DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS - PARTE III
(NO AEROPORTO DE MUMBAI)
Robson José Calixto
Brazão Indo-britânico. Fonte: Wikipédia.
Não sei por que quando as pessoas pensam ou planejam viajar para a Índia acham que lá todo mundo fala inglês, talvez por causa da colonização inglesa há muito tempo (1858 – 1947). Todavia, isso está fora da completa realidade. Lá nem todo mundo fala inglês, em particular os indianos mais humildes. Já sabemos que o modo de pronunciar o inglês pelos hindus é muito particular, quiçá inusitado e em breve ele descobriria que o inglês de Sanjoy Chakrabarty, o Ponto Focal da Índia para o Programa GloBallast na Organização Marítima Internacional – IMO, devia ser perfeito.
Ele desceu do avião vindo de Paris, olhou para um lado e para o outro e nada de algum atendente para companhia aérea para dar informação do que aconteceria, pois perdera a conexão para Goa, seu destino final.
Tentou seguir as placas, preferindo seguir a fila caminhante que deveria estar atrás de suas malas ou deixar o aeroporto. Chegou até a esteira e olhou em volta e tudo lhe parecia estranho. Observou que os hindus saíam rápido e poucos ficavam para trás, com feições diferentes, inclusive a dele. Tudo era muito próximo, esteira, Alfândega, conferência de passaporte e vistos em uma área apesar de coberta, sem muitas barreiras, mas percebia e sentia os olhares de vigilância. Não era o que esperava, em termos de aparência e organização, para um aeroporto na Índia, já estava no ano de 2002 – nos dias atuais, pelas fotos disponíveis na Internet, o aeroporto melhorou muito.
Pegou a mala que despachara e seguiu para a Alfândega logo ali na frente, também puxando sua malinha de mão. Apresentou seu passaporte com visto para a Índia, perguntou em inglês bem razoável, buscando estabelecer um diálogo com o atendente:
“– Eu acabei de chegar do Brasil, perdi a conexão para Goa, o que faço agora? Onde é o balcão da companhia aérea?”
“–Xyzbjggk dlhjkdlllllhdsdfyyu vjopd[[[gfd nnjhhfduoop gfdsfokchmag!”
“– Hã?”
“– Xyzbjggk dlhjkdlllllhdsdfyyu vjopd[[[gfd nnjhhfduoop gfdsfokchmag!”
“– Hã?”
Ele não entendeu absolutamente nada! Mas como o atendente já tinha carimbado o passaporte e apontava com os braços para um corredor. Desistiu de perguntar algo mais, suando seguiu em frente com suas malas pelo corredor que, digamos, fazia-o perguntava onde tinha se metido.
De repente, percebeu que estava fora da área de desembarque e não tinha como voltar. Passou pela cabeça dele os pensamentos: o que faço agora? Não conheço a cidade. Não tenho um hotel reservado. Teria um lugar no saguão para passar as horas, descansar um pouco? Cara..., que enrascada!
Seguiu adiante e já percebera que tinha uns poucos hindus o seguindo, talvez também estivessem com problemas de voo. Finalmente se deparou com uma janela na parede do corredor que nitidamente precisava de cuidado e pintura. E perguntou e ouviu resposta que mal conseguiu entender:
“– Eu acabei de chegar do Brasil, perdi a conexão para Goa, o que faço agora? Onde é o balcão da companhia aérea?”
“– É aqui!”
Apesar de incrédulo mostrou seu bilhete aéreo e passaporte e o cara da janela, com roupas que nunca diriam que ele trabalharia em um aeroporto, sem qualquer identificação, começou a anotar em um papel os dados. Ele olhava para dentro da saleta e não reconhecia qualquer referência de um transporte aéreo. Computador? Telefone?
Os hindus que o acompanhavam no corredor se postaram ao lado dele, ouvindo a conversar. De repente não eram mais dois ou três hindus, já eram quase dez envolta dele, não era uma fila, mas uma aglomeração em frente à janela. Ele se preocupou puxou suas malas para mais junto dele, em frente às pernas. Pensou: “Cara, acho que vou ser assaltado!”
Então, esse novo atendente começou falar em um inglês semientendível apontando para fora do aeroporto, como dizendo que lá fora haveria um ônibus para o levar para o hotel! Ufa!...
Aglomeração o incomodava, procurou sair dali. Não fora roubado, depois aprenderia que aquilo se tratava de mais uma das características dos hindus: a supercuriosidade!
Deu mais alguns passos rápidos e estava fora do aeroporto. Atravessou a rua e parou em um lugar que aparentava ser uma parada ônibus. E esperou... Esperou... Nervoso e molhado de suor resolveu voltar “ao balcão janela” de atendimento. Perguntou se ela ali que ele tinha que esperar o ônibus, pois já tinha passado quase uma hora e nada. O atendente respondeu que sim. Ele ouviu, os hindus que já se aglomeravam também ouviram. Ele resolveu voltar ao que se supunha ser uma parada de ônibus.
Passada mais uma meia hora algo parecido com um ônibus, meio transporte escolar meio no formato de caixa de fósforo, e todo decrépito, parou um pouco mais frente, descendo um garoto descalço, com uma roupa toda suja, vestindo um short, talvez bermuda curta e fixando seu olhar para o visitante. Mais um pouco desceu o motorista pingando suor, também com a roupa suja, de chileno e vestindo uma camisa cinza quase preta, “ou não” como diria Caetano Veloso. O motorista tirou do bolso um lenço que era igualmente cinza, “ou não”, talvez fora um dia branco, e passou-o na testa.
O brasileiro olhou para aquele ônibus, um ferro-velho com a tinta toda descascada, pneus carecas, sujo, janelas quebradas, onde tinha janela. Olhou, olhou... Será?
Respirou fundo. Puxou suas malas e subiu na “carruagem fantasma”. Olhou para dentro. Era uma imundice só. O piso do ônibus era sujeira só, parecia que nunca havia sido feita limpeza nele. Os bancos além de pequenos, apertados e sujos, estavam todos rasgados, molas para fora. O banco do motorista também ferrado. Sentiu uma leve repugnância.
Ele voltou atrás, pegou suas malas, desceu do ônibus e foi até “ao balcão janela”, perguntando se aquele ônibus velho – um tremendo elogio! – Era o que o levaria para o hotel. A resposta foi que sim.
Resignado puxou mais uma vez as suas duas malas, subiu de novo no que restava do que fora um dia um ônibus, possivelmente para crianças, escolheu um menos pior do que restara de um assento e esperou...
A criança e o motorista subiram na “carruagem fantasma” e ônibus partiu, um pouco torto, entretanto, partira.
Daí em diante ele descobriria a verdadeira Índia, a real, aquela que Glória Perez glamorizara em sua novela “Caminho das Índias”, distante das ruas e do povão, mais próxima, ao seu sentir, a um grupo social de casta mais elevada. Era uma ficção, ele se envolveria e passaria no meio do mundo real cru.
Fim da Parte III.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.