Arrumações de gabinete de estudo inúmeras vezes revelam fatos, fotos e feitos que pareciam ter caído no baú do esquecimento. Eles saltam estrepitosamente para o cotidiano, exigindo respeito memorial, como se tudo fosse apenas uma simples questão de começo. Parecem se mostrar de muita valia para os momentos de crise mundial que estamos vivenciando. Ressaltam angústias que persistem, de incômodas conseqüências para todos. Alguns apontamentos revestem-se de um ontem já não mais hoje, embora mereçam ser aqui relembrados, as datas sendo irrelevantes, sem nostalgias de qualquer espécie. Eis os mais destacados:
a. A maior tragédia do homem contemporâneo está na sua dominação pela força dos mitos, abdicando de uma soberana capacidade de discernir e discordar, indispensável no trato da coisa pública. Compreensivelmente, os novatos estão mitificando os seus governos, para se arvorarem de primogênitos de deus. Olvidame que no palco da vida há coisas, mil coisas, que custam bem pouco, mas acarretam efeitos extraordinários. Um telefonema, por exemplo. Um e-mail de agradecimentos. Ou um atendimento personalizado, quando o assunto merecer importância. Procedimentos que diferenciariam o agora de um passado majestoso, tecnocrático e pernóstico, até bem pouco tempo vivido e observado pelos que não estão de cabeça baixa.
b. Nada ameaça mais uma democracia que a gestão daqueles que desconhecem a tese fundamental: em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida. Nos setores acadêmicos, nada mais oportuna que uma análise despreconceituosa de todos, sem apegos a cargos e funções, deixando-se refletir diante da seriedade de propósitos dos governos eleitos. Estratégias e táticas bem definidas e discutidas, contínua postura dialogal e um ver-melhor-o-derredor que bem poderiam constituir os balizamentos necessários para um fico-ou-saio dos que auxiliam diretamente os mandatários.
c. Nossa crise brasileira, que também se incorpora a uma crise mundial, é profunda, muito profunda. Prenúncio do fim de uma era, início de uma nova fase, onde quase todo mundo está despreparado para um assumir consequente. A ausência de uma profissionalidade comprometida com a transformação do hoje está levando inúmeros técnicos, os mais despreparados, a uma não conformação com o fortalecimento do setor político, gerando um novo componente daquele caldo cultural que resulta numa dupla tendência: uma, a de ser hipercrítica em relação a tudo aquilo que desagrada; a outra, a de ser subcrítica diante daquilo que concorda. E os hiper e os sub não estão ampliando a cidadania do brasileiro. Estão, sim, deixando os senhores políticos sem uma densidade mais criativa e com uma frágil consciência acerca da própria máquina partidária. E eivando-os de um mandonismo inoportuno, detentor de poder decisório quase absoluto, que somente faz aumentar o número daqueles que consideram a repressão como caminho natural para o desenvolvimento nacional, única saída para garantir a segurança do grande capital.
d. A hora de reinventar-se chegou. Ultrapassar os obscurantismos técnicos, políticos e culturais é prova maior de querer democracia cada vez mais solidificada. Caso contrário, outras situações poderão advir, com prejuízos para quase todo mundo.
FELIZ ANO NOVO!!!