Encontro-me, ainda de máscara, com o Fredinho Lucas, hoje engenheiro tarimbado, colega do ginasial do Marista, da Av. Conde Boa Vista do Recife, eu já no científico, ele atleta de volibol, campeão dos Jogos Estudantis Pernambucanos, de épocas áureas. Recentemente divorciado, morando com uma irmã, confessou-me ser a solidão um dos seus principais problemas atuais, ele às vésperas de uma aposentadoria medianamente confortável, filhos criados, pais desencarnados, avô de dois netos, ele atualmente envolvido numa baita desacreditação de tudo, fruto de um nível de felicidade advindo de uma baixa densidade conjugal, consequência primeira de muito trabalho tecnológico e quase nulas horas de leituras humanísticas.
De pronto, recomendei ao Fredinho a leitura de um livro recentemente editado, voltado para seres humanos carentes. Balizamentos existenciais para enfrentar uma atual pandemia planetária, onde a prática criminosa parece estar fortalecida por impunidades mil, sempre a coibir a ação de uma Justiça efetivamente forte: O Dilema do Porco Espinho: como encarar a solidão, Leandro Karnal, São Paulo, Planeta, 2018, 192 p. Páginas recomendáveis, que reforçaram fundamentos existenciais, ampliando minha condição de ser humano pensante, sempe assimilando novas lições da Doutrina Espírita, após leituras orientadoras dos mais capacitados na vivência teórica e prática dos ensinamentos do Codificador Allan Kardec e outros notáveis.
Na Introdução do livro, Karnal o inicia com uma definição do filósofo Arthur Schopenhauer: “somos uma espécie de porco-espinho. O frio da solidão nos castiga. Para buscar o calor do corpo alheio, ficamos próximos dos outros, provocando espinhos que nos perfuram e causam dor (e os nossos a eles). O incômodo nos afasta. Ficamos isolados novamente. O frio aumenta, e tentamos voltar ao convívio com o mesmo resultado.”
O problema da solidão é tão grave, que o governo inglês instituiu o Ministério da Solidão, homenageando uma deputada inglesa violentamente assassinada. O nome da Comissão em inglês é Jo Cox Commission on Loneliness (Comissão sobre solidão Jo Cox), e surgiu diante dos alarmantes milhões de britânicos que reclamam de frequente ou total solidão. Um estado de solidão que vitima principalmente as pessoas idosas, súditos com problemas de mobilidade os maiores atingidos pela Covid-19 assassina. Favorecendo uma questão de natureza planetária: o que estaria acontecendo no mundo para que o combate à solidão virasse uma política de Estado?
Karnal ressalta, no seu livro, que solidão é completamente distinta do simples fato de se estar sem alguém por perto, do mesmo modo que estar acompanhado não significa eliminar as manifestações solitárias. Segundo ele, num trágico verão recente, mais de 11 mil pessoas morreram na França, a maioria delas tendo idade superior a 75 anos, o isolamento tendo sido a causa principal de tão impressionante obituário. A solidão sendo o vestíbulo da perda da razão, ou “um amplo salão vazio, na qual a insanidade baila.”
Aristóteles, segundo ainda Karnal, garantia que a solidão criava deuses e bestas, querendo dizer que muitos males da criação humana advém do isolamento interno ou externo, a nossa selvageria sendo originária de perversos momentos isolacionistas.
Em nosso primeiro papo, concordamos que, em reuniões técnicas ou sociais, a palavra crise é ouvida um monte de vezes. Crise de identidade do ser humano contemporâneo, crise de familiaridade com o mundo pós-moderno e crise de segurança diante dos contextos tornados patológicos pela Internet, por ela também mundializados. Parecendo crer que tudo vacila: o equilíbrio do todo, antes aparentemente estável, torna-se continuadamente instável; os meios de comunicação favorecendo a elevação geométrica das reivindicações sociais; e o mundo virtual se ampliando enquanto há redução da mão-de-obra assalariada planetária, onde uma globalização excessivamente copiativa favorece uma descriatividade gigante que resvala para a solidão, quando não devidamente combatida por uma originalidade sem nostalgias.
No papo, ficamos convencidos de que alguns parâmetros germinais muito favoreceriam contínuas reestruturações pessoais, evitando um viver morrendo destemperado e altamente virótico. E alguns deles foram depois pelo e-mail elencados, considerados de alta significância:
– O bem-querer terá prevalência sobre todas as lógicas destrutivas.
– Os méritos devem ser sempre coletivos e jamais fingidos, nunca individualizados.
– As amizades conquistadas são o maior patrimônio de todo ser humano em sua contínua mutação evolutiva.
– Esmagar potencialidades é crime de lesa-convivialidade.
– Jamais abandonar um aprender-desaprender-reaprender que ressalta as diferenças entre permanência e mutação.
– Tornar-se águia sem mentalidade de galinha, por mais emplumada que esta seja.
– Entender que mente saudável, além de saber fazer, faz também acontecer.
– Saudades bem sentidas, nostalgias contidas.
– Umbrais ultrapassados, sonhos recuperados.
– Jamais atirar pérolas aos porcos.
– Sempre distinguir postura orgulhosa e arrogante de dignidade cautelosa.
– Nasce-se com inteligência, jamais com o manual de instrução da sua utilização.
E novos bate-papos foram por nós estabelecidos, sempre regados a guaranás e biscoitos, o livro do Karnal gradativamente bem relido e meditado. Para bem compreender os bons momentos dos instantes de solidão.
PS1. Agradeço ao Pai do Céu a permanência ao meu lado da companheira Sissa, sempre me livrando das tentações mentais do atual mundo pandêmico, dedicação nota 10.
PS2. Leandro Karnal, nota 10: “O espaço de ouro do ressentido é o mundo agressivo das redes, quando a covardia pode vir do anonimato.” (FSP, 8-5-2022, p. C8)