Manoel Filomeno de Menezes, o Manoel Filó, Afogados da Ingazeira-PE (1930-2005)
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Manoel Filó
Eu acho que não convêm
Falar de quem bebe porre
Porque se quem bebe morre
Sem beber morre também
Apenas quem bebe tem
Suas artérias normais
Trata das fossas nasais
Controla o metabolismo
Cachaça no organismo
É necessário demais.
O meu pai, que era Manoel
Filomeno de Menezes
Foi também Mané Filó
Criado entre os camponeses
Um repentista inerente
Nunca viveu do repente
Mas cantou diversas vezes
Quando eu partir deste abrigo
Seguir à mansão sagrada,
A morte está perdoada
Do que quis fazer comigo,
Quis que eu fosse igual ao trigo
Que ao vendaval se esfarela,
Mas eu vou passar por ela
De cabeça levantada
“A morte está enganada,
Eu vou viver depois dela”.
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Antônio Pereira (O poeta da saudade)
Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.
Saudade tem cinco fios
Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.
Saudade é como a resina,
No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.
Adão me deu dez saudades
Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.
Saudade é a borboleta,
Que não conhece a idade.
Voando, vai lá, vem cá,
Misteriosa, à vontade.
Soltando pêlo das asas,
Cegando a humanidade.
Quem quiser plantar saudade
Primeiro escalde a semente.
Depois plante em lugar seco,
Onde bata o sol mais quente.
Pois, se plantar no molhado,
Quando nascer mata gente.
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João Paraibano
Como é triste se ver um nordestino,
Apurar mil reais em quatro reses,
A esposa gestante de seis meses,
Sem poder com o peso do menino,
Muitas vezes caminha sem destino,
Com um pedaço de pau riscando o chão,
Como quem tá caçando uma ilusão,
Que perdeu na poeira da estrada,
A cigarra só canta sufocada,
Na terrível quentura do verão.
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José Alves Sobrinho
Eu também fui cantador
Repentista e violeiro,
Todo o norte brasileiro
Inda lembra, sim senhor,
O meu nome, o meu valor,
A minha voz estridente,
Porém, repentinamente,
A mão do destino atroz
Arrebatou minha voz.
Deixei de cantar repente.
Eu era um uirapuru
Na voz e na melodia
Mas sem esperar, um dia
Fiquei qual urubu:
Sem voz, sem som, nu e cru,
Fui forçado a abandonar
A profissão popular
De cantar para viver!
Como é triste não poder
Cantar, sabendo cantar.
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Onildo Barbosa
Quando o dia vai embora
A tarde é quem sente a queixa
O portão da noite abre
A porta do dia fecha
A boca da noite engole
Os restos que o dia deixa.
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Oliveira de Panelas
Vejo muita diferença
Do presente para o passado
Salomão com mil mulheres
Foi um homem abençoado
E hoje se eu tenho duas
o padre diz que é pecado.
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Manoel Xudu
A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.
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Dimas Batista
Dos discípulos do Senhor
Houve um falso somente
Aquele foi a serpente
Que traiu o Salvador!
Traiu num beijo de amor
Levou-O ao cadafalso!
Por isso é que eu realço
Ser o maior dos pecados:
“Eu quero trinta intrigados
Não quero um amigo falso!