De parabéns o Ricardo Leitão, Diretor Presidente da Companhia Editora de Pernambuco, pela 2ª. edição de um livro que ampliou as saudades de muitos contemporâneos: ALÉM DAS IDEIAS: HISTÓRIAS DE VIDA DE DOM HÉLDER CÂMARA, Félix Filho, Recie PE, CEPE, 2022, 115 p. Uma oportunidade para muitos reverem atitudes e reflexões de um bispo pra lá de arretado, sem firulas nem lero-leros, sempre solidário com os menos favorecidos, um dos influentes articuladores do Concílio Vaticano II, um arcebispo diferentes de tudo quanto até existia por estas bandas latinoamericanas.
O autor conheceu bem de perto o saudoso Dom, posto que ordenado padre por ele em 1984, tendo sido presidente da Rumos – Movimento das Famílias dos Padres Casados do Brasil.
O autor da Apresentação, Sebastião Armando Gameleira Soares, bispo anglicano, retrata o Dom com uma frase definitiva: “Pequeno de estatura e franzino, e ao mesmo tempo gigante capaz de suscitar ódio implacável de poderosos e de governos reacionários, ditatoriais e às vezes apenas ‘bem pensantes’”. E dá um testemunho que muita gente se faz de esquecida até o momento presente: “Após a aposentadoria, guardou sempre silêncio sobre a Arquidiocese . Mas quando o arcebispo que o substituiu chamou a polícia para expulsar camponeses que o procuravam para audiência em palácio e desmontou a Comissão de Justiça e Paz, menina dos olhos do Dom, e destituiu da Paróquia do Morro da Conceição o padre Reginaldo Veloso, e o suspendeu de ordens, não hesitou em declarar aos jornalistas a expectativa de que vencesse o diálogo e, especificamente, sobre o padre Reginaldo, declarou: ‘O que posso dizer é que é um padre que ama Jesus Cristo, ama a Igreja e ama os pobres.’”
Mas o livro do Félix Filho revela histórias que refletem por excelência da inteligência psíquica e pastoral do Dom Hélder, com quem tive a honra de trabalhar com seu grupo mais próximo por mais de duas décadas, tendo sido inclusive presidente da Comissão Justiça e Paz, a que foi defenestrada pelo seu sucessor. Eis três histórias do livro, a servir de amostra para a leitura integral do notável trabalho do jornalista autor do livro:
1. Certa feita, uma senhora, ao passar defronte de uma sapataria feminina, no Espinheiro, observou o Dom conversando animadamente com as atendentes. Curiosa, resolveu perguntar ao Dom se ele estava comprando sapatos. Resposta elucidativa por derradeiro: – Não, minha filha. Estou só aproveitando o ar-condicionado. Lá em casa está um calor terrível!
2. Num escritório luxuoso, onde esperava uma reunião para tratar de assuntos da Arquidiocese, o Dom foi convidado a sentar-se em poltronas bastante confortáveis. Agradecendo a gentileza, o Dom argumentou: – Para discutir assuntos sérios, devemos sentar em cadeiras duras!
3. Certa feita, no Convento dos Franciscanos de Olinda, um grupo de senhoras organizou uma festa para comemorar o aniversário do Dom. Quitutes de primeira. Logo no início, o Dom chamou uma das organizadoras e pediu que convidasse as crianças que estavam na rua para a festa. E explicou: – A festa não estaria completa sem essas crianças para me ajudarem a apagar as velas e comer o bolo.
Para terminar, uma história acontecida comigo. Quando estava doente terminal, o escritor Renato Campos era acompanhado por inúmeros admiradores, que se revezavam dia e noite, auxiliando-o com papos e muito sorvete, pois, segundo ele, a infecção dos pulmões se aliviava com a massa gelada do sorvete. Certa vígilia, quase meia-noite, Plininho Araújo e eu estávamos de plantão, quando o Renato manifestou desejo de conversar com Dom Hélder. Com a devida permisão de Pompéia, sua dedicada esposa, fui com o meu fusquinha até à rua das Fronteiras, sendo atendido pelo Dom, que imediatamente retornou comigo até à residência do Renato, na rua das Pernambucanas, ficando com ele a sós por mais de duas horas. Ao sair do quarto, declarou serenamente: – Ele está espiritualmente em paz. Poucos dias depois, o Renato partia para a eternidade.
O livro do Félix Filho amplia saudades, e oportunamente relembre uma das suas famosas observações: “Quando dou pão para os pobres, me chamam de santo. Mas quando pergunto por que os pobres têm fome, me chamam de comunista”.
De parabéns a CEPE pela reedição do livro do Félix Filho, relembrando a caminhada de quem foi um arcebispo muito arretado de ótimo de Olinda e Recife.