“Nando, amizade sempre: Desculpe-me se não me despedi de mesmo, desaparecendo sem qualquer até logo. Mas o convite de conhecer, na Índia, a vida e os ensinamentos de Shankara, um ente sereno recheado de sabedoria, em trinta prestações e a dólar menos petrolífero que o de agora, me deixou fissurado. E como do bate-pronto do aceitamento até o check-in no aeroporto Gilberto Freyre foi questão de oito dias, o jeito foi me decolar com o avião, sem qualquer outro idioma no balaio, para Kaládi, no sul da Índia, de belezas e morenidades diferentes das daqui.
A história de Shankara é incrivelmente semelhante ao do nosso menino Jesus, que muito amamos. Nascido por volta de 686 antes d’Ele, Shankara aos dez anos já era um prodígio, travando discussões sobre as escrituras com os antigos, que de toda parte se achegavam para ouvir aquele pedacinho de gente recitar O Fim da Ilusão, poema da sua lavra: Estranhos são os caminhos deste mundo. Vê a loucura do Homem: na infância ocupado com seus brinquedos, na juventude seduzido pelo amor, na maturidade curvado sob as preocupações, e sempre negligente com os ensinamentos de Deus!
Mas o trabalho mais importante de Shangara é um poema intitulado A Jóia Suprema do Discernimento, do qual envio alguns pedacinhos: O discernimento correto revela-nos a verdadeira natureza de uma corda e remove o doloroso medo ocasionado pela nossa crença ilusória de ser ela uma cobra… Se realmente desejas a libertação, continuas bebendo com deleite, como um néctar, as virtudes do contentamento, da compaixão, do perdão, da sinceridade, da serenidade e do autocontrole… Aquele que procura encontrar o seu iluminado Eu alimentando os desejos do corpo está tentando atravessar um rio agarrado a um crocodilo, confundindo-o com uma tábua.
Um dia, já perto da data da volta, me aproximei de um seguidor de Shankara, um velhinho de 96 anos, olhinhos azuis e cabecinha raspada, sorriso nos lábios, muito diferente de umas “coisas” daí, que só vêm troço feio nos procedimentos dos demais companheiros de caminhada. Eis as perguntas feitas e as respostas por mim conseguidas:
O que deve ser evitado? As ações que nos levam a uma maior ignorância da verdade. Onde reside a força? Na paciência.
Quais os males mais difíceis de extirpar? O ciúme e a inveja.
O que é irreal? Aquilo que desaparece quando o conhecimento desperta.
O que é libertação? A destruição da nossa ignorância.
Em que devemos nos empenhar? Em continuar aprendendo enquanto vivemos.
Que coração não conseguirei conquistar, mesmo usando todas as minhas forças? O coração de um tolo ou de um ser humano que tem medo, ou está cheio de mágoa, ou é incapaz de gratidão.
Quais são as qualidades mais raras neste mundo? Ter o dom de dizer palavras doces com compaixão, ser erudito sem orgulho, ser heróico sem bazófias e ao mesmo tempo generoso, e ser rico intimamente sem apego à riquezas materiais.
Estarei chegando na próxima semana, antes do primeiro de abril. E volto com uma dúvida cachorra da moléstia: será que Shankara era primo bem longe do Menino de Nazaré? As lições de ambos são incrivelmente similares. Ambos morreram por volta dos 33 anos e os dois irradiavam muita sabedoria desde bem pequeninos. De qualquer maneira, chegando por aí, comprarei aquele livro que o amigo me recomendou com entusiasmo, não adquirido por puro esquecimento. Mas que se encontra anotado em minha agenda: Cristo – Uma Crise na Vida de Deus, de Jack Miles, Companhia das Letras.
Recomende-me à Sissa e aos seus derredores amados. Um beijo muito carinhoso dê na sua netaria, seu facho de luz, a quem você também sempre se dedicará. Todos seus netos e netas terão seguramente um futuro recheado de muita felicidade cidadã. Até aí, para um bom retiro pascal, no Portal de Gravatá.”
Volte vacinado e de título de eleitor bem afiado, João Silvino, amigo sempre irmão!