Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 31 de agosto de 2023

A JANELA (CONTO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA D ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A JANELA

Fernando Antônio Gonçalves

Certa feita, dois homens seriamente vitimados pela COVID-19 foram internados numa mesma enfermaria de um grande hospital regional. O cômodo era bastante pequeno e nele havia apenas uma janela que dava para o exterior da edificação. Um dos pacientes tinha, como parte integrante do seu tratamento, permissão para sentar-se na cama, próxima a essa tal janela, por uma hora durante as tardes. O outro paciente, contudo, por força de recomendação médica, passava todo o seu tempo deitado de barriga para cima, restando-lhe tão somente o direito de ficar olhando para o teto do compartimento.

Todas as tardes, quando o homem cuja cama ficava perto da janela era colocado em posição sentada, ele passava o tempo descrevendo para o companheiro o que via lá fora. Segundo ele, da janela se descortinava um lindo parque, onde havia um lago com patos e cisnes, todos eles beneficiados pelos nacos de pão atirados pelas crianças que passeavam em seus barquinhos de madeira, devidamente supervisionados pelos seus pais ou babás. Na relva situada ao redor do lago, jovens namorados, de mãos dadas, trocavam juras de amor por entre árvores e flores, inúmeros jogos de bola se desenrolando ao longo dos espaços destinados à prática de esportes. Ao fundo, por detrás das últimas fileiras de arbustos, avistava-se o belo contorno dos prédios da cidade, com suas antenas parabólicas revelando a chegada da pós-modernidade por aquelas bandas.

O homem que estava deitado ouvia atentamente o companheiro descrever tudo isso, saboreando com avidez o que estava sendo descrito nos mínimos detalhes. Escutou atentamente sobre como uma criança quase caiu no lago e sobre como as garotas estavam bonitas em seus vestidos de verão, cabelos cortados, corpos delineados e sorrisos de montão, irradiando felicidade por todos os poros. As descrições do narrador faziam-no sentir como se estivesse realmente observando o que acontecia lá fora, tamanha a riqueza dos detalhes recebidos.

Durante uma tarde de maio, no homem sempre deitado ocorreu um pensamento: por que o paciente que ficava perto da janela deveria sozinho ter todo o prazer de ver o que estava acontecendo lá fora? E por que ele não poderia ter também a chance de contemplar o que estava acontecendo no mundo exterior? Sentiu-se um tanto envergonhado pelo sentimento de inveja, mas quanto mais tentava não pensar assim, mais queria que ocorresse uma reviravolta da situação. E faria qualquer coisa para isso acontecesse.

Numa noite, o homem da janela, subitamente, acordou sufocado. Debatendo-se desesperadamente, suas mãos procuraram inutilmente o botão que alertaria a enfermeira. Ao lado, indiferente ao drama, seu companheiro de ambiente hospitalar não moveu uma palha sequer em defesa do infeliz, mesmo quando a respiração dele parou por completo.

Pela manhã, o corpo do falecido foi levado para o necrotério, para os preparativos do sepultamento. Tão logo o defunto saiu da enfermaria, o outro perguntou se poderia ser colocado na cama perto da janela. Sendo prontamente atendido, viu-se devidamente aconchegado sob cobertas quentinhas.

Sentindo-se só, apoiou-se sobre os cotovelos, esticando-se ao máximo para ver também o mundo do lado de fora da janela. E viu apenas um muro, igualzinho aos demais.

Principiando mortalmente a se desesperar, o novo inquilino da janela percebeu que a Vida é, sempre foi e será aquilo que nós a tornamos.

PS. Aos que comentam meus escritos com elegância e nível construtivo, confesso que as opiniões em muito ampliam a minha criticidade e estruturam novos estudos sobre o nível cultural da nossa gente. Infelizmente, a grande maioria de nosso povo ainda é dotado de uma paulofreireana “consciência ingênua”, sem qualquer objetividade edificante. Façamo-la cada vez mais cidadã. Aos detratores, Mt 7,6.


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