Diante de uma pandemia assassina que está vitimando centenas de milhares de brasileiros, sob também uma irresponsabilidade governamental escrota que não efetivou com rapidez um planejamento preventivo, a Companhia de Letras edita uma enciclopédia que dignificará a memória de inúmeros irmãos negros, alguns bastante conhecidos, outros renegados, um sem número deles sem uma mínima referência histórica nos compêndios históricos escolares.
A Enciclopédia Negra, Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, São Paulo, Companhia das Letras, 2021, 687 p., merece amplos aplausos.E a mais ampla distribuição nas escolas públicas estaduais e municipais de todo o Brasil, buscando “ampliar a visibilidade das biografias de mais de 550 personalidades negras, em 417 verbetes individuais e coletivos, apoiando-se na vasta produção historiográfica, antropológicas, literária, arqueológica e sociológica que se debruçou sobre a escravidão e sobre o pós-abolição.”
A justificativa para tão oportuna iniciativa se encontra no primeiro parágrafo da Introdução: “Um grande e constrangedor silêncio habita a maior parte dos arquivos brasileiros e coloniais, e, sobretudo dos nossos manuais e livros didáticos. Neles, enquanto os registros de atos empreendidos pela população branca estão por toda parte, as referências acerca da imensa população escravizada negra que viveu no país, desde meados do século XVI até praticamente o fim do século XIX, são bem escassos.”
A intenção dos autores da Enciclopédia Negra também se encontra delineada na Introdução: “A grande utopia deste livro é devolver à sociedade brasileira, sobretudo a negras, negros e negres, histórias e imaginários mais diversos e plurais. Essa é uma forma de colaborar para que nosso país seja mais republicano. É também uma maneira de qualificar nossa democracia, deixando de discriminar e assassinar setores da nossa sociedade que – segundo os termos do IBGE, que os classifica como pretos e pardos – corresponde a 56,1% da população.” E num pós-escrito oportuno por excelência, os autores ainda homenageiam João Alberto Silveira Freitas, assassinato brutalmente por animais travestidos de vigilantes brancos no Supermercado Carrefour de Porto Alegre, exatamente no dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra.
Manuseando a Enciclopédia Negra, encontre alguns verbetes que muito me auxiliarão nos meus escritos futuros. Eis alguns, já anotados: Aleijadinho, André Rebouças, Auta de Souza, Carolina Maria de Jesus, Grande Otelo, Henrique Dias, José do Patrocínio, Lima Barreto, Pai Adão, Tobias Barreto e Zumbi.
Para os recifenses que nunca leram sobre o destacado líder religioso Pai Adão, algumas informações. Ele nasceu em 1877, sendo batizado com o nome de Felipe Sabino da Costa, mas guardava o nome muçulmano Adamastor, tornando-se mais conhecido como Adão, corruptela de Adamaci. Ele era filho do africano Sabino Felipe da Costa, da Costa Ocidental, embarcado na área costeira Badagri, hoje Lagos, na Nigéria. Felipe foi escravizado no engenho Itaguari. Em 1906, Adão Pai Adão fez uma viagem à Nigéria para visitar parentes e também aprimorar seus conhecimentos no culto dos orixás, também se especializando na língua Ioruba. Tive a felicidade de conhecer pessoalmente um dos seus netos, o Manoel do Nascimento Costa, conhecido por Papai, do Sítio do Pai Adão, Água Fria, que por mim indicado para integrar o Conselho Estadual de Cultura, nomeado pelo então governador Joaquim Francisco.
O inesperado foi no dia da posse do Manoel no Conselho: ele saudou todos os presentes, o governador presidindo a sessão, em Iorubá. Uma figura atuante, que muito honrou seus ancestrais.