o urso
Um grande da ditadura
Amigo dos generais
Político da linha dura
Fez grande carnificina
Privatizou toda usina
De fabricar rapadura

Tornou-se um vendilhão
No reino dos animais
Entregou seu patrimônio
Pois vendeu as estatais
Vendeu, subornou, mentiu
Coisa que nunca se viu
No tempo dos generais

Nesse tempo existia
Um sapo muito falante
Porta voz dos proletários
Desde o tempo do elefante
Candidatou-se também
Como não tinha um vintém
Jamais saiu triunfante

Porque política é assim
Só dá pra quem tem dinheiro
Sapo tinha um aliado
Um tal de dr. carneiro
Sujeito honrado e bondoso
Mas por ser muito teimoso
Tinha fama de encrenqueiro

Por ser um trabalhador
O sapo era rejeitado
Além do mais o pavão
Era um sujeito escovado
Apoiado por tucano
( Que era rico e tirano )
Trazia o povo enganado

Toda imprensa do reino
Falava bem do pavão
A águia financiava
As despesas da eleição
Pavão muito vaidoso
Viajava orgulhoso
Com o seu alto escalão

O sapo com tudo isso
Perdia a calma e o sossego
Dizendo que o pavão
Aumentara o desemprego
O pavão dizia ao povo:
“ – Este fato não é novo,
Não dêem ouvido a este nêgo!”

Cachorro na sua carta
Culpava sempre o povão
Que não sabia votar
No dia da eleição
Lembro que ele dizia
Que o sapo sempre perdia
Quem ganhava era o pavão

Cachorro denunciava
Tudo isso com ardor
Porém dizia que os bichos
À pátria não tinham amor
Um burro desempregado
Apesar de ser coitado
Do pavão era eleitor

Não sei como terminou
A história aqui narrada
Pois a carta do cachorro
Já está velha e rasgada
Mas garanto que o leitor
Se for observador
Vê que não está errada

Porque esta velha história
Do tempo da bicharia
Que eu encontrei nesta carta
Que recebi da titia
Parece bem atual
Garanto que este mal
Inda acontece hoje em dia

Por isso, caros leitores
Façam uma reflexão
Que essa carta do cachorro
Sirva agora de lição
Pense no que foi narrado
Para não votar errado
Nessa próxima eleição

Não se deixem iludir
Por uma falsa aparência
Pois existe muito lobo
Que só demonstra inocência
Porém é devorador
Perverso, mal, traidor
Discípulo da violência

Sou amigo da verdade
Por ela mato e até morro
Confio em Nossa Senhora
A do Perpétuo Socorro
Porém se você duvida
Não arrisque a sua vida
Com história de cachorro.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de março de 2021

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO (PEDRO MALTA É COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO

O poeta cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores nomes da cantoria de improviso da atualidade

* * *

O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

* * *

Olho a tela do tempo e me torturo
Vejo o filme do meu inconsciente,
Meu passado maior que o meu presente
Meu presente menor que o meu futuro;
Se a velhice é doença eu não me curo,
Que os três males que atacam um ancião:
São carência, desprezo e solidão,
E é difícil escapar dessa trindade;
Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação.

* * *

Registrando o passado e o presente,
Para tudo o cordel tem sempre espaço:
Pra amor, pra política, pra cangaço,
Romaria, promessa e penitente,
Retirante, romeiro, presidente,
Seca, fome, fartura, inundação.
Qualquer um que quiser informação,
Nele encontra o melhor documentário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.

* * *

Entre os Dez Mandamentos dos sermões,
Respeitar pai e mãe é o primeiro,
O defeito de um filho é ser grosseiro;
A virtude dos pais é serem bons.
Todo filho tem três obrigações:
Escutar, respeitar e obedecer;
Respeitar pai e mãe é um dever;
Esquecer mãe e pai é grosseria,
Se não fossem meus pais, eu não teria
O direito sagrado de viver.

* * *

Com pintura e poesia
Nossa festa está completa;
Não tem quase diferença
Do pintor para o poeta:
Eu trago a imagem abstrata,
E ele a imagem concreta.

* * *

Itapetim és a pista
De Louro, Otacílio e Dimas
Aonde o carro das rimas
Obedece ao motorista
Que cada página é revista
Escrita em diversas cores
És do Pajeú das Flores
A mais poética cidade
Itapetim, faculdade
Que diploma cantadores.

* * *

Monteiro berço divino
De povo alegre e feliz,
De Pinto, de Jansen Filho,
De Heleno e de Diniz;
O chão que deu quatro estrelas
Não foi céu porque não quis.

* * *

Quem não cantar do meu tanto
Não acompanha o meu passo,
Não tem a força que eu tenho,
Quando manejo o meu braço,
Não planta a roça que eu planto
Nem faz verso que eu faço.

* * *

Na vida de Michael Jackson
Eu digo o que aconteceu
Não tinha fama arranjou
Era pobre enriqueceu
Era preto ficou branco
Mudou de cor e morreu.

* * *

Eu sei que Jesus do céu me conhece,
Gosta do meu verso, dessa propaganda.
Se eu peço um repente, o Cristo me manda,
Me manda ligeiro, pois lá do céu desce.
Depois, na cabeça, o verso aparece,
Me desce pra boca pr’eu pronunciar.
Inda tem um anjo para me ajudar.
E tem uma máquina nesse meu juízo:
Não faz outra coisa, só faz improviso
Nos dez de galope na beira do mar.

* * *

GERALDO AMÂNCIO CANTANDO COM VALDIR TELES

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de março de 2021

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (III) - (PESQUISA DE PEDRO FERNANOD MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (III)

Pedro Fernando Malta

 

 

Orlando Tejo (1935- 2018), e o seu livro, que já vai na 11ª edição, e foi tema de vários documentários, teses, artigos e estudos

* * *

Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba
Um índio passou-lhe a bimba
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num tratô
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá.

* * *

Eu cantei lá no Recife
Dentro do pronto socorro
Ganhei 500 mil réis
Comprei 500 cachorros
Morri no ano passado
Mas neste ano, não morro.

* * *

Frei Henrique descansou
Nas encosta da Bahia
Depois fez a travessia
Pra chegá onde chegou
Pegou a índia, champrou
Ela não pôde falá
Assou carne de jabá
Misturou com querosene
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

Um General de Brigada
Com quarenta grau de febre
Matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio
Peixe só presta de rio
Piau de tromba amarela.

* * *

Na corrida de mourão
Quem corre mais é quem ganha
São Thomé vendia banha
Na fogueira de São João
Foi na guerra do Japão
Que se deu essa ingrizia
Camonge quage morria
Da granguena berra-berra
Quem se morre é quem se enterra
Adeus, até outro dia.

* * *

Às tantas da madrugada
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão.

* * *

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum
Feliz da mesa que tem
Costela de guaiamum
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem compromisso nenhum.

* * *

Jesus ia rezar missa
Na capela de Belém
Chegou Judas Carioca
Que viajava de trem
Trazia trinta macaco
Botou tudo num buraco
Não tinham nenhum vintém.

* * *

Jesus saiu de Belém
Viajando pra o Egito
No seu jumento bonito
Com uma carga de xerém
Mais tarde pegou um trem
Nossa Senhora castiça
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!

* * *

São Pedro, na sacristia
Batizou Agamenon
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom
Montado na sua idéia
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

* * *

Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

* * *

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando pra ela
Cheio de contentamento
O satanás num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento.

* * *

Eu vi numa gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcaça de um jumento
Que bicho mais peçonhento
É lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento.

* * *

Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô qui num é tolo
Sei tirá couro de bode
Sei impaiolá tijolo
Sô o cantado milhó
Qui a Paraiba criou-lo.

* * *

POETA MERLÂNIO MELO FALA SOBRE ZÉ LIMEIRA

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de fevereiro de 2021

DUAS DUPLAS EM CANTORIA (PESQUISA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

 

DUAS DUPLAS EM CANTORIA

Valdir Telles e João Paraibano glosando o mote:

Minha alma matuta foi gerada,
nas entranhas do ventre do sertão

 

 

* * *

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva cantando em sextilhas:

 

 

* * *


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de fevereiro de 2021

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO - 06.02.21 (PEDRO MALTA É COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE

O grande poeta paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

 

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

* * *

Otacílio Batista

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de janeiro de 2021

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 30.01.21 (PEDRO MALTA É COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

Sebastião da Silva e Geraldo Amâncio glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação

 

 

* * *

José Vicente da Paraíba glosando o mote

São frios, são glaciais,
Os ventos da solidão.

Quando se sente saudade
Duma pessoa querida,
Dá-se um vazio na vida
E dói esta soledade…
Ninguém suporta a metade
Da dor do meu coração,
Lembrando o aceno de mão
Do amor que não voltou mais…
São frios, são glaciais.
Os ventos da solidão.

* * *

Zé Adalberto glosando o mote:

Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura.

Pra que casa cercada por muralha
Se a cova é cercada pelo pranto
Se pra Deus todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha
Pra que roupa de marca se mortalha
Não requer estilista na costura
E o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura.

* * *

Chico Nunes glosando o mote

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia
Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira.
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

* * *

Léo Medeiros glosando o mote:

O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

De manhã no sertão que eu fui criado
De três horas pras quatro, papai ia
Caminhando com rumo a vacaria
Pra tirar o leitinho do seu gado;
O bezerro ficava enchiqueirado
Esperando a saída do leiteiro
Quando solto corria bem ligeiro
Pra mamar eu um úbere tão bendito
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

O vaqueiro sujeito encarregado
Dos trabalhos diários da fazenda
Sai pra lida pensando em sua prenda
Vai soltando aboio apaixonado;
De gibão e perneira bem montado
No cavalo cortando o tabuleiro
Enfrentando terreno traiçoeiro
Seu valor, ninguém soma tenho dito:
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

* * *

Jó Patriota glosando o mote:

Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Num recanto afastado de Belém
Fora onde uma Virgem Imaculada
Deu a luz à pessoa mais sagrada
Que se chamou de Cristo, O Sumo Bem…
Nessa noite Maria um prazer tem
De rezar o rosário com fervor
Contemplando seu fruto, O Redentor
Santo Corpo Sacrário Pequenino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Foi assim que o rebento de Maria
No silêncio da simples manjedoura
Teve a mãe como santa defensora
E seu pai adotivo como guia
Nessa pobre e humilde hospedaria
Estalagem pequena sem valor
Entre pedra, capim, garrancho e flor,
Diferente de um prédio bizantino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de janeiro de 2021

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 23.01.21 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

* * *

Pedro Nunes e Rômulo Nunes glosando o mote

No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Vi riachos descendo apressados
De chapadas, de vales e baixios
Carregando nas águas para os rios
O adubo das terras do Sertão
Uma rosa infeliz que foi ao chão
No tumulto das águas fenecia
Cada pétala vermelha que caía
Me deixava inda mais insatisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Se a cauã agorenta não mais canta,
Sertanejo já fica preparado,
Tira logo os bichos do roçado
E aguarda ansioso a chuva santa.
Seu depósito só tem milho de planta,
Resultado de sua economia
Tem feijão, jerimum e melancia
E um semblante alegre e satisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os enfeites na casa de um vaqueiro
São as botas, perneiras e gibão,
Um chocalho com o ferro do patrão,
Uma peia, uma corda, um peitoral,
Nos dois loros estribos de metal
Passadores, fivelas, prataria,
Uma sela com boa montaria
Para homem nenhum botar defeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Reviver o lugar que fui criado,
É para mim o desejo principal,
Esquipar em cavalo de pau,
Ossos velhos que eu tinha como gado,
Um pião com ponteira bem pesado,
Que eu jogava com muita maestria,
São brinquedos que eu tinha alegria,
Nem queria saber por quem foi feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

No alpendre da casa onde eu morava,
Ouvi muitas histórias de vaqueiros,
De cruéis e terríveis cangaceiros
Que infestavam as estradas do Sertão
Foi Silvino, depois foi Lampião,
Atacando na hora que queria
E apesar do perigo que havia
Para idoso, mulher e homem feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Bem sentado na calçada ou na cadeira,
Lá ouvia as estórias de trancoso
Sem dormir eu ficara bem medroso,
Mesmo assim não parava a brincadeira,
Quebra-pau, futebol, barra-bandeira,
Esconder, pular corda e academia,
Era assim que a vida me fazia,
Um garoto alegre e satisfeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os vaqueiros famosos foram tantos
Nas caatingas fechadas do Sertão
Vi Cazuza, Ribinga e Militão,
Vi Charuto, Zé Mago e Oliveira,
Severino, Eugênio e Quixabeira,
Otaviano, Ricardo e Ventania
Eram homens de muita valentia
Para as lutas do campo e do eito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Eu queria viver na natureza,
Pra sentir o cheiro da neblina,
Vendo o açoite do galo de campina,
Bem alegre a voar com sutileza.
O xexéu e o concriz, quanta beleza,
O tatú, o preá, peba e cutia
Caçador que atira, é covardia,
Sem amor, insensível e sem respeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

* * *

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,
para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita
no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,
uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,
que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida
e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura
que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de janeiro de 2021

SEIS MESTRES DO IMPROVISO - 16.01.21 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Diniz Vitorino

Qualquer dia do ano se eu puder
para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

* * *

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.

* * *

Firmo Batista

Um dia eu estava olhando
a serra Jabitacá
conheci que nela está
a natureza sonhando
o vento passa embalando
o corpo robusto dela
a nuvem cobrindo ela
pingos de orvalho descendo
e o Paraíba dizendo
a minha mãe é aquela.

* * *

Marcos Passos

Aos primeiros sinais da invernada,
Logo após longo tempo de estiagem,
Lá da serra, do vale e da barragem
Escutamos os sons da trovoada.
Vislumbrando a campina esverdeada,
Sertanejo se anima igual criança.
Logo mais, quando o mato se balança
E um corisco atravessa o céu nublado,
Cai a chuva no colo do roçado,
Germinando o pendão da esperança.

* * *

Jó Patriota

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo, hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas quinta, 14 de janeiro de 2021

MÚSICA PICA-FUMO (VÍDEO ENVIADO POR PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

PEDRO MALTA – RIO DE JANEIRO-RJ

Lembrar é bom.

Relembrar é melhor!

Um vídeo com a música intitulada “Pica-Fumo”, que foi vencedora da 28° Ronda de São Pedro, ano de 2019.

Este festival é promovido pelo Centro Nativista Boitatá, da cidade de São Borja, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul,

 

COMENTÁRIO DE LUIZ BERTO, EDITOR DO JBF

 

R. Meu caro amigo Pedro Malta, nordestino nascido no sertão de Pernambuco, General da Reserva do Exército Brasileiro e colunista do Jornal da Besta Fubana:

A saudade me bateu forte no peito quando vi este vídeo que você nos mandou.

Os tempos de caserna, que trago com muito orgulho e carinho dentro do coração, voltaram à minha lembrança.

A caserna onde convivi com gaúchos, com baianos, com acreanos, com paulistas, com mato-grossenses, com fluminenses, com maranhenses, com camaradas de todo o Brasil, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

Aquela caserna que une todos que lá estão, falem eles com qualquer sotaque e sejam eles de qualquer ponto deste país de dimensões continentais.

O sotaque na caserna é um só:

Um sotaque chamado Brasil, onde o pica-fumo, o arataca, o laranjeira, o tabacudo, o reco, o cabo-velho e o mocorongo se irmanam e sentem o coração bater forte de amor por esta nossa Pátria-Mãe, por este solo que abriga e aquartela o Exército Brasileiro, braço forte, mão amiga.

Gratíssimo, meu caro, por este belíssimo presente que você nos mandou. 

Este vídeo alegrou o meu dia.

O toque de alvorada antes do início da música me deixou emocionado e cheio de saudades.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de janeiro de 2021

UM POEMA DE MARIANE BIGIO (2) - (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

UM POEMA DE MARIANE BIGIO (2)

A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e especialista em Literatura de Cordel

* * *

UM VOO SOBRE O MAR

Te convido a escutar
A beleza da poesia
Do encontro entre as palavras
Com encanto e a magia
Feche os olhos e desfrute
Qual fosse uma melodia…

Sente ou deite, confortável
Respire profundamente
Inspire puxando o ar
Solte vagarosamente
Deixe que o ar penetre
E acalme a sua mente

Inspire como quem sente
O cheiro de uma florzinha
Expire como quem sopra
A chama de uma velinha
Sinta a calma se instalar
E sigamos nessa linha

Imagine uma prainha
Com longa faixa de areia
Ao longe se ouve o canto
De uma mamãe baleia
Que no fundo do oceano
Com seu filhote passeia

As ondas batem nas pedras
Nos recifes de corais
E se espraiam nos seus pés
Lhes trazendo água e sais
Na ciranda das marés
Cheias de “vens” e “vais”

Na areia, muitas conchas
E barcos a descansar
O Sol já se despediu
A leve brisa a soprar
E o som de alguns passarinhos
Vai cessando devagar

Os grãos de areia nos pés
Fazem massagem gostosa
Ouça o barulho do mar
É uma voz melodiosa
Como a sereia que canta
Com sua cauda escamosa

A Lua chega, brilhosa
Demonstrando realeza
Seu reflexo nas águas
É de extrema singeleza
É Deus mostrando pra gente
Como é bela a Natureza

Os coqueiros se balançam
As folhas dançam no ar
Como fossem guardiões
Guardando a beira-do-mar
Os siris saem das tocas
E seu balé vêm mostrar

O Céu é azul escuro
Negro céu com seus encantos
As nuvens, muito macias
O recobrem com seu manto
As estrelas vêm surgindo
Cada uma no seu canto

As constelações se mostram
Diante do seu olhar
Continue respirando
Pro seu corpo relaxar
Imagine que no céu
Você começa a voar

Flutuando lá em cima
Tão leve como uma pena
As nuvens tocam seu rosto
A brisa sopra serena
Imagine este passeio
Com a sua mente plena

Veja o jardim celeste
Com estrelas cintilantes
Seus dedos tocam nos astros
Que desgastam pó brilhante
Deixe que a paz enfim
Seja a sua tripulante

Volte aos poucos, respirando
Como um barco que regressa
Aterrize de seu voo
Tranquilamente, sem pressa
Foi uma breve viagem
E que com o pouso cessa

De volta à praia outra vez
Vá nas areias pisando
Sinta os grãos por entre os dedos
Aos seus pés, massageando
O canto da mãe baleia
Já vai se distanciando

A sereia que nadava
Já se vai, submergir
E aos pouquinhos você pode
Os seus olhinhos abrir
Ou quem sabe até prefira
Sonhar mais, até dormir

Que a poesia embale o sonho
E o verso possa ecoar
Preenchendo o coração
De quem deixou-se levar
Pelas ondas das palavras
Do Cordel pra Meditar….


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de janeiro de 2021

UM POEMA DE MARIANE BIGIO (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM POEMA DE MARIANE BIGIO

Pedro Fernando Malta

A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e especialista em Literatura de Cordel

* * *

A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

A gente andava pelado
Isso foi antigamente
O Índio ‘inda anda assim
Se porta naturalmente
A gente é que se reveste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Tanta roupa diferente
Cada qual do seu jeitinho
Camisa, calça, vestido
Bem comprido ou bem curtinho
Tem roupa de ir à praia
Tem sunga, biquíni, saia
Tem maiô e tem shortinho

Se fizer um friozinho
A roupa faz ficar quente
Tem casaco, meia e gorro
Pra que o calor se sustente
No tecido é que se investe
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Pode ser que o clima esquente
E o suor pingue da testa
Tem tecido leve e fino
Estampas fazem a festa
As mangas cortadas fora
Chapéus vêm em boa hora
Fazendo sombra modesta.

Às vezes a gente empresta
Pega emprestado também
Às vezes a gente ganha
A roupa que foi de alguém
Roupa usada do brechó
Roupa antiga da vovó
Bem miúda pro neném.

A roupa vai muito além
De uma casca exterior
Não precisa ser de marca
Nem ser cara, não senhor
Ser confortável convém,
Se ela nos faz sentir bem
Já é de grande valor.

Em uma história de amor
Caso haja um casamento
O traje de quem se casa
De acordo com o sacramento
Traduz significados
Nas roupas representados
Neste especial momento.

Pra nos proteger do vento
Um cachecol bem felpudo
As luvas vestem as mãos
Sendo de lã ou veludo
A roupa preta é pro luto
Padrão pro atleta astuto
Tem mesmo roupa pra tudo.

Até merecem estudo
As famosas vestimentas
De alguns ícones da história
Cuja a roupa salienta
Sua singularidade
Faraós na Antiguidade
Madona aos Anos Oitenta.

A lista aqui só aumenta
Elvis Presley com seu brilho
As moças de antigamente
As que usavam o espartilho
A Gueixa com seu Quimono
Pijama é pra quem tem sono
E os versos seguem seu trilho.

Às vezes de pai pra filho
A roupa é feio uma herança
Tem a batina do padre
Que batiza uma criança
Tem roupa que é fantasia
Se o carnaval principia
Pra poder entrar na dança.

Cor verde traz esperança
Para quem acreditar
Que a roupa muda o astral
E pode nos transformar
Tem roupa que comunica
Como bandeira que indica
À que viemos lutar.

A roupa pode falar
Simbolizar a Cultura
Através da indumentária
Um Povo se configura
Beleza que não se poupa
Uma ciranda de roupa
Que no mundo se costura.

São as cores, a textura
Fios a se entrelaçar
Tem as máquinas e as tinturas
Agulha, linha e tear
Norte ou sul, leste, oeste
A roupa que a gente veste
Tem histórias pra contar.

Roupa sempre vai mudar
A moda é sua regente
O estilo é particular
Da vitrine é independente
Do Nordeste ao sudeste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de dezembro de 2020

DOIS POEMAS NATALINOS (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

DOIS POEMAS NATALINOS

 

NATAL – Bráulio Bessa

Que você, nesse Natal,
entenda o real sentido
da data em que veio ao mundo
um homem bom, destemido
e que o dono da festa
não possa ser esquecido.

Vindo lá do Polo Norte
num trenó cheio de luz
Papai Noel é lembrado
muito mais do que Jesus.
Ô balança incoerente
onde um saco de presente
pesa mais que uma cruz.

Sei que dar presente é bom
mas bom mesmo é ser presente
ser amigo, ser parceiro
ser o abraço mais quente
permitir que nossos olhos
não enxerguem só a gente.

Que você, nesse momento,
faça uma reflexão
independente de crença,
de fé, de religião
pratique o bem sem parar
pois não adianta orar
se não existe ação.

Alimente um faminto
que vive no meio da rua,
agasalhe um indigente
coberto só pela lua,
sua parte é ajudar
e o mundo pode mudar
cada um fazendo a sua.

Abrace um desconhecido,
perdoe quem lhe feriu,
se esforce pra reerguer
um amigo que caiu
e tente dar esperança
pra alguém que desistiu.

Convença quem está triste
que vale a pena sorrir,
aconselhe quem parou
que ainda dá pra seguir,
e pr’aquele que errou
dá tempo de corrigir.

Faça o bem por qualquer um
sem perguntar o porquê,
parece fora de moda
soa meio que clichê,
mas quando se ajuda alguém
o ajudado é você.

Que você possa ser bom
começando de janeiro
e que esse sentimento
seja firme e verdadeiro.
Que você viva o Natal
todo ano, o ano inteiro.

* * *

Uma declamação de Euriano Sales:

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 12 de dezembro de 2020

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO - 12.12.20 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE BICHOS

 

Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro-PB (1940-2010)

Diniz Vitorino:

Na terra paraibana
foi onde eu pus os meus pés.
Caminhei pintando os lírios
dos majestosos painéis,
que formam telas sedosas
nos aromáticos vergéis.

Vi os dias infantis,
cheguei na adolescência,
cantei olhando pra o céu,
bebendo divina essência
dos frutos que Deus espreme
na taça do inocência.

No tempo da mocidade
fui ídolo dos cantadores;
dos cantadores que foram
meus fãs, admiradores,
e hoje me negam bom-dia
pra magoar minhas dores!

Eu sei que não estou seguro
nesta profissão que estou:
sou ferido sem ferir,
chorando pra festa vou,
sofro, mas só deixo o palco
depois que termina o show.

* * *

Dimas Batista Patriota:

Velha viola de pinho, companheira
De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão da minha vida.
Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida.
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas se eu cantava a despedida.
Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios.
Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios.

* * *

Biu de Crisanto

Da visão desta janela
Eu vi os sonhos perdidos
A vida passou por mim
Causando dor e gemidos
E a esperança morreu
No vale dos esquecidos.

O mundo esqueceu de mim
Neste cubículo imundo
Onde mergulhei nos livros
Hora minuto e segundo
E fiz diversas viagens
Pela vastidão do mundo

* * *

Leonardo Bastião

Depois dos cinquenta anos
Comecei pensar assim
Estou longe do inicio
E mais próximo do fim
E os meus cabelos grisalhos
São folhas secas dos galhos
Que o tempo secou de mim.

Esses meus cabelos brancos
São verdadeiros sinais
Dos calendários vencidos
Que o tempo jogou pra traz
Dos filmes que vi outrora
Passado que foi embora
Pra mim não ver nunca mais.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de dezembro de 2020

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO - 05.12.20 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO

Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro-PB (1940-2010)

Diniz Vitorino:

Na terra paraibana
foi onde eu pus os meus pés.
Caminhei pintando os lírios
dos majestosos painéis,
que formam telas sedosas
nos aromáticos vergéis.

Vi os dias infantis,
cheguei na adolescência,
cantei olhando pra o céu,
bebendo divina essência
dos frutos que Deus espreme
na taça do inocência.

No tempo da mocidade
fui ídolo dos cantadores;
dos cantadores que foram
meus fãs, admiradores,
e hoje me negam bom-dia
pra magoar minhas dores!

Eu sei que não estou seguro
nesta profissão que estou:
sou ferido sem ferir,
chorando pra festa vou,
sofro, mas só deixo o palco
depois que termina o show.

* * *

Dimas Batista Patriota:

Velha viola de pinho, companheira
De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão da minha vida.
Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida.
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas se eu cantava a despedida.
Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios.
Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios.

* * *

Biu de Crisanto

Da visão desta janela
Eu vi os sonhos perdidos
A vida passou por mim
Causando dor e gemidos
E a esperança morreu
No vale dos esquecidos.

O mundo esqueceu de mim
Neste cubículo imundo
Onde mergulhei nos livros
Hora minuto e segundo
E fiz diversas viagens
Pela vastidão do mundo

* * *

Leonardo Bastião

Depois dos cinquenta anos
Comecei pensar assim
Estou longe do inicio
E mais próximo do fim
E os meus cabelos grisalhos
São folhas secas dos galhos
Que o tempo secou de mim.

Esses meus cabelos brancos
São verdadeiros sinais
Dos calendários vencidos
Que o tempo jogou pra traz
Dos filmes que vi outrora
Passado que foi embora
Pra mim não ver nunca mais.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de novembro de 2020

SEI MESTRES DO IMPROVISO (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

 

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Biliu de Campina

Versejar é minha sina
No mundo transcendental
Passo do ponto final
Fazendo o que me fascina
Vou pelo mapa da mina
Navegando em barco a vela
Sem ter medo da procela
Numa letal disparada
A morte está enganada
Eu vou viver depois dela.

* * *

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

* * *

Zé Fernandes

A seca seca primeiro
Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

* * *

Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

* * *

Pedro Tenório de Lima
(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura
Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 21 de novembro de 2020

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA - 21.11.20 (CORDEL PESQUISA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA

O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

 

É o céu uma abóbada aureolada,
Rodeada de gases venenosos,
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada!
Galáxia também hidrogenada,
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o sol, fulgurante tocha acesa,
Flamejando sem pausa e sem escala!
Quem de nós pensaria em apagá-la?
Só o Santo Autor da Natureza!

De tais obras, o homem e a mulher
São antigos e ricos patrimônios.
Geram corpos em forma de hormônios,
E criam seres sem dúvida sequer.
O homem, após esse mister,
Perpetua a espécie, com certeza.
A mulher carinhosa e indefesa
Dá à luz uma vida, novo brilho,
Nove meses, no ventre, aloja o filho,
Pelo Santo Poder da Natureza!

O peixe é bastante diferente:
Ninguém pode entender como é seu gênio!
Ele reserva porções de oxigênio
E mutações para o meio ambiente!
Tem mais cartilagem resistente
Habitando na orla ou profundeza,
Devora outros peixes pra despesa
Tem a época do acasalamento
Revestido de escamas, esse elemento,
Com a força da Santa Natureza!

O poraquê ou o peixe elétrico, é um tipo genuíno,
Habitante dos rios e águas pretas,
E com ele possui certas plaquetas
Que o dotam de um mecanismo fino!
E com tal cartilagem, esse ladino
Faz contato com muita ligeireza,
E quem tocá-lo padece de surpresa
Descarga mortífera, absoluta,
Sua alta voltagem eletrocuta,
Com os fios… da Santa Natureza!

A tartaruga é gostosa, feia e mansa,
Habitante dos rios e oceanos!
Chegar aos quatrocentos anos
Pra ela é rotina… é confiança!
Guarda ovos na areia e nem se cansa
De por eles zelar como defesa.
Nascido os filhotes, com presteza,
Nas águas revoltas já se jogam,
Por instinto da raça não se afogam
E também pelo Poder da Natureza!

O canário é pássaro cantor,
Diferente de garça e pelicano.
Papagaio, arara e tucano,
Todos eles com majestosa cor!
O gavião é um tipo caçador
E columbiforme é a burguesa,
O aquático flamingo é, da represa,
A ave, a rapace agigantada,
Eis o mundo das aves, a passarada
Quanto é grande, poderosa e bela, a Natureza!

A gazela, o antílope e o impala
A zebra e o alce, felizardo,
Não habitam em comum com o leopardo,
O leão e o tigre-de-bengala!
O macaco faz tudo mas não fala,
Por atraso da espécie,ou por franqueza,
Tem o búfalo aspecto de grandeza,
O boi manso e o puma tão valente,
Cada um de uma espécie diferente
Isso é coisa também da Natureza!

E acho também interessante
O réptil de aspecto esquisito
O pequeno tamanho de um mosquito,
A tromba preênsil do elefante
A saliva incolor do ruminante
A mosca nociva e indefesa
A cobra que ataca de surpresa
Aplicar o veneno é seu mister:
De uma vez mata trinta, se puder
Mas é coisa também da Santa Natureza!

No Nordeste há quem diga que o carão
Possui certos poderes encantados
E, que, através de fenômenos variados,
Prevê a mudança de estação.
De fato, no auge do verão,
Ele entoa seu cântico de tristeza
E, de repente, um milagre, uma surpresa:
Cai a chuva benéfica e divina!
Quem lhe diz, quem lhe mostra, e quem lhe ensina?
É somente o Autor da Natureza!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de novembro de 2020

A GENIALIDADE DE RONALDO CUNHA LIMA

 

PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

 

A GENIALIDADE DE RONALDO CUNHA LIMA

Ronaldo José da Cunha Lima, Guarabira-PB, (1936-2012). Foi advogado, promotor de justiça, professor, poeta e político

 

* * *

CONVERSANDO COM MEU PAI

Na quietude d’aquela noite densa,
reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito já morreu!…
Sorumbático e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho na vigília,
Contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o gemer da rede,
as pancadas do relógio na parede
e o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,
uma nuvem nascia lá do céu,
na sala onde eu estava, caí…
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha mais um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, filho querido!…

Tenho assistido todos os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos
suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza
ante a ânsia que traz na alma presa
de adejar cortando monte e serra;
sua ânsia de voar, cantando notas,
misturar seu voo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.

Mas, ao lado dos atos de grandeza,
você me causa, filho, também tristeza,
em desgosto minh’alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
pra sua mãe você fez cara feia,
bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,
Ela caiu prostrada em um pranto
soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
pois para o filho não há maior desgraça
que em sua mãe deixar rugas no rosto.

Nunca mais a ofenda, nem de leve!…
O seu amor a ela aos céus eleve
e escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
e, se assim fizer de consciência,
você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,
fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se, meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entregas
sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,
aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,
alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
esperando que meu Pai rompa a distância,
pra vir de novo conversar comigo!

* * *

HABEAS PINHUS

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de novembro de 2020

DUAS CANTORIAS DE EMBOLADA (PESQUISA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DUAS CANTORIAS DE EMBOLADA

TEREZINHA E LINDALVA

 

 

* * *

LINDALVA E LAVANDEIRA DO NORTE NUM DESAFIO MALCRIADO

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 31 de outubro de 2020

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA NORDESTINA DE IMPROVISO (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA NORDESTINA DE IMPROVISO

O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

* * *

Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

* * *

O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

* * *

Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

* * *

Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

* * *

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

* * *

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

* * *

Quando eu segurei a tua mão
Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

* * *

O nome da minha amada
Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

* * *

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

* * *

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.

* * *

Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

* * *

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

* * *

A mulher que eu casei
Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

* * *

Estou como um penitente
Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

* * *

Judas pegou uma corda,
Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

* * *

Com você canto apertado
Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 25 de outubro de 2020

PINTO DE MONTEIRO, UM GÊNIO DA CANTORIA (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

PINTO DE MONTEIRO, UM GÊNIO DA CANTORIA

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba:

João Furiba:

Cruzei o velho Saara
montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta
Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

* * *

Alguns improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito
Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

* * *

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

* * *

Ovo de pato e marreca
Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

* * *

Mas essa estória de dente,
Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

* * *

Eu sou Severino Pinto
Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

* * *

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

* * *

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

* * *

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

* * *

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

* * *

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

* * *

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

* * *

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

 

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de outubro de 2020

GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA: UMA GRANDE DUPLA DE POETAS REPENTISTAS

 

 

GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA: UMA GRANDE DUPLA DE POETAS REPENTISTAS

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação

 

 

* * *

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Quem passar no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

Geraldo Amâncio:

No sertão do Nordeste do Brasil,
vive a seca ao povo castigar
pouca água até pra se banhar.
Daqui pobre povo sempre fugiu
para trás deixou tudo quando partiu.
Quando parte nosso cabeça-chata
busca a vida ganhar sem bravata.
Sofrimento deste povo foi enredo.
Quem passa no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

Sebastião da Silva:

Sertanejo, foi sempre muito bravo,
mas correndo da seca que atormenta,
larga a terra que pouco lhe alimenta.
Deixa sua terra para ser escravo,
mundo afora não ganha um centavo.
Mas voltar à sua terra a fé lhe ata,
mesmo que nunca tenha uma data,
até quem partiu daqui muito cedo.
Quem passar no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

* * *

ALGUNS IMPROVISOS DE GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA

Geraldo Amâncio:

Eu bem novo pensei em me casar
Com uma moça do meu conhecimento
Disse ela: eu aceito o casamento
Se você deixar a arte de cantar
Ela estava esperando no altar
E eu voltei da calçada da matriz
Quebrei todas as juras que lhe fiz
E comecei a cantar dali por diante
Sou feliz porque sou representante
Da cultura mais bela do país.

Sebastião da Silva:

O Nordeste tem sido a grande escola
Dos maiores poetas cantadores
Sustentáculos e eternos defensores
Da origem maior que nos consola
Inspirados no ritmo da viola
Nos acordes de arame na madeira
Cantam de improviso a vida inteira
E o que cantam somente Deus ensina
Venham ver a viola nordestina
Defendendo a cultura brasileira.

Geraldo Amâncio:

Tire da bíblia sagrada
Sua perfeita lição,
Seja humilde, ajude ao próximo
Ao faminto estenda a mão;
Console quem está aflito
Se quiser seu nome escrito
No livro da salvação!

Sebastião da Silva:

A casa que morei nela,
que fui feliz com meus pais,
só restam teias de aranha,
cupim roendo os frechais,
é um poema de angústias,
de saudades, nada mais.

Geraldo Amâncio:

Quem nasce onde eu nasci
E se cria sem escola,
Andando com pés descalços
Ou corrulepe de sola,
Ou cresce pra ser vaqueiro
Ou cantador de viola.

Sebastião da Silva:

Gosto de ouvir a seresta
Da patativa-de-gola
E também do canarinho
Nas traves de uma gaiola:
Só não canta como a gente
Porque não possui viola.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de outubro de 2020

OTACÍLIO BATISTA, UM GÊNIO DA CANTORIA NORDESTINA (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OTACÍLIO BATISTA, UM GÊNIO DA CANTORIA NORDESTINA

 

 

* * *

Alguns repentes de Otacílio Batista:

Nas brancas sereias formosas da praia
Um homem com trinta e seis anos de idade
Chorava com pena dessa humanidade
Que tomba, desmaia, delira e fracassa
Usava um túnica da cor de cambraia
Seus olhos brilhavam sem pestanejar
Nenhuma sereia podia imitar
Sua voz de veludo a Deus dirigida
Eu sou o caminho, a verdade e a vida
Palavras de Cristo na beira do mar.

* * *

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo pra serrana:
Bote um traguinho de cana.
Bebe, tempera a garganta
Almoça, pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

* * *

Essa terra prendeu meu coração
Sua brisa daqui é mais suave,
O seu som para mim, pois é mais grave
O oceano possui mais perfeição,
Esse povo tem mais educação
E essa gente daqui é muito boa,
Quando olho a paisagem da lagoa
Para mim, pois imita um jardim,
É por isso que eu digo sempre assim
Deus me livre sair de João Pessoa.

* * *

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora
mora o coração da gente.

* * *

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

Seis Poetas geniais
honram da poesia o manto,
seis estrelas divinais,
que o mundo admira tanto:
Dante, Camões e Virgílio,
Louro, Dimas e Otacílio,
Não morrem, mudam de canto.

* * *

Há beijo que vale o beijo
Porém meu avô dizia:
Atrás dos lábios que beijam
Vive oculta a covardia,
Com os dentes que dilaceram
E a língua que calunia.

* * *

Fiz da santa poesia a mensageira
Da pobreza mais pobre do país,
É pequeno o poeta que não diz
Quanto sofre a criança brasileira
Ninguém pode viver dessa maneira
Sem um teto, sem lar, sem pão, sem nome
Quem é filho de rico bebe e come,
Quem é filho de pobre não escapa,
As crianças sem papa pedem ao PAPA
Santo Papa dê papa a quem tem fome.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de setembro de 2020

DOIS MOTES BEM GLOSADOS - 26.09.20 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

DOIS MOTES BEM GLOSADOS

Lenildo Ferreira glosando o mote

Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Todo mundo sonha com um grande amor
Com alguém que o ame de verdade
Hoje lembro sem um pingo de saudade
E até com um tanto de torpor
Como fui inocente e credor
Enganando-me com o teu olhar outrora
Pois a alma apaixonada ignora
E ignorei o quanto eras miserável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu pensei reconhecer em um olhar
O haver verdade em alguém
E em ti acreditei ver tanto bem
Que desejei mais ainda te amar
Hoje sei, depois de todo o penar
Que ao semblante o fingimento se incorpora
E fingida é o que fostes cada hora
Me tornando um idiota memorável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Ainda assim, depois do que me aprontou
Sei que agora faz carinha de inocente
E com esse jeito engana a muita gente
Assim como igualmente me enganou
Se faz vítima daquele a quem vitimou
Mas quem te apoia ainda terá a sua hora
Pois uma cobra sempre morde sem demora
E tu és cobra, venenosa, incurável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Quando mais precisastes de alguém
Lá estive para poder te apoiar
Te dizendo o que sonhavas escutar
E jamais te foi dito por ninguém
Eu te fiz muito mais que muito bem
E me pagaste como declaro agora
Com ingratidão e mentira por penhora
Numa atitude totalmente inexplicável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu me culpo, me arrependo, me castigo
Por ter sido o que para ti me fiz ser
O homem que toda mulher deseja ter
Carinhoso, indulgente, grande amigo
Pois em troca, tu fostes para comigo
Traiçoeira e maldosa, indo embora
Tão logo tua dor teve melhora
E meu amor então tornou-se dispensável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Mas bem sei que a Justiça não falhará
E do mal que me fizestes terás troco
Teu coração também será feito de louco
Por alguém que, sorrindo, te enganará
E, nesse dia, você se lembrará
Que este é o saldo de tua troca de outrora
Mal por mal, também levarás um fora
E chorarás, dizendo em pranto lastimável:
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora.

* * *

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

 

Revelei o meu filme preto-e-branco,
O retrato exibiu sertanidade.

No Nordeste, saí a cavalgar,
percorri o sobejo das restingas,
contornei as arestas das caatingas
sob o sol, procurei fotografar
a paisagem sem vida do lugar,
na intenção de mostrar a fealdade
do sertão quando traz a soledade
e borrifa de suor o meu potranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Xiquexique sem flor junto a facheiros,
galhos secos torcidos nos arbustos,
vegetais tortuosos e combustos
espetando as encostas dos outeiros.
Carrascais entorroam tabuleiros
das coroas furentas, as de-frade
que vicejam naquela imensidade
quando o sol cobre a rocha em cada flanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Legiões de famintos retirantes
fugitivos do fogo da coivara,
passageiros de muitos paus-de-arara,
buscam vidas em terras mais distantes.
Os que ficam são trôpegos errantes,
filhos órfãos da mãe calamidade,
empurrados à marginalidade
na vivência cruel desse atravanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Já cansado de ver triste paisagem,
desisti de esporar o meu cavalo,
preferi buscar água pra lavá-lo,
procurando abrandar nossa viagem.
Entretanto, faltou-nos a coragem,
o cansaço tirou-me a agilidade,
o potranco a mostrar debilidade,
percebi que o cavalo estava manco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Meu cavalo cansou. Faltou ração.
Acabaram-se os filmes que comprei,
todos eles eu mesmo revelei,
registrei a crueza do sertão.
No meu álbum deixei a coleção
tradutora da dor e da orfandade,
com perfis exibindo obesidade,
nessa vida de rude solavanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

E naquele ambiente de mormaço,
encerrei na metade o meu roteiro,
procurei descansar num juazeiro,
coloquei a cabeça sobre o braço,
relaxei e dormi, pois o cansaço
reduziu-me o vigor pela metade.
Despertei temeroso da cidade
e sentei-me a pensar, sobre um barranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 19 de setembro de 2020

UM MOTE BEM GLOSADO (JOÃO PARAIBANO)

 

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE CORNO

O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

* * *

João Paraibano glosando o mote

Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Já nasci inspirado no ponteio
Dos bordões da viola nordestina
Vendo as serras banhadas de neblina
Com uma lua imprensada pelo meio
Mãe fazendo oração de mão no seio
E uma rede ferindo um armador
Minha boca pagã cheirando a flor
Deslizando no bico do seu peito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Me criei com cuscuz e leite quente
Jerimum de fazenda e melancia
Com seis anos de idade eu já sabia
Quantas rimas se usava num repente
Fui nascido nas mãos da assistente
Na ausência dos olhos do doutor
Mamãe nunca fez sexo sem amor
Papai nunca abriu mão do seu direito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Fiz farofa de pão de mucunã
Me inspirei com o velhinho do roçado
O sertão é o palco esverdeado
Que eu ensaio as canções do amanhã
Minha artista da seca é acauã
No inverno o carão é meu cantor
Um imbu espremido é meu licor
Um juá eu não dou por um confeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Minha vida do campo foi liberto
Merendando café com milho assado
Vendo a lua nas brechas do telhado
E o vento empurrando a porta aberta
Um jumento me dando a hora certa
Já o galo era meu despertador
Meu mingau foi pirão de corredor
Eu cresci forte e gordo desse jeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 12 de setembro de 2020

TRÊS MOTES BEM GLOSADOS

 

TRÊS MOTES BEM GLOSADOS

O grande poeta cantador paraibano Nonato Costa

* * *

Nonato Costa glosando o mote:

Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Pra quem vai prestar contas a Jesus
Tem pra sempre gratuita uma morada
E como símbolo na porta de entrada
Tem o nome do dono numa cruz
Não tem conta de água nem de luz
Não precisa avalista ou corretor
E Deus perdoa seu saldo devedor
Quando o banco da vida abre falência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Não existe desvio no caminho
Quando o cerco da morte está armado
Pelos súditos o rei vive cercado
Mas no dia que morre vai sozinho
Dos dois lados do túmulo tem vizinho
Mas não há um diálogo a se propor
E a caveira jamais vai recompor
A beleza que tinha a aparência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

O local é salgado pelo pranto
Dos que perdem seus entes mais queridos
Os irmãos, as esposas, os maridos
E os amigos que vão praquele canto
Condomínio fechado, campo santo
É pra lá que vai todo pecador
E ao entrar a balança do Senhor
Tira um peso da nossa consciência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Empresário, princesa, vagabundo
Evangélico e ateu, homem ou mulher
Apesar de ser grátis ninguém quer
Nesta casa morar nenhum segundo
O portal que nos leva a outro mundo
Não exige função superior
E nem precisa RG que o emissor
Quando chama já sabe a referência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Com chibanca ou enxada o homem faz
Esta casa sem planta e sem dinâmica
Onde o piso é sem pedra de cerâmica
E o seu teto sem lustres de cristais
Sem textura as paredes laterais
Sem contato com o mundo exterior
E uma hora qualquer seu construtor
Vai pra lá encerrar sua existência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote:

São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

O latido amistoso de um “jupi”,
Vira-lata raçudo sem ter raça,
Uma banda de pífanos na praça,
O penoso cartar da juriti,
Um boaito saindo do jequi
E um vaqueiro a pegá-lo pela mão,
O estrondo redondo do trovão
Avisando que em breve vai chover,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

* * *

Zé Silva glosando o mote

Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

Como é bom ser menino, ser criança,
Ter um mundo de sonhos, de ilusões,
Caminhar num caminho de emoções,
Aquecido no sol da esperança.
No entanto, esse tempo de bonança,
Como tudo que é bom, pouco demora.
Como a marcha dos anos me apavora
E a tudo transforma tão ligeiro!
Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de setembro de 2020

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 05.09.20

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE

Dois ícones da cantoria nordestina de improviso: Lourival Batista, o Louro do Pajeú (1915-1992)

e Severino Pinto, o Pinto de Monteiro (1895-1990)

* * * 

Uma cantoria de Pinto do Monteiro e Lourival Batista

Pinto do Monteiro

É certo, meu camarada
O que você tá dizendo
Eu costumo andar assim
Sujo e cheio de remendo
Mas ninguém diz onde eu passo:
“Pinto ficou me devendo.”

Lourival Batista

De ninguém ando correndo
Pois não faço maus papéis
Não devo, o que compro pago
Desde o perfume aos anéis
Seja chapéu pra cabeça
Ou sapato para os pés.

Pinto do Monteiro

E os duzentos e dez
Que tu tomaste a Armando?
Por uns quatro ou cinco dias
O tempo foi se passando
Já faz quatro ou cinco meses
Ó ele ali esperando!

* * *

Uma cantoria de Sebastião da Silva e Moacir Laurentino:

Moacir Laurentino

No inverno estou feliz,
trabalhando o meu dia,
olhando o saguim na mata,
que saltita, canta e pia,
e o passa-sebo furando
a casca da melancia.

Sebastião da Silva

No calor do meio dia,
escutar uma peitica,
deitado em colchão de folha
debaixo da oiticica,
quanto mais o sol esquenta
mais bonito o sertão fica.

Moacir Laurentino

A água desce na bica
quando chove em fevereiro,
no terreiro o peru roda,
fuça um porco no aceiro,
e a água desce do corgo
com basculho pra o barreiro.

* * *

Uma cantoria de Silveira e Diniz Vitorino

Silveira

Tu não faz a metade do que faço
Quando eu pego um cantor se acaba o nome
Nesse dia os cães não passam fome
E urubus festejam no espaço
Deixo o corpo do pobre num bagaço
Exposto ao monturo seu despojo
Cantor fraco eu só mato de arrojo
E a folia se arrancha na ossada
Sai a alma gritando abandonada
E o diabo não quer porque tem nojo.

Diniz Vitorino

No momento que eu me aperreio
Com o peso esquisito do meu braço
Não existe prisão feita de aço
Que com o murro eu não parta pelo meio
No momento que acabo com o esteio
Que alguém pra fazer gasta um ano
Tiro telha, quebro ripa, envergo cano
De metal ou de aço bem maciço
Você morre e não faz este serviço
Só faz eu porque sou paraibano.

Silveira

Dei um murro na venta de um poeta
Que a cabeça rodou fez piruetas
E passando por todos os planetas
Foi parar no reinado de um profeta
Nisto um santo que viu ficou pateta
A cabeça do vate estava um facho
Uma alma gritou ô velho macho
E são pedro gritou o que é isso?
Disso um anjo que estava junto a cristo
É silveira zangado lá embaixo.

Diniz Vitorino

Eu ja fui no inferno urgentemente
E entrei numa poeta lá por trás
E peguei um irmão de satanás
E um primo, um irmão e um parente.
Pra mostrar que eu sou cabra valente
Dei um tapa no diabo carrancudo
E peguei outro diabo cabeludo
Dei-lhe tanto que o cabra ficou calvo
Se você morrer hoje já ta salvo
Que o que tinha de diabo eu matei tudo.

* * *

CANTORIAS E FOLGUEDOS NORDESTINOS

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de agosto de 2020

POETA PEDRO BANDEIRA, UM GÊNIO DA CANTORIA

 

POETA PEDRO BANDEIRA, UM GÊNIO DA CANTORIA

 

Encantou-se na última segunda-feira (24), o poeta paraibano Pedro Bandeira de Caldas, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca.

Pedro Badeira era natural de São José de Piranhas e faleceu em Juazeiro do Norte, onde morava.

Na Nação Nordestina, Pedro Bandeira ostentava o título de “Príncipe dos Poetas Populares”

Pedro Bandeira de Caldas (1938-2020)

* * *

Pedro Bandeira

O sopapo do meu braço
Todo cantador respeita
Do lado esquerdo espatifo
Lasco da banda direita
Aonde eu baixo a munheca
A bagaceira está feita.

* * *

 

 

* * *

Pedro Bandeira – Jesus – Meu galope na beira do mar

Jesus – esperança da voz do perdão
Divino cordeiro, poeta e pastor
Juiz infalível do código do amor
Estrela cadente da constelação
Nascente perene do ventre do chão
Painel que reflete na luz do luar
O mundo é pequeno pra te comparar
Perpétuo socorro dos desiludidos
Farol que ilumina os barcos perdidos
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – padroeiro do homem de fé
Cometa visível do largo horizonte
Pedaços de pétalas que descem da fonte
Deixando perfume no igarapé
Estátua sagrada que tem como sé
Um adro, uma igreja, um santo, um altar
Piso envergonhado no teu patamar
Gemendo, vergado no peso das culpas
Orando, chorando, pedindo desculpas
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – o refúgio de nós pecadores
Autor da orquestra do som dos arcanjos
Poema evangélico do coro dos anjos
Maestro do palco dos bons cantadores
Canário que trina no leque das flores
Artista das almas, que vive a cantar
Lanterna profética do topo do altar
Libélula que pousa no dorso da malva
O homem é quem peca, Você é quem salva
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – oceano completo de encantos
Angico frondoso coberto de ninhos
Preserva a vivenda de seus passarinhos
Com sopros de vida por todos recantos
Lençol perfumado, consolo dos prantos
Da alma penada que vive a chorar
Nos teus lindos olhos quem bem reparar
Vê duas lanternas nas noites de inverno
Criança sorrindo no colo materno
Cantando galope na beira do mar.

 

Jesus – tabernáculo de portas abertas
Teus gestos são mansos, teus dias são calmos
Profeta que prega o livro dos salmos
Nas areias brancas das praias desertas
Palavras de mãe no pão das ofertas
Que a mãe carinhosa não sabe humilhar
Ministro de Deus que vive a rezar
Vaqueiro prudente das ovelhas mansas
Patrão dos adultos, pastor das crianças
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – matemático que tira o atraso
Escola sublime de todos os mestres
Orvalho aromático das rosas silvestres
Retrato de nimbus nas cores do ocaso
Fiel seresteiro que em todo parnaso
As musas pairaram pra lhe escutar
Nasceu pra sofrer, morreu pra salvar
Varou o deserto, quebrou a algema
É chefe do fórum na corte suprema
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – primogênito, meu Deus e meu tudo
Tenor das colinas, garganta sinfônica
Toalha de sangue nas mãos de Verônica
Guerreiro sem flecha, sem míssil ou escudo
Rosário de pérolas, versículo de estudo
profundo que o homem não pode igualar
Minha ignorância queira perdoar
Angústia das dores do monte calvário
Segredo do sangue do Santo Sudário
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – solução dos grandes fracassos
Amigo que chega na dor dos suplícios
Nas horas difíceis de mil sacrifícios
Feliz da pessoa que segue seus passos
Levando-o no peito, na alma e nos braços
Rasgando a floresta pra o corpo passar
Quem anda contigo é certo chegar
No pouso celeste dos aventurados
Banhar-se na fonte, tirar os pecados
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – que perdoa os fracos de ações
Estrela da paz, remédio da guerra
A única pessoa do céu e da terra
Que entende a linguagem de todas Nações
Morreu coroado entre dois ladrões
Cuspido e zombado da voz popular
Tirou na história primeiro lugar
Pendeu a cabeça pro lado direito
Pra todos os séculos merece respeito
Cantando galope na beira do mar.

Jesus Nazareno – filho de Maria
Lições infindáveis dos povos essênios
Espelho fantástico de todos os gênios
Soluços da noite, sorrisos do dia
Montanha escalável da teologia
Caminho pra alma se regenerar
Palavra gostosa de pronunciar
Troféu dos humildes, perdão das ofensas
Estrada infinita de todas as crenças
Cantando galope na beira do mar.

* * *

Pedro Bandeira – Eu não sei nem quem eu sou

No dia qui eu tou cá peste
Eu não sei nem quem sou eu,
Sou um fio do Nordeste
Que por descuido nasceu.
Cabôco do pé da serra
Fio legítimo da terra
De Inácio da Catingueira,
Juvená do Picuí,
De Zé Duda do Zumbí
E Mané Gardino Bandeira.

Sou um dos fí de Jesus
Qui nasceu por um arranjo,
Na terra de Zé da Luz
E de Argusto dos Anjo.
Sou do mesmo tabuleiro
Onde Pinto do Monteiro
É o primeiro da lista,
Cantador de desafôro
Tirando lapa de couro
Do rabo de repentista.

Sou dos cabra do Teixeira
Do sertão véi sem imprêgo
Da terra de Zé Limeira,
E dotô Zé Lins do Rêgo.
De Zé Américo de Armêida
Orador da voz de seda
Político da linha boa.
Sou cantadô das coivara
Do sertão das Ispinhara
A capitá João Pessoa.

Sou um doido da viola
Repentista vagabundo
Como um jumento sem bola
Sorto no ôco do mundo.
Bibí água do riacho
Onde todo cabra macho
Se acorda de madrugada
Sou um matuto pai-dégua
Nasci na Baixa da égua
Perto da tába lascada.

Sou um cabra resorvido
Bicho sem assombração
Poeta véio nascido
No miolo do sertão.
Sou neto de João Mandióca.
Cumpadre de Cobra Choca.
Mês de maio é o mês meu.
Me batisei em oitubro
Vou ver se ainda descubro
Onde a garrota morreu.

Sou do cabo da enxada,
Neto que dá língua a vó.
Cabra da rede rasgada
E um buraco no lençó.
Sou da terra de Ugolino,
Famia de Ontôe Sirvino,
Parente de Lampião.
Colega de Zé Catôta,
Romeiro véio da gôta
Do Padre Cícero Romão.”


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de agosto de 2020

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UMA CANTORIA (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UMA CANTORIA

João Pereira da Luz, o grande Poeta João Paraibano, Princesa Isabel-PB (1952-2014)

* * *

Severino Feitosa e João Paraibano glosando o mote:

Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

O poeta nasceu com tanto brilho,
que um verso que faz, de nada ensaia,
no momento que está levando vaia,
pensa ser nenhum tipo de elogio,
eu na noite que estou cantando frio,
quando um copo tiver para esquentar,
que é mais fácil o poeta se inspirar
no momento do álcool lhe aquecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

Severino Feitosa

Sem tomar uma dose de cinzano,
licor, dreher, whisky, rum, cachaça,
é ser músico, cantar em qualquer praça
e não ter um teclado e nem piano,
é fazer uma troca com cigano,
e um canudo do curso não levar,
dar um voto a um parlamentar
que não tem liderança no poder.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

Eu não bebo só água de cabaça,
que do álcool também sou dependente,
se faltar uma dose de aguardente,
eu começo a tremer no meio da praça
se faltar uma dose de cachaça,
peço duas de whisky lá no bar,
quem está frio, só pensa em se esquentar
e a borracha não vai se encolher
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

Severino Feitosa

O repente na noite divertida,
pra o poeta que pega no instrumento
para mim só terá contentamento,
com direito a um copo de bebida,
mas não tendo eu comparo a sua vida
com um minuto tristonho de azar,
a mulher toda noite se zangar
não querer no seu corpo se aquecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

Para um repentista de talento,
fazer verso sem ter uma bicada
é partir pra voltar no meio da estrada
é ver cobra esquecendo de São Bento
ou sair pra fazer o casamento,
levar chifre na porta do altar,
pegar sua semente pra plantar
ver o mesma no chão apodrecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

* * *

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,
para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita
no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,
uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,
que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida
e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura
que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

* * *

UMA CANTORIA

Moacir Laurentino cantando O VELHINHO DO ROÇADO, de autoria do poeta Expedito Sobrinho

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 15 de agosto de 2020

UMA DUPLA EM CANTORIA - 15.08.20

 

UMA DUPLA EM CANTORIA

A grande dupla de cantadores Sebastião Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,
que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,
já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,
penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,
misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,
é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,
mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

* * *

A DUPLA IMPROVISANDO NUM QUADRÃO PERGUNTADO

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 08 de agosto de 2020

SEIS MESTRES DO IMPROVISO - 08.08.20 (CORDEL DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

Patativa do Assaré:

Sou poeta afamado
das bandas do Assaré
respeito home casado,
moça, menina e muié,
pra acabar com essa peleja
pode ser que sua mãe seja
pueta tirando o é.

Antonio Marinho do Nascimento:

Eu sou de uma terra de heróis e vilões
Valentes, covardes, fortes e fracos
De pretos, de brancos, brilhantes e opacos
De homens- farrapos, de homens-brasões
Todos personagens de destruições
Que ousam, que teimam a história manchar
O índio morrendo e o negro a clamar
Que seu cativeiro chegasse ao final
Sentindo o chicote frio de Portugal
Fazer jorrar sangue na beira do mar .

Otacílio Batista Patriota:

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

João Viana dos Santos:

Há entre o homem e o tempo
Contradições bem fatais,
O homem não faz, mas diz,
O tempo não diz , mas faz,
O homem não traz nem leva,
Mas o tempo leva e trás.

Lira Flores:

Quando as tripas da terra mal se agitam
E os metais derretidos se confundem
E os escuros diamantes que se fundem
Das crateras ao ar se precipitam,
As vulcânicas ondas que vomitam
Grossas bagas de ferro incendiado
Em redor deixam tudo sepultado!
Só com o som da viola que me ajuda,
Treme o sol, treme a terra, o tempo muda,
Eu cantando martelo agalopado!

Glauco Mattoso:

Ninguém usa o martelo que nem eu,
Martelando o dedão largo, na ponta
Do pé chato do mano que me monta:
Sangue bom, da linhagem do plebeu,
Que Bocage e Rabelo jamais leu,
Mas que tira casquinha dum coitado
Com requinte capaz de ser cantado!
Quem foi rei nunca perde a majestade,
E eu que sou, também, súdito de Sade,
Virei rei do martelo agalopado!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de julho de 2020

CEGO ADERALDO, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA

CEGO ADERALDO, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

* * *

A prisão deve ter sido
Invenção de Lúcifer
Eu só aceito a prisão
Nos braços duma mulher
Aguentando o que ela faz
E fazendo o que ela quer.

Jesus a mim quis fazê
Neste caso que se deu:
Eu perdê a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu

Deus a mim deu a bola
Para levar a cantoria
Tirou a luz dos meus olhos
Eu não vejo a luz do dia
Porém eu levo a palavra
Transcrita em poesia

Oh! Santo de Canindé!
Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas!

Só nos falta ver agora
Dar carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criar bigode,
Tarrafa feita sem linha.

Muito breve há de se ver
Pisar-se vento em pilão,
Botar freio em caranguejo,
Fazer de gelo carvão,
Carregar água em balaio,
Burro subir em balão.

Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.

A lagarta tem forma de serpente
Quando vai viajando numa estrada,
Mas, depois de metamorfoseada,
Ela toma uma vida diferente:
Cria asas de cor bem transparente,
Verdadeiro vislumbre de beleza.
Nem ciência, nem arte, nem riqueza
Poderia pintar beleza igual.
Isto é lei do Juiz Universal
E é impulso da mão da natureza.

Quis casar-me, que loucura !
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recordo dia a dia,
Mas ouvindo a melodia
Fui sentindo a flor do goivo,
De repente fiquei noivo
Me casei com a poesia.

* * *

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de julho de 2020

UMA DUPLA EM CANTORIA E UM FOLHETO SOBRE PABLO PICASSO

 

UMA DUPLA EM CANTORIA E UM FOLHETO SOBRE PABLO PICASSO

 

A talentosa dupla de cantadores Rogério Menezes e Chico Alves em duas cantorias:

O açude Tá cheio, o chão molhado

 

 

* * *

Desafio em Galope a Beira-Mar

 

 

* * *

ABC DE PABLO PICASSO – Sá de João Pessoa

Artista como Picasso
O mundo ainda não viu
Feito têmpera de aço
Do qual se faz o buril
Genialidade tamanha
Inata no Sul da Espanha
Terra gitana e viril.

Bem cedo já começou
A mexer com a pintura
Ao Goya igual pintou
Perfeitíssima figura
Foi para a academia
Aprender com maestria
A retratar a natura.

“Ciência e Caridade”
Foi sua obra acadêmica
Longe da modernidade
Como se fosse helênica
O mundo não imagina
Que o gênio vem em surdina
E toma a forma edênica.

Depois ele vai a Madri
A Barcelona e Paris
Da pintura faz sua vida
Assinando “Pablo Ruiz”
Conhece Jacob e Soler
Ama Fernanda Olivier
Passa uma fase feliz.

Em novecentos e sete
Picasso abraça o cubismo
Com o seu amigo Braque
Atira a arte ao abismo
Eis que surge o embrião
Filho da revolução
Chamado surrealismo!

Foi na Galeria Vollard
A primeira individual
Agora corre em Paris
A fama internacional
A vida agitada o leva
Ao corpo amado de Eva
Uma paixão temporal.

 

Galga o sucesso e a fama
Na própria cidade-luz
Cria cenário pra balé
E novo amor o seduz
Conhece a divina Olga
Cujo dançar o empolga
Logo ao amor o conduz.

Homem de muitos amigos
Cultor de todas as artes
Cocteau e Apollinaire
Encontra em toda parte
E quando algum deles morre
Somente a paixão o socorre
Pra superar o descarte.

Intimista ou notório
Picasso assim se desvela
Os estilos se renovam
Quando a arte se rebela
É a vez do surrealismo
Sepultar leve o cubismo
Com féretro, coroa e vela!

Jaime Sabartés seu amigo
Desde os tempos de rapaz
Se torna seu secretário
O artista produz em paz
Além da litografia
Picasso faz poesia
E cenários teatrais.

Longe se houve o lamento
Dos mutilados feridos
É assim a guerra civil:
Faz dos homens uns bandidos
Irmão matando o irmão
Fome, frio e desolação
Multidão de desvalidos.

Max Jacob mais que amigo
Morre num campo nazista
Picasso está revoltado
Vai ao Partido Comunista
Busca a livre consciência
Expõe na “Arte e Resistência”
Chora a Espanha franquista.

Nada demonstra o horror
De uma Nação oprimida
Um quadro que não tem cor
Mostra a expressão mais sofrida
Trágica expressão nos fica
Ver espantado o “Guernica”
Morte real e dolorida.

O pintor pinta a tragédia
Que a tragédia se anuncia
O “Massacre da Coréia”
Que Picasso em transe cria
Inspira a “Pomba da Paz”
E o prêmio Lênin da Paz
A URSS então lhe daria.

Pablo Diego José
Francisco de Paula Juan
Nepomuceno Maria
De los Remédios Ciprian
De La Santísima Trindad
Ruiz y Picasso – dá
Ideias do livre amanhã.

Quando vai Paul Éluard
Também Françoise Gilot
Jacqueline vira musa
Que no outono encontrou
A morte de Henri Matisse
O faz meditar na velhice
– O ano 90 chegou!

Rembrandt está presente
Na arte de Pablo Picasso
Ora aparece em gravuras
Ocupando algum espaço
Ora é um lindo camafeu
Efígie de algum judeu
Sátiro, nu, um devasso!

Sem Picasso nossa arte
Seria um rio sem fim
Foi atacando os gregos
Os conceitos do latim
Mas a arte como Arte
Nasce viva em toda parte
Sem começo, meio e fim.

“Tenho a morte como amante
Diz ele em forma de queixa
Penso nela o tempo todo
É fiel como uma gueixa
Num mundo em agitação
As mulheres vêm e vão
Mas só ela não me deixa”.

“Um quadro não deve ser
Apenas mera ilusão
A pintura nunca é prosa
Antes – é poesia, canção,
Quantas vezes num instante
Vi que o amigo é o amante
A cor azul – um furacão!”

“Vaidade das vaidades
Eu não procuro – as encontro
No fundo sou curioso
Acerca de cada sonho
Não gosto de concluir
O quadro que há de vir
De um pesadelo medonho”.

XX Séculos se passaram
Para surgir um pintor
Que transmitiu para a tela
O sonho de um sofredor
Braque, Dali ou Matisse
As mulheres – que doidice
Vivem em forma de cor.

Zombeteira a morte chega
No ano de setenta e três
A impiedosa nos levou
Três Pablos de uma só vez
Casals, Neruda e Picasso
Já fazem artes no espaço
Junto a Jaime Sabartés.

Til não é letra nem nada
Mas Ele aparece aqui
Para dar o nobre Adeus
Ao gênio que conheci
Através das mil gravuras
Desenhos – óleos – pinturas
Que na exposição eu vi.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 11 de julho de 2020

O PADRE QUE MATOU O BISPO: UM DOCUMENTÁRIO E UM FOLHETO

 

O PADRE QUE MATOU O BISPO: UM DOCUMENTÁRIO E UM FOLHETO

 

 

* * *

Um folheto de José Soares – A MORTE DO BISPO DE GARANHUNS

Garanhuns está de luto:
numa bisonha manhã
foi morto dom Expedito,
um bispo de alma sã,
pelo revólver dum padre
partidário de Satã.

Um padre matar um bispo
quase não tem fundamento;
maculou com sua fúria
dos dez, este mandamento:
‘Não Matarás’, disse Deus
no sagrado sacramento.

Quantas vezes esse padre
lá no púlpito a pregar
repetiu nos seus sermões
que Deus não manda matar,
quando ele próprio faz
su’alma se condenar.

É lamentável leitores
mas tudo se comprovou
e desse drama de ontem
que a todo o mundo abalou
vou contar em poucas linhas
como tudo se passou.

O padre Hozana Siqueira,
vigário de Quipapá
não cumpria pela regra
a lei de Deus Geová,
ligando pouco os deveres
de ministro de Alá.

Porque ele, sendo padre
estava no seu critério
defender e pugnar
pelo santo presbitério,
combater e condenar
qualquer ato deletério.

 

Mas o padre assim não fez
e fugindo da rotina
seguindo outro endereço
fora da casa divina
desrespeitando sem medo
a lei da santa doutrina.

Seus atos precipitados
lhe tiram toda razão
prova que ele abraçara
os atos do Deus pagão
repudiando sem asco
a cristã religião.

Se ele não tinha fibra
pra ser ministro de Cristo,
renunciasse à igreja;
hoje estava fora disso:
talvez não fosse assassino,
odiado e mal visto.

Pois bem, esse dito padre
coração de caifaz
achou que tudo fazia
e depois saísse em paz,
dando uma vela a Deus
e outra pra Satanaz.

Foi quando dom Expedito,
o bispo de Garanhuns,
sabendo daqueles fatos
por rumores e zunzuns
resolveu tirar o padre
dos seus atos incumuns.

Fez ciente ao padre Hozana
que este fazia jus
à condenação de Deus
por ser um padre sem luz
ficando o mesmo suspenso
da igreja de Jesus.

O bispo fez o ofício
confiado em Geová
e mandou ao padre Hozana,
vigário de Quipapá,
pra esse ficar suspenso
de fazer sermões por lá.

O padre Hozana ficou
bastante contrariado;
consigo mesmo dizia
‘o bispo está enganado;
eu sou padre na igreja
mas fora sou um danado’.

De rato este padre Hozana
tinha vida dezabrida;
de púlpito da matriz,
a sua doce guarida,
ele espancava a pessoa
que falasse de sua vida.

Descompunha os infelizes
que iam lá na matriz;
espancava até menores
com sua fúria infeliz;
dentro lá de Quipapá
sempre fez o que bem quis.

Então esse dito padre,
ao par da intimação,
disse que dom Expedito
iria pedir perdão
a ele, por ordenar
logo sua suspensão.

Com o revólver na cinta
e no coração o mal,
o padre Hozana seguiu
pra difusora local
tentando manchar o bispo,
nessa hora seu rival.

Chegando na difusora
lá não foi bem recebido;
pra usar o microfone
ele não foi atendido;
então saiu furioso
já bastante decidido.

Chegando na diocese,
quando a porta se abriu,
o bispo Expedito Lopes
na sua frente surgiu;
o padre como um demônio
contra a vítima investiu.

Sacando de seu revólver
nessa triste ocasião,
três estampidos soaram
foi tremenda a explosão,
e logo dom Expedito
ferido tombou no chão.

O primeiro que ouviu
dos estampidos a zuada,
soldado José Cordeiro,
que, não sabendo de nada,
foi entrando no palácio:
ali cismou da parada.

Pois, o padre vinha louco
correndo desembalado,
entrando logo num jeep
ali estacionado,
saindo em velocidade
com destino ignorado.

O soldado então entrou
no palácio episcopal;
seus olhos se depararam
com um quadro sepulcral:
dom Expedito jazia
em sangue ali no local.

Dom Expedito gemia
se contorcendo de dores;
ele, sendo tão pacato,
nunca pensou em horrores;
estava em leito de espinhos
quem tanto cuidou de flores.

Foi levado ao hospital
dali a dado momento
pois a notícia espalhou-se
do triste acontecimento,
e no Hospital Dom Moura
parou o seu sofrimento.

Pois, não suportando as dores
sua vida foi passada
às duas horas e quinze
de uma triste madrugada,
deixando o povo tão triste
e a cidade enlutada.

O mundo é um vale de lágrimas
a morte temos por certo;
nossa vida é por enquanto,
nosso túmulo vive aberto;
contente o bispo vivia
porque ainda não sabia
que a morte estava tão perto.

Terminarei, caros leitores,
nada mais tenho a dizer;
o triste acontecimento
estou disposto a vender;
de um jornal escrevi
porque lá não assisti:
melhor não pude fazer.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de julho de 2020

UMA DECLAMAÇÃO E UM FOLHETO RARO E PRECIOSO DE PATATIVA DO ASSARÉ

 

UMA DECLAMAÇÃO E UM FOLHETO RARO E PRECIOSO

 

O poeta baiano Chapéu de Couro declamando um poema de sua autoria.

O tema é bem atual:

 

 

* * *

UMA PRECIOSIDADE

 

Cordel escrito pelo saudoso Patativa do Assaré. Foi em 1946, quando então ela tinha 37 anos de idade.

Patativa usou o pseudônimo de Alberto Cipaúba.

O CRIME DE CARIÚS

Eu sou um poeta nato,
Versejar é o meu ofício,
Gosto da sinceridade,
Versejo sem sacrifício,
Sou filho de Pernambuco,
Desta terra de Maurício.

Mas como nunca estudei
E moro na Soledade
Sem nunca dar os meus versos
À luz da publicidade
Ninguém conhece o meu nome
Dentro da sociedade.

Porém a história de um crime
Vou narrar, publicamente,
Passou-se em 42
Da nossa era presente
Na vila de Cariús
Ao Ceará pretendente.

Portanto peço licença
Aos leitores mais sensatos
Que quero contar a todos
Em meus versinhos exatos
Como se deu a morte
De Carlos Gomes de Matos.

Esse ilustre farmacêutico
Que hoje na glória está
Teve como berço o Crato,
Nasceu e criou-se lá,
Descendendo das melhores
Famílias do Ceará.

De Pedro Gomes de Matos
E a senhora Josefina
Nasceu esse bom senhor,
O qual teve a triste sina
De morrer barbaramente
Por uma fera assassina.

No rol da sociedade
Vivia alegre e ditoso
Branco, preto, rico e pobre,
O chamavam de bondoso,
Pois, além de competente
Era muito caridoso.

Dentro de sua farmácia
Trabalhava o dia inteiro,
O seu negócio gozava
De um conceito verdadeiro
Na praça do Ceará,
Recife e Rio de Janeiro.

Era casado; e a esposa,
Dona Emília Mussalem
O amava com o fervor
Que uma santa esposa tem
Porém o diabo não folga
Quando um casal vive bem.

Diz-nos um velho rifão:
Quem é bom não vive em paz,
Quando a fortuna nos chega
A miséria vem atrás,
E não há quem esteja livre
Dos laços de Satanás.

 

O Doutor Nelson Carreira
Paraibano infiel,
Estabeleceu-se no Crato
Com seu destino cruel
E praticou contra Carlos
O mais horrível papel.

Esse orgulhoso Doutor,
Tipo da perversidade,
saiu lá da Paraíba
Por causa de inimizade
E veio então para o Crato
Desacatar a cidade.

Com dois anos que o tal médico
Se achava no Cariri
Já era antipatizado
Por muita gente dali
Segundo as informações
Que em vários jornais eu li.

Sempre onde ele conversava
Seu assunto era questão,
Pelo que logo notamos
Seu perverso coração,
Talvez até tenha sido
Do bando de Lampião.

Gabava-se de valente,
Apesar de muito fraco.
Parece que a natureza
Ocultou naquele saco
O orgulho do peru
E a trapaça do macaco.

Em Crato ele começou
Mostrando grosseiros tratos,
Falando contra a farmácia
De Carlos Gomes de Matos
E surgiu deste motivo
O maior dos desacatos.

Certa vez Nelson Carreira
Receitando um sertanejo
Valeu-se da falsidade
E aproveitou o ensejo
Para assim satisfazer
Seu satânico desejo.

E depois do exame feito
E a receita escriturada
Entregou-a a um cliente
Porém com ordem passada
Pra na farmácia de Carlos
A mesma ser aviada.

Disse mais ao sertanejo
Que, quando se despachasse,
Novamente ao gabinete
Com o remédio voltasse,
Pois, sem o examinar
Não convinha que tomasse.

Foi o matuto à farmácia
Com a receita na mão
E Carlos Gomes de Matos,
Que não pensava em traição,
Despachou a tal receita
Com a devida atenção.

Com o remédio legal
O bom camponês voltou
Chegando ao gabinete
Ao Doutor o entregou
E este pegando o remédio
Falsamente o revistou.

Logo depois de ter feito
A falsa examinação,
Disse ali, publicamente,
Com ares de sabichão
Que Carlos havia errado
Sua manipulação.

E para melhor completar
O papel do traiçoeiro
Ordenou que o cliente
Fosse à farmácia, ligeiro,
Devolvesse o tal remédio
E procurasse o dinheiro.

O matuto admirou-se
Daquele mandado tal,
Porque Carlos sempre foi
Farmacêutico especial,
De nome bem conhecido
Do sertão à capital.

Mas contudo foi depressa
O remédio devolver,
Porém o bom farmacêutico
Se escusou de receber
E saiu com o sertanejo
Para a questão resolver.

Chegando ao consultório
Depois de uma saudação
Disse: Doutor, por favor,
Faça-me uma declaração:
– Em que consiste o meu erro
Nesta manipulação?

Carlos fez a pergunta
Com o sertanejo ao seu lado
O Doutor Nelson ficou
Um tanto sobressaltado
E negou, cinicamente,
O que antes havia afirmado.

Porém o matuto ouvindo
Atalhou, com certo tédio:
Doutor, o senhor me disse
Aqui mesmo neste prédio
Que o Doutor Carlos errara
No despachar do remédio.

Disse Carlos: doutor Nelson,
Isso não lhe fica bem
Rebaixar minha farmácia
Que tanto critério tem
E da qual até o presente
Nunca se queixou ninguém.

Disse o doutor: de hoje em diante
Em fiscal vou me tornar
Para a sua farmácia
Eu mesmo fiscalizar,
Farmacêutico de hoje em diante
Comigo vai se apertar.

Carlos com muita razão
Replicou ao atrevido:
Sendo assim eu também tenho
O meu direito devido
De fiscalizar os erros
Que o senhor tem cometido.

O primeiro destes erros
Causou a pior impressão
O senhor, em minha prima,
Aplicou uma injeção
Contra a receita e a ordem
Do senhor doutor Leão.

Maria Gomes de Matos
A minha prima, a doente,
Morreu depois da injeção
Quase repentinamente
E o doutor querendo eu dou
Do fato a prova evidente.

Sabendo o doutor que Carlos
Justa verdade dizia
Se enfureceu de tal modo
Que o corpo todo tremia
Como cão raivoso sofrendo
O choque da hidrofobia.

Enrubesceu-se de raiva,
Mudou logo de feição,
Pois nunca soube o que fosse
O valor da educação
E vibrou, afoitamente
Em Carlos um bofetão.

Pois aquele astuto médico
Do coração de chacal
Estudou porém não
Obedecer à moral
Nele só reina o instinto
Da natureza brutal.

O farmacêutico tombou
Com a grande bofetada
E saiu do consultório
Sem ao doutor dizer nada
Suportando a dor secreta
Da sua honra ultrajada.

Ocultou consigo a mágoa
Nunca se queixou a ninguém!
Mas nele se lia um quê
De quem não se sente bem,
Demonstrando as qualidades
Que o criterioso tem.

Do que fez o doutor Nelson
Logo se espalhou a notícia
E este, orgulhoso, crescendo
Cada vez mais a malícia
Trazia a casa guardada
Por soldados da Polícia.

E além daqueles soldados
Vigiando o seu abrigo
Arranjou quatro capangas
Que andavam sempre consigo
Como se estivesse exposto
Ao mais tremendo perigo.

Aquilo mais aumentou
Sua grande antipatia
Rodeado por capangas
O pessoal sempre o via,
De cada lado um revólver
O bandoleiro trazia.

E Carlos Gomes de Matos
Nem sequer tinha a lembrança
De procurar o patife
E tomar uma vingança
Pois sempre foi u’a pessoa
Modesta, sensata e mansa.

Mas um dia, por acaso,
Aquele honrado senhor
Numa das ruas do Crato
Encontrando o tal doutor
Sentiu magoar-se a ferida
Dentro do seu pundonor.

De tomar uma vingança
Chegou-lhe um certo desejo
E sacando do revólver
Fez com o mesmo um manejo
Indo uma bala alojar-se
No corpo de malfazejo.

Carlos sustou a arma
Pois matá-lo não queria,
Notando em seu inimigo
O cúmulo da covardia,
Pois nem sequer pegou num
Dos revólveres que trazia.

Vendo o doutor que os capangas
Não vieram lhe valer
Valeu-se das grossas pernas
Pensando que ia morrer
Como quem diz: um Carreira
Pode muito bem correr!

E assim que chegou em casa,
O famoso valentão,
Mandou um carro a Barbalha
Buscar o doutor Leão,
Pois os doutores do Crato
Nenhum lhe dava atenção.

O doutor Leão Sampaio,
Que em medicina é o tal,
Chegando o fez o exame
E terminou, afinal,
Garantindo ao doutor Nelson
Não ser o tiro mortal.

Este sabendo que o tiro
Não lhe causaria a morte
E conhecendo que em Crato
A coisa não dava sorte,
Voltou para sua terra
A Paraíba do Norte.

Voltou; mas deixou em Crato
Lembrança p’ra vida inteira:
Além dos mais desacatos
Deu um bolo de primeira
De umas dezenas de contos
No cofre da padroeira.

Deixemos o doutor Nelson
Em sua terra natal,
Urdindo tramas e tramas
Atrás de fazer o mal,
E vamos falar de Carlos
Sobre o seu crime animal.

Após aquele ocorrido
Carlos sendo interrogado
Disse que no doutor Nelson
Havia mesmo atirado
E conforme manda a lei
Foi o mesmo processado.

Não obstante ele ter
A sua clara razão
Pois baleou o doutor
Em paga do bofetão
Foi condenado a um ano
E dois meses de prisão.

O doutor Nelson Carreira
De tudo teve certeza
Porém sempre o perseguia
Com desmedida fereza
Como o lobo sanguinário
Que anda à procura da presa.

Certa vez Carlos se achava
No Estado de Goiás
E, quando pensou que ali
Estava vivendo em paz,
Notou que um cabra o seguia,
Bem de longe, por detrás.

Aonde fosse o farmacêutico
O cabra sempre o seguia
E Carlos Gomes de Matos
Por sua vez já sabia
Que aquilo era um assassino
Que o doutor lhe remetia.

Saiu então de Goiás,
Mudando assim o seu plano,
Porém sempre perseguido
Do doutor paraibano
Era qual sombra maldita
Na pista do corpo humano.

Mas Carlos que só temia
O grande poder de Deus
Foi com a sua farmácia
Com os bons produtos seus,
Pra vila de Cariús,
Município S. Mateus.

E então, no Ceará,
Seu lindo berço querido,
Na vila de Cariús
Se achava estabelecido
No mesmo lugar onde outrora
Carlos já tinha vivido.

E enquanto ele ia exercendo
Sua honrada profissão,
O Nelson continuava
Na mesma convicção,
Agredindo-o no Iguatu
De arma exposta na mão.

Falava a um e a outro
Oferecendo dinheiro
Pra matar o farmacêutico,
Homem justo e verdadeiro,
Que sempre deu boas provas
De um honrado brasileiro.

Pois o tal doutor Carreira
Da covardia é escravo
Mas para mandar matar,
É astuto, fino, bravo,
Capaz de tirar do cofre
O derradeiro centavo.

Certo dia lembrou-se
De um velho camarada
Celso Holanda Montenegro,
Alma perversa e malvada,
Que para maior defeito
Tem uma perna amputada.

Celso Holanda Montenegro,
Posso ao leitor afirmar,
É um cearense injusto
De falsidade sem par,
Tem as mesmas qualidades
De Domingos Calabar.

Então o doutor Carreira
Encontrando o seu amigo
Disse: Um grande negócio
Eu quero fazer consigo,
Boa soma dar-lhe-ei
Pra matar meu inimigo.

E quando você o matar,
Tomando a minha vingança,
Procure se despistar
Com a maior segurança
De modo que do ocorrido
Não haja desconfiança.

Celso aceitou de bom grado
A proposta do doutor,
Pois é pior do que Judas,
Infiel e traidor
E a fim de arranjar dinheiro
Nega a alma ao Criador.

Este monstro sem critério,
Mentiroso e imprudente,
Tem as manhas do dragão,
A peçonha da serpente;
Se existe o tal cão-coxo
É aquele certamente.

Morando na mesma vila
Que o farmacêutico morava
Com ele todos os dias
Sempre se comunicava
E Carlos, tão inocente,
Té injeções lhe aplicava.

Celso procurava um meio
De executar a traição
E, pra melhor despistar,
Travou esta relação,
Com um sorriso nos lábios
E o diabo no coração.

Mas aquele infame hipócrita
Não dispondo de coragem
Foi um dia a Paraíba,
Oculto numa viagem
À procura de um sujeito
Que oferecesse vantagem.

Foi ver se encontrava uma cabra
Que tomasse o seu lugar,
E o papel de assassino
Pudesse desempenhar,
Pois destes na Paraíba
É fácil de se encontrar.

Chegando a Campina Grande
Teve uma sorte o bandido
De encontrar Antonio Freire
A quem julgou destemido,
Proprietário de carros
E muito seu conhecido.

Disse Celso: Antonio Freire
Tu és disposto, é exato
Portanto eu hoje desejo
Fazer contigo um contrato
Trata-se da execução
De um oculto assassinato.

Respondeu Antonio Freire
Que a tanto não se atrevia
Porém podia arranjar
Um cabra que lhe servia,
Celso aceitou a oferta
E voltou no outro dia.

Domingos Aquino, o cabra
Que com Nelson contratou,
No carro de Antonio Freire
Logo depois viajou,
E chegando a Cariús
Montenegro o ocultou.

Sob a direção de Celso
Ficou a fera escondida,
Atrás de roubar de Carlos
Sua preciosa vida,
Mas não podendo alvejá-lo
Deu a viagem perdida.

Mas contudo Montenegro
Não mudou o plano seu
Procurou Antonio Freire
E enorme vaia lhe deu
Dizendo: ‘‘É fraco o rapaz
Que você me forneceu’’.

Mas você há de dar provas
De um amigo verdadeiro,
Arranjando outro rapaz
Corajoso e escopeteiro,
Porém quero que o segundo
Não faça como o primeiro.

Prometi ao doutor Nelson,
Meu benfeitor e amigo,
De matar o farmacêutico,
O seu maior inimigo,
E venho compartilhar
Este negócio contigo.

Respondeu-lhe Antonio Freire
Que seria pontual,
Arranjando outro sujeito
Para a tarefa fatal,
Traindo desta maneira
A quem nunca lhe fez mal.

Com fim de satisfazer
Do Montenegro a vontade
Foi ao tenente Queiroga,
Com quem mantinha amizade,
E a este pediu um cabra
Para aquela falsidade.

Em vez de o tenente ter
A ele repreendido,
Foi muito franco e correto
Em atender-lhe o pedido,
Prometendo para o crime
Um caboclo destemido.

Ursulino, o tal caboclo,
Forte, disposto e valente;
Residia em ‘‘Bamburral’’
(A fazenda do Tenente)
E vivia trabalhando
Pobre, miseravelmente.

O tenente o retirou
Da fazenda ‘‘Bamburral’’
E meteu em suas mãos
Um revolver especial,
cometendo desta forma
Um crime descomunal.

Este tenente é um membro
Da Força Paraibana
Porém provou desta vez
Com eloquência soberana
Ser um dos entes mais falsos
Que já deu a espécie humana.

Porque, sendo autoridade,
Em vez de ser justiceiro
Reparando alguma falta,
Aconselhando a um terceiro,
Desonrou a sua farda
Na morte de um brasileiro.

O traidor Antonio Freire
Ficou muito satisfeito
Quando o tenente Queiroga
Apresentou-lhe o sujeito
E disse consigo: Este
Faz o serviço direito.

Botou-o dentro do carro
E viajou pressuroso
Pra vila de Cariús,
Conduzindo o criminoso
Pelo qual o Montenegro
Já esperava, ansioso.

Celso Holanda Montenegro
Fitando o cabra Ursulino
Disse consigo: este cabra
Tem jeito de assassino
Talvez não faça o que fez
O tal Domingos Aquino.

E então, particularmente,
Com ele fez o contrato,
Dizendo-lhe: Se você
Fizer o assassinato
Dou-lhe quatro mil cruzeiros
E fico achando barato.

Se quer fazer o negócio
Seja esperto e vigilante,
Tome quinhentos cruzeiros,
Pois não quero ser maçante,
Depois que fizer o crime
Entregarei o restante.

Ursulino respondeu-lhe
Que tal negócio aceitava,
Porque já fazia meses
Que quase nada ganhava
E sua pobre família
Com fome em casa chorava.

Depois que Celso narrou-lhe
tudo, tim-tim por tim-tim,
Foi mostrar-lhe o farmacêutico,
Com um disfarce sem fim,
O qual achava encostado
Em um ficus benjamin.

Disse Celso: O farmacêutico
É aquele cidadão
Olhe bem pro jeito dele
Faça a identificação
E no momento do crime
Segure a arma na mão.

Depois que o cabra Ursulino
De tudo teve a certeza,
Ficou vigiando a vítima
Com a maior sutileza,
Aguardando a hora própria
Pra aniquilar sua presa.

No ano quarenta e dois
Da nossa presente era,
Numa noite de dezembro,
Aquela assassina fera
Por trás de um poste se achava
Acautelada, de espera.

A tal noite estava escura,
Sem alegria e sem graça,
Como que pressagiando
A hora de uma desgraça,
Bem profunda era a tristeza
Reinante naquela praça.

Lá pelo azul do infinito
Nem uma estrela luzia,
Em tudo a gente notava
Um tom de melancolia,
Parece que revoltada
A natureza gemia.

E Ursulino, no seu posto,
Calmo, frio, sanguinário
Esperava, cauteloso,
O momento necessário
De executar brutalmente
Seu papel de mercenário.

O farmacêutico passando
Justo onde estava a serpente
Encontrou ali um homem
Que vinha apressadamente
À procura de um remédio
Para seu filho doente.

A conversa com o mesmo
Um pouco se demorou,
Então, por trás do poste,
Ursulino aproveitou
Essa demora de Carlos
E um tiro lhe desfechou.

Mais dois tiros, em seguida,
Ursulino disparou,
Ferido, sobre a calçada,
O farmacêutico tombou,
E o cara no mesmo instante
Correndo se retirou.

Carlos, apesar de achar-se
Horrivelmente ferido,
Inda pegou seu revólver
Com esforço desmedido
E atirou na direção
Que o cabra tinha saído.

Porém naquele momento
Seus tiros já foram em vão,
Porque, além de ele achar-se
Em triste situação,
Ursulino ia amparado
Pela imensa escuridão.

Logo em socorro de Carlos
O povo todo correu
Dizendo, porém, a um tempo,
Ser mortal o estado seu,
Tanto assim que no outro dia
O farmacêutico morreu.

Faleceu em Iguatu
Operado no hospital,
Aquele moço distinto
Tão amigo e social
Causou a maior impressão
Essa notícia fatal.

Sobre a pessoa de Carlos
Vamos fazer ponto aqui.
Pra falar sobre o bandido,
O qual correndo dali
Saiu no dia seguinte
Na fazenda ‘‘Potengi’’.

João Cardoso em ‘‘Potengí’’,
Que era o sub-delegado,
Da morte do farmacêutico
Já tinha sido avisado
E assim que viu Ursulino
Com o mesmo tomou cuidado.

Por ser muito experiente
O cidadão João Cardoso,
Conheceu que aquele cabra
Era o dito criminoso,
Por ver que o mesmo trazia,
Um revólver precioso.

Com o auxílio de uns paisanos
Que se achavam ali perto
Desarmou o bandoleiro
E de tudo ficou certo,
Pois pelo próprio assassino
Foi o crime descoberto.

Ursulino a São Mateus
Levaram-no com brevidade,
E este contou a história,
Novamente, na cidade,
A mais de duzentas pessoas,
Sem se afastar da verdade.

Citou nome por nome
Dos malfeitores cruéis
E como representaram
Aqueles negros papéis
E também que fez o crime
Por quatro contos de réis.

Disse mais que o Montenegro
Daquela justa quantia
Deu-lhe quinhentos mil réis
Porém sob a garantia
Que depois do assassinato
O resto lhe entregaria.

O senhor Mário Leal,
De nome contraditório,
Isso assistiu e louvou,
Mas logo, tipo do mal,
Negou que tudo sabia,
Desonrando-se afinal.

Ficou o público ciente
De como forjaram os planos
Aqueles cinco traidores
De corações desumanos,
Um filho do Ceará
E quatro, paraibanos.

Mas os quatro coautores,
Por serem bem abastados,
Procuraram logo meios
Que dessem bons resultados
Abarrotando as carteiras
De espertos advogados.

E com trapaça e chicana,
Mentiras de toda sorte,
Afirmavam que o mandante
Daquela bárbara morte
Não era o doutor Carreira
Da Paraíba do Norte.

O Juiz de São Mateus
Conhecendo que os malvados
Estavam todos ali
Por protetores cercados
Pediu que em outra comarca
Os mesmos fossem julgados.

Ao júri de Fortaleza
Foram eles remetidos
E os quatro coautores
Da Polícia protegidos
Por um falso julgamento
Saíram absolvidos.

Foi um julgamento contra
As leis humanas e divina
Ficando assim libertada
Aquela corja assassina
Pois onde não há consciência
O interesse é que domina.

Ursulino, o mercenário
Foi indigno de atenção
Deram-lhe como sentença
Trinta anos de prisão,
Porque quem não tem dinheiro
Também não tem proteção.

O desgraçado Ursulino
Por ser um pobre, o prenderam.
Os outros, por serem ricos,
Penitência não sofreram,
Porque os juízes de fato
Do Ceará se renderam.

O promotor Lourival
Não fez a apelação,
Porque pra ele dinheiro
É a chave da prisão.
Mesmo vinte mil cruzeiros
Já é um gordo pirão.

Este doutor por dinheiro
Tem tão grande cobiça
Que faz tornar o seu jugo
Maneira como cortiça
Os próprios réus defendeu
No plenário de Justiça.

Pisou por cima da lei,
Por ser mui ganancioso,
Mas, depois de praticar
Este ato escandaloso
Ficou também incluído
No tal grupo criminoso.

A história deste crime,
Cheia de horror e traição,
Onde a autoridade falta
Com a sua obrigação,
É tinta negra que mancha
O nome de uma nação.

Se, contra o que escrevi
Alguém pensar o contrário,
De falar com Ursulino
Faça tudo necessário
Que o mesmo lhe contará
O infeliz mercenário.

Agora, caro leitor,
Espero ser desculpado
Em simples e toscos versos
Relatei todo o passado
Daquele crime horroroso
Em Cariús praticado.

Cariús! Lugar sinistro
Que apavora a humanidade
Onde reina o luto e a dor
A tristeza e a saudade
A mulher na viuvez
E a criança na orfandade.

Ali sempre foi um ponto
De assassinos e danos,
Teatro sanguinolento
Dos matadores humanos
Onde vai o assassino
Realizar os seus planos.

De Cariús o passado
Nos causa medonho espanto,
E descrever ninguém pode
Sem ter os olhos em pranto
A série de desatinos
Havidos naquele recanto.

Lugar de agouros malditos,
Fonte funesta do mal
Onde um monstro foi oculto
Cheio de instinto brutal,
Saciar no sangue humano
A sua sede infernal.

Ali, meia noite em ponto,
Quem pela rua se lança
Vê um grupo de assassinos
Que pelas trevas avança
E a alma do farmacêutico
Clamando, a pedir vingança.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de junho de 2020

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 27.06.20

 

GRANDE MOTES, GRANDES GLOSAS

O saudoso cantador Valdir Teles (1956-2020) um dos maiores nomes da poesia nordestina 

* * *

Valdir Teles glosando o mote:

Quando chega o inverno Deus coloca
Mais fartura na mesa do roceiro.

A matuta faz fogo de graveto
Ferve o leite que tem no caldeirão
Bota sal na panela do feijão
E assa um taco de bode num espeto
Onde a música do sapo é um soneto
Mais bonito da beira de um barreiro
Não precisa zabumba nem pandeiro
Que o compasso da música é Deus que toca.
Quando chega o inverno Deus coloca
Mais fartura na mesa do roceiro.

* * *

Antônio de Catarina glosando o mote:

O carão que cantava em meu baixio,
teve medo da seca e foi embora.

O carão, esta ave tão profeta,
habitante das matas do sertão,
sentiu falta da chuva no rincão,
ficou triste a sofrer como um poeta,
sem cantar sua vida é incompleta,
o fantasma da seca lhe apavora,
pesaroso partiu fora de hora,
antevendo um futuro tão sombrio;
O carão que cantava em meu baixio,
teve medo da seca e foi embora.

* * *

Mariana Teles glosando o mote:

Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

Quando o sol se despede da campina
E a textura da nuvem muda a cor
O alpendre recebe o morador
Regressando da luta campesina
Entre os ecos da casa sem cortina
Corre um grito chamando por Maria…
E da cozinha pra sala a boca esfria
O mormaço da xícara quase cheia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

Meia hora antecede a hora santa
Às seis horas da virgem concebida
E o cálice que serve de bebida
Desce quente nas veias da garganta
Já o trigo depois que sai da planta
Faz o pão quando a massa fica fria
E o tempero da cor do fim do dia
Tem mistura de terço, fé e ceia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

* * *

Zezo Patriota glosando o mote:

Paguei mais do que devia,
devo mais do que paguei.

Meu espírito não sossega,
com dívidas eu me espanto,
pago conta em todo canto
e devo em toda bodega,
quem deve conta e não nega
topa com que me topei,
tudo que tinha gastei,
com bodega e padaria.
Paguei mais do que devia,
devo mais do que paguei.

* * *

Júnior Adelino glosando o mote:

Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

No ramo da construção
Faço ponte, creche e praça
Com tijolo, cal e massa
Eu ergo qualquer mansão
Levanto em cima do chão
Parede bem grossa ou fina
Torre que não se inclina
Que não se quebra nem dobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Com o prumo e a colher
Lápis, régua, espátula e rolo
Cimento, areia e tijolo
Faço o que o dono quiser
Sobrado, muro ou chalé
Do tamanho de uma colina
Ser pedreiro é minha sina
Tenho talento de sobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Nasci com a vocação
E aprendi de longa data
Que o alicerce e a sapata
São partes da fundação
Numa grande construção
As ferragens predomina
Que a faculdade divina
Me dá aula e nada cobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Eu sei dizer que o concreto
É quem garante o sustento
Com pedra, areia e cimento
Começo qualquer projeto
Nunca fui um arquiteto
Nada disso me domina
Construo com disciplina
Qualquer coisa com manobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

* * *

Pedro Ernesto Filho glosando o mote:

Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O pequeno sanfoneiro
Com arte desafinada
Que de calçada em calçada
Vive a ganhar seu dinheiro,
Não é Alcimar Monteiro
Nem Gonzagão, nem Roberto,
Porém deixou boquiaberto
O povo do interior.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O sertanejo frustrado
Vítima da sociedade,
Somente vai à cidade
Quando se vê obrigado,
Falando pouco e errado
Porque vive no deserto,
Mas se houvesse escola perto
Talvez que fosse um doutor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

A prostituta de bar
Tem na consciência um farne,
Negocia a própria carne
A fim de se alimentar,
O bom conceito de um lar
Foi pela sorte encoberto,
Talvez que até desse certo
Se tivesse havido amor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O bom vaqueiro voraz
No mato faz reboliço,
Desenvolvendo um serviço
Que acadêmico não faz;
Coveiro é útil demais
Quando um túmulo está aberto
Rico não se torna esperto
Para fazer o favor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

* * *

Louro Branco e Zé Cardoso glosando o mote

Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

Louro Branco

Rapaz que tem companheira
Não leva Salve Rainha
Mas leva uma camisinha
Escondida na carteira
Tira a roupa da parceira
Mama chega o peito esfria
Chupa na língua macia
Como quem chupa confeito
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

Zé Cardoso

Vi um casal na calçada
Ela com ele abraçado
Ele na boca colado
Ela na língua enganchada
Uma velha admirada
Dizia: “Vixe Maria!”
E com tristeza dizia:
“Eu nunca fiz desse jeito”
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de junho de 2020

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO - 20.06.20

 

 

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO 

O grande cantador pernambucano Oliveira de Panelas, um dos maiores nomes da poesia popular nordestina da atualidade

* * *

Oliveira de Panelas

No silente teclado universal
Deus pôs som nas sutis constelações,
e na batida dos nossos corações
colocou a pancada musical,
quando a harpa da brisa matinal
vai fazendo concerto pra aurora,
nessas lindas paisagens que Deus mora
em tecidos de nuvens está escrito:
é a música o poema mais bonito
que se fez do princípio até agora.

Quando as pétalas viçosas das roseiras
dançam juntas com o sol se levantando,
vem a brisa suave carregando
pólen vivo das grávidas cerejeiras,
verdejantes, frondosas laranjeiras,
soltam hálito cheiroso à atmosfera,
toda mãe natureza se aglomera:
de perfume, verdume, que beleza!…
É o canto da própria natureza,
festejando o nascer da primavera!

* * *

Dimas Batista

Alguém já me perguntou:
o que são mesmo os poetas?
Eu respondi: são crianças
dessas rebeldes, inquietas,
que juntam as dores do mundo
às suas dores secretas.

Nossa vida é como um rio
no declive da descida,
as águas são a saudade
duma esperança perdida,
e a vaidade é a espuma
que fica à margem da vida.

* * *

Diniz Vitorino Ferreira

Qualquer dia do ano se eu puder
para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

* * *

Canhotinho

Acho tarde demais para voltar
estou cansado demais para seguir,
os meus lábios se ocultam de sorrir,
sinto lágrimas, não posso mais chorar;
eu não posso partir e nem ficar
e assim nem pra frente nem pra trás,
pra ficar sacrifico a própria paz,
pra seguir a viagem é perigosa,
a vereda da vida é tão penosa
que me assombro com as curvas que ela faz.

Te prepara, ladrão da consciência,
Que tuas dívidas de monstro já estão prontas,
Quando o Justo cobrar as tuas contas,
Quantas vezes pagarás à inocência?
Teu período banal de existência
Se compõe de miséria, dor e pragas;
Em teu corpo, se abrem vivas chagas,
Que tu’alma de monstro não suporta…
Se o remorso bater à tua porta,
Como pagas? Com que? E quanto pagas?

* * *

Antonio Marinho

Quem quiser plantar saudade
Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Quando o sol tiver bem quente
Pois se plantar no molhado
Ela cresce a mata a gente.

* * *

Toinho da Mulatinha

Em Sodoma tão falada
Passei uma hora só
Lá vi a mulher de Ló
Numa pedra transformada
Dei uma talagada
Com caldo de mocotó
E saí batendo o pó
Adiante vi Simeão
Tomando café com pão
Na barraca de Jacó.

* * *

Pinto do Monteiro

Admiro um formigão
Que é danado de feio
Andando ao redor da praça
Como quem dá um passeio
Grosso atrás, grosso na frente
E quase torado no meio.

* * *

Odilon Nunes de Sá

Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Quem morre moço não vive
Bom é ser velho e viver.

* * *

Léo Medeiros

Ensinei Ronaldinho a jogar bola
Fui o mestre de Zico e Maradona
Seu Luiz aprendeu tocar sanfona
Bem depois que saiu da minha escola
Caboré no pescoço eu botei mola
Também fiz beija-flor voar pra trás
Conquistei cinco copas mundiais
Defendendo a nossa seleção
Inventei em Paris o avião
O que é que me falta fazer mais?


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de junho de 2020

O TEMA É O JUMENTO

 

 

O TEMA É JUMENTO

 

 

 

* * *

POETA JOSÉ BATISTA – O JUMENTO ENVERGONHADO

 

 

* * *

DISCUSSÃO DE UM JUMENTO COM UMA MOTO – Edson Francisco

Nas quebradas do sertão
Já vi tudo acontecer
Vi homem virar mulher
Gente morta envivecer
Já vi alma frente a frente
Vi matuto presidente
Cabra valente morrer

Quero contar pra você
Um raro acontecimento:
Eu vi uma motocicleta
Discutir com um jumento
Você pode duvidar
Mas queira me escutar
Pra ver se tem cabimento

Vinha naquele momento
A caminho da cidade
Em cima de minha moto
A toda velocidade
Quando, me sentindo mal,
Parei em um matagal
Pra fazer necessidade

Realizada a vontade
Eu ouvi um burburinho
Eram vozes na estrada
Bem no meio do caminho
Pensando que era ladrão
Me deitei ali no chão
E fui ouvindo tudinho:

“Você é um coitadinho”
Ouvi a moto falar.
“Já está ultrapassado
Coloque-se em seu lugar
É bicho sem importância
Símbolo da ignorância
Não serve mais pra montar”.

“Não queira me humilhar”
– Lhe respondeu o jumento –
“Se você é novidade
A atração do momento
Eu também já fiz sucesso
Já carreguei o progresso
E qual foi meu pagamento?

Jogado no esquecimento
Na maior ingratidão
Abandonado de tudo
Nas estradas do sertão
Só me restam as lembranças
De um tempo de bonança
Sem tristeza e humilhação”

“Já cheguei à conclusão
Que seu tempo é o passado
Fase sem tecnologia
Período muito atrasado
Meu sucesso hoje é tanto
Que estou em todo canto
É moto pra todo lado

 

Eu tenho facilitado
A vida no interior
Sou rápida e econômica
Tenho força no motor
Sou liberdade e beleza
Todo mundo me deseja
Sou bem melhor que o senhor”.

“Sei que você tem valor”
– o jumento respondeu –
“mas não venha me dizer
Que é melhor do que eu
Também tenho agilidade
Força e capacidade
Mas disso o povo esqueceu”.

Disse a moto: “Agora deu!
Eu não tenho culpa disso
Você é ultrapassado
Deixe desse rebuliço
Você perdeu para mim
Agora chegou seu fim
E ninguém vai mudar isso”

“Mas eu tenho compromisso
Com a história do país
Com muita raça e trabalho
Fiz estrada, chafariz
Transportei pedra, carvão
Pelo povo do sertão
Ninguém faz o que eu fiz

Esse progresso infeliz
Fez meu povo se esquecer
Que a força do meu lombo
Deu a muitos de comer
Levei matuto pra feira
Corri atrás de parteira
Pra sertanejo nascer

Se você quiser saber
Transportei açúcar e sal
Fui carro-pipa na seca
Dei a hora no quintal
E lhe digo sem assombro
Como a força do meu ombro
Não existe outra igual”.

“Você é pobre animal”
– disse a moto arrogante-
“não queira me superar
Sou muito mais elegante
É melhor ficar calado
Você pra mim é passado
E nunca foi importante”.

“Espere aí, um instante
Sou mesmo muito antigo
6 mil anos de história
Guarde isso aí contigo:
Na fuga para o Egito
Eu servi a Jesus Cristo
São José me deu abrigo”.

“Esqueça disso, amigo
Peça aposentadoria
Você está obsoleto
Perdeu a sua valia
Não tem mais utilidade
Pegue, então, sua saudade
Vá pra outra freguesia

Quem tem moto hoje em dia
Enfrenta qualquer parada
Vive muitas aventuras
É mais veloz na estrada
E atrai mulher bonita
Pois a moto facilita
Conquistar a namorada”.

“Jumento não gasta nada
Nem mesmo com gasolina
Já viu falar de um jegue
Que derrapou na neblina?
Viu jegue sendo empurrado?
Já viu jumento quebrado
Parado numa oficina?

Se subir aqui em cima
Eu já sei a direção
Não precisa trocar óleo
Não deixo o dono na mão
E não precisa pagar
Multa nem IPVA
E pneu não fura, não

Sem essa de prestação
Não precisa emplacamento
Parcelas que não terminam
Pagar estacionamento?
Nem guarda para na rua
Dizendo: ‘Fique na sua
E passe seus documentos’

E saiba que de jumento
Se anda na contramão
Ninguém morre atropelado
Não existe colisão
Quem cai de cima de tu
Pode chamar o Samu
Ou preparar o caixão”.

“Não venha com agressão
Também tem os seus defeitos
Às vezes fica emburrado
Não faz as coisas direito
Tem um coice violento
E uma queda de jumento
Não tem doutor que dê jeito

“Ninguém aqui é perfeito
Mas fui muito maltratado
Levei espora na barriga
Cacete pra todo lado
Fizeram carne de mim
Me abandonaram no fim
Eu me sinto injustiçado

Mas também fui respeitado
Houve quem me deu valor
O homem simples do campo
O humilde agricultor
E o velho rei do baião
‘O jumento é nosso irmão’
‘Cumi seu mi sim, senhor’

Na voz daquele cantor
Eu fui imortalizado
Bem soube me dá valor
E me fez ser respeitado
Por isso que Gonzagão
Aqui por este sertão
Continua admirado

Eu não sou nenhum coitado
Jegue me orgulho de ser
Sou jumento não sou burro
Besta é quem vem dizer
Que não tenho serventia
Que perdi a garantia
E só me resta morrer”.

Sem saber o que dizer
A moto ficou calada
Parecendo reconhecer
Que tinha dado mancada
Ela, então, silenciou
O jumento disparou
E seguiu pela estrada

E u ali não falei nada
D aquilo que escutei
S egui a minha viagem
O lhando para a paisagem
N a mente, tudo guardei

F oi num cordel que anotei
R esolvi fazer assim
A ntes que falem de mim
N egando o que passei…
C onfirmo que não invento
I sto aqui é o testamento
S e você não acreditar
C orra e vá entrevistar
O meu amigo jumento.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de junho de 2020

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 06.06.20

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE

Aderaldo Ferreira de Araújo, mais conhecido como “Cego Aderaldo” um dos maiores cantadores da poesia popular nordestina (1878-1967)

* * *

Cego Aderaldo

(atendendo a um pedido do Padre Cícero)

À ordem do meu padrinho
Vou colher algumas flores…
Fazer minhas poesias
Cheias de grandes louvores
Saudando, primeiramente,
A Santa Virgem das Dores.

O nome do santo Padre
Anda pelo mundo inteiro,
A cidade está crescendo
Com este povo romeiro,
Devido às grandes virtudes
Do santo de Juazeiro.

Nossa Senhora das Dores
É que nos dá proteção,
Ordena ao nosso bom Padre,
E ele cumpre a Missão,
Ensinando a todo mundo
O ponto da salvação.

Deixo aqui no Juazeiro
Todos os sentidos meus
Juntamente ao meu Padrinho
Que me limpou com os seus,
Vou correr por este mundo
Levando a bênção de Deus.

* * *

Otacílio Batista Patriota

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

*

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

João Paraibano

Vê-se a serra cachimbando…
Na teia, a aranha borda;
O xexéu canta um poema;
Depois que o dia se acorda,
Deus coloca um batom roxo
Na flor do feijão de corda.

*

Do nevoeiro pra o chão
a nuvem faz passarela;
o sapo pinota n’água,
entra na lama e se mela;
faz uma cama de espuma
pra cantar em cima dela.

*

Sempre vejo a mão divina
no botão de flor se abrindo,
no berço em que uma criança
sonha com Jesus sorrindo;
a mão caçando a chupeta
que a boca perdeu dormindo.

* * *

Roberto Queiroz

Admiro o Zé Ferreira
Um cantador estupendo
Se a roupa se suja, lava
Se rasga, bota remendo
Gasta menos do que ganha
Que é pra não ficar devendo.

* * *

Luciano Carneiro

Eu não tive vocação
Pra diácono nem vigário
Tornei-me então um poeta
Não muito extraordinário
Mas sou com muita alegria
No campo da poesia
Um verdadeiro operário.

* * *

Leonardo Bastião

Ontem vi uma coruja,
Sentada numa cancela,
Demorei trinta segundos,
Olhando a feiura dela,
Quando me vi no espelho,
Tava mais feio do que ela.

*

Admiro o juazeiro,
Nascido na terra enxuta,
A fruta é pequena e ruim,
A madeira é torta e bruta,
Mas a bondade da sombra,
Cobra a ruindade da fruta.

*

Eu não vou plantar saudade,
Que não estou mais precisando,
A caçamba da saudade,
Toda vez que vai passando,
Ao invés de levar a minha,
Derrama a que vai levando.

* * *

Josué Romano

Eu já suspendi um raio
E já fiz o tempo parar.
Já fiz estrela correr,
Já fiz sol quente esfriar.
Já segurei uma onça
Para um moleque mamar!

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de maio de 2020

UMA POESIA DEBAIXO DE VARA E UMA DUPLA EM CANTORIA

 

 

UM POESIA DEBAIXO DEBAIXO DE VARA E UMA DUPLA EM CANTORIA

SÓ VOU DEBAIXO DE VARA – Miguezim de Princesa

Sou a febre da Esplanada,
Sou o istopô calango,
Sou a titela do frango
Por dentro da quiabada,
Sou noite malassombrada,
Sou doido metendo o pau,
Sou aluno do Mobral,
Ninguém zomba da minha cara,
Só vou debaixo de vara
Pra depor no tribunal.

Sou Adélio com uma faca,
Fingindo que sou maluco;
Quando faço o vuco-vuco,
Ouço o troar da matraca;
Eu sou o peito da vaca
Que o Centrão quer mamar,
A melhor coisa é capar
Pra ver se acaba a tara,
Só vou debaixo de vara
Se o tribunal me chamar.

Sou Bolsonaro nervoso,
Sou a voz de Sérgio Moro,
Sou pobre contendo o choro
Com tudo dificultoso:
Sou o auxílio faltoso,
Sou a análise fatal,
Sou a espera infernal
Dos 600, coisa rara,
Só vou debaixo de vara
Pra depor no tribunal.

Sou um cavalo-do-cão
Penicando no teu couro,
Eu sou o troféu de ouro
Que deram pra Seleção,
Sou a classe de Tostão
Do escrete nacional,
Fiz goleiro passar mal
Quando estava cara a cara,
Só vou debaixo de vara
Pra depor no tribunal.

Encontrei Celso de Melo
No beco da Guariroba,
Coisa boa é a maniçoba
Que eles servem no castelo,
Uma vara de marmelo
Não espanta general,
Só depois do carnaval
É que a gente dá as caras,
Só vou debaixo de vara
Pra depor no tribunal.

* * *

A grande dupla de poetas repentistas Geraldo Amâncio e Ivanildo Vilanova

* * *

O SERTÃO EM CARNE E ALMA

Ivanildo Vilanova

Uma tarde de inverno no sertão
É um grande espetáculo pra quem passa
Serra envolta nos tufos de fumaça
Água forte rolando pelo chão
O estrondo da máquina do trovão
Entre as nuvens do céu arroxeado
O raio caindo assombra o gado
Atolado por entre as lamas pretas
Rosna o vento fazendo pirueta
Nas espigas de milho do roçado.

Geraldo Amâncio

No sertão quando o chão está molhado
Corre água nas veias de um regato
Pula a onça da furna corre o gato
Um cavalo galopa estropiado
Um garrote atravessa o rio de nado
Uma cobra se acua com um cancão
A cantiga saudosa do carão
Faz lembrar o lugar que fui nascido
Entre as telas do filme colorido
Que Deus fez pra o cinema do sertão.

Ivanildo Vilanova

Quando é festa animada de São João
Nunca falta canjica nem sequilho
Pamonha, mingau, bolo de milho
Buscapé, estrelinha e foguetão
Cantoria, namoro, discussão
Quebra pote, corrida de argolinha
Padrinho de fogueira e a madrinha
Casamento matuto, samba e jogo
E a cabocla com o rosto cor de fogo
Tocaiando as panelas da cozinha.

Geraldo Amâncio

No sertão quando é bem de manhãzinha
Sertanejo se acorda na palhoça
Chama o filho mais velho sai pra roça
A mulher toma conta da cozinha
Faz o fogo de lenha e encaminha
Um guisado, angu quente ou fava pura
E depois de fazer essa mistura
Sai faceira igualmente uma condessa
Com um quibumbo de barro na cabeça
E vai levar aos heróis da agricultura.

Ivanildo Vilanova

No sertão a tarefa é muito dura
Mas se tem a colheita, a criação
Ferramenta da roça, produção
Uma rede, um Grajau de rapadura
Uma dez polegadas na cintura
A viola, o baú, uma cabaça
A tarrafa e o litro de cachaça
Mescla azul, botinão, chapéu baeta
Fumo grosso, espingarda de espoleta
E um cachorro mestiço bom de caça.

Geraldo Amâncio

A riqueza do pobre nunca passa
De um pote que mata sua sede
Uma enxada num canto de parede
Dois chapéus, um de palha, outro de massa
Um cambito tingido de fumaça
Uns dez filhos que tem sua aparência
Uma esposa que é mãe da paciência
Se chorar ou sofrer não se maldiz
E ele às vezes é muito mais feliz
Do que um rico ladrão de consciência.

Ivanildo Vilanova

É preciso ter muita paciência
Guardar milho num quarto empaiolado
Sustentar criação com alastrado
Numa terra que tem pouca assistência
Trabalhar no serviço de emergência
Esperando o inverno que não vem
Insistir, crer em Deus e tratar bem
Manter sempre a família tão unida
Do chão seco arrancar o pão da vida
Sertanejo faz isso e mais ninguém.

Geraldo Amâncio

No sertão quando o inverno não vem
Só se encontra desolação e mágoa
No riacho não vê-se um pingo d’água
Sopra um vento assombroso do além
Seca o tronco robusto do muquém
Cai a folha mais grossa, murcha a fina
Toda árvore murchece, se inclina
No calor do sol quente verga as costas
Parecendo um fantasma de mãos postas
No altar de uma seca nordestina.

Ivanildo Vilanova

No verão quando o sol se descortina
Se escuta o zumbido das abelhas
O balir melancólico das ovelhas
O dueto dos pássaros da matina
O bonito alazão sacode a crina
O vaqueiro aboiando chama a rês
Os cancões gritam todos de uma vez
Acusando a presença da serpente
No concerto de música diferente
Da orquestra sinfônica que Deus fez.

Geraldo Amâncio

E o traje do homem camponês
Quando sai para a festa ou para feira
É a calça de mescla, uma peixeira
Um paletó listrado de xadrez
Umas botas do couro de uma rês
Para dançar forró enquanto é moço
Um chapéu aba larga grande e grosso
Com a pena qualquer de um passarinho
E a medalha fiel do meu padrinho
Com um rosário enfiado no pescoço.

Ivanildo Vilanova

Falar mal do sertão hoje eu não ouço
Não se entrega ao cansaço ou enxaqueca
Um herói pelejando contra a seca
Contra a cheia combate sem sobrosso
Respeita a moral de velho ou moço
Também quer vê a sua respeitada
Sem Brasil a América é derrotada
Com Brasil a América vale mil
Sem Nordeste o Brasil não é Brasil
E sem Sertão o Nordeste não é nada.

Geraldo Amâncio

No sertão quando rompe a alvorada
No oitão do terreiro um frango pia
Uma cobra valente engole jia
Na floresta desperta a passarada
Canta uma canção tão afinada
Que parece uma orquestra universal
Um peru dá três voltas no quintal
Um cabrito na cabra puxa os seios
E o vaqueiro esvazio os peitos cheios
De uma vaca leiteira no curral.

Ivanildo Vilanova

Numa sombra que dá no mangueiral
O cachorro brigando com o teiú
A caçada de peba e de tatu
A novena, uma noite de natal
A carne de sol com pouco sal
Cantoria louvada com bandeja
No pilão duas moças na peleja
Uma arranca de inhame e de maniva
Isso aí é a cópia pura e viva
Da mais bela paisagem sertaneja.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de maio de 2020

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE MENTIRAS

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS E UM FOLHETO DE MENTIRAS

 

O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Vem Geraldo que eu tenho muita fé,
me pediu que eu fizesse esses arranjos,
conterrâneo de Augusto dos Anjos,
que é nascido na terra de Sapé,
vem dizer o poeta como é,
é pra ele um eterno sonhador,
um artista de invejável valor,
comunica seu dom nesse terreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se eu tivesse o poder do soberano,
não tirava da terra um Oliveira,
um Geraldo, um Valdir e um Bandeira,
Moacir, nem Raimundo Caetano,
Sebastião nem João Paraibano,
e muitos outros que têm tanto valor,
não tirava a garganta de tenor
de quem tem esse seu direito pleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Sei que um carro virou numa ladeira,
já passei para o mundo essa mensagem,
pois eu ia também nessa viagem
que a morte levou nosso Ferreira,
eu me vi na viagem derradeira,
eu gritei por sentir a grande dor,
foi a morte que fez esse terror,
de levar nosso astro, esse moreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se Xudu decantou o santo hino,
da maneira que foi Zezé Lulu,
não esqueço Louro do Pajeú,
Rio Grande, recorda Severino,
Pernambuco, também, José Faustino,
que foi um repentista de valor,
Paraíba não esquece Serrador
e Santa Cruz não esquece de Heleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Quem já foi Juvenal Evangelista,
um encanto pra o nosso Ceará,
mas morreu encostado ao Amapá
e se encontra com os irmãos Batista,
desse povo que tem na minha lista,
Pinto velho pra mim foi um terror,
eu não posso esquecer um Beija-Flor,
e Pajeú inda lembra Zé Pequeno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

* * *

Roberto Macena e Zé Vicente glosando o mote:

Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente

Roberto Macena

Eu perdi minha beleza,
Mas não vou fugir da ética.
Que eu mudei a minha estética
Por conta da natureza.
Mesmo assim, não há tristeza,
Que eu não fico decadente:
Tô mais é experiente
Que com isso, não amofino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Zé Vicente

Vovô muito me encanta,
É meu verdadeiro mestre.
Morando em área silvestre,
Mas sempre me acalanta.
Se eu sofrer da garganta,
Ainda canto repente.
Meu avô estando presente,
Ele é meu otorrino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Roberto Macena

Não adianta fazer prece
Nem usar agilidade,
Que, quando passa a idade,
Tudo de ruim acontece
O que é de nervo amolece,
Fica tudo diferente:
Dói a perna, dói o dente
E o cabra fica mofino.
Velhice é um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

* * *

Sebastião Dias e Zé Viola glosando o mote:

Existe um dicionário
Na mente do cantador

Sebastião Dias

Existe um Deus que controla
A mente de um repentista
Que nasceu pra ser artista
Do oitão da fazendola
É o homem da viola
Nascido no interior
Nem precisa professor
Pra ser extraordinário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

Zé Viola

Acumulo cada ano
Cantando mares e terra
Paz, conflito, briga e guerra
Peixe, céu e oceano
A viola é o piano
O povo é meu instrutor
O palco me traz calor
E o cachê é meu salário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

* * *

UM CONTADOR DE MENTIRAS – EDMILSON GARCIA

Foi lá nos anos oitenta
Que conheci um senhor
Nas terras da Paraíba
Araruna, interior…..
Ele era conhecido
Como seu “Zé Nicanor”

Homem de vários ofícios
Foi vaqueiro, agricultor,
Político e viajante,
Palestrante e pescador
Arrancador de botija
E grande “conversador”

Nasceu, cresceu por ali
E ali se fez conhecido
Pra todos contava histórias
E todos lhe davam ouvido
Difícil era acreditar
Ou aguentar seu “muído”

Pois tinha um “defeitinho”
Que pretendo descrever
Tudo ele aumentava
Talvez pra se aparecer
Decorava tudo em mente
Pois não sabia escrever

Dizia ser viajado
Conhecia o Brasil inteiro
De Porto Alegre à Natal
Do Acre ao Rio de Janeiro
Morou em Serra Pelada
Mas não quis ser garimpeiro

Deitava na preguiçosa
Todo dia à tardesinha
Pra conversar com os amigos
E contar uma “mentirinha”
Loroteiro igual à ele
Em Araruna não tinha

 

Era gente muito boa
Dizendo à bem da verdade
Mas mentia por costume
Era uma barbaridade
Cada uma que contava
Estremecia a cidade

Me falou de uma brigada
Que uma vez ele deu
Na serra de dona Inês
Com um tal de Zebedeu
Bateu tanto no sujeito
Que o cabra quase morreu

Falou que em Guarabira
Num sábado dia de feira
Três cabras lhe ameaçaram
Cada um com uma peixeira
Tomou as facas dos cabras
Só na base da rasteira
1
Quando se empolgava mesmo,
Só falava em valentia
Não tinha medo de nada
Fazia e acontecia
Se tivesse quem escutasse
Aí é que ele mentia

Falava de Lampião
Que por sinal era “amigo”
Muitas vezes ao cangaceiro
Chegou a lhe dar abrigo
Contava e ainda dizia
Pode crer no que lhe digo

Viajou o Brasil todo
Representando o nordeste
Rasgava de norte a sul
Depois de leste à oeste
Dizia que era o autor
De “Tieta do Agreste”

Falava de pescaria
De caçada e de forró
Inventando e aumentando
Chega engrossava o gogó
Sequer ficava vermelho
E “sério” como ele só

Só pescava peixe grande
Com anzol feito de pau
Pegava boi sem cavalo
No meio do matagal
Ganhou primeiro lugar
Numa vaquejada em Natal

Na política de Araruna
Nunca perdeu eleição
Foi prefeito sete vezes
E louvado em cada gestão
Depois dele, é que vieram
Os Targino e Maranhão

Disse que na mocidade
Chegou à ser senador
Ganhou com um bilhão de votos
Foi aclamado em louvor
Dizia que era primo
De Dom Pedro “o imperador”

Ainda naquela época
Já usava um computador
Fabricado em Mata Velha
Por um tal de Agenor
O mesmo que fez a máquina
Pra fabricar isopor

Uma vez pegou um peixe
Que tinha fugido de um rio
Achou-o em cima da serra
Todo tremendo de frio
Falou que o peixe era “fêmea”
E que estava no cio

Contou que numa caçada
Atirou num gavião
Mas o chumbo se espalhou
E correu rasteiro no chão
Com o tiro matou um peba,
Um macaco e um carão

Ele, como pescador
Disse ser profissional
Uma vez fez pescaria
No açude do coqueiral
Pois lá, tem muita traíra
Tilápia e também pial

Jogou a tarrafa n’água
Escutou um barulhão
Quando ele puxou pra fora
Arrastou um tubarão
Pra levar o peixe pra casa
Precisou d’um caminhão

Mandou tirar um retrato
Bem de perto, “tela cheia”
Pra mostrar pra todo mundo
Que a história não era feia
Disse que somente a foto
Pesou uma arroba e meia

Teve a coragem de dizer
Uma vez sentado na praça
Que trocou cinco galinhas
Por um cachorro de caça
Depois deu o “vira lata”
Por dez garrotes de raça.

Me confessou que uma vez
Deu de cara com um leão
Ao lado da sua casa
Bem na beira do oitão
Quando o bicho lhe avistou
Já partiu pra agressão

Quando o felino avançou
Ele gritou: é agora!!!!!!
O bicho já quis fugir
Mas não deu pra ir embora
Deu-lhe um “tabefe” tão grande
Matou a fera na hora

Quando ia caçar onça
Nunca errava a “butada”
Quando pegava no tiro
Já trazia esquartejada
E quando pegava à laço
Trazia viva, amarrada

Amansava burro brabo
Montava e nunca caía
Pegava touro na mata
Ou qualquer rês que fugia
Capava jumento “à unha”
Tudo isso ele fazia

Acabou com os lobisomens
Que tinha na região
Só d’uma vez foram sete
Tudo sangrado à facão
Tirava o couro e vendia
Na feira de Riachão

E da vez que ele disse
Que saiu pra uma “farrada”
Namorou quatorze vezes
Isso, n’uma madrugada
Ali, eu me segurei
Pra não ter que dar rizada

Era amigo de Pelé
Desde a década de cinquenta
Jogaram juntos no México
Ganharam o tri em setenta,
Foi presidente da FIFA
La nos idos de quarenta

Uma vez fez um relato
Que fez esquentar o clima
Dizendo ter sido amigo
De um tal de Zé Fukushima
O fabricante da bomba
Que arrasou Hyroshima

Quando bebia uma caninha
Ficava meio arrojado
Falava que era rico
Tinha muita terra e gado
Comprava até capim seco
Só na base do fiado

Disse ter uma bicicleta
Que era movida à gás
Com farol, luz alta e baixa
E que corria demais
Uma noite, deu cem por hora
Que o clarão ficou pra traz

Andava muito de noite
Sem medo de assombração
Só procurando botija
Pra ajudar no ganha-pão
Uma vez arrancou uma
Que rendeu mais de um milhão

Uma vez numa conversa
Nessa eu estava presente
Na casa de Zé do Leite
Na frente de muita gente
Teve a coragem de dizer
Que o Papa era seu parente

Disse que a pedra da boca
Foi ele que descobriu
E a boca que tem na pedra
Ele mesmo esculpiu
Filmou e botou na “net”
E mostrou parao Brasil

Ainda dizia que nele,
Três coisas que dava ira
Era um bisaco furado,
Uma espingarda sem mira,
E um cabra velho barbado
Viver contando mentira

Mesmo sabendo que ali
Ninguém lhe acreditava
Todo dia e toda hora
Mentia porque gostava
Já eu, garanto e sustento
Que isso é só um por cento
Das coisas que ele contava.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de maio de 2020

UMA DUPLA EM CANTORIA E OS VERSOS DE UM POETA

 

UMA DUPLA EM CANTORIA E OS VERSOS DE UM POETA

Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão 

 

 

* * *

Fabio Gomes

Quem diz que esse corona
É praga do fim do mundo
Não sabe o que está dizendo
Nem seu pensar é profundo
Desconhece o próprio nome
Não sabe o que é passar fome
Ou não ter o que comer
Lhe aconselho, esse menino
Pergunte a um nordestino
E ele vai lhe dizer.

A fome é doença braba
Não quero nem no meu mote
É difícil amanhecer
Tendo só água no pote
É algo triste na vida
Ver filho pedir comida
E você sem ter pra dar
Diga sim ou não, senhor
Existe acaso, uma dor
Maior pra se suportar?

Quando esse vírus surgiu
Mesmo sem ser tão letal
Fizeram em poucos dias
Um enorme hospital
Se do dinheiro investido
Fosse um por cento investido
Em alimento ou comida
Eu sou um dos tais que diz
Seria um mundo feliz
Com muito mais luz e vida.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de maio de 2020

POR QUE DEIXEI DE CANTAR (POEMA DO PARAIBANO PINTO DO MONTEIRO)

 

UM COMOVENTE POEMA DE PINTO DE MONTEIRO

Severino Lourenço da Silva Pinto, Monteiro-PB (1895-1990). Um gênio da cantoria improvisada nordestina. Saiba mais sobre ele no Wikipédia

Eu comparo esta vida
à curva da letra S:
tem uma ponta que sobe
tem outra ponta que desce
e a volta que dá no meio
nem todo mundo conhece

* * *

POR QUE DEIXEI DE CANTAR

 

Recebi mais de um poema
Fazendo interrogação
Por que eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa pra saber
Em verso vou responder
Por que deixei de cantar.

Deixei porque a idade
já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som mesmo da metade
Perdi a falicidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia.

Minha amiga e companheira
Eu embrulhei de molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Canto feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.

Não foi por uma pensão
Que o governo me deu
Por que o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Eu hoje sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.

Ando gemendo e chorando
E vendo a hora cair
O povo de mim fugir
E a canalha mangando
E eu tremendo e tombando
Sem maleta e sem sacola
Hoje estou nesta bitola
Por não ter outro recurso
Carrego a bengala a pulso
Não posso andar com a viola.

Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio torta
Quem for moço tome conta
Cantar não é mais pra mim.

Já pelo peso de oitenta
E uma das primaveras
Dezesseis lustros, oito eras,
E a carga me atormenta
O corpo não se sustenta
Quando anda cambaleia
Cantador de cara feia
Se eu for lhe assistir
Por isso deixei de ir
Para cantoria alheia.

Estes oitenta e um graus
Que acabei de subir
Foi só para distinguir
Quais são os bons e os maus
Por cima de pedra e paus
Tive atos de bravura
Hoje só tenho amargura
Tormento dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.

Existe uma corriola
De sujeito vagabundo
Que anda solta no mundo
Pelintra e muito gabola
Compra logo uma viola
Da frente toda enfeitada
Só canta coisa emprestada
Mentir, fazer propaganda
Dizendo por onde anda
Que topa toda parada.

E ver em certos meios
Gente cantando iê-iê-iê
Arranjar dois LP
Tudo com versos alheios
Estou de saco cheio
De não poder tolerar
A muita gente escutar
Dizer viva e bater palma
Isso me doeu na alma
Faz eu deixar de cantar.

Fiz viagem de avião
A pé, a burro, a cavalo
De navio, outras que falo
De automóvel e caminhão
Cantando em rico no salão
Muito moço, gordo e forte
Passei rampa, curva e corte
Para findar num retiro
E dar o último suspiro
Na emboscada da morte.

Corrente, fivela, argola,
Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola,
Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.

Nunca pensei num tesouro
Que estava pra mim guardado
Quando fui condecorado
Com uma viola de ouro
O riso tornou-se um choro
O armazém em bodega
A cara cheia de prega
Ando tombando e tremendo
E as matutas dizendo:
Menino o velho te pega.

Não posso atender pedido
Que a mim fez muita gente
Porque estou velho e doente
Fraco, cansado, abatido,
De mais a mais esquecido
Sem som, sem mentalidade,
Ficou somente a vontade
Mordendo como formiga
Nunca mais vou em cantiga
Pra não morrer de saudade.

Vaquejada, apartação,
futebol e carnaval,
Véspera de ano e Natal
De são Pedro e São João
Dança, novela e leilão
É farra em botequim
Passear em um jardim
De braço com a querida
Neste restinho de vida
Não chega mais para mim.

Por não poder mais beber
Com meus colegas de arte
Das festas não fazer parte
Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver
Na maior fragilidade
Pelo peso da idade
Prazer pra mim não existe
Vou viver num canto triste
Até a finalidade.

Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de abril de 2020

DESMANTELOS DE ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO

 

DESMANTELOS DE ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO

Orlando Tejo (1935- 2018), e o seu livro, que já vai na 11ª edição, e foi tema de vários documentários, teses, artigos e estudos

* * *

Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba
Um índio passou-lhe a bimba
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num tratô
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá.

* * *

Eu cantei lá no Recife
Dentro do pronto socorro
Ganhei 500 mil réis
Comprei 500 cachorros
Morri no ano passado
Mas neste ano, não morro.

* * *

Frei Henrique descansou
Nas encosta da Bahia
Depois fez a travessia
Pra chegá onde chegou
Pegou a índia, champrou
Ela não pôde falá
Assou carne de jabá
Misturou com querosene
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

* * *

Um General de Brigada
Com quarenta grau de febre
Matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio
Peixe só presta de rio
Piau de tromba amarela.

* * *

Na corrida de mourão
Quem corre mais é quem ganha
São Thomé vendia banha
Na fogueira de São João
Foi na guerra do Japão
Que se deu essa ingrizia
Camonge quage morria
Da granguena berra-berra
Quem se morre é quem se enterra
Adeus, até outro dia.

* * *

Às tantas da madrugada
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão.

* * *

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum
Feliz da mesa que tem
Costela de guaiamum
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem compromisso nenhum.

* * *

Jesus ia rezar missa
Na capela de Belém
Chegou Judas Carioca
Que viajava de trem
Trazia trinta macaco
Botou tudo num buraco
Não tinham nenhum vintém.

* * *

Jesus saiu de Belém
Viajando pra o Egito
No seu jumento bonito
Com uma carga de xerém
Mais tarde pegou um trem
Nossa Senhora castiça
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!

* * *

São Pedro, na sacristia
Batizou Agamenon
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom
Montado na sua idéia
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

* * *

Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

* * *

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando pra ela
Cheio de contentamento
O satanás num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento.

* * *

Eu vi numa gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcaça de um jumento
Que bicho mais peçonhento
É lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento.

* * *

Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô qui num é tolo
Sei tirá couro de bode
Sei impaiolá tijolo
Sô o cantado milhó
Qui a Paraiba criou-lo.

* * *

POETA MERLÂNIO MELO FALA SOBRE ZÉ LIMEIRA

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de abril de 2020

OITO MESTRES DO IMPROVISO - 18.04.20

 

OITO MESTRES DO IMPROVISO

Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

* * *

Otacílio Batista

Minha mãe me criou dentro do mar
Com o leite do peito de baleia
Me casei no oceano com a sereia
Que me fez repentista popular
Canto as noites famosas de luar
E linguagem das brisas tropicais
Entre abraços e beijos sensuais
Nos embalos das ondas seculares
Conquistei a rainha mãe dos mares
E o que é que me falta fazer mais?

* * *

Luís Campos

Esse negócio de chifre
É coisa muito comum
Já levei chifre de noite
De manhã e em jejum
O remédio é paciência
Pitu e cinquenta e um.

* * *

Sebastião da Silva

No outono, verão e no inverno
Eu vivi trabalhando no roçado
Aboiando feliz atrás do gado
E vendo mato mudar seu próprio terno
Mas, com ordem do Santo Pai Eterno
Eu comprei a viola, o meu piano,
Nela ganho meu pão cotidiano,
É amiga, divina e predileta,
Obrigado meu Deus por ser poeta
Nos dez pés de martelo alagoano.

* * *

Dimas Batista

Ali na cabana de alguns pescadores
Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois a chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo meus versos na beira do mar.

* * *

João Paraibano

Cai a chuva no telhado,
a dona pega e coloca
uma lata na goteira,
onde a água faz barroca:
cada pingo é um baião
que o fundo da lata toca.

* * *

Poeta Anízio

A saudade é sentimento
Que amarga e dá prazer
Mas faz parte do viver
Do amor é o fermento
Se é parte do tormento
Ver as lágrimas derramando
Mesmo triste vou cantando
Não posso ficar fingindo
Saudade é chorar sorrindo
Com o coração chorando.

* * *

Onésimo Maia

Eu sou tão analfabeto,
Que nem sei dizer o tanto;
Vendo um lápis, tenho medo;
Vendo um caderno, me espanto,
Mas, quando um jumento rincha,
Eu penso um poema e canto.

* * *

Belarmino Fernandes de França

Na mocidade sadia
O poeta é um herói
Mas lhe chegando a velhice
Definha e tudo lhe dói
O que a mocidade cria
Sempre a velhice destrói…

A velhice nos corrói
Saúde, força e lembrança
O moço a tudo resiste
O velho com tudo se cansa
E é isto que está se dando
Com Belarmino de França.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sexta, 10 de abril de 2020

TRÊS POEMAS NA SEXTA-FEIRA SANTA

 

TRÊS POEMAS NA SEXTA-FEIRA SANTA

É SEXTA-FEIRA! – Josemar Bessa

Tradução livre e adaptação de um poema de M. Lockbridge

É sexta-feira
Jesus está orando
Pedro está dormindo
Judas está traindo
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Pilatos julgando
O conselho está conspirando
A multidão está difamando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão fugindo
Como ovelhas sem pastor
Maria está chorando
Pedro está negando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Os romanos batem em meu Jesus
Eles o vestem de escarlate
Eles o coroam com espinhos
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Veja Jesus caminhando para o Calvário
Seu sangue pingando
Seus pés tropeçando
Sobrecarregado está em seu espírito
Mas você vê, é só sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
O mundo está vencendo
As pessoas estão pecando
E o mal está sorrindo
É sexta-feira
Os soldados pregam as mãos do meu Salvador
Na cruz
Pregam os pés do meu Salvador
na cruz
E então eles o crucificam
Ao lado de criminosos
É sexta-feira
Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa
O domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão questionando
O que aconteceu com o seu Rei
E os fariseus estão celebrando
Que seu plano astuto
Foi alcançado com sucesso
Mas eles não sabem
É apenas sexta-feira,
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Ele está pendurado na cruz
Sentindo-se abandonado por seu Pai
Deixado sozinho e morrendo…
Pode alguém salvá-lo?
Ooooh
É sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
A terra treme
O céu escurece
Meu rei entrega seu espírito
É sexta-feira
A esperança está perdida
A Morte ganhou
O pecado conquistou
E Satanás apenas ri.
É sexta-feira
Jesus é enterrado
Soldados montam guarda
E uma pedra é rolada no sepulcro
Mas é sexta-feira
Só é sexta-feira
Mas o domingo está chegando.

* * *

GALOPE A BEIRA MAR – NOVO TESTAMENTO – Fernando Paixão

Eu lembro que o povo lá da Galileia
No tempo passado esperava o Messias
Até que cessou a contagem dos dias
Surgindo do meio da classe plebeia
Um jovem pregando pra sua plateia
Dizendo que as coisas precisam mudar
E chama discípulos pra lhe ajudar
Convidando gente do campo e da praça
Chamou pescadores que viu na barcaça
Cantando galope na beira do mar.

Tudo começou quando na Palestina
O povo amargava uma forte opressão
Sofrendo sonhava por libertação
E de Nazaré uma jovem menina
Tão doce, inocente, pura e pequenina
Um anjo aparece pra lhe avisar
Que seu ventre puro iria gerar
Um filho que ia ser grande poeta
Salvador e santo, pastor e profeta
Cantando galope na beira do mar.

A jovem assustada prostrou-se no chão
Dizendo que aquilo não era possível
Mas a pulsação do seu peito sensível
Qual jovem criança quase sem razão
Dizendo pro anjo: não tenho varão
Por isso não posso esse filho gerar
Mas, faça-se em mim o que Deus desejar
Pra Deus quero ser uma serva fiel
Cantando louvores ao Deus de Israel
Nos dez de galope na beira do mar.

O tempo passou e o povo escutava
A voz que clamava no alto deserto
Pra cima, pra baixo, pra longe e pra perto
Soava essa voz que o profeta pregava
Nas águas do rio também batizava
Pedindo ao povo pra se preparar:
Que nosso Messias não tarda a chegar
– Batizo com água começando o jogo
Mas ele batiza com Espírito e com fogo
Cantando galope na beira do mar.

Jesus aparece para João Batista
Mergulha nas águas do Rio Jordão
Quando se batiza tem uma visão
Narrada no livro do Evangelista
O céu se abrindo diante da vista
Palavra serena ele ouve no ar
O Espírito Santo vem sobrevoar
Jesus nessa hora se faz consciente
Que ele é o Filho do Onipotente
Cantando galope na beira do mar.

E para o deserto ele foi conduzido
A soma dos dias contava quarenta
Jesus persevera, se esforça e enfrenta
Todo pesadelo por ele sofrido
Escuta uma voz lhe falando no ouvido
Eu tenho poderes pra lhe ofertar
Porém Jesus Cristo se fez superar
Não foi seduzido por seu inimigo
Com a força de Deus se livrou do perigo
Cantando galope na beira do mar.

E assim começou para o pobre e pequeno
Feliz despontar de uma nova bonança
Porque nessa hora a finada esperança
Já ressuscitava em Jesus Nazareno
Aquele rapaz com aspecto sereno
Com plenos poderes se pôs a pregar
Chamando os pequenos para celebrar
Seu Reino de paz, de justiça e igualdade
Um Reino onde impera somente a verdade
Nos dez de galope na beira do mar.

A sua mensagem não foi escutada
Por gente importante da sua nação
Porém encantando toda multidão
A boa semente da paz foi plantada
Mas foi o Sinédrio que armou a cilada
Dizendo: esse homem nós vamos calar
Prenderam, julgaram para o condenar
A morte cruel duma cruz amargou
No terceiro dia ele ressuscitou
Cantando galope na beira do mar.

* * *

O VÍRUS E O VELHO – Mané Beradeiro

Meu doutor eu sou do mato.
Lá não tem televisão,
Meu rádio tá quebrado,
Telefone tem também não!
Eu senti o mundo parado
O povo todo trancado
Numa grande aflição!
Quando procurei a feira,
Na cidade do meu chão,
Nem bancas estavam lá.
Surgiu minha indagação:
– O que é que se assucede?
– Será guerra mundial?
Mas não ouço um estrondo, nenhum um tiro de canhão.
Doutor me arresponda:
– Que está acontecendo?
E o doutor foi explicando
Coisa que eu não sabia.
Um tal de coronavírus vindo lá do estrangeiro,
Tá matando muita gente, muito mais que Lampião,
Que os peidos de Jandira, que o bafo de Tonhão,
Que inhaca de Raimundo,
Que a fome no meu sertão.
Eu fiquei agoniado e disse para o doutor:
– Será possível que não tenha
Um homem que mate esse sujeito?
Que fure os olhos dele, quebre as pernas por inteiro,
Destrua as suas armas, lasque logo este estrangeiro?
Doutor, só mais uma pergunta. Pode ser?
– Esse tal de coronavírus come mesmo o quê?
Menino! Quando o doutor falou fiquei todo arrepiado.
Minha alma deu um pulo, meu corpo ficou gelado.
Vou voltar pra minha casa e ficar todo trancado.
O tal do coronavírus come velho pra todo lado!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de abril de 2020

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA AULA DE ORTOGRAFIA

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA AULA DE ORTOGRAFIA

São Francisco do Oeste-RN

Isso aqui é Salamandra,
São Francisco do Oeste,
Já faz uns 40 anos
Que eu conheço esta peste,
Tirando o nome do santo,
Não tem mais ninguém que preste!

Chico Monteiro

* * *

Na sala de chão batido
nos rincões do meu sertão,
violas se lamentando
no repicar do baião
em popular cantoria
que faz voltar o mourão.

Dois tamboretes de pau,
dois repentistas sentados,
uma bandeja de flandre,
violas em seus trinados,
cantoria verdadeira,
martelos agalopados.

Manoel Dantas

* * *

Nesse troco bunda e banda
o leitor não se confunda
tanto a bunda como a banda
tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Flavia Maroja

* * *

Pra sair ou chegar não marco a hora
No meu canto me deito saio e entro
A tristeza queimando peito a dentro
A saudade matando mundo afora
Não faltou-me saúde até agora
Mas saúde sem paz não é vantagem
Pra os sem rumo sou só um personagem
Pra BR sou só um inquilino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Saudosista,carente,andarilho
Me levanto pensando a lágrima cai
Sinto tanto a ausência do meu pai
Mas não sei se ele sente a do seu filho
Cabisbaixo,abatido,maltrapilho
Visto ao longe pareço uma visagem
Precisando usar nova roupagem
Pra voltar a sonhar como menino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Raimundo Nonato

* * *

Nosso sertão tem sossego
Que eu quero sol e luz
Tem carne assada na brasa
Pra gente comer com cuscuz
Quem vai ao sertão e volta
Vê a cara de Jesus

Francisco Nunes

* * *

Eu puxei antigamente
Jumento pelo estovo
Vendo pai fazendo cerca
E minha mãe juntando ovo
Daria tudo que tenho
Pra ser criança de novo

A paisagem nordestina
Primeiro a chuva caindo
Segundo a terra molhada
Terceiro a flor se abrindo
Quarto um açude sangrando
Quinto a pastagem surgindo

Eu comparo a mocidade 
Com a aurora prateada
Velhice cadeia triste
Com sua porta fechada
Que o delegado dos anos
Vê tudo mas não faz nada

A enchente empurra as varas
Pra desmanchar o caniço
As abelhas fazem mel
Se enganchar no cortiço
Quem se criou no sertão
Sabe o que é tudo isso

Aldo Neves

* * *

O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

De autoria do colunista fubânico Marcos Mairton. Publicado no seu blog Mundo Cordel em fevereiro de 2009

Com licença, meus amigos,
Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,
Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,
Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,
Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”
Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen
Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas
Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças
Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto
Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de março de 2020

VALDIR TELES ENCANTOU-SE

 

VALDIR TELES ENCANTOU-SE

Valdir Teles (1956-2020)

Valdir Teles, poeta maior do repente, morre aos 64 anos

Ele fazia parte de um pequeno grupo que rreunia a elite da cantoria nordestina

O repentista Valdir Teles, um dos maiores nomes da poesia oral brasileira, teve sua morte anunciadanesse domingo, dia 22, pela filha, a advogada Mariana Teles, em seu perfil no Facebook. A provável causa da morte foi um infarto. O poeta estava com 64 anos, e faleceu no Sítio Serrinha, onde morava, na Zona Rural de São José do Egito (PE), no Sertão pernambucano, sua cidade natal.

Leia matéria completa clicando aqui

* * *

Mote de Mariana Teles, filha de Valdir, glosado por Santanna:

Na solidão da latada
Lembrando meu cantador.

Precisei me recluir
Pois as postagens que via
Eram sempre poesia
Em homenagem a Valdir
Eu não pude prosseguir
Pois no meu peito uma dor
Mitigava com furor
A poesia celebrada
Na solidão da latada
Lembrando meu Cantador.

Santanna O Cantador

* * *

No painel onde Deus escreve a lista
dos poetas maiores deste mundo
tem Homero, Virgílio, e mais no fundo,
a brilhar, vem o nome do Salmista!
No letreiro de Deus um repentista…
É mais um, nesta lista de imortais!
Entre todos os vates geniais,
Valdir Teles figura no caderno
deste livro sagrado e sempre eterno
da mais pura poesia que Deus faz!

Nonato Freitas

* * *

Partiu uma grande garganta
Para o céu onde Deus mora
E por lá fará agora
Uma cantoria santa.
Quando um artista se encanta
O céu ganha nova luz
Um anjo a introduz
Nas miríades do universo
Waldir hoje fez seu verso
Na presença de Jesus.

Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JBF

* * *

Todo mundo parava pra lhe ouvir
De repente um infarto lhe parou
O Nordeste tremeu quando escutou
A notícia da morte de Valdir
Adorava cantar pra divertir
Foi um homem de luz, um ser de paz
Transferiu-se pra o lar dos imortais
E só deixou pra os mortais exemplos plenos
Na calçada da fama um ídolo a menos
No exército de Deus um anjo a mais

Nonato Neto

* * *

Não se pode escrever em poesia
Como foi importante repentista,
Valdir Teles esteve em nossa lista
Dos melhores nos shows da cantoria.
Só brilhou nas pelejas que fazia
Por veloz ser a sua inteligência.
Bom na métrica, na rima e na cadência
Não deixava ninguém na sua frente
Valdir deixa a chorar nosso repente
E a viola a cantar a sua ausência.

Ismael Gaião

* * *

 

 

* * *

Valdir Teles, semana passada, improvisando sobre a crise do coronavírus

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de março de 2020

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (II)

 

 

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (II)

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

* * *

No sereno sertão da Palestina
Eu cantava num Dia de Finado
Uma vaca pastava no cercado
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina
Um moleque zarôi vendia pente
Um cavalo chinês trincava o dente
Uma zebra corria atrás dum frade
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.

Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,
Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem
Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento.

Já namorei uma Rosa
Que era nega cangaceira,
Gostava de fazê feira,
Tinha uma boca mimosa
Mas, por modo dessa prosa,
Escrevi pra Santa Rita…
Ronca o pombo na guarita,
Passa um poico no chiqueiro,
Diz o bode do terreiro:
Viva a moça mais bonita

Ainda não tinha visto
Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

No samba que nego dança
Tem cheiro de muçambê
Quem nunca viu venha vê
Limeira fazendo trança
Foi lá perto de Esperança
Que eu ví a truba passá
Cai aqui cai acolá
Sargento, cabo e dotô
Canta , canta, cantador
Que teu destino é cantar.

Eu não sei fazer o doce
Mas sei quando ele tá bom,
Moça que bota batom
Pra mim ela já danou-se
Lampião se atrapalhou-se
Ficou pra lá e pra cá,
Foi quando no Ceará
A guerra se arrebentou
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava ,
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno…
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num trator
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

A minha póica maluca
Brigou com setenta burro
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca
Dei-lhe um bofete na nuca
Que derrubei seu chapéu
Vai chegando São Miguel
Montando numa cadela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Eu me chamo Zé Limeira
Cantador do meu sertão
O sino de Salomão
Tocando na laranjeira
Crepusco de fim-de-feira
Museu de São Rafael
O juiz prendeu o réu
Depois fechou a cancela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Quando Abel matou Caim
No Rio Grande do Sul
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as beradas de capim
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumode prender Abel
Dois pedaços de costela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de março de 2020

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (I)

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (I)

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

* * *

Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e o mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento:
“Tudo aquilo era boato”
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento!

Um dia Nossa Senhora
Se encontrou com Rui Barbosa
Tiraram um dedo de prosa
Viraram e foram se embora
Judas se enforcou na hora
Com uma corda de cimento
Botaram os filhos pra dentro
Foi pra arca de Noé,
Viva a princesa Isabé,
Diz o Novo Testamento.

Pedro Álvares Cabral
Inventou o telefone
Começou tocar trombone
Na porta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento.

Um sujeito chegou no cais do porto
E pediu emprego de alfaiate
Misturou cinturão com abacate
E depois descobriu que estava morto
Ligou seu rádio no focinho de um porco
E afogou-se num chá de erva cidreira
Requereu um diploma de parteira
E tocou numa ópera de sinos…
Eram mãos de dezoito mil meninos
E não sei quantos pés de bananeira.

Eu já cantei no Recife
Na porta do Pronto Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas este ano eu não morro…

Sou casado e bem casado
Com quem não digo com quem
A mulher ainda é viva
Mas morreu mora no além
Se voltar um dia à Terra
Vai morar no pé-da-serra
Não casa com mais ninguém.

Lá na serra do Teixeira
Zé Limeira é o meu nome,
Eurico Dutra é um grande
Mas vive passando fome
Ainda antonte eu peguei
Na perna dum lubisome.

Minha mãe era católica
E meu pai era católico
Ele romano apostólico
Ela romana apostólica
Tivero um dia uma cólica
Que chamam dor de barriga
Vomitaro uma lumbriga
Do tamanho dum farol
Tomaro Capivarol
Diz a tradição antiga.

Minha avó, mãe de meu pai
Veia feme sertaneja
Cantou no coro da Igreja
O Major Dutra não cai
Na beira do Paraguai
Vovó pegou uma briga
Trouve mamãe na barriga
Eu vim dentro da laringe
Quage me dava uma impinge
Diz a tradição antiga.

Zé Limeira quando canta
Estremece o Cariri
As estrêla trinca os dente
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civí

Aonde Limeira canta
O povo não aborrece
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Quem vem lá é Zé Limeira
Cantor de força vulcânica
Prodologicadamente
Cantor sem nenhuma pânica
Só não pode apreciá-lo
Pessoa senvergônhanica.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de fevereiro de 2020

DUAS CANTIGAS COM GERALDO AMÂNCIO

 

 

DUAS CANTORIAS COM GERALDO AMÂNCIO

O poeta cantador cearense Geraldo Amâncio, nascido no Sítio Malhada de Areia, município do Cedro, Ceará,  em Cedro 29/Abr/1946, é verbete no Dicionário Cravo Albim da MPB. Lá consta o seguinte:

Cantor. Violeiro. Poeta. Escritor. Nascido em um sítio, em Cedro, no Ceará, até os 17 anos de idade trabalhou na roça. Cursou faculdade de História em Fortaleza (CE).

Começou com acompanhamento de viola em 1966. Participou de centenas de festivais em todo o país, e classificou-se mais de 150 vezes em primeiro lugar. Organizou festivais internacionais de repentistas e trovadores, além do festival Patativa do Assaré. É autor de três antologias sobre cantoria em parceria com o poeta Vanderley Pareira. Gravou 15 CDs ao longo da carreira, além de ter publicado cordéis em livros. Apresentou o programa dominical “Ao som da viola”, na TV Diário, em Fortaleza (CE).

* * *

Poetas repentistas Geraldo Amâncio e Valdir Teles

 

 

Poetas repentistas Geraldo Amâncio e Antônio Jocélio

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de fevereiro de 2020

ORLANDO TEJO HOMENAGEIA PINTO DO MONTEIRO E LOURO DO PAJEÚ

 

ORLANDO TEJO HOMENAGEIA PINTO DE MONTEIRO E LOURO DO PAJEÚ

Dois ícones da cantoria nordestina de improviso: Lourival Batista, o Louro do Pajeú (1915-1992) e Severino Pinto, o Pinto de Monteiro (1895-1990)

* * *

PINTO E LOURO – Orlando Tejo

Grande saudade hoje sinto
Das cantorias-tesouro
Do gigante que foi Pinto,
Do uirapuru que foi Louro.

Era uma graça, um estouro
Ouvir em qualquer recinto
Os trocadilhos de Louro
Os desconcertos de Pinto.

Tal qual no Bar do Faminto,
Do Pátio do Matadouro,
Quando Louro aceitou Pinto
E Pinto abençoou Louro.

Mas no Bar Rosa de Ouro
Houve um encontro distinto
Pinto elogiando Louro,
Louro chaleirando Pinto.

Jamais ficará extinto
O meu prazer de ouvir Louro
Querendo derrubar Pinto,
Pinto brigando com Louro.

No Bar Casaca-de-Couro
Vi o maior labirinto:
Pinto depenando Louro
E Louro esganando Pinto.

No Mercado, em Rio Tinto,
Um momento imorredouro
com as emboscadas de Pinto
E as escapadas de Louro.

No Beco do Bebedouro
Um desafio ao instinto:
Pinto superava Louro,
Louro desmontava Pinto.

No bar de Moisés Aminto
(À Curva do Varadouro)
Louro acompanhava Pinto,
Pinto fugia de Louro.

Assisti, no Bar Jacinto,
Luta de cristão e mouro
Quando Louro açoitou Pinto,
E Pinto escanteou Louro.

O sol no nascedouro
E haja mel e haja absinto
Nas divagações de Louro,
Nos ultimatos de Pinto.

Num diálogo sucinto
Reverberavam em coro
Iluminuras de Pinto,
Clarividências de Louro.

Essa dupla, sem desdouro,
Reinou do primeiro ao quinto:
Pinto maior do que Louro,
Louro maior do que Pinto.

Duas fivelas num cinto,
Batéis sem ancoradouro,
Assim foram Louro e Pinto,
Assim serão Pinto e Louro.

Penso, reflito, pressinto
Que em todo o tempo vindouro
Ninguém vai superar Pinto,
Nenhum fará sombra a Louro.

Pois não há praga ou agouro
Que manche a paz do recinto
Das glórias que envolvem Louro,
Dos louros que adornam Pinto.

Aqui faço paradouro
(Ir além me não consinto),
Rendido ao gênio que é Louro,
Curvado ao estro de Pinto.

* * *


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 16 de fevereiro de 2020

MOTES BEM GLOSADOS

 

MOTES BEM GLOSADOS

 

Dedé Monteiro, o Papa da Poesia, nascido em setembro de 1949, no sitio Barro Branco, município de Tabira, Pernambuco

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote

Saltei mas de mil cancelas
Na estrada dos desenganos.

Na estrada dos desenganos
Contei mais de mil palhoças,
Pequenas, pobres, singelas,
Passei por mais de mil roças,
Saltei mais de mil cancelas,
Dormi em mais de mil redes,
Saciei mais de mil sedes,
Desmanchei mais de mil planos,
Fiz mais de mil amizades,
Deixei mais de mil saudades,
Na estrada dos desenganos.

Passei por mais de mil cruzes,
Acendi mais de mil velas,
Divisei mais de mil luzes,
Saltei mais de mil cancelas,
Mais de mil vezes chorei,
E o pranto que derramei
Valeu por mais de mil anos…
Desfiz mil sonhos queridos,
Soltei mais de mil gemidos
Na estrada dos desenganos.

Ganhei mil cabelos brancos,
Fiz mais de mil sentinelas,
Venci mais de mil barrancos,
Saltei mais de mil cancelas,
Escutei mil passarinhos,
Pisei mais de mil espinhos,
Padeci por mil ciganos,
Ganhei mais não do que sim,
Deixei mil partes de mim
Na estrada dos desenganos.

* * *

Zé Mariano glosando o mote:

Vejo um quadro pintado de saudade.
Na parede da minha solidão.

Relembrando meus tempos de criança,
Os momentos alegres que passei
Na casinha de barro onde morei,
Muito simples, mas farta de esperança,
O orgulho que tinha a vizinhança
Já me vendo um futuro cidadão,
Quando lembro a ponteira do pião
Enrolando na minha mocidade,
Vejo um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.

Se fingir que dos anos me esqueci,
Se por ser vaidoso ou por desgosto,
Sem ter traumas, as rugas do meu rosto
Vão mostrar que de fato envelheci.
Na escola da vida eu consegui
Receber o diploma de ancião,
E na hora da minha conclusão,
No canudo manchado da idade
Vi um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.

Ela foi me dizendo que voltava
Eu fiquei aguardando seu regresso
Foi-se um ano, dois anos, sem sucesso
Nem recado, nem carta ela mandava
Quando alguém por capricho perguntava
A esquecesse poeta, sim ou não?
Respondia com a voz do coração
Implorando por sua liberdade
Tenho um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.

Pra poder esquecer quem certo dia
Fez morada na sombra do meu peito
Resolvi por em prática meu direito
De viver como um pássaro em harmonia
Dei um laço abraçando a poesia
E depois de tomada a decisão
Coloquei toda a minha inspiração
No lugar de quem era outra metade
E nunca mais vi um quadro de saudade
Na parede da minha solidão.

* * *

A TAMPA DO TABAQUEIRO –  Dedé Monteiro

Vovô morreu muito pobre
Sem nada deixar de herança
Mas me deixou por lembrança
Um tabaqueiro de cobre.
Nunca vi coisa tão nobre,
Era um troféu verdadeiro!
Na tampa tinha um letreiro
Que o velho escreveu pra mim
Pedindo pra não dar fim
A tampa do tabaqueiro.

Por isso eu nunca emprestava
O tabaqueiro a ninguém,
Mas quando chegava alguém
Pedindo tabaco, eu dava
O bicho nunca secava,
Pois quando estava maneiro
Eu machucava o tempero,
Torrava o fumo e fazia.
Tinha vez que nem cabia
A tampa do tabaqueiro…

 

Eu estava mais do que liso
Num dia que faltou fumo…
Fiquei vagando sem rumo,
Quase que perco o juízo…
Meu irmão, com ar de riso,
Me vendo sem paradeiro,
Falou: “Vá no bodegueiro,
Peça e diga: “eu depois venho”
Ou então deixe de empenho
A tampa do tabaqueiro…”

Eu disse assim pro meu mano:
“Já me deu dor e cabeça,
Mas inda que eu endoideça
Não faço ato tão tirano.
Embora que eu passe um ano
Aperreando o fumeiro
Não deixo de ser herdeiro
Desta coisinha estimada.
Morro e não deixo empenhada
A tampa do tabaqueiro.

Não sei como não virei
A bola naquele dia:
Nunca vi tanta agonia
Como aquela que passei…
Somente de noite achei
Quem me emprestasse o dinheiro:
Corri pra venda ligeiro,
Mas na carreira caí
E, nessa queda, perdi
A tampa do tabaqueiro.

Fiquei muito aperreado,
Procurei por todo canto,
Mas o escuro era tanto
Que nada deu resultado.
Já bastante encabulado,
Fui atrás d’um candeeiro.
Mas caía um chuvisqueiro,
O desgraçado apagou-se
E eu nem sei como encantou-se
A tampa do tabaqueiro.

Voltei pra casa tremendo
Que só badalo de campa…
E a condenada da tampa
Eu parecia estar vendo.
Continuava chovendo,
Eu escutava o chuveiro.
Subia do bolso um cheiro
Que me deixava doente,
Sem poder tirar da mente
A tampa do tabaqueiro…

Nessa noite aperreada
Não dei de sono um cochilo.
Escutei canto de grilo
Até três da madrugada…
Depois, sem café, sem nada,
Andei quase o dia inteiro.
Ninguém me dava roteiro
E eu me danava com isto.
Nem satanás tinha visto
A tampa do tabaqueiro.

Notei que jeito não tinha,
Deixei de mão d’uma vez
Passou-se um mês, outro mês,
Sem notícia da tampinha.
Um dia, de tardezinha.
Eu tive um plano certeiro:
Pedi ao Pai Justiceiro,
Filho da Virgem Maria,
Que me mostrasse algum dia
A tampa do tabaqueiro.

E eu não estava enganado.
Deus escutou minha voz.
A noite, dormindo a sós,
Eu tive um sonho engraçado:
Era um menino encantado,
Envolto num fumaceiro,
Dizendo: “Dedé Monteiro,
Vá lá no monturo, vá,
Que lá você achará
A tampa do tabaqueiro.”

Acordei, corri pro muro,
Estava quase sem tino,
Pois o sonho do menino
Era verdadeiro e puro!
Inda estava um pouco escuro,
Fiz café, tomei primeiro,
Depois chamei um lixeiro,
Fomos os dois para o lixo,
Procuramos com capricho
A tampa do tabaqueiro.

Procuramos sem repouso,
Até que o sol declinou.
Foi quando o lixeiro achou
A tampa muito orgulhoso!
E eu, muito mais jubiloso,
Paguei ao bom companheiro.
Depois mandei o ferreiro
Derreter um par de brinco,
Botar dobradiça e trinco
Na tampa do tabaqueiro!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 09 de fevereiro de 2020

UM MOTE BEM GLOSADO (ADALBERTO PEREIRA)

 

 

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE ABC

Adalberto Pereira glosando o mote:

Acordei para ver a madrugada
Abraçar com carinho o novo dia.

Fui dormir com meu coração contente
Por um dia cheio de felicidade;
Sem rancor, sem angústia e sem maldade,
Consegui ter um sono diferente,
Esquecendo as tristezas que na gente
Faz morada pra tirar nossa alegria.
Tive um sonho parecendo fantasia.
Pra fugir dessa noite agitada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

No jardim, vi os belos beija-flores
Misturados com ousados bem-te-vis;
Bons exemplos de uma vida mais feliz.
Passarinhos misturando suas cores;
Para eles não existem dissabores.
Seus cantares nos transmitem alegria
Em perfeitas e sonoras melodias.
Num sussurro sutil da minha amada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

A cidade trabalhava normalmente,
Pra buscar o progresso desejado.
Na floresta, o barulho do machado,
Maltratava nossa mata inocente.
Quem espera um futuro mais decente,
Com certeza não terá tanta alegria.
Maltratar inocente é covardia
Dessa gente de moral atrofiada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

As estrelas enfeitavam o infinito
E a lua se escondia no horizonte;
A manhã com seu jeito elegante
Alegrava cada coração aflito.
Tudo isso vem de Deus e é bonito
Mais parece uma orquestra em harmonia,
Deleitando com sonora melodia
Os ouvidos da plateia apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Anoitece e um sonoro violão
Acompanha o cantar do seresteiro,
A donzela abandona o travesseiro
Pra fugir da terrível solidão.
Da janela sob a luz do lampião
Ela sente o sabor da melodia;
E naquele sentimento de alegria
Não esconde que está apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Contemplando a beleza do oceano
Vi as ondas com seu barulho feroz.
Eu achei que aquela era a voz
Vinda de um animal serrano.
Descobri como Deus é soberano
E perfeita a sua sabedoria.
A beleza do infinito eu sentia,
Quando a face pelo vento era tocada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Sorridente deixei meu leito quente
Pra sentir o sabor da natureza.
No jardim descobri toda beleza
Pra mudar o vazio que há na gente.
É aí que o nosso corpo sente
O valor de estar em alegria.
Mas é bom ter em nossa companhia
A presença de uma pessoa amada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 02 de fevereiro de 2020

SEIS MESTRES DO IMPROVISO - 02.02.20

 

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

Valdir Teles

No momento em que Pinto faleceu
As violas pararam de tocar
Deus mandou o Nordeste se enlutar
Respeitando o valor do nome seu
Pernambuco ao saber entristeceu
Paraíba até hoje está doente
Só tem galo cantando atualmente
Porque Pinto mudou-se do poleiro
Com a morte de Pinto do Monteiro
Abalou-se o império do repente.

Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

Domingos Martins da Fonseca

Falar de nobreza e cor
É um grande orgulho seu
Morra eu e morra um nobre,
Enterre-se o nobre e eu,
Que amanhã ninguém separa
O pó do nobre do meu.

* * *

Manoel Macedo

Fui cantador violeiro
Nas terras do meu sertão
Mas deixei a profissão
Em Goiás fui açougueiro
Eu trabalho o dia inteiro
Com minha faca amolada
Mas da profissão passada
Uma coisa me consola
Ainda tenho a viola
Como relíquia sagrada.

* * *

Dudu Morais

A lei do retorno é dona
De uma justiça tamanha
Porque quem bate se esquece
Da cara do que apanha
Mas quem apanhou se lembra
Da cicatriz que arranha.

* * *

Oliveira de Panelas

No saco de cego tem:
Arroz, feijão e farinha
fubá de milho e sardinha,
tem pão, café, tem xerém
algum dinheiro também,
sal, bolacha, amendoim,
tem pé de porco e pudim,
tem tripa e carne de bode.
Só outro cego é quem pode
ter tanta salada assim.

* * *

Otacílio Batista Patriota

Certa vez fui convidado
Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

A garota Manuela
Quis viver só de um negócio
Entrava sócio e mais sócio
Dentro do negócio dela
Eu fui lá falar com ela
Mostrando o que possuía:
Ela somava e media
Meu negócio não entrava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de janeiro de 2020

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 18.01.20

 

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva glosando o mote:

Quem quiser ter saudade do meu tanto
Sofra e ame do tanto que eu amei.

Moacir Laurentino:

Numa noite de insônia e de saudade
a angustia invadiu meu coração.
Eu senti a maior recordação
dos amores da minha mocidade
lamentei suspirei senti vontade
de beijar a mulher com quem sonhei
mas sem esse direito eu já fiquei
e nem ela possui o mesmo encanto
quem quiser ter saudade do meu tanto
sofra e ame do tanto que eu amei.

Sebastião da Silva:

Quem me fez padecer tanta ilusão
deixou todos meus sonhos destruídos
o murmúrio do adeus nos meus ouvidos
e a tristeza rasgando o coração.
Já tentei esquecer mais foi em vão
só eu sei quantas vezes já chorei
já gastei todos lenços que comprei
ensopados das gotas dos meus prantos
quem quiser ter saudade do meu tanto
sofra e ame do tanto que eu amei.

* * *

Ivanildo Vilanova e Severino Ferreira glosando o mote:

Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:

Nobel foi o inventor da dinamite
Criador de um prêmio especifico
Deu progresso ao projeto cientifico
Onde a nossa ciência tem limite
Hoje em dia se atende o seu convite
Sem os louros da sua academia
Mas se o Deus que inspirou barra do dia
Não conhece liceu nem faculdade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Severino Ferreira:

Vamos ver quem conhece aonde é
O país dos Assírios e Caldeus
Jafetanis, Fenícios, Cananeus
Descendentes da raça de Noé
E qual foi o motivo que José
Se tornou o esposo de Maria
Ela teve Jesus na estrebaria
E não perdeu o valor da virgindade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:

Pra ganhar o Nobel só é preciso
Conhecer de sentido e odalinfa
Ser parente da paz, irmão da ninfa
Ser parente do amor, irmão do riso
É tirar oito e meio em improviso
Tirar nove em métrica e harmonia
Nove e meio em repente e teoria
Tirar dez na escola da saudade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Severino Ferreira:

Vamos ver quem possui inteligência
Pra lembrar Tiradentes, o mineiro
Que foi preso no Rio de Janeiro
Por um povo de pouca consciência
Que D. Pedro gritou: “Independência”
Que o mundo esperava e pretendia
Qual o mês, a semana, hora e o dia
Que a princesa assinou a liberdade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:

Vamos ver quem possui perspectiva
Pra falar sobre monte, terra e gleba
Pra falar sobre a vida de algum peba
Arrancando as raízes da maniva
E a gata que está receptiva
Quer um gato pra sua companhia
Quanto mais ela arranha, morde e mia
Mas o gato ansioso tem vontade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

* * *

Pinto do Monteiro glosando o mote

O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

Quebra galho de aroeira,
De jurema e jiquiri,
Rasga beiço e calumbí,
Mororó e quixabeira.
Quebra-faca e catingueira,
Urtiga braba e pinhão;
Pau-serrote e pau-caixão,
Baraúna e marmeleiro,
O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote:

É ruim plantar esperança
Pra colher desilusão.

São Severino dos Ramos
Enriqueceu com promessa.
Dilma promete e tropeça,
Nós, sem tropeçar, penamos.
E a seca, enquanto esperamos,
Vai minando a região
Que inda aguarda a plantação
Da semente da bonança.
É ruim plantar esperança
Pra colher desilusão.

* * *

Antonio Piancó Sobrinho glosando o mote:

Só partindo é que se sabe
Como era bom ter ficado.

Parte gente todo dia
Para as capitais do sul
Pensando num mundo azul
Repleto de fantasia
Porém a sua alegria
Termina mal tem chegado
Só o serviço pesado
No mundo inteiro lhe cabe
Só partindo é que se sabe
Como era bom ter ficado.

Passa os dias ressentido
Lamentando o seu pesar
Pensando um dia voltar
Para o seu torrão querido
Com o coração partido
E o peito dilacerado
Chorando, desesperado
Pede a Deus que a dor se acabe
Só partindo é que se sabe
Como era bom ter ficado.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 12 de janeiro de 2020

PINTO DO MONTEIRO, UM GÊNIO DO REPENTE

 

 

PINTO DO MONTEIRO, UM GÊNIO DO REPENTE

Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

Improvisos de Pinto do Monteiro, a Cascavel do Repente, em cantorias diversas

Ninguém deve ignorar
Porque Pinto do Monteiro
Largou de mão a viola
E passou a usar pandeiro
O volume é mais menor
E o pacote mais maneiro.

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço,
Que a natureza fez
Sem ter régua, nem compasso
Eu tenho compasso e régua,
Pelejo, porém, não faço.

Sua terra é muito ruim
Só dá quipá e urtiga
Planta milho, o milho nasce
Não cresce nem bota espiga
De legume de caroço
Só dá sarampo e bexiga.

Homem deixe de história
Que se eu for ao Pajeú,
Dou em Jó e dou em Louro,
Em Zé Catota e em tu,
E fico no meio da rua,
Cantando e dançando nu.

Em dezembro, começa a trovoada,
Em janeiro, o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro, começa a vaquejada:
É aboio, é carreira, é queda, é grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

Esta palavra saudade
Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança.

Saudade é tudo e é nada
Saudade é como o perfume
Eu só comparo a saudade
Com o peso do ciúme
Que a gente carrega o fardo
Mas não conhece o volume.

* * *

Pinto de Monteiro cantando com João Furiba:

João Furiba

Se você quiser ter sorte
na sua mercearia,
coloque uma etiqueta
em cada mercadoria
e ponha meu nome nela
que conquista a freguesia.

Pinto do Monteiro

Triste da mercadoria
que nela tiver seu nome!
Pode vir um guabiru
Com oito dias de fome,
Caga o pão, mija no queijo,
Passa por cima e não come.

* * *

No vídeo abaixo, Severino Pinto e Lourival Batista cantando de improviso o gênero Meia Quadra.

Constante da Coleção Música Popular do Nordeste, com 4 discos, lançada em 1972.

A abertura da cantoria é feita por Lourival.

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 05 de janeiro de 2020

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 05.01.20

 

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE E UM FOLHETO DE CANCÃO

Lenelson Piancó

Quando a chuva passava aparecia
Muita água descendo o tabuleiro
E um açude na curva do terreiro
Com uma quenga de coco eu construía
Como eu nunca entendi de engenharia
Meu diploma foi só de agricultor
O açude não tinha sangrador
Toda vez que enchia, ele arrombava
No passado era assim que se criava
Um menino feliz e sonhador!

* * *

Cicinho Gomes

Eu admiro o canção
Na cabeça de uma estaca;
Olha pra baixo e pra cima
Acuando a jararaca
Como quem diz : “Ó meu Deus!
Ah se eu tivesse uma faca!”

Eu admiro demais
É uma gata parir,
Pegar o filho na boca,
Levar pra onde quer ir.
Nem fere o filho no dente,
Nem deixa o gato cair.

* * *

Bráulio Bessa

Sou o gibão do vaqueiro,
Sou cuscuz sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro,
Sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler,
Sou rico sem ser grã-fino
Quanto mais sou nordestino,
Mais tenho orgulho de ser.

Da minha cabeça chata,
Do meu sotaque arrastado
Do nosso solo rachado,
Dessa gente maltratada
Quase sempre injustiçada,
Acostumada a sofrer
Mais mesmo nesse padecer
Eu sou feliz desde menino
Quanto mais sou nordestino,
Mais orgulho tenho de ser.

Terra de cultura viva,
Chico Anísio, Gonzagão
De Renato Aragão
Ariano e Patativa.
Gente boa, criativa
Isso só me dá prazer
E hoje eu quero dizer
Muito obrigado ao destino,
Quanto mais sou nordestino
Mais tenho orgulho de ser.

* * *

Zé Saldanha

Sou poeta sertanejo,
Sei o caminho onde passo
Tem muito poeta grande
Que nunca fez o que faço
Nem sabe tudo que sei
Nem traça o traço que traço.

Baralho tem 4 ases,
Quatro Duques, 4 Três,
Quatro 4, quatro 5,
Quatro 8, quatro 6,
Quatro 9, quatro 7,
Quatro 10, quatro valetes,
Quatro Damas, quatro Reis.

* * *

Generino Batista

Nós somos dois caborés
cantando aqui neste escuro
é um em cima de um toco
o outro em cima de um muro
e quem tá de fora dizendo:
– Ô caborés sem futuro!.

Eu moro num pé de serra
que não sabe ler ninguém
o meu pai chama “promode”
minha mãe chama “quiném”
e o filho de um casal deste
que português é que tem?

* * *

Manoel Dodô

Na profissão de carreiro,
eu faço tudo e não deixo,
compro sebo ensebo o eixo,
a canga e o tamoeiro,
sete palmos de fueiro
medidos na minha mão,
uma vara de ferrão,
dois canzis de mororó:
carro de boi e forró
faz eu gostar do sertão.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas quinta, 02 de janeiro de 2020

UM ANO NOVO PAI D,ÉGUA

 

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

UM ANO NOVO PAI D’ÉGUA! – Merlânio Maia

Desejo um ano porreta
Deus lhe dê tudo o que quer
Peleja, trabalho, treta,
Os carim duma mulher
Desarrede o negativo
Abufele o positivo
Tenha o horizonte por régua
Num tenha medo da vida
Tenha o céu como medida
E um sucesso pai d’égua!

Macho véi, felicidade,
É pra se pegar de unha
Num aceite a falsidade
Que é onde a maldade acunha
Num se agonie no camim
Nem permita o farnizim
Num esmoreça seje macho
Corra o mundo, ande légua
E até na baixa da égua
Que o buraco é mais embaixo

Vá anotano os seus querê
Tudo o que você deseje
Dipendure onde se vê
Leia pra que num fraqueje!
Seja um cão chupano manga
Teja de terno ou de tanga
Nunca espere vá buscar
Persistência atrai sucesso
Que vai fazer seu progresso
Quando menos se esperar

No amor num se arrelie
Nem só fique arrodiano
Num bata fofo, se avie
Se avexe e faça um bom plano
Mas fique limpo na nota
Num pegue qualquer marmota
Nem viva de fulerage
Cachorro é quem pega peba
Num viva de mistureba
Nas grota da vadiage

Amor é uma corralinda
Mas num seje um farofêro
Num peça pinico ainda
Seja o galo do terrêro
Pastore que a hora chega
Gato gosta é de mantêga
Dê seu bote devagar
Mas dêxe as unhas de fora
Que o seu cabresto tóra
Antes do ovo gorar

Comece esse novo ano
Sem os erros do passado
Chô mundiça! É o novo plano
Chame a sorte pro seu lado
Muche as orêia e rebole
No mato tudo que é mole
Grite do alto do nordeste
– Eu sou herdeiro de Deus
E os mundos também são meus
Oxente, cabra da peste!

Agora qui tás mais forte
Seje feliz dicumforça
Nosso Sinhô sendo o norte
Brinque, dance, grite e torça
Nada há de lhe derrubar
Comece logo a sonhar
Com a Paz e nunca dê trégua
O poeta ainda lhe diz
CABRA VÉI, SEJE FELIZ,
E UM ANO NOVO PAI D’ÉGUA!


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de dezembro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE ABC

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE ABC

 

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva glosando o mote:

A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Eu passeei com meu bem
Pelo cantinho da sorte,
Já cruzei de Sul a Norte,
De Leste a Oeste também
E o destino ingrato vem
Nos deixa dores, sequela,
E hoje da minha bela
Tenho lembrança e mais nada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Moacir Laurentino

O antigo casarão
Do meu amor verdadeiro,
Que eu abracei no terreiro,
Lhe dei aperto de mão,
Hoje só tem solidão,
A tristeza e a sequela,
Está velhinha a cancela,
Pendida e escancarada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquele belo recanto,
Que foi nossa moradia,
Onde havia Cantoria,
Muita festa em todo canto,
Houve novena de santo,
No altar e na capela,
Só tem o santo e a vela,
Onde a missa era rezada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Moacir Laurentino

A mulher que me amou,
Que me queimou como brasa,
Eu fui visitar a casa
E tudo se divisou,
A saudade ela deixou,
A sua saia amarela,
O resto de uma chinela
E uma blusa remendada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquela nossa casinha,
Que tinha na encruzilhada,
Bem na beira da estrada,
A casa era dela e minha,
Lá o nome dela tinha,
Desenhado na janela,
Mas hoje não estou com ela
E a casa já está fechada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

* * *

Geraldo Amâncio glosando o mote:

Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

Não adianta um pecador enganar
E nessa vida viver da fase crítica
Entre luta, entre roubo, entre política
Pra depois nesse mundo ele enricar
Que se a gente também for comparar
Desde um rico para um pobre cristão
Para Deus vale mais quem pede um pão
Do que um presidente ou deputado
Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

* * *

Bob Motta glosando o mote:

Quer ver cachaça o que faz?
Não beba e preste atenção…

Chama cachorro de cacho,
chama mestre de aprendiz,
militar de militriz,
e nunca sossega o facho.
Bêbado de cima abaixo,
anda nu na multidão,
caga em cima do balcão,
não deixa ninguém em paz,
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba e preste atenção…

* * *

Rafael Neto glosando o mote:

Me afoguei na maré da sedução
Quando o barco do amor perdeu o rumo.

Já cruzei muitos mares caudalosos,
Porém nesse eu quase perco a vida.
Nesse barco a passagem é só de ida
Nos prazeres dos mares ondulosos,
Meus desejos carnais são poderosos
Pra tirar minha vida do seu prumo,
E pra viver ou morrer eu mesmo assumo,
Que o culpado de tudo é a paixão.
Me afoguei na maré da sedução
Quando o barco do amor perdeu o rumo.

* * *

ABC PARA LEMBRAR RAULZITO E GONZAGÃO – Rouxinol do Rinaré

Amigos que apreciam
Meus cordéis, peço atenção
Pois vou falar de dois mitos
Saudosos dessa nação
No ABC pra lembrar
Raulzito e Gonzagão.

Baião é ritmo dançante
Do nordeste brasileiro
Se originou da toada
Do popular violeiro
E imortalizou Luiz
Nosso maior sanfoneiro.

Cantando, Luiz Gonzaga,
Resgatou nosso nordeste
Tocou baião, polca e xote,
Com o baião passou no teste
Engrandeceu nosso chão
Como um bom “cabra da peste”.

Declarou Luiz Gonzaga:
– Após a minha partida
Eu quero enfim ser lembrado
Como quem cantou a lida
Do sertanejo e amou
Toda essa gente sofrida.

Eu quero que não esqueçam
Que cantei sempre o sertão
Os padres, os cangaceiros,
O covarde, o valentão,
As secas, os animais,
E as aves de arribação…

 

Fui um historiador
Do nordeste brasileiro
Documentei seus costumes
Junto de cada parceiro
Cantei minha região,
Fui fiel e verdadeiro.

Gonzagão e Raul Seixas
Provam genialidade
Cada qual compondo um hino,
Conforme a realidade,
Um falando do sertão
E o outro de liberdade.

Hino nacional do povo
Segundo Mestre Marçal
É a toada Asa Branca
E do Raul liberal
Sociedade Alternativa
É o hino universal.

Inda criança Raul
Escutava Gonzagão
Na adolescência o Elvis
Completava a formação
Musical para que ele
Criasse o Rock-Baião.

Juntando tais influências
Raulzito genial
Fez então Let Me Sing
E o Sétimo Festival
Da Canção ele venceu
De forma sensacional.

K, lembrei de Karolina
Que era mulher faceira.
Conforme Luiz Gonzaga
Também era presepeira…
A “Karolina com K”,
Dançarina de primeira.

Luiz marcou Raul Seixas
Cantando Cintura Fina
Lorota Boa, entre outras,
De raiz bem nordestina
Porém Raul foi autêntico
E isso é que me fascina.

Mas, pra Raul e Luiz,
Tinha o destino proposto
No ocaso da existência
Sumirem feito sol posto,
Morreram em Oitenta e Nove,
Ambos no mês de Agosto.

No dia dois desse mês
Luiz foi pro infinito
E no dia Vinte e Um
Seguia-lhe Raulzito
Segundo Otávio Menezes*
Houve um encontro bonito.

Os covers que me desculpem,
Reflitam por um segundo:
“Cada um é um universo…”
“Cada cabeça é um mundo…”
“Siga o seu próprio caminho…”
Aqui Raul foi profundo!

Porque Raul sempre teve
Forte personalidade
Curtiu Luiz, Lennon e Elvis
Com particularidade,
Não foi cover de ninguém.
Tinha a própria identidade.

Quero lembrar Raulzito
Não como um simples roqueiro
Pois cantou diversos gêneros
Com o intuito verdadeiro
De dar um alertar, um toque,
Para o povo brasileiro.

Raul com certeza não
Foi “apenas o cantor”
Ele que desde criança
Sonhava em ser escritor
Com a mente além de seus dias
Foi um livre pensador.

Sessenta e quatro anos fez
Que Raulzito nasceu
E agora já vinte anos
Completou que ele morreu,
Mas é eterno na mente
De quem o compreendeu.

Todos tiveram parceiros.
Gonzaga: Humberto Teixeira
E o famoso Zé Dantas.
Raul teve um de primeira:
O mago Paulo Coelho,
Que marcou sua carreira.

Um dia Raul falou
Algo que me convenceu.
Ele disse: “Antes de ler
O livro que o Guru deu
Abra o olho, meu ‘cumpadi’,
Procure escrever o seu!”

Viva Raul Santos Seixas
Que cumpriu sua missão
E embarcou no Trem das Sete,
“O último trem do sertão”,
Pra festejar no infinito
Com Luiz, Rei do Baião.

White wings, versão
De “Asa Branca” em inglês,
Umas das muitas proezas
Que Dom Raulzito fez.
O som ficou bem “maneiro’,
Isso eu garanto a vocês!

Xote Ecológico tem letra
Falando de ecologia
Gonzagão com Aguinaldo
Nessa bela poesia
Nos fala de Chico Mendes
E o crime, então, denuncia.

“Y lá é psiloni”,
Assim cantou Gonzagão.
Brincou com nosso alfabeto
Em um gostoso baião
Cujo título apropriado
É “ABC do sertão”.

Zumbizando feito a mosca
Na sopa, Raul provou.
Que a verdade incomoda.
Nas musicas que ele cantou
Lucidez é o legado
Que para os seus fãs deixou.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de dezembro de 2019

MANOEL XUDU, UM GRANDE POETA, UM MESTRE DO REPENTE

 

MANOEL XUDU, UM GRANDE POETA, UM GÊNIO DO REPENTE

 

O grande poeta paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

O meu verso é como a foice
De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.

***

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
E a lua chora com pena
Por não poder mais ouvi-lo

***

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

***

Nessa vida de amargura
O camponês se flagela
Chega em casa à meia-noite
Tira a tampa da panela
Vê o poema da fome
Escrito no fundo dela.

***

Uma novilha amojada
Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.

***

Carneiro do meu sertão,
Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.

***

Uma galinha pequena
Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas,
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem, sem força,
O bico do pinto novo.

***

Tem coisa na natureza
Que olho e fico surpreso:
Uma nuvem carregada,
Se sustentar com o peso,
De dentro de um bolo d’água,
Saltar um corisco aceso.

***

O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bulindo.

***

A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.

 

***

Eu tava na precisão
Quando me casei com Nita
Nada tinha pra lhe dar
Dei-lhe um vestido chita
Ela olhou sorrindo e disse
Oh! Que fazenda bonita!

***

É uma bola de ouro
Pra todo humilde vaqueiro,
Que ganha do fazendeiro,
Um belo chapéu de couro.
Conduz aquele tesouro
À noite, para o colchão;
Para, na escuridão,
Não ser roído do rato.
Chapéu de couro, o retrato
Do vaqueiro do sertão.

***

Vê-se o sertanejo moço
Com três meses de casado;
Antes de ir pro roçado,
Da mulher, beija o pescoço.
Ela lhe traz, no almoço,
Uma bandeja de angu,
A titela de um nhambu,
Depois lhe abraça e suspira.
O sertanejo admira
As manhãs do Pajeú.

***

Mamãe que me dava papa
Me dava pão e consolo
Dava café, dava bolo
Leite fervido e garapa
Mas uma vez deu-me um tapa
E depois se arrependeu
Beijou aonde bateu
Desmanchou a inchação
“quem perdeu mãe tem razão
De chorar porque perdeu”.

***

Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

***

Quando Deus, que é juiz pra todo jugo,
Molha as terras sedentas e vermelhas,
O corisco por cima abala as telhas,
Cai a água, me molho e me enxugo.
Vê-se um sapo escanchado num sabugo,
Como um cabra remando uma canoa…
Sai cortando as maretas da lagoa,
Chega os braços parecem um cata-vento.
Salta fogo das nuvens de momento,
Cai a chuva na terra, o trovão zoa.

***

No sertão, todo dia, bem cedinho
Vê-se um galo descendo do poleiro,
Um cabrito berrando no chiqueiro,
No terreiro, fuçando, um bacorinho.
Um preá sai torcendo o seu focinho,
Como um cego tocando realejo;
Na cozinha, uma velha espreme o queijo,
Um bezerro berrando no curral.
O retrato do corpo natural
É a veste do homem sertanejo.

***

Um ferreiro suado numa tenda,
Agarrado no cabo da marreta,
Consertando algum dente da carreta
Que quebrou e precisa duma emenda;
Um crioulo no pé duma moenda,
Já um pouco queimado de aguardente;
O bagaço espirrando pela frente
E uma bica de caldo derramando,
Um bueiro, mal feito, fumegando,
Representa o sertão de antigamente.

***

O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

***

O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco, a areia da cor de cambraia
O caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra silencioso
Nem sequer a fronde se vê balançar
Porém, se o vento com força soprar
A fronde estremece, perde toda a calma
As folhas se agitam, tremem, batem palma
Pedindo silencio na beira do mar.

***

Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de dezembro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 07.12.19

 

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS 

Chico Nunes glosando o mote:

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia
Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira…
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

* * *

José Lucas de Barros glosando o mote:

A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

Chico Motta viveu de cantoria,
Imitando as graúnas sertanejas,
Nos ardores de inúmeras pelejas
Que aprendeu a enfrentar com galhardia;
Seu programa, nem bem raiava o dia,
Acordava o sertão alvissareiro,
Mas, depois do seu verso derradeiro,
Que inda está, nas quebradas, ecoando,
A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

* * *

Pinto do Monteiro glosando o mote:

Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

Me lembro perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai cavava a cova
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade,
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

* * *

Severino Ferreira glosando o mote:

O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

Sei que Pinto deixou como recinto
A Monteiro que é sua cidade
O Nordeste até hoje tem saudade
De um poeta pacato e tão distinto
Outro galo não faz mais outro pinto
Que seja poeta e verdadeiro
Se pegar a galinha no terreiro
E tentar fabricar o ovo “gora”
O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

* * *

Waldir Teles glosando o mote:

Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

Quando morre um parente ou um amigo
Resta só lamentar, ninguém dá jeito
A tristeza se aloja em nosso peito
A angústia se apossa do abrigo
O seu corpo levado pra o jazigo
É seguido por uma multidão
Nem compensa apertar na sua mão
É inútil dizer não vá agora
Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

* * *

Jó Patriota glosando o mote:

A casa que tem criança
Deus visita todo dia.

Quando a criança adormece
A mãe já fraca do parto
Nos quatro cantos do quarto
Deus em pessoa aparece.
O Santo Espírito desce
Distribuindo alegria
Aquela rede sombria
Tem uma mão que balança
A casa que tem criança
Deus visita todo dia.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de novembro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 30.11.19

 

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

Aluisio Lopes glosando o mote:

Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Um pequeno vivente exilado
Canta o solo agrural da orfandade
No pequeno calabouço da saudade
Uma lágrima, no canto afinado
Lembra o laço que o tornou destronado
Do seu reino, velho angico altaneiro
Dos filhotes, não sabe o paradeiro
Um covarde caçador desfez seu ninho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Vá na mata , sinta o cheiro da ramagem
O olor das flores, seu verdume
As abelhas doidivanas, no costume
Um regato cristalino, bela imagem
Borboletas multicores em passagem
Pergunte lá; se está tudo prazenteiro
Se, sem musica, sem cantor, isto é certeiro
Fauna e flora lhe responde: é só espinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Sob o visgo da covarde armadilha
De um covarde que não teve coração
Mente má que semeia escuridão
Mão cruel que apaga a luz que brilha
Que descarta a liberdade da cartilha
Que despreza o que disse o conselheiro
Ainda há tempo se arrependa companheiro
Deixe o menestrel voltar pro seu cantinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Quem não fez nenhum crime, o que merece?
Sem juízo, viver posto na prisão?
Pegar pena perpétua, sem razão?
Então, o que quer que ele confesse?
Se o homem é o rei, por que se esquece?
Que liberdade, só presta por inteiro
Que esse bicho pequenino é o curandeiro
Dos que sofrem na mata sem carinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

O pentagrama natural da mãe natura
Sente a falta das notas do cantor
Quando em solo delirante, o torpor
Invadia tudo em sua tablatura
O compasso da pequena criatura
Fez-se pausa no tempo, em tempo inteiro
Em exílio eternal do seu terreiro
Melancólico, canta então pobre bichinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Um corista está faltando no coral
A sinfônica sente a falta do cantor
Sente a flora, o gorjeio que faltou
A cantata de então não é igual
Sua falta faz falta no festival
Se perturbe, se comova carcereiro
Quebre as talas, abra a porta do viveiro
Deixe a mata ter de volta o cantorzinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

* * *

Gregório Filó glosando o mote:

Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

O meu engenho de aço
Não moeu mais uma cana
Já faz mais de uma semana
Que um alfenim eu não faço
Não vendi mais um cabaço
De garapa a freguesia
A máquina da nostalgia
É que trabalha à vontade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

Nunca mais fiz uma farra
Por causa da falta dela
Vou como um boi de barbela
Atrelado à almanjarra
A moenda só esbarra
De encontro à melancolia
E a fornalha não esfria
Queimando a felicidade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

* * *

Manoel Xudu glosando o mote:

A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura.

Se eu morrer num sábado de aleluia
E for levado ao campo mortuário,
Se alguém visitar o meu calvário,
Jogue água em cima com uma cuia.
Leve junto a viola de imbuia,
Deixe em cima da minha sepultura.
Muito embora que fique uma mistura
De arame, de pus, terra e madeira,
A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de novembro de 2019

UMA GRANDE PELEJA: PEDRO BANDEIRA E MANOEL XUDU

 

 

UMA GRANDE PELEJA: PEDRO BANDEIRA E MANOEL XUDU

Pedro Bandeira e Manoel Xudu: dois grandes cantadores nordestinos

Pedro Bandeira

Colega Manoel Xudu
Abra o palco da cortina,
Se firme bem na cadeira
Erga o peito e se previna,
E diga como deixou
A cidade de Carpina.

Manoel Xudu

Vai bem minha Planaltina
De poetas um viveiro,
Situada entre Paudalho
Nazaré e Limoeiro,
E agora mandou seu vate
Vir visitar Juazeiro.

Pedro Bandeira

Mas você não é romeiro
Nem comprador de pequi,
Nem carola nem turista
Ninguém lhe esperava aqui,
Sem eu lhe dar carta branca
Pra entrar no Cariri.

Manoel Xudu

Eu vim porque conheci
Que havia necessidade,
De conhecer os colegas
Que moram nessa cidade,
E saber se o novo príncipe
Tem ou não autoridade.

Pedro Bandeira

Saiba que sou majestade
No reinado poesia,
Você pra cantar comigo
Precisa ter fidalguia,
Nobreza, brio e respeito
Honra e aristocracia.

Manoel Xudu

Há tempo que conhecia
A fama do meu amigo,
Porém eu sou dos poetas
Que nunca teme perigo,
Só digo que um cabra canta
Depois que cantar comigo.

Pedro Bandeira

Você está no meu abrigo
Se não quiser passar fome,
Respeite meu auditório
Meu cetro e meu cognome,
Minha esposa e minha filha
Minha plateia e meu nome.

Manoel Xudu

Acho bom que você tome
O conselho que lhe dou,
Estou no seu auditório
Mas seu escravo não sou,
Penetre em qualquer terreno
Que se eu puder também vou.

Pedro Bandeira

O sangue do meu avô
No meu sangue inda evapora,
Me dando ideia e talento
Entusiasmo e sonora,
Pra rebater desaforo
De repentista de fora.

Manoel Xudu

Com sua proposta agora,
Sei que o jeito que tem,
É eu lhe dar um acocho
Dos ossos virar xerém,
Que canto a vinte e dois anos
E nunca perdi pra ninguém.

Pedro Bandeira

Eu nunca perdi também
E agora vou lhe provar,
Que daqui a meia hora
Você começa a chorar,
Troca a viola em cachaça
E nunca mais fala em cantar.

Manoel Xudu

É mais fácil se esgotar
O mar com uma peneira,
Bala de aço esmagar-se
Em tronco de bananeira,
Do que Manoel Xudu
Temer a Pedro Bandeira.

Pedro Bandeira

É mais fácil uma caveira
Ter nojo dum urubu,
Uma cobra de veado
Se assombrar com um cururu,
Do que o príncipe dos versos
Respeitar Manoel Xudu.

Manoel Xudu

É mais fácil um canguçu
Correr com medo dum bode,
Menino enjeitar bolacha
Moleque enjeitar pagode
Do que eu correr com medo
Dum cantador sem bigode.

Pedro Bandeira

Nós sabemos que Deus pode
Manobrar tudo que é seu,
Transformar o gelo em fogo
Ressuscitar quem morreu,
Não pode é criar poeta
Pra cantar mais do que eu.

Manoel Xudu

Mas agora apareceu
Miguel Alencar Furtado,
Que é Juiz e deu um tema
Muito bem metrificado,
E vamos saber do tema
Quem canta mais inspirado.

* * *

Mote:

Vi a noite enlutando o horizonte,
Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Cinco e meio da tarde mais ou menos
Resolvi vê de Deus os espetáculos,
Transportei-me das baixas aos pináculos
Pra poder me inspirar olhando Vênus,
Comecei vislumbrar astros pequenos
O Cruzeiro do Sul resplandeceu,
Quando o rosto da lua apareceu
Eu estava na crista de um monte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Quando o sino tocava Ave–Maria
E o sol se escondia no ocaso,
De um voo transportei-me ao Parnaso
Num balão que eu fiz de poesia,
Uma estrela brilhava o sol morria
E a natura chegava ao apogeu,
Tive sede e um querubim me deu
Água pura tirada duma fonte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Contemplei azul além do mar
Vi a treva envolvendo as ondas pardas,
As libélulas pousaram nas mostardas
E agripinas saíram do pomar,
Escutei uma musa solfejar
Uma musica crida por Orfeu,
Estendi-me nos braços de Morfeu
Reclinei no seu busto a minha fronte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Eu também me achava esmorecido
Numa tarde perdido no deserto,
Sem achar um amigo ali por perto
Que indicasse por onde eu tinha ido,
Quando o bravo leão deu um rugido
Que o bosque da serra estremeceu,
Mas o manto de Deus se estendeu
Parecendo a varanda de uma ponte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

* * *

Pedro Bandeira

Atendi ao pedido do Juiz
Mas a nossa polêmica continua,
Pra você minha volta vai ser crua
Encomende-se a Deus pra ser feliz,
Se é mesmo um poeta como diz
Mostre aqui sua personalidade,
Se vier com mentira e vaidade
Entra grande na luta e sai pequeno,
Nunca mais quer entrar no meu terreno
Sem primeiro pedir-me a liberdade.

Manoel Xudu

Eu não vim procurar inimizade
Com você seus irmãos e outros mais,
Mas se quer destruir o meu cartaz
É perdida de vez sua vontade,
Com poeta de toda qualidade
No Nordeste eu tenho combatido,
No Brasil o meu nome é conhecido
Desde o Norte ao Sul Leste e Oeste,
Quem meter-se comigo a fazer teste
Leva pau perde o jeito e sai vencido.

Pedro Bandeira

Vou coser sua boca e um ouvido
Dou-lhe um murro na cara estoura os pés,
Cantador do seu jeito eu dou em dez
Só enquanto mamãe troca um vestido,
Fuxiqueiro insultante e desconhecido
Atrasado sem luz e sem valor,
Decoreba perverso e traidor
Beberrão de latada e pé de serra,
Volte e digas chorando em sua terra
Que agora encontrou superior.

Manoel Xudu

Repentista se enche de pavor
Quando ouve meu verso e meu baião,
Sente logo tremer o coração
Gela o sangue, o rosto muda a cor,
Em martelo eu sou raio abrasador
Cantador sendo fraco eu dou em cem,
A pancada que dou é como o trem
Um gigante pra mim inda é pequeno,
Cascavel que eu pegar perde o veneno
Só me curvo a Deus e a mais ninguém.

Pedro Bandeira

Otacílio Batista canta bem
Lourival é o rei do trocadilho,
Zé Faustino morreu deixou seu filho
Clodomiro não perde pra ninguém,
Dr. Dimas um título também tem
Pinto velho é o rei do Pajeú,
Louro Branco e Moacir no Iguatu
Os Irmãos Bernardino se deleitam,
Todos esses poetas me respeitam
Quanto mais uma égua como tu.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de novembro de 2019

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 16.11.19

 

 

GRANDES MESTRES DO REPENTE

Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

Otacílio Batista

Certa vez fui convidado
Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

.

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de novembro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 09.11.19

 

 

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

* * *

Pedro Nunes e Rômulo Nunes glosando o mote

No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Vi riachos descendo apressados
De chapadas, de vales e baixios
Carregando nas águas para os rios
O adubo das terras do Sertão
Uma rosa infeliz que foi ao chão
No tumulto das águas fenecia
Cada pétala vermelha que caía
Me deixava inda mais insatisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Se a cauã agorenta não mais canta,
Sertanejo já fica preparado,
Tira logo os bichos do roçado
E aguarda ansioso a chuva santa.
Seu depósito só tem milho de planta,
Resultado de sua economia
Tem feijão, jerimum e melancia
E um semblante alegre e satisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os enfeites na casa de um vaqueiro
São as botas, perneiras e gibão,
Um chocalho com o ferro do patrão,
Uma peia, uma corda, um peitoral,
Nos dois loros estribos de metal
Passadores, fivelas, prataria,
Uma sela com boa montaria
Para homem nenhum botar defeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Reviver o lugar que fui criado,
É para mim o desejo principal,
Esquipar em cavalo de pau,
Ossos velhos que eu tinha como gado,
Um pião com ponteira bem pesado,
Que eu jogava com muita maestria,
São brinquedos que eu tinha alegria,
Nem queria saber por quem foi feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

No alpendre da casa onde eu morava,
Ouvi muitas histórias de vaqueiros,
De cruéis e terríveis cangaceiros
Que infestavam as estradas do Sertão
Foi Silvino, depois foi Lampião,
Atacando na hora que queria
E apesar do perigo que havia
Para idoso, mulher e homem feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Bem sentado na calçada ou na cadeira,
Lá ouvia as estórias de trancoso
Sem dormir eu ficara bem medroso,
Mesmo assim não parava a brincadeira,
Quebra-pau, futebol, barra-bandeira,
Esconder, pular corda e academia,
Era assim que a vida me fazia,
Um garoto alegre e satisfeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os vaqueiros famosos foram tantos
Nas caatingas fechadas do Sertão
Vi Cazuza, Ribinga e Militão,
Vi Charuto, Zé Mago e Oliveira,
Severino, Eugênio e Quixabeira,
Otaviano, Ricardo e Ventania
Eram homens de muita valentia
Para as lutas do campo e do eito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Eu queria viver na natureza,
Pra sentir o cheiro da neblina,
Vendo o açoite do galo de campina,
Bem alegre a voar com sutileza.
O xexéu e o concriz, quanta beleza,
O tatú, o preá, peba e cutia
Caçador que atira, é covardia,
Sem amor, insensível e sem respeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

* * *

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,
para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita
no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,
uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,
que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida
e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura
que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de novembro de 2019

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA

 

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA

 

O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

É o céu uma abóbada aureolada,
Rodeada de gases venenosos,
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada!
Galáxia também hidrogenada,
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o sol, fulgurante tocha acesa,
Flamejando sem pausa e sem escala!
Quem de nós pensaria em apagá-la?
Só o Santo Autor da Natureza!

De tais obras, o homem e a mulher
São antigos e ricos patrimônios.
Geram corpos em forma de hormônios,
E criam seres sem dúvida sequer.
O homem, após esse mister,
Perpetua a espécie, com certeza.
A mulher carinhosa e indefesa
Dá à luz uma vida, novo brilho,
Nove meses, no ventre, aloja o filho,
Pelo Santo Poder da Natureza!

O peixe é bastante diferente:
Ninguém pode entender como é seu gênio!
Ele reserva porções de oxigênio
E mutações para o meio ambiente!
Tem mais cartilagem resistente
Habitando na orla ou profundeza,
Devora outros peixes pra despesa
Tem a época do acasalamento
Revestido de escamas, esse elemento,
Com a força da Santa Natureza!

O poraquê ou o peixe elétrico, é um tipo genuíno,
Habitante dos rios e águas pretas,
E com ele possui certas plaquetas
Que o dotam de um mecanismo fino!
E com tal cartilagem, esse ladino
Faz contato com muita ligeireza,
E quem tocá-lo padece de surpresa
Descarga mortífera, absoluta,
Sua alta voltagem eletrocuta,
Com os fios… da Santa Natureza!

A tartaruga é gostosa, feia e mansa,
Habitante dos rios e oceanos!
Chegar aos quatrocentos anos
Pra ela é rotina… é confiança!
Guarda ovos na areia e nem se cansa
De por eles zelar como defesa.
Nascido os filhotes, com presteza,
Nas águas revoltas já se jogam,
Por instinto da raça não se afogam
E também pelo Poder da Natureza!

O canário é pássaro cantor,
Diferente de garça e pelicano.
Papagaio, arara e tucano,
Todos eles com majestosa cor!
O gavião é um tipo caçador
E columbiforme é a burguesa,
O aquático flamingo é, da represa,
A ave, a rapace agigantada,
Eis o mundo das aves, a passarada
Quanto é grande, poderosa e bela, a Natureza!

A gazela, o antílope e o impala
A zebra e o alce, felizardo,
Não habitam em comum com o leopardo,
O leão e o tigre-de-bengala!
O macaco faz tudo mas não fala,
Por atraso da espécie,ou por franqueza,
Tem o búfalo aspecto de grandeza,
O boi manso e o puma tão valente,
Cada um de uma espécie diferente
Isso é coisa também da Natureza!

E acho também interessante
O réptil de aspecto esquisito
O pequeno tamanho de um mosquito,
A tromba preênsil do elefante
A saliva incolor do ruminante
A mosca nociva e indefesa
A cobra que ataca de surpresa
Aplicar o veneno é seu mister:
De uma vez mata trinta, se puder
Mas é coisa também da Santa Natureza!

 

No Nordeste há quem diga que o carão
Possui certos poderes encantados
E, que, através de fenômenos variados,
Prevê a mudança de estação.
De fato, no auge do verão,
Ele entoa seu cântico de tristeza
E, de repente, um milagre, uma surpresa:
Cai a chuva benéfica e divina!
Quem lhe diz, quem lhe mostra, e quem lhe ensina?
É somente o Autor da Natureza!

Quem é que não sabe que o morcego
Com o rato bastante se parece?
Nas cavernas escuras sobe e desce
Sugar sangue dos outros é seu emprego!
Às noites escuras tem apego,
Asqueroso ele é, tenho certeza.
Tem na vista sintoma de fraqueza
Porém, o seu ouvido é muito fino:
Também tem um sonar, aparelho pequenino,
Que lhe deu o Autor da Natureza!

Admiro a formiga pequenina,
Fica tal inimiga da lavoura.
No trabalho, aplicada professora,
Um exemplo de pura disciplina!
Através das antenas se combina
Nos celeiros alheios faz limpeza.
Formigueiro é a sua fortaleza
Onde cada uma delas tem emprego,
Uma entra, outra sai, não tem sossego
Quanto é grande e bonita a Natureza!

E a aranha pequena, tão arguta,
De finíssimos fios faz a teia
Nesse mundo almoça, janta e ceia
É ali que passeia, vive e luta!
Labirinto intrincado ela executa
Seu trabalho é bordado em qualquer mesa.
Quem pensar destruir-lhe a fortaleza
Perderá de uma vez toda a esperança,
Sua rede é autêntica segurança
Operária das Mãos da Natureza!

A planta firmada no junquilho:
Begônia, tulipa, margarida,
As pedras riquíssimas da jazida
Com a cor, o valor, a luz, o brilho.
A prata e o ouro cor de milho,
O brilhante, a opala e a turquesa
A pérola das joias da princesa
É difícil, valiosíssima e até
Alguém pensa ser vidro, mas não é:
É um milagre da Santa Natureza!

O inseto do sono tsé-tsé
As flores gentis, com seus narcóticos,
As ervas que dão antibióticos,
A mudança constante da maré!
A feiura real do caburé,
No pavão é enorme a boniteza,
Tem o lince visão e a agudeza
E o cachorro, finíssima audição!
Vigilante mal pago do patrão,
Isso é coisa da Natureza!

A cigarra cantante dialoga
Através do seu canto intermitente.
De inverno a verão canta contente
E a sua canção não sai de voga!
Qualquer árvore é a sua sinagoga
Não procura comida pra despesa
Sua música é sinônimo de tristeza
“Patativa da Seca” é o seu nome
Se deixar de cantar morre de fome
Mas a gente sabe que é da Natureza!

* * *

Ivanildo Vilanova pelejando com Severino Feitosa sobre o tema 

Canta quem souber cantar

Ivanildo Vilanova

Antes que apareça mote,
Poema, rojão e glosa,
Eu quero ver se Feitosa
Aguenta também meu trote,
Saber se seu holofote
Tem claridade estrelar
E dá água no seu mar
E cabe meu barco potente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Não gosto de exageros,
Não tenho sangue de persa,
Muito menos de conversa
De qualquer um bagunceiro,
Não quero que o companheiro
Venha me desafiar,
Eu aqui neste lugar
Só tenho amigo e parente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Sua voz é de tenor
E sua presença é de artista,
Você como repentista
Pode até ter um valor,
E com outro cantador
Você pode até triunfar,
Mas é bom se incomodar
Quando me vê pela frente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Se você possui cuidado
No papel de cantador,
E se acaso o colega for
Hoje decepcionado,
Regresse pra seu estado,
Pode até se preparar,
E quando um pouco decorar,
Venha que estou novamente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Eu devia cobrar taxa
E além de taxa o juro,
Pra cantador sem futuro
Que comigo se esborracha
Pois hoje aqui você acha
Um santo pra seu altar,
Água pra seu alguidar
E vinho pra sua corrente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Você teve algum cartaz
Naquele tempo passado,
Mas foi desclassificado
Em diversos festivais,
Hoje em dia está pra trás
Que nem sabe mais falar,
Antes era titular
E hoje é reserva somente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Mas eu achei que seu dito
Foi muito mal empregado,
Só fui desclassificado
Em São José do Egito,
Mas não me deixou aflito
Nem me tomaram o lugar,
Não digo que foi azar
Pois foi marcação somente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Eu que tenho poesia
Pra cantar a vida inteira,
Porque a minha bandeira
Desfraldada é mais sadia,
E tenho em minha companhia
Jesus pra me ajudar
E você para escapar
Não vai dizer que é gente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de outubro de 2019

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO

 

 

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO

O poeta cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores nomes da cantoria de improviso da atualidade

* * *

O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

* * *

Olho a tela do tempo e me torturo
Vejo o filme do meu inconsciente,
Meu passado maior que o meu presente
Meu presente menor que o meu futuro;
Se a velhice é doença eu não me curo,
Que os três males que atacam um ancião:
São carência, desprezo e solidão,
E é difícil escapar dessa trindade;
Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação.

* * *

Registrando o passado e o presente,
Para tudo o cordel tem sempre espaço:
Pra amor, pra política, pra cangaço,
Romaria, promessa e penitente,
Retirante, romeiro, presidente,
Seca, fome, fartura, inundação.
Qualquer um que quiser informação,
Nele encontra o melhor documentário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.

* * *

Entre os Dez Mandamentos dos sermões,
Respeitar pai e mãe é o primeiro,
O defeito de um filho é ser grosseiro;
A virtude dos pais é serem bons.
Todo filho tem três obrigações:
Escutar, respeitar e obedecer;
Respeitar pai e mãe é um dever;
Esquecer mãe e pai é grosseria,
Se não fossem meus pais, eu não teria
O direito sagrado de viver.

* * *

Com pintura e poesia
Nossa festa está completa;
Não tem quase diferença
Do pintor para o poeta:
Eu trago a imagem abstrata,
E ele a imagem concreta.

* * *

Itapetim és a pista
De Louro, Otacílio e Dimas
Aonde o carro das rimas
Obedece ao motorista
Que cada página é revista
Escrita em diversas cores
És do Pajeú das Flores
A mais poética cidade
Itapetim, faculdade
Que diploma cantadores.

* * *

Monteiro berço divino
De povo alegre e feliz,
De Pinto, de Jansen Filho,
De Heleno e de Diniz;
O chão que deu quatro estrelas
Não foi céu porque não quis.

* * *

Quem não cantar do meu tanto
Não acompanha o meu passo,
Não tem a força que eu tenho,
Quando manejo o meu braço,
Não planta a roça que eu planto
Nem faz verso que eu faço.

* * *

Na vida de Michael Jackson
Eu digo o que aconteceu
Não tinha fama arranjou
Era pobre enriqueceu
Era preto ficou branco
Mudou de cor e morreu.

* * *

Eu sei que Jesus do céu me conhece,
Gosta do meu verso, dessa propaganda.
Se eu peço um repente, o Cristo me manda,
Me manda ligeiro, pois lá do céu desce.
Depois, na cabeça, o verso aparece,
Me desce pra boca pr’eu pronunciar.
Inda tem um anjo para me ajudar.
E tem uma máquina nesse meu juízo:
Não faz outra coisa, só faz improviso
Nos dez de galope na beira do mar.

* * *

GERALDO AMÂNCIO CANTANDO COM VALDIR TELES

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 19 de outubro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 19.10.19

 

 

GRANDE MOTES, GRANDES GLOSAS

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva glosando o mote:

Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Sebastião da Silva:

Outro mote bonito aqui está,
Vem falando de crise e sequidão
E nessa seca que há no meu sertão,
Piauí, Pernambuco, Ceará,
Não se ouve o cantar do sabiá,
Do canário de crista da campina,
E a cigarra também não faz buzina,
Não tem ave do campo mais cantando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Moacir Laurentino:

Essa dura e cruel situação,
Da maneira que muita gente está
Paraíba, Sergipe e Ceará,
Rio Grande, Alagoas, Maranhão,
Tá despida toda vegetação,
Não tem mais folha verde na campina,
Essa seca cruel e assassina,
Com sol quente que vêm lhe sapecando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Sebastião da Silva:

Na fogueira tremenda do verão,
No sertão está tudo esturricado,
Está magra a criação de gado,
Está morta a nossa plantação,
Acabou-se a nossa produção,
Que a seca pra nós é assassina,
Eu espero uma luz da mão divina,
Que só DEUS é quem pode estar ajudando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Moacir Laurentino:

No sertão é um grande desafio,
Não tem pássaro mais cantando na mata,
Não tem água descendo na cascata,
Está seco do jeito de um pavio,
Falta água em represa lá do rio,
Não tem água de fonte cristalina,
O problema da seca contamina,
E o fantasma da fome rodeando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Sebastião da Silva:

Paraíba que é tão rica e boa
Tá passando a maior dificuldade,
Está seco em Mari e Soledade,
Cajazeiras, Pombal e João Pessoa,
Não caiu mais no chão uma garoa,
Nem em Patos, Teixeira nem Campina,
Só no vale da linda Petrolina
É que a água ainda está passando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Moacir Laurentino:

O sertão vive hoje nu e cru,
Sertanejo não tem mais vez nem voz,
Está seco demais o nosso Orós,
Onde passa tristonho o boi zebu,
Vi a seca perversa em Iguatu,
Aveloz, Castanhal, Araripina,
Até mesmo o espaço de Campina
Não tem nuvem pesada desfiando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Sebastião da Silva:

Nosso povo padece, sofre tanto,
E pra que venha uma chuva pra o sertão,
Muita gente inda faz uma oração,
Inda reza uma prece no recanto,
Inda faz a promessa e rouba santo,
Para ver se essa seca se termina,
Mas a seca é cruel e assassina,
Cada dia, ela vai contagiando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Moacir Laurentino:

No sertão só tem nuvem de poeira,
“redemoinho” por toda tardezinha,
Não tem porco, guiné e nem galinha,
Pelo mato só tem muita caveira,
Vejo o povo matuto lá na feira,
Em cidade maior ou pequenina,
Um matuto se escora na esquina,
Com o outro tristonho lastimando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

Sebastião da Silva:

É devido essa seca tão ruim,
Fica o povo enfrentando sofrimento,
Falta pasto pra o bode e pra o jumento,
Nosso gado não come mais capim,
Todo verde que tinha levou fim,
O saguim já não come mais resina,
Tem somente uma ave de rapina
E a fome no campo se alastrando.
Sinto a última esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.

* * *

Cícero Moraes glosando o mote

Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.

A suprema divindade
Caprichou no seu trabalho
Não deixou serviço falho
Fez com grandiosidade
Construiu com qualidade
Retocou com perfeição
Quem quiser diga que não
Mas afirmo com certeza
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.

Se a seca nos traz penar
Por vermos mata cinzenta
O sertanejo se aguenta
Sabe como se virar
Come o que tava a guardar
Derradeira produção
E o seu silo de feijão
É sua maior riqueza
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.

Quando chove em minha terra
A natureza se agita
Cria uma imagem bonita
Matuto o feijão enterra
Planta lá no pé da serra
Porque é de barro o chão
E ali, a produção
Será maior na grandeza
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.

Cobra, sapo e caçote
Aparecem na invernia
Eles não têm simpatia
Porque a cobra dá bote
Se correr ou der pinote
Ela pega à traição
Faz de sua refeição
O pequeno sem defesa
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.

Um céu bonito estrelado
Que não há noutro lugar
Quem observa o luar
Fica logo encantado
Um vaga-lume amostrado
Completa a orquestração
Da bela composição
Do quadro da natureza
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas segunda, 14 de outubro de 2019

A GENIALIDADE DE PINTO DO MONTEIRO

 

 

A GENIALIDADE DE PINTO DO MONTEIRO

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

 

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba

João Furiba:

Cruzei o velho Saara
montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta
Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

* * *

O meu cavalo é dum jeito
Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

* * *

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

* * *

Ovo de pato e marreca
Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

* * *

Mas essa estória de dente,
Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

* * *

Eu sou Severino Pinto
Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

* * *

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

* * *

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

* * *

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

* * *

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

* * *

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

* * *

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

* * *

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de outubro de 2019

A GENIALIDADE DE JOÃO PARAIBANO

 

 

A GENIALIDADE DE JOÃO PARAIBANO

O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

* * *

Muitas cenas são revistas
Na hora crepuscular
O bico de um peito cheio
Proíbe um pagão chorar
A casca do fruto racha
A voz do silêncio é baixa
Mas dá pra Deus escutar.

* * *

É bonito o matuto se firmar
Num galão carregando duas latas
Um cachorro sentar nas duas patas
Convidando o seu dono pra caçar
Uma gata na boca carregar
Um filhote que nasceu sem a visão
Quando a boca se cansa põe no chão
Mas o dente não fere a sua cria
Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão.

* * *

Branca, preta, pobre e rica,
toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

* * *

Ao passar em Afogados
diga a minha esposa bela
que derramei duas lágrimas
sentindo saudades dela
tive sede, bebi uma
e a outra guardei pra ela.

* * *

O sol diminui os raios
Depois que a tarde se fecha
O vento carrega a folha
Da galha de um pé de ameixa
Sai dando tabefe nela
Depois se aborrece e deixa.

* * *

Toda noite quando deito
um pesadelo me abraça
meu cabelo que era preto
está da cor da fumaça
ficou branco após os trinta
eu não quis gastar com tinta
o tempo pintou de graça.

* * *

Fiz capitão na bacia
de feijão verde e farinha
quando o angu tava feito
mãe saía da cozinha
subia em cima da cerca
dava um grito e papai vinha.

* * *

Ainda lembro do cheiro
que minha mãe dava n’eu
da cor da primeira nota
que meu padrinho me deu
eu não peguei com vergonha
papai foi quem recebeu.

* * *

Quem vive numa prisão
leva a vida no desprezo
pede uma esmola a quem passa
nas mãos um cigarro aceso
pernas do lado de fora
e o resto do corpo preso.

* * *

Meu passado foi assim
comendo juá banido
o vento dando empurrão
no lençol velho estendido
com tanta velocidade
que mudava a qualidade
que a tinta dava ao tecido.

* * *

Vou pro meu sertão antigo
pra ver tapera sem centro
ver minha mãe na cozinha
cortando cebola e coentro
botando um prato no pote
pra não cair mosca dentro.

* * *

MINHA INFÂNCIA

Minha infância foi na casa
De três janelas da frente
A cruz de palha na porta
Lata de flor no batente
Um jumento dando as horas
E um galo acordando a gente

Catei algodão de ganho
Matei preá na coivara
Levei queda de jumento
Derrubei enxu de vara
De vez enquanto uma abelha
Deixava um ferrão na cara

Rodei mais de um cata-vento
Feito de lata amassada
Pegava mosca na mão
Depois matava afogada
Presa num lençol de nata
De um caldeirão de coalhada

Até rolinha eu criava
Em gaiola de palito
Piei mocotó de cabra
Quebrei perna de cabrito
O meu passado na roça
Foi pobre mais foi bonito

Fiz capitão na bacia
De feijão verde e farinha
Quando o angu estava feito
Mãe saía da cozinha
Subia em cima da cerca
Dava um grito papai vinha

Vi em oco de cortiço
Abelha entrando e saindo
Me escondi por trás de cerca
Para ver vaca parindo
E roubei açúcar da lata
Quando mãe estava dormindo

Um cinto de couro cru
Pai nunca deixou de ter
Mais educou cinco filhos
Sem precisar de bater
Bastava um rabo de olho
Para a gente lhe obedecer.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas quinta, 03 de outubro de 2019

BALÉ RUSSO DE IGOR MOISEYEV, EXECUTANDO A DANÇA DE ZORBA

 

 

PEDRO MALTA – RIO DE JANEIRO-RJ

O balé russo, de Igor Moiseyev, executando a Dança de Zorba

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de setembro de 2019

A GENIALIDADE DE MANOEL XUDU

 

 

A GENIALIDADE DE MANOEL XUDU

O paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

* * *

Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

* * *

Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

* * *

O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

* * *

Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

* * *

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

* * *

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

* * *

Quando eu segurei a tua mão
Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

* * *

O nome da minha amada
Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

* * *

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

* * *

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.

* * *

Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

* * *

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

* * *

A mulher que eu casei
Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

* * *

Estou como um penitente
Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

* * *

Judas pegou uma corda,
Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

* * *

Com você canto apertado
Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 21 de setembro de 2019

UM MOTE BEM ATUAL E UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ

 

 

UM MOTE BEM ATUAL E UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ

Poetas repentistas Sebastião da Silva e Valdir Teles glosando o mote:

Comparado aos bandidos de hoje em dia,
Lampião foi honesto até demais.

 

 

  • * **

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1909-2002)

* * *

A MULHER QUE MAIS AMEI – Patativa do Assaré

Era um modelo perfeito
A mulher que mais amei,
Linda e simpática de um jeito
Que eu mesmo dizer não sei.
Era bela, muito bela;
Para comparar com ela,
Outra coisa eu não arranjo
E por isso tenho dito
Que se anjo é mesmo bonito,
Era o retrato dum anjo.

Sei que alguém não me acredita,
Mas eu digo com razão,
Foi a mulher mais bonita
De cima de nosso chão;
Era mesmo de encomenda
E do amor daquela prenda
Eu fui o merecedor,
Eu era mesmo sozinho
Dono de todo carinho
Daquele anjo encantador.

Era bem firme a donzela,
Só em mim vivia pensando.
Quando eu olhava ela,
Ela já estava me olhando.
Para a gente conversar
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amor dava tão certo
Quem nem faca na bainha.

E por sorte ou por capricho,
Eu tinha prata, ouro e cobre.
Dinheiro em mim era lixo
Em casa de gente pobre.
Nós nunca perdíamos ato
De cinema e de teatro
De drama e mais diversão,
Não faltava coisa alguma,
As notas eu tinha de ruma
Para nós andar de avião.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de setembro de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 14.09.19

 

 

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS

Anastácio e Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, glosando dois motes.

Primeiro mote:

É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

Anastácio

No mês de maio a novena
Tem grande veneração,
No Brejo, Agreste e Sertão
É muito honrada esta cena,
Rosedal, rosa e verbena
Se vê brotar todo dia…
O aroma que a rosa cria
Nos faz esquecer as dores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

Zé Limeira

Você pra mim é menino,
Queimo flor uma porção,
Boto fogo em barbatão
Cercado de arame fino.
No pagode do suíno,
Quando a poica grita e chia,
Corre Mané e Sufia
E até os agricultores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

* * *

Segundo mote:

Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Zé Limeira, você cuide em rezar
Que é preciso hoje aqui dar-lhe um surrote
Apresento as virtudes do meu dote
Para você aprender a me honrar:
Se você resolver me acompanhar,
Diga logo a esse povo que perdeu,
Um fantasma chegou, lhe interrompeu,
Atraiu sua voz, o verso e o peito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Sou um nêgo um bocado esbagaçado ,
Sou o vatis das glória desta terra,
Sou a febre que chama berra-berra,
Mastigando eu sou cobra de veado,
Sou jumento pru fora do cercado,
Sou tabefe que dero em seu Lameu…
Se tivé bom guardado bote neu,
Seu caminho de bonde ruim, estreito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Cantador sem origem, sem ciência,
Miserável, lebrento , pé de peia,
És miséria da guerra da Coréia,
Seu corrupto, ladrão da consciência.
Castigado da santa Providência,
Que não honra o que Cristo santo deu,
Foste tu, imbecil, o fariseu,
Quem é bom dizes tu que tem defeito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Zé Limeira onde canta, todo mundo
Vai olhá bem de perto a sua orige,
Já cantei no sertão, no Céu da Virge
Sou doutô de meisinha , furibundo.
Viva o Reis, o Juiz, Pedro Segundo.
Sou a cobra que o boi nunca lambeu,
Sou tijolo da casa de Pompeu,
Peripécia da filha do Prefeito..
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

* * *

Zé Limeira e José Alves Sobrinho glosando o mote

Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Quando o carão tá cantando
É sinal que vem inverno,
Eu sou um nego moderno,
Foi não foi eu tô pensando.
Amanhã tô viajando
Pru sertão de Bogotá
Tico-tico no fubá,
Padre, juiz e doutor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Minha vida é esta cantiga,
Meu amor é esta viola…
Deus me botou nesta escola
Egrégia, sublime e antiga.
Se minha viola amiga,
Quiser um dia parar,
A dor não vou suportar
Porque ordena Nestor:
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Numa berada de serra
Dom Pedro ficou de coca,
Começou tirá taboca
Do cabeceira da terra,
Veio a febre berra-berra
Pru dentro dum caçuá,
Comendo o tamanduá
Da filha do Promotor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Este tema deslumbrante
Que nos deu Nestor Rolim,
Despertou dentro de mim
Um sentimento gigante!
Por isso eu canto perante
O povo deste lugar,
Já fazendo despertar
A musa do sonhador..
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Se apagou-se a lamparina
Prumode o vento assoprou,
Me adiscurpe, seu Nestor,
Caboco da Palestina.
Joguei minha lazarina
No tronco do jatobá,
Fiz Lampião avuá
Na baixa do corredor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de setembro de 2019

SEIS MESTRES DO IMPROVISO - 07.09.19

 

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Arnaldo Pessoa

As flores do Pajeú
Eram os improvisadores
Muitos desapareceram
Mas deixaram sucessores
Eu sou o fruto mais novo
Da árvore dos cantadores.

* * *

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

* * *

Zé Fernandes

A seca seca primeiro
Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

* * *
Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

* * *

Pedro Tenório de Lima
(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura
Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 31 de agosto de 2019

DUAS CANTORIAS DE EMBOLADA

 

 

DUAS CANTORIAS DE EMBOLADA

TEREZINHA E LINDALVA

 

 

* * *

LINDALVA E LAVANDEIRA DO NORTE NUM DESAFIO MALCRIADO

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 24 de agosto de 2019

MESTRES DO IMPROVISO

 

 

MESTRES DO IMPROVISO

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

Manoel Bentevi

Na vida ninguém confia
Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que seja
A morte pega e dá fim.

Pinto do Monteiro

Pode entrar, seu Severino,
e me pagar, se puder.
Rico na casa do pobre
alguma coisa ele quer:
ou a sela, ou o cavalo,
ou a filha, ou a mulher.

Zé Galdino

Infância foi ilusão
Por quem por ela passou
A velhice é um museu
Que o tempo fabricou
Pra guardar as fantasias
Que a juventude deixou.

Paulo Robério

No Império D. Pedro prometeu
Vender todas as joias da Coroa
Socorrer no Nordeste a gente boa
Que na seca inclemente esmoreceu
Viajou pra Europa e esqueceu
De cumprir a promessa feita cá
Com banquete e luxúria gastou lá
Não mandou pro Nordeste um só “vintém”
Entra ano , sai ano e nada vem
E o Sertão continua ao Deus dará.

Moacir Laurentino

Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que o sapo faz oi aqui
Outro oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.

Jacó Passarinho

Nossa Senhora, é Mãe Nossa,
Jesus Cristo é Nosso Pai!
Repente na minha boca
É tanto que sobra e cai.

Manoel Filó

No sertão tem uma aranha
De uma qualidade escassa
Que tapa a sua morada
Com lã da cor de fumaça
O tecido é tão perfeito
Que a chuva bate e não passa.

Gustavo Dourado

A educação é tudo:
Amplia o conhecimento
Faz do homem passarinho
No imenso firmamento
Nos conduz ao infinito…
Nas asas do pensamento…

Francisco Caetano

Meu dom é dado por Deus
Quando eu morrer ele fica
Eu sou pobre igual a Jó
Mas a minha rima é rica
Possui o gosto da fonte
Do olho d`água da bica

* * *

CEGO OLIVEIRA – NA PORTA DOS CABARÉS

 

 

CEGO OLIVEIRA – MINHA RABEQUINHA

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 17 de agosto de 2019

TRÊS MOTES E GLOSAS

 

 

TRÊS MOTES E GLOSAS

O grande poeta cantador paraibano Nonato Costa

* * *

Nonato Costa glosando o mote:

Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Pra quem vai prestar contas a Jesus
Tem pra sempre gratuita uma morada
E como símbolo na porta de entrada
Tem o nome do dono numa cruz
Não tem conta de água nem de luz
Não precisa avalista ou corretor
E Deus perdoa seu saldo devedor
Quando o banco da vida abre falência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Não existe desvio no caminho
Quando o cerco da morte está armado
Pelos súditos o rei vive cercado
Mas no dia que morre vai sozinho
Dos dois lados do túmulo tem vizinho
Mas não há um diálogo a se propor
E a caveira jamais vai recompor
A beleza que tinha a aparência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

O local é salgado pelo pranto
Dos que perdem seus entes mais queridos
Os irmãos, as esposas, os maridos
E os amigos que vão praquele canto
Condomínio fechado, campo santo
É pra lá que vai todo pecador
E ao entrar a balança do Senhor
Tira um peso da nossa consciência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Empresário, princesa, vagabundo
Evangélico e ateu, homem ou mulher
Apesar de ser grátis ninguém quer
Nesta casa morar nenhum segundo
O portal que nos leva a outro mundo
Não exige função superior
E nem precisa RG que o emissor
Quando chama já sabe a referência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Com chibanca ou enxada o homem faz
Esta casa sem planta e sem dinâmica
Onde o piso é sem pedra de cerâmica
E o seu teto sem lustres de cristais
Sem textura as paredes laterais
Sem contato com o mundo exterior
E uma hora qualquer seu construtor
Vai pra lá encerrar sua existência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote:

São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

O latido amistoso de um “jupi”,
Vira-lata raçudo sem ter raça,
Uma banda de pífanos na praça,
O penoso cartar da juriti,
Um boaito saindo do jequi
E um vaqueiro a pegá-lo pela mão,
O estrondo redondo do trovão
Avisando que em breve vai chover,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

* * *

Zé Silva glosando o mote

Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

Como é bom ser menino, ser criança,
Ter um mundo de sonhos, de ilusões,
Caminhar num caminho de emoções,
Aquecido no sol da esperança.
No entanto, esse tempo de bonança,
Como tudo que é bom, pouco demora.
Como a marcha dos anos me apavora
E a tudo transforma tão ligeiro!
Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de agosto de 2019

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM DOCUMENTÁRIO

 

 

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM DOCUMENTÁRIO

Sebastião Dias:

Das quatro e meia em diante,
Sinto de Deus o poder,
Um sopro espatifa as nuvens
Para o dia amanhecer,
Deus enfeita o firmamento
E a vassoura do vento
Varre o céu pra o sol nascer.

Otacílio Batista:

Nas brancas areias formosas da praia
Um homem com trinta e seis anos de idade
Chorava com pena dessa humanidade
Que tomba, desmaia, delira e fracassa
Usava um túnica da cor de cambraia
Seus olhos brilhavam sem pestanejar
Nenhuma sereia podia imitar
Sua voz de veludo a Deus dirigida
Eu sou o caminho, a verdade e a vida
Palavras de Cristo na beira do mar.

José Monte:

É bonito se olhar numa represa
A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz.

Manoel Xudu:

O mar se orgulha por ser vigoroso
Forte e gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move se agita
Parece um dragão feroz e raivoso
É verde, azulado, sereno, espumoso
Se espalha na terra, quer subir pra o ar
Se sacode todo querendo voar
Retumba, ribomba, peneira e balança
Não sangra, não seca, não para e nem cansa
São esses os fenômenos da beira do mar.

O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco a areia da cor de cambraia
Seu caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra é silencioso
Nem sequer a fronde se vê balançar
Porém se o vento com força soprar
A fronde estremece perde toda calma
As folhas se agitam, tremem e batem palma
Pedindo silêncio na beira do mar

Não há tempestades e nem furacões
Chuvadas de pedras num bosque esquisito
Quedas coriscos ou aerólito
Tiros de granadas de obuses canhões
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo serra a desabar
Nuvens mareantes, tremores de terra
Estrondo de bombas, rumores de guerra
Que imite a zoada das águas do mar.

* * *

DESAFIOS – UM DOCUMENTÁRIO DA TV SENADO

O universo em torno dos cantadores e dos repentistas e a riqueza contida em suas memórias. O documentário reúne uma coletânea de histórias sobre os cantadores de viola nordestinos, homens de raciocínio rápido e língua afiada, que deixaram um rastro de poesia mundo afora.

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 04 de agosto de 2019

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE MENTIRAS

 

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS E UM FOLHETO DE MENTIRAS

 

O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Vem Geraldo que eu tenho muita fé, 
me pediu que eu fizesse esses arranjos, 
conterrâneo de Augusto dos Anjos, 
que é nascido na terra de Sapé, 
vem dizer o poeta como é, 
é pra ele um eterno sonhador, 
um artista de invejável valor, 
comunica seu dom nesse terreno. 
Se eu fosse Jesus, o Nazareno, 
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se eu tivesse o poder do soberano, 
não tirava da terra um Oliveira, 
um Geraldo, um Valdir e um Bandeira, 
Moacir, nem Raimundo Caetano, 
Sebastião nem João Paraibano, 
e muitos outros que têm tanto valor, 
não tirava a garganta de tenor 
de quem tem esse seu direito pleno. 
Se eu fosse Jesus, o Nazareno, 
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Sei que um carro virou numa ladeira, 
já passei para o mundo essa mensagem, 
pois eu ia também nessa viagem 
que a morte levou nosso Ferreira, 
eu me vi na viagem derradeira, 
eu gritei por sentir a grande dor, 
foi a morte que fez esse terror, 
de levar nosso astro, esse moreno. 
Se eu fosse Jesus, o Nazareno, 
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se Xudu decantou o santo hino, 
da maneira que foi Zezé Lulu, 
não esqueço Louro do Pajeú, 
Rio Grande, recorda Severino, 
Pernambuco, também, José Faustino, 
que foi um repentista de valor, 
Paraíba não esquece Serrador 
e Santa Cruz não esquece de Heleno. 
Se eu fosse Jesus, o Nazareno, 
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Quem já foi Juvenal Evangelista, 
um encanto pra o nosso Ceará, 
mas morreu encostado ao Amapá 
e se encontra com os irmãos Batista, 
desse povo que tem na minha lista, 
Pinto velho pra mim foi um terror, 
eu não posso esquecer um Beija-Flor, 
e Pajeú inda lembra Zé Pequeno. 
Se eu fosse Jesus, o Nazareno, 
não matava o poeta cantador.

* * *

Roberto Macena e Zé Vicente glosando o mote:

Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente

Roberto Macena

Eu perdi minha beleza,
Mas não vou fugir da ética.
Que eu mudei a minha estética
Por conta da natureza.
Mesmo assim, não há tristeza,
Que eu não fico decadente:
Tô mais é experiente
Que com isso, não amofino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Zé Vicente

Vovô muito me encanta,
É meu verdadeiro mestre.
Morando em área silvestre,
Mas sempre me acalanta.
Se eu sofrer da garganta,
Ainda canto repente.
Meu avô estando presente,
Ele é meu otorrino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Roberto Macena

Não adianta fazer prece
Nem usar agilidade,
Que, quando passa a idade,
Tudo de ruim acontece
O que é de nervo amolece,
Fica tudo diferente:
Dói a perna, dói o dente
E o cabra fica mofino.
Velhice é um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

* * *

Sebastião Dias e Zé Viola glosando o mote:

Existe um dicionário
Na mente do cantador

Sebastião Dias

Existe um Deus que controla
A mente de um repentista
Que nasceu pra ser artista
Do oitão da fazendola
É o homem da viola
Nascido no interior
Nem precisa professor
Pra ser extraordinário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

Zé Viola

Acumulo cada ano
Cantando mares e terra
Paz, conflito, briga e guerra
Peixe, céu e oceano
A viola é o piano
O povo é meu instrutor
O palco me traz calor
E o cachê é meu salário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

* * *

UM FOLHETO DE CORDEL DE EDMILSON GARCIA

UM CONTADOR DE MENTIRAS

Foi lá nos anos oitenta
Que conheci um senhor
Nas terras da Paraíba
Araruna, interior…..
Ele era conhecido
Como seu “Zé Nicanor”

Homem de vários ofícios
Foi vaqueiro, agricultor,
Político e viajante,
Palestrante e pescador
Arrancador de botija
E grande “conversador”

Nasceu, cresceu por ali
E ali se fez conhecido
Pra todos contava histórias
E todos lhe davam ouvido
Difícil era acreditar
Ou aguentar seu “muído”

Pois tinha um “defeitinho”
Que pretendo descrever
Tudo ele aumentava
Talvez pra se aparecer
Decorava tudo em mente
Pois não sabia escrever

Dizia ser viajado
Conhecia o Brasil inteiro
De Porto Alegre à Natal
Do Acre ao Rio de Janeiro
Morou em Serra Pelada
Mas não quis ser garimpeiro

Deitava na preguiçosa
Todo dia à tardesinha
Pra conversar com os amigos
E contar uma “mentirinha”
Loroteiro igual à ele
Em Araruna não tinha

 

Era gente muito boa
Dizendo à bem da verdade
Mas mentia por costume
Era uma barbaridade
Cada uma que contava
Estremecia a cidade

Me falou de uma brigada
Que uma vez ele deu
Na serra de dona Inês
Com um tal de Zebedeu
Bateu tanto no sujeito
Que o cabra quase morreu

Falou que em Guarabira
Num sábado dia de feira
Três cabras lhe ameaçaram
Cada um com uma peixeira
Tomou as facas dos cabras
Só na base da rasteira
1
Quando se empolgava mesmo,
Só falava em valentia
Não tinha medo de nada
Fazia e acontecia
Se tivesse quem escutasse
Aí é que ele mentia

Falava de Lampião
Que por sinal era “amigo”
Muitas vezes ao cangaceiro
Chegou a lhe dar abrigo
Contava e ainda dizia
Pode crer no que lhe digo

Viajou o Brasil todo
Representando o nordeste
Rasgava de norte a sul
Depois de leste à oeste
Dizia que era o autor
De “Tieta do Agreste”

Falava de pescaria
De caçada e de forró
Inventando e aumentando
Chega engrossava o gogó
Sequer ficava vermelho
E “sério” como ele só

Só pescava peixe grande
Com anzol feito de pau
Pegava boi sem cavalo
No meio do matagal
Ganhou primeiro lugar
Numa vaquejada em Natal

Na política de Araruna
Nunca perdeu eleição
Foi prefeito sete vezes
E louvado em cada gestão
Depois dele, é que vieram
Os Targino e Maranhão

Disse que na mocidade
Chegou à ser senador
Ganhou com um bilhão de votos
Foi aclamado em louvor
Dizia que era primo
De Dom Pedro “o imperador”

Ainda naquela época
Já usava um computador
Fabricado em Mata Velha
Por um tal de Agenor
O mesmo que fez a máquina
Pra fabricar isopor

Uma vez pegou um peixe
Que tinha fugido de um rio
Achou-o em cima da serra
Todo tremendo de frio
Falou que o peixe era “fêmea”
E que estava no cio

Contou que numa caçada
Atirou num gavião
Mas o chumbo se espalhou
E correu rasteiro no chão
Com o tiro matou um peba,
Um macaco e um carão

Ele, como pescador
Disse ser profissional
Uma vez fez pescaria
No açude do coqueiral
Pois lá, tem muita traíra
Tilápia e também pial

Jogou a tarrafa n’água
Escutou um barulhão
Quando ele puxou pra fora
Arrastou um tubarão
Pra levar o peixe pra casa
Precisou d’um caminhão

Mandou tirar um retrato
Bem de perto, “tela cheia”
Pra mostrar pra todo mundo
Que a história não era feia
Disse que somente a foto
Pesou uma arroba e meia

Teve a coragem de dizer
Uma vez sentado na praça
Que trocou cinco galinhas
Por um cachorro de caça
Depois deu o “vira lata”
Por dez garrotes de raça.

Me confessou que uma vez
Deu de cara com um leão
Ao lado da sua casa
Bem na beira do oitão
Quando o bicho lhe avistou
Já partiu pra agressão

Quando o felino avançou
Ele gritou: é agora!!!!!!
O bicho já quis fugir
Mas não deu pra ir embora
Deu-lhe um “tabefe” tão grande
Matou a fera na hora

Quando ia caçar onça
Nunca errava a “butada”
Quando pegava no tiro
Já trazia esquartejada
E quando pegava à laço
Trazia viva, amarrada

Amansava burro brabo
Montava e nunca caía
Pegava touro na mata
Ou qualquer rês que fugia
Capava jumento “à unha”
Tudo isso ele fazia

Acabou com os lobisomens
Que tinha na região
Só d’uma vez foram sete
Tudo sangrado à facão
Tirava o couro e vendia
Na feira de Riachão

E da vez que ele disse
Que saiu pra uma “farrada”
Namorou quatorze vezes
Isso, n’uma madrugada
Ali, eu me segurei
Pra não ter que dar rizada

Era amigo de Pelé
Desde a década de cinquenta
Jogaram juntos no México
Ganharam o tri em setenta,
Foi presidente da FIFA
La nos idos de quarenta

Uma vez fez um relato
Que fez esquentar o clima
Dizendo ter sido amigo
De um tal de Zé Fukushima
O fabricante da bomba
Que arrasou Hyroshima

Quando bebia uma caninha
Ficava meio arrojado
Falava que era rico
Tinha muita terra e gado
Comprava até capim seco
Só na base do fiado

Disse ter uma bicicleta
Que era movida à gás
Com farol, luz alta e baixa
E que corria demais
Uma noite, deu cem por hora
Que o clarão ficou pra traz

Andava muito de noite
Sem medo de assombração
Só procurando botija
Pra ajudar no ganha-pão
Uma vez arrancou uma
Que rendeu mais de um milhão

Uma vez numa conversa
Nessa eu estava presente
Na casa de Zé do Leite
Na frente de muita gente
Teve a coragem de dizer
Que o Papa era seu parente

Disse que a pedra da boca
Foi ele que descobriu
E a boca que tem na pedra
Ele mesmo esculpiu
Filmou e botou na “net”
E mostrou parao Brasil

Ainda dizia que nele,
Três coisas que dava ira
Era um bisaco furado,
Uma espingarda sem mira,
E um cabra velho barbado
Viver contando mentira

Mesmo sabendo que ali
Ninguém lhe acreditava
Todo dia e toda hora
Mentia porque gostava
Já eu, garanto e sustento
Que isso é só um por cento
Das coisas que ele contava.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de julho de 2019

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ

 

 

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ

MINHA VIOLA

Minha viola querida,
Certa vez, na minha vida,
De alma triste e dolorida
Resolvi te abandonar.
Porém, sem as notas belas
De tuas cordas singelas,
Vi meu fardo de mazelas
Cada vez mais aumentar.

Vaguei sem achar encosto,
Correu-me o pranto no rosto,
O pesadelo, o desgosto,
E outros martírios sem fim
Me faziam, com surpresa,
Ingratidão, aspereza,
E o fantasma da tristeza
Chorava junto de mim.

Voltei desapercebido,
Sem ilusão, sem sentido,
Humilhado e arrependido,
Para te pedir perdão,
Pois tu és a joia santa
Que me prende, que me encanta
E aplaca a dor que quebranta
O trovador do sertão.

Sei que, com tua harmonia,
Não componho a fantasia
Da profunda poesia
Do poeta literato,
Porém, o verso na mente
Me brota constantemente,
Como as águas da nascente
Do pé da serra do Crato.

Viola, minha viola,
Minha verdadeira escola,
Que me ensina e me consola,
Neste mundo de meu Deus.
Se és a estrela do meu norte,
E o prazer da minha sorte,
Na hora da minha morte,
Como será nosso adeus?

Meu predileto instrumento,
Será grande o sofrimento,
Quando chegar o momento
De tudo se esvaecer,
Inspiração, verso e rima.
Irei viver lá em cima,
Tu ficas com tua prima,
Cá na terra, a padecer.

Porém, se na eternidade,
A gente tem liberdade
De também sentir saudade,
Será grande a minha dor,
Por saber que, nesta vida,
Minha viola querida
Há de passar constrangida
Às mãos de outro cantor.

***

MINHA SERRA

Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.

Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.

Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.

Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

***

ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorjeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

* * *

O POETA DA ROÇA

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chôpana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com sua caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

* * *


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de julho de 2019

UM MOTE BEM GLOSADO E UMA CANTORIA

 

 

UM MOTE BEM GLOSADO E UMA CANTORIA

O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

* * *

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Eu sei que você reclama, 
que é um repentista antigo, 
porém pra cantar comigo, 
acho pouco a sua fama, 
é muito bom pra o programa, 
pra todo mundo acordar, 
pra falar, pra conversar, 
mas é fraco pra o repente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Seus erros ninguém perdoa, 
porque você é pequeno, 
sua dose de veneno 
está pronta em João Pessoa, 
lhe afogo na lagoa, 
lhe jogo dentro do mar, 
e você morre sem voltar 
pra o Ceará novamente.
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

No gramado eu sou atleta, 
hoje aqui em João Pessoa, 
não faço cantiga à toa, 
a minha idéia é completa, 
eu prefiro outro poeta, 
com quem possa me ocupar, 
é perdido eu trabalhar 
com certo tipo de gente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Geraldo, você recita 
para a platéia achar graça, 
em todo canto que passa, 
tem a cantiga bonita, 
mas aqui onde visita, 
é meu reino, é meu lugar, 
você tem que respeitar, 
para ser independente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Muita coisa eu estou vendo 
e a platéia está notando, 
é Severino apanhando, 
pensando que está batendo, 
é um coitado sofrendo, 
eu sem querer judiar, 
quem se acostuma apanhar, 
morre na peia e não sente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Lhe falta a inspiração 
para seguir os meus passos, 
estou vendo os seus fracassos, 
se afracou nesse rojão, 
se eu lhe der um empurrão, 
a cabeça vai rodar, 
esse nariz vai parar 
da caixa prego pra frente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Não tem vez esse rapaz, 
quando está no meu caminho, 
ele é bem devagarinho, 
já não sabe o que é que faz, 
cinqüenta léguas pra trás, 
doido pra me acompanhar, 
se acaso você cansar, 
procure um toco e se sente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Sei nadar em qualquer rio, 
me criei nessa escola, 
no braço dessa viola, 
não aprendo cantar frio, 
me pediram o desafio, 
e eu quero lhe açoitar, 
já ouvi alguém gritar, 
Feitosa a cantiga esquente ! 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Nossa cantiga é assim, 
faz tempo que eu lhe conheço, 
eu sou manso no começo, 
que é para bater no fim, 
você diz que dá em mim, 
eu começo a duvidar, 
sabe o povo do lugar, 
tanto apanha como mente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Conheço o interior, 
que o colega foi nascido, 
se mete a ser atrevido, 
não passa de agitador, 
é pequeno cantador, 
a sua fama é vulgar 
quem de você apanhar, 
não sabe o que é repente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Eu uso a matéria prima, 
que nunca saiu à toa, 
agrada a qualquer pessoa, 
que de mim se aproxima, 
Sou a cascavel da rima,
quem vier me acompanhar, 
vou morder seu calcanhar 
e arranchar em seu batente. 
Comigo o rojão é quente, 
canta quem souber cantar.

* * *

A dupla Edmilson Ferreira e Antonio Lisboa improvisando com o mote:

Sou vaqueiro criado no sertão,
meu perfume é de casca de madeira

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de julho de 2019

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA CANTORIA

 

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA GRANDE CANTORIA

Diniz Vitorino

Qualquer dia do ano se eu puder
para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

* * *

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.

* * *

Firmo Batista

Um dia eu estava olhando
a serra Jabitacá
conheci que nela está
a natureza sonhando
o vento passa embalando
o corpo robusto dela
a nuvem cobrindo ela
pingos de orvalho descendo
e o Paraíba dizendo
a minha mãe é aquela.

* * *

Zé Limeira

Eu briguei com um cabra macho
Mas não sei o que se deu:
Eu entrei por dentro dele,
Ele entrou por dentro deu,
E num zuadão daquele
Não sei se eu era ele
Nem sei se ele era eu.

* * *

Marcos Passos

Aos primeiros sinais da invernada,
Logo após longo tempo de estiagem,
Lá da serra, do vale e da barragem
Escutamos os sons da trovoada.
Vislumbrando a campina esverdeada,
Sertanejo se anima igual criança.
Logo mais, quando o mato se balança
E um corisco atravessa o céu nublado,
Cai a chuva no colo do roçado,
Germinando o pendão da esperança.

* * *

Jó Patriota

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo, hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

* * *

A ARTE DA CANTORIA

Dois ícones da poesia nordestina, os cantadores Otacílio Batista e Oliveira de Panelas improvisam em vários estilos.

Sextilhas, Gemedeira, Mourão-de-sete-pés (trocado), Mourão-de-você-cai, Oito-pés-a-quadrão, Dez-pés-a-quadrão, Martelo-alagoano e Galope-à-beira-mar.

 

 

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de julho de 2019

SEIS MESTRES DO IMPROVISO - 06.07.19

 

 

SEIS MESTRES DO IMPROVISO

Otacílio Batista

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo prá serrana:
Bote um traguinho de cana
Bebe, tempera a garganta
Almoça , pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

*

O poeta e o passarinho
São ricos de inteligência
Simples como a natureza
Eternos como a ciência
Estrelas da liberdade
Peregrinos da inocência.

* * *

Diniz Vitorino

Nós temos por certa a morte,
mas ninguém deseja tê-la…
Quando morre uma criança,
o pai lamenta em perdê-la,
mas Jesus, todo de branco,
abre o céu pra recebê-la.

*

Meu colega, você vive
da fama que teve outrora,
e esses versos bem bolados
que o povo escuta e decora,
você faz de ano em ano
e eu faço de hora em hora!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Zé de Vidal

O coveiro é um vivente
De pequena autoridade;
De baixo nível e salário,
Porém na realidade,
Preso que coveiro prende
Nunca mais tem liberdade!

* * *

José Lucas de Barros

Quando menino, eu queria
Ser homem com rapidez,
Depois, contabilizando
Tudo que o tempo me fez,
Hoje morro de vontade
De ser menino outra vez.

* * *

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,
rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

*

O menino e o rapaz,
estando juntos na sala,
um fala porém não ri,
o outro ri mas não fala;
um tem na mão um brinquedo,
tem o outro uma bengala.

*

Linda é a baixa de arroz
quando está amarelando;
uma vara em pé no meio
com um molambo balançando,
pros passarinhos pensarem
que tem gente tocaiando.

*

A cabra abana as orelhas
para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

*

Não fale mal de Zefinha,
Que nunca foi amor seu,
A mulher que fez da sua
Honra um presente e me deu.
Sonhou beijando um poeta,
Quando acordou era eu.


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de junho de 2019

DUPLAS EM CANTORIA - 29.06.19

 

DUAS DUPLAS EM CANTORIA

 

Poetas cantadores Zé Luiz e Zé Ferreira num Mourão de Pé Quebrado

 

 

* * *

Poetas cantadores Zé Ferreira e Januário cantando um Oito a Quadrão.

Tema:

Vamos ver quem sabe mais?

 


Pedro Fernando Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de junho de 2019

ROMANCE DO PAVÃO MISTERIOSO, UM CLÁSSICO DA LITERATURA DE CORDEL - VÍDEO

 

 

UM CLÁSSICO DE LITERATURA DE CORDEL

 

Esta coluna oferece hoje aos seus leitores o folheto O Romance do Pavão Misterioso, um clássico da literatura de cordel nordestina.

O Pavão Misterioso está no noticiário dos últimos dias, por conta da ação de piratas, corruptos e canalhas que querem acabar com a Lava Jato, a maior operação contra a bandidagem de colarinho branco que já foi feita no Brasil.

 


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