Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de abril de 2023

A OITAVA MARAVILHA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A OITAVA MARAVILHA

Pedro Malta

Poeta Antonio Francisco, um talentoso potiguar de Mossoró, é também xilógrafo e compositor

 

* * *

A OITAVA MARAVILHA – UM CORDEL DE ANTONIO FRANCISCO

Como na antiga Grécia,
O Nordeste também tinha
Os seus deuses mitológicos –
Deus da chuva, deus da vinha,
Do verão, da primavera,
Mas, o mais famoso era
Cafuné – deus da morrinha.

Filho de uma caipora
Com uma alma de gato.
Ombros largos, braços longos,
Perna curta, do pé chato.
Vivia pela caatinga
Mascando e bebendo pinga
E caçando peba no mato.

Mas, quando um dia, ele soube
Que Hércules tinha apartado
Toda a África da Europa,
Disse meio enciumado:
– “Eu vou mostrar a Teseu,
A Hércules e a prometeu
O gás que eu tenho guardado.”

Botou três quilos de fumo
No bolso do seu calção,
Lavou os pés num barreiro
E disse olhando o verão:
– “Eu vou pra Minas Gerais
Mostrar o que um deus faz
Com uma enxada na mão.”

Andou em Minas Gerais –
Norte, Sul, Leste e Oeste.
Furou aqui e ali
E disse depois do teste:
– “Aqui tem água pra dar,
Para destruir e matar
A sede do meu Nordeste.

Se eu conseguir levar
Daqui para o Maranhão
Um rio de água doce,
Rasgando a cara do chão
Sem deixar nenhuma ilha
Vai ser uma maravilha
Para o povo do sertão.”

Foi na serra da Canastra,
Se abaixou, deu um risco,
Depois fez uma enxada
Da pedra de um corisco,
Tomou uma pra esquentar
E começou a cavar
O leito do São Francisco.

Na primeira enxadada
A terra toda tremeu,
A lua mudou de canto,
O Sol com medo desceu,
O nhambu perdeu um dedo,
O tetéu depois do medo
Nunca mais adormeceu.

 

O pavão perdeu a voz,
O macaco ficou pabo,
O papagaio falou,
O guaxinim ficou brabo,
A preguiça deu o prego,
O morcego ficou cego
E o preá perdeu o rabo.

Voou uma pedra enorme
Na direção da Polônia,
Pegou na Torre de Pizza,
Desviou pra Macedônia,
Rodando como um pneu,
Só o vento suspendeu
O Jardim da Babilônia.

Passou por cima do Ártico,
Deixou a água mais fria,
A noite ficou mais longa
Reduziu a luz do dia,
Da África passou de lado
Deixando o facho empenado
Do Farol de Alexandria.

Bateu no Túmulo de Máusolo,
Rodou e pegou efeito…
Entre o Japão e a China,
Passou tão veloz de um jeito
Que, até hoje, os japoneses
E nunca mais os chineses
Abriram os olhos direito.

Passou por cima de Roma
Deixando o seu povo aflito.
Caiu no norte da África,
Num lugar muito esquisito.
Deram vários riscos nela,
Depois fizeram com ela
As Pirâmides do Egito.

Era a enxada subindo,
Descendo e cortando o chão.
Foi, não foi, subia um pau
Rodando como um pião.
Tinha desses que passava,
Todo planeta e chegava
Num minuto no Japão.

Voou um pé de jurema
Por cima da Argentina,
Passou pelo oriente
Arregaçando a campina.
Como se fosse um tufão
Quase que bota no chão
Toda a Muralha da China.

Pelo colosso de Rodes
Passou por cima tremendo,
Atravessou a Turquia
Soprando o chão e varrendo,
Só o Templo de Diana
Passou mais de uma semana
Se balançando e gemendo.

Passou por Júpiter e Olímpio
Rodando a sua coroa.
Atravessou Hong Kong,
Formando rio e lagoa,
Ilha, baía e canal,
Foi cair em Portugal
A cem léguas de Lisboa.

E ficou ali no mato,
Rodando como um funil.
Quando parou de rodar
Veio alguém muito sutil,
Fez dela uma caravela,
Botou Cabral dentro dela
E mandou para o Brasil.

Logo correu a notícia
Circulando a região
Que tinha um deus nordestino
Com uma enxada na mão
Com fé, amor e carinho,
Cavando um rio sozinho
De Minas pro Maranhão.

Deus da vinha quando soube,
Disse logo: – “É Cafuné.
Tanto cavava com a mão,
Como escavacava com o pé
E é o único deus de bem
Por aqui que ainda tem
No peito um pouca de fé.”

Deus da chuva comentava:
– “Cafuné está maluco!
Cavar um rio sozinho,
Vai morrer velho e caduco.
Se a enxada não quebrar
E a sorte lhe ajudar
Talvez chegue ao Pernambuco.”

Deus da seca gritou alto:
– “Perto dali eu não chego.
Se eu ajudar a cavar,
Vou perder o meu emprego.
E além disso, eu sou sem fé…
Que se vire Cafuné
Pra dar uma de deus grego.”

Era Cafuné na frente
Com a enxada na mão,
Os braços feito um moinho
Rodando e cavando o chão
E a água atrás correndo
Como uma cobra lambendo
O fundo do seu calção.

Com três horas de trabalho
Cafuné parou pra ver
O rasgo que tinha feito
E disse: – “Se eu não morrer
E manter esse rojão,
Vou chegar no Maranhão
Antes do anoitecer.”

E continuou cavando
Até o final do dia.
Parou, limpou a enxada,
Comeu uma melancia,
Foi dormir desanimado,
Pois só tinha atravessado
A metade da Bahia.

Acordou todo quebrado,
Com pouca disposição.
Passou o dia inteirinho
Com a enxada na mão,
Mas, quando olhou para trás,
Não tinha cavado mais
Do que dez léguas de chão.

E continuou cavando
Doze anos sem parar.
Mas, cansado como estava,
Cavava tão devagar
Que às vezes passava um mês,
Quatro, cinco e até seis
Cavando o mesmo lugar.

Caía e se levantava,
Se levantava e caía.
A enxada muito cega,
E ele cego de guia.
Cansado e manco dum pé,
Até que enfim Cafuné
Atravessou a Bahia.

Quarenta anos depois,
Cansado, velho e caduco,
Se arrastando feito cobra,
Cavando como um maluco,
Não chegou ao Maranhão,
Morreu cavando com a mão
O sertão de Pernambuco.

Morreu sem ter conseguido
Fazer a transposição
De trazer o São Francisco
De Minas pro Maranhão,
Mas aqueceu nossa fé…
Obrigado, Cafuné!
Valeu a sua intenção.

Agora, pergunto eu:
Se vamos ficar em pé
Contando estrelas no céu
E deixando a nossa fé
E a vontade esfriar
Ou vamos continuar
A obra de Cafuné?

Vamos salvar o Nordeste,
Irrigar milha por milha,
Afogar no São Francisco
A fome que nos humilha.
Vamos banir essa peste,
Concluindo no Nordeste
A oitava maravilha.


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