O Joãozinho d’Oeiras, uma criança como qualquer outra da sua idade, tinha uma dificuldade gigantesca para aprender Aritmética. Misturava mel com cabaço quando chegava a hora de assimilar os métodos quantitativos mais elementares possíveis. Os seus genitores, Joaquim e Manoela, de descendência moura, já se encontravam à beira de um ataque de nervos, mesmo desconhecendo as realizações cinematográficas do Almadóvar, face o fracasso iminente do filhote na série escolar onde se encontrava matriculado.
Inúmeras iniciativas já tinham sido tomadas, todas elas sem qualquer eficácia: aulas particulares, castigos brabos, brinquedos educativos, centros especializados, terapia instrucional e homéricos cascudos, estes últimos distribuídos simetricamente ao longo dos últimos dois anos. Tudo fazia crer que o garoto, apesar do perfil neuronial normalíssimo, não tinha o mínimo pendor para a denominada Ciência dos Números, não mais adiantando qualquer tipo de estratégia pedagógica. Tampouco cascudóloga.
Num belo dia de domingo, pela manhã, à saída da celebração paroquial, os pais do Joãozinho comentaram o problema com um casal amigo, conhecido de muitos anos, desde os tempos solteirais dos quatro. E eis que um remédio, aplicado eficazmente no filho dos amigos, portador de idêntica dificuldade, não poderia ter sido indicado em hora mais oportuna: a matrícula do pirralho numa escola de freiras, sediada numa distância que seria vencida sem maiores cansaços. A notícia das recuperações proporcionadas pelo educandário no filho dos amigos já tinha ultrapassado as próprias barreiras municipais, já sendo do pleno conhecimento do ínclito Ministério da Instrução Nacional.
Matriculado o Joãozinho, apesar do ceticismo dos pais, eis que já no primeiro dia de escola nova, o menino volta para a casa com um ar bastante compenetrado. Sem quase cumprimentar a mãe, vai diretamente para sua escrivaninha e principia a estudar aritmética como se vestibular fosse prestar no dia seguinte. Nenhuma brincadeirinha, peraltice nem pensar.
Na hora do jantar, apesar do prato principal ser um bacalhau ao murro, o Joãozinho rapidamente se sacia, toma um copo de leite de cabra e volta aos estudos com uma garra impressionante, deixando pasmos os pais e o avô, gerente de uma tabacaria de boa freguesia, situada do outro lado da praça.
As horas de estudos se multiplicaram até o final do bimestre, quando o Joãozinho entrega, com ar vitorioso, o boletim de notas à sua querida mãe. Emocionada, quase chorando de mesmo, ela toma conhecimento da sua nota máxima, 10, em Aritmética. Sem conter o entusiasmo com o filho recuperado, pergunta:
– Filho, me diga o que fez você mudar deste jeito. Foram as freiras?
Diante da negativa de Joãozinho, ela insiste:
– O que foi, então, filho querido? Qual foi o fato que marcou seu despertar para a Ciência dos Números?
Tomando fôlego, Joãozinho finalmente esclareceu:
– Não foram os livros, mãe, nem a disciplina do colégio, nem o professor, nem o carinho das freiras, nem os novos colegas, nem a estrutura de ensino, tampouco os ótimos lanches oferecidos na hora do recreio.
– Mas quem foi o responsável, na escola, pela sua estupenda recuperação científica, meu filho?
– No primeiro dia de aula, mãe, quando entrei na sala de aula e vi aquele cara pregado no sinal de mais da sala de aula, percebi que ali não se estava pra brincadeira…