Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)
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A prisão deve ter sido
Invenção de Lúcifer
Eu só aceito a prisão
Nos braços duma mulher
Aguentando o que ela faz
E fazendo o que ela quer.
Jesus a mim quis fazê
Neste caso que se deu:
Eu perdê a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu
Deus a mim deu a bola
Para levar a cantoria
Tirou a luz dos meus olhos
Eu não vejo a luz do dia
Porém eu levo a palavra
Transcrita em poesia
Oh! Santo de Canindé!
Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas!
Só nos falta ver agora
Dar carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criar bigode,
Tarrafa feita sem linha.
Muito breve há de se ver
Pisar-se vento em pilão,
Botar freio em caranguejo,
Fazer de gelo carvão,
Carregar água em balaio,
Burro subir em balão.
Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.
A lagarta tem forma de serpente
Quando vai viajando numa estrada,
Mas, depois de metamorfoseada,
Ela toma uma vida diferente:
Cria asas de cor bem transparente,
Verdadeiro vislumbre de beleza.
Nem ciência, nem arte, nem riqueza
Poderia pintar beleza igual.
Isto é lei do Juiz Universal
E é impulso da mão da natureza.
Quis casar-me, que loucura !
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recordo dia a dia,
Mas ouvindo a melodia
Fui sentindo a flor do goivo,
De repente fiquei noivo
Me casei com a poesia.
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