Certa feita, o escritor Cláudio Aguiar, um dos nossos patrimônios intelectivos, escreveu que “o escritor é, por natureza, um insatisfeito, um profissional do descontentamento, um perturbador de consciências”. E é como profissional do descontentamento que me encontro nauseado com os últimos acontecimentos políticos brasileiros, tamanhas as bandalheiras denunciadas, utilizando-se dos cofres públicos com cinismo, com a certeza plena de que as grades só foram instituídas para os coitadinhos de sempre, pobres e negros.
Percebe-se hoje, sem muito esforço, que a sociedade civil, em sua grande maioria, cambaleia entre uma visão comodista e uma politização impotente, como se as aberrações e as impunidades integrassem com naturalidade o caldo comportamental da nossa gente.
Um trecho de 1935 parece destinado aos nossos dias, quando oportunistas trocam de partido como de cueca, a coisa pública ficando subjugada a interesses moleques: “Nada de menos rígido, de menos sólido, de menos estável, do que o momento social em que vivemos. E daí o grande triunfo do oportunismo, o medo que os homens têm de tomar atitude, de optar por uma solução, de submeter-se a princípios, que o mundo de amanhã poderá deitar por terra.” Um profeta? Não, apenas Alceu Amoroso Lima, um intelectual de muita credibilidade.
Recentes fatos hilários explicitaram a incapacidade dos que não se perceberam ainda como gestores públicos. Sequer desconfiando dos aplausos dos baba-eggs, pouco se lixando para a lição de Plutarco: “Não preciso de quem faça sim quando eu concorde e faça não quando eu discorde. Minha sombra faz isso muito melhor”.
Torço ardentemente pelo sucesso dos prefeitos brasileiros, pois acredito que, no frigir dos ovos, a grande beneficiada será a nossa gente mais sofrida, que anseia por dias menos desumanos e mais participativos. Mas a cidadania consciente não se deve omitir diante das bobajadas cometidas, quer por democratices desapontadoras, quer por asneiras de quem nunca comeu mel, ignorando a sabedoria iídiche: “Para o verme num rabanete , o mundo inteiro é um rabanete”.
Em recente publicação, Tipologia Comportamental do Chinfrinzé Brasileiro, os analistas Bill Kapp Barib e Reynald O. Liveira definiram um chinfrinzé como “um animal quase racional, extremamente similar fisicamente ao homo sapiens, que se comporta em áreas civilizadas com uma mente mixada, coexistindo nela hábitos aparentemente modernos e uma nulificada postura comportamental”. Felizmente, um genérico eficaz já se faz presente nas drogarias. Trata-se do Simancol. Uma drágea, manhã cedo e antes do desjejum, atenua os efeitos perversos da bactéria ríctus bundanus.
Preocupa-me a alienação cívica que anestesia incautos e desconectados, valorizando os esmolismos, os dolorismos, os vitimismos, os fundamentalismos e os outros ismos que conquistam cada vez mais fanáticos, olvidada a advertência do Filho de Deus: ”Tomem cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada de escondido que não venha a ser revelado, e não há nada de oculto que não venha a ser conhecido” (Lc,12,1-2).
Juntemos as migalhas de esperança, todos, sem distinção alguma, desarmadamente. Observando os caminhos percorridos e os que já não mais satisfazem. E verificando quais as forças que nos restam, mormente as que fundeiam a dignidade nacional, para prosseguir numa pós pandemia sem mais humilhação de espécie alguma.