De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de final de ano, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em esfregamentos desvairados, tudo fingidamente em prol das criancinhas de rua da cidade.
A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabete, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, também há muito profetizada por uns santos homens já desencarnados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do futuro Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.
Elisabete também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos sempre acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua, sem a serenidade analítica racional das lideranças dos ontens já acontecidos.
A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo enfaixado e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência policial desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.
Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.
A aparência luminosa do garoto contagiava. Os vizinhos vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir sempre corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.
PS. Um Feliz Natal para todos aqueles que depositam irrestrita confiança nas promessas do Emmanuel. E para os demais, independentemente de credo religioso, também filhos muito amados da Criação. E para os caríssimos leitores da Besta Fubana, sempre sob o comando do escritor Luiz Berto, um cabra muito arretado de ótimo. Também para a Sissa, meus filhos e filhas, netos e netas, todos eles fachos de luz do meu caminhar existencial terrestre, que certamente percorrerá um 2022 mais humano e solidário, sem negativismos nem discriminações de espécie alguma, uma nova era muito mais arretada, reestruturadora por derradeiro.
Um Feliz Natal para todos!!! Sem oxentes nem mais ou menos, apesar de todos os pesares de uma pandemia assassina, classificada como uma “simples gripezinha” por quem, péssimo sapateiro, ansiou subir além das chinelas.