Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do Calixto - Onde Reminiscências, Viagens e Aventuras se Encontram domingo, 14 de outubro de 2018

UM ADEUS A NEUQUÉN

 

UM ADEUS A NEUQUÉN

 

In Memoriam de Ana Cristina Pinto Magalhães (Falecida a 01/10/2018)

Robson José Calixto

 

  

De repente me apareceu viagem, fora da minha Agenda, compondo missão brasileira para conhecer com mais detalhes a exploração e produção de gás de folhelho (shale gas), a partir de fraturamento hidráulico, na província de Neuquén, no interior da Patagônia argentina.

 

O assunto shale gas é, ainda, muito polêmico no Brasil, tendo até proibição no estado do Paraná, apesar de ser ativamente explorado e produzido no Texas, Colorado e Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos, bem como na própria Argentina, com muitos benefícios socioeconômicos, em particular geração de emprego e renda, instalação de infraestruturas (hotéis, restaurantes, padarias, hospitais, colégios, centros de pesquisas e serviços de apoio à indústria do petróleo (caminhões, veículos pessoais e coletivos), transporte de areia, água e produtos químicos, fornecimento de alimentação, uniformes). Os grandes questionamentos vêm da área ambiental com foco nos produtos químicos utilizados (composição protegidas por patentes), integridade do poço, sismos, incidentes que contaminem aquíferos e afetem a população e, finalmente, gestão dos efluentes gerados.

 

Eu já conhecia o assunto, tendo visitado poços em Dawson creek, no Canadá, e em Morgentown, na Virgínia Ocidental, todavia valia muito conhecer esse caso tão perto de nós e sendo a Argentina a 3a. maior produtora do mundo, depois dos Estados Unidos e da China.

 

Além do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, haveriam representantes da Agência Nacional do Petróleo, do Ministério de Minas e Energia (o promotor do evento), MCTI, FINEP, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), MRE e do Estado da Bahia.

 

Uns dias antes de nossa partida (30/09/2018), já ficamos apreensivos, pois ao mesmo tempo que o Presidente Macri estava na Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorria na Argentina, no dia 25/09/2018, a quarta greve geral, com um dia de paralisação nacional, contra a política econômica do governo, com bancos, comércios, escolas, universidades e repartições públicas fechados, além de voos cancelados. Mas passou.

 

De Brasília a Curitiba tudo normal, inclusive os solavancos devido às turbulências comuns a região do Paraná. No aeroporto de Curitiba uma informação errada quase me fez perder o voo da Aerolíneas Argentinas para Buenos Aires. Só serviram para comer um alfajore comum e muito seco e adocicado e um saquinho com sementes de girassol. Um comissário de bordo distribuiu formulário para entregar na migração. Requeria que fosse declarado o tipo de telefone celular e o número de série. Comentei esse fato com viajante ao lado e ele me disse: "- Não se preocupe com isso, costumo viajar para a Argentina e eles sempre entregam esse formulário, mas na alfândega nunca pegam!" Dito e feito.

 

O pernoite me permitiu almoço tardio no Galerias Pacífico um peito de frango grelhado no carvão, com três escolhas de salada e uma garrafa plástica de água mineral com gás. Tudo muito gostoso por 170 pesos, isto é, R$ 17,00. No final da noite de domingo (30/10) houve jantar de socialização entre os membros da delegação brasileira e representantes da indústria petrolífera local.

 

No dia seguinte, segunda-feira, palestras e visitas a Centros de Pesquisas e Serviços. De Buenos Aires a Neuquén, na parte da tarde/noite, voo de duas horas, e a AA só serviu água. Chegada ao pequenino aeroporto de Neuquén ocorreu no final da noite, mais de 22 horas. Dividi táxi com colega da ANP, que já conhecia da missão à Morgentown, 150 pesos argentinos para cada um. Eu desci no Apart Hotel Granada e, a seguir, ele no Hotel Comahue.

 

Surpreendi-me com o conforto e a ótima localização do Apart. Quarto amplo, cama de casal, cozinha com geladeira, fogão e micro-ondas. Sala com dois sofás-camas. Uma trattoria perto, bares com cervejas artesanais, pub irlandês, kioskos (lojas de conveniência) e uma hamburgueria. Entrada com biometria... Só tinha um senão... o Café da Manhã....

 

No Apart não havia Café da Manhã, ou melhor, eles entregavam um voucher, e parece que isso não acontecia só lá, para se ir à padaria próxima, duas esquinas à esquerda. Lá se tinha o direito a café ou chá, um copinho de água mineral (com ou sem gás), três tipos de pãezinhos ou três média lunas pequenas (espécies de folhados), nada mais. No entanto, como por algum motivo caí nas graças da atendente da padaria, por dois dias ela me deu duas fatias de presunto. No terceiro dia, como era outra atendente, nada tive, foi a seco mesmo.

 

Terça (02/10/2018), pela manhã apareceu a van para me pegar no Apart, de lá seguiria para pegar outros participantes em seus hotéis. Só que o motorista da "Kombi" (assim como eles chamam), não tinha os nomes dos passageiros e não sabia quantos estavam em cada hotel. Estabeleceu-se a confusão, pois, na verdade, eram duas kombis que estavam rodando, com itinerários supostamente diferentes, sem saber a quem pegar, inicialmente. As duas estavam à frente do meu Apart. Não duvidei sobre o que fazer, comecei a disparar whatsapp para os demais colegas, alertando-os sobre o problema. Aos poucos, com as kombis em movimento, e indicações quem era quem, as coisas foram se normalizando.

 

Os motoristas nos deixaram no local das novas palestras, dessa vez a serem proferidas por representantes do governo de Neuquén. Só que o local onde fomos deixados era o errado. A mudança ocorrera na noite anterior, só que nem todos estavam informados, incluindo os motoristas da kombis. Decidimos ir a pé até a sede do Banco Província del Neuquen – BPN, seguindo as informações do Google Map. A caminhada serviu para que conhecêssemos um pouco mais a cidade.

 

Palestras atrás de palestras, um break, mais palestras. Almoço. Fomos a pé com os representantes governamentais argentinos até ao restaurante La Toscana, bem conceituado entre os neuqueninos. Lá nos encontraríamos com empresários argentinos da indústria de petróleo, que supostamente financiariam o almoço, mas eles não apareceram, deram bolo e tivemos que pagar, individualmente, uma continha alta, sem que os pratos fossem tão bons assim.

 

Sentamo-nos a duas mesas bem longas. Ao meu lado havia representante da FINEP, MDICe MCTI. À minha frente estavam representantes do estado da Bahia, entre elas, a obstinada e moleca Laís M. L. Enquanto esperávamos os primeiros pratos, conversávamos. Algo me chamou a atenção no celular. Abri o Facebook e de cara me apareceu mensagem de Leandra Gondim postada na página de minha amiga Ana Cristina Pinto Magalhães. E o tempo parou para mim. Nada à frente ou dos lados. Nada respirava, vácuo. Passado e futuro se amalgamavam em um puro agora.

 

Era uma mensagem estranha, espécie de despedida da Ana, que termina com a frase “Vá em paz, amiga linda!”. Dentro daquele intervalo de tempo e espaço, uma onda infinitesimal de incerteza provocou uma grande oscilação entre os invisíveis. Ninguém percebeu a tensão e o silêncio em meu semblante, meu interior. O absurdo vazio em mim. Naquela fração da fração de uma oscilação do agora, só tive atenção e ideia para escrever exatamente: “Ana Cristina faleceu????”. E esperei a resposta. Não veio imediatamente.

 

Olhei para Laís. Olhei para os lados e tentei voltar para mim, para onde eu estava, um restaurante. Almoçamos, pagamos a conta e voltamos para o auditório do BPN a pé. As kombis (vans) foram, mais tarde, nos pegar. Já no hotel a resposta de uma prima (V.P.) chegou: “faleceu ontem!!”.

 

Não teve jeito, as lágrimas verteram-se dos meus olhos, escorrendo ao longo da minha face e caíam sobre os lençóis. Os lábios contraíram-se, senti o meu olhar esvaziar-se. Uma raiva no peito, imagens de um passado comum aceleraram-se na minha mente e disparei... .

 

Ana, ela dizia que somente eu a chama assim, para os demais era Cristina, e eu nos conhecemos em filial do curso CCAA, no bairro da Tijuca. Estudávamos inglês. Nós nos demos muito bem desde o início. Ela era quase uns 10 centímetros mais alta que eu. Cabelos meio encaracolados, branca, coxas fortes, de ar sensual, atraente. Ela morava na Rua Professor Gabizo, em um prédio moderno para a época, com playground, garagens internas. Eu participava de Grupo Jovem na Igreja de Sta. Teresinha do Menino Jesus de Praga, na Rua Mariz e Barros, em frente ao Instituto de Educação, fonte de muitas normalistas para o Grupo.

 

Saíamos do curso e caminhávamos até a rua dela, conversando. Ela começou a fumar cedo. Estava caído por ela, todavia ela não quis e me deu um corte suave. Tentei fazer com que ela entrasse no Grupo, não se sentiu atraída. Permanecemos amigos. Frequentava a casa dela. Conheci o pai dela, sua mãe Bárbara, seu irmão Marcos. Família com raízes portuguesas; costumavam visitar “a terrinha”.

 

Ana se tornou médica pediatra, uma das melhores do país, e mudou-se para São Paulo, participando de projetos hospitalares voltados para crianças recém-nascidas, até no Hospital israelita Albert Einstein. Às vezes me dá um flash e sinto vontade de ligar para alguém que gosto. Ela me falou que se envolvera com colega de trabalho e se aproximara do espiritismo. Não concordei, mas respeitei. Tempos depois ao ligar ela me informou que tinha tido isquemia, com certa dificuldade para se movimentar e que a mãe estava lá, em São Paulo, ajudando-a. Melhorou.

 

Desde que ela saíra do Rio de Janeiro e ido trabalhar em Brasília, só nos encontramos uma vez, quando ela me levou até o aeroporto de Guarulhos. Seu relacionamento permanecia do mesmo jeito, a três e pelo semblante dela parecia que já incomodava ou angustiava.

 

No caminho vimos acidente na rodovia e ela comentou que a vítima dificilmente sobreviveria. Perguntei como ela sabia. Resposta: “porque ele estava entubado”.

 

Um dia descobri que ela mudara para Maceió, Alagoas. Ela tinha meu email. Me disse por telefone que cansara de São Paulo, que queria dar um tempo de maternidade, vira muita coisa difícil. Pensei, na ocasião, estaria fugindo? Por acaso, anos depois eu e minha esposa passamos uns dias de férias em Maceió. Tentei reencontrá-la, sem sucesso.

 

Em 2016 me tornei membro do Facebook, o que facilitou, um poço, meu contato com ela, que por meio do Messenger me mandou o seguinte: “Oi meu amigo. Como vc está? Estou bem em falta com vc, me desculpe. Quero poder sentar sem pressa e conversar com vc bastante, mesmo que seja por e-mail rsrs.”

 

Desconfiei dessa mensagem, tinha algo errado. Em um telefonema ela me disse que estava com câncer, porém bem. Minhas desconfianças aumentaram. Encaminhava mensagens por email e nada. Pela página do Facebook a questionava.

 

Em 14 de junho de 2018 escrevi: “Ana, tudo bem por aí? Como vai de saúde? Lhe pedi para me informar a respeito. Bjs.”. Em 26 de junho de 2018: “Vc é de Câncer e meus Parabéns pelo Aniversário! Mas p q não me fala da sua saúde? Não somos mais amigos?”

 

No dia 13 de julho me respondeu: “Meu querido vc sempre será meu amigo, mas digitar não é legal. Vou falar pelo wapp, ok? Bjs”. Mas não ligou.

 

No dia 29 de julho de 2018 me mandou a seguinte mensagem pelo Messenger, o que me deixou um pouco desconcertado: “Sonhei com vc. Passeávamos juntos e conversávamos de mãos dadas.”. Pensei: o sonho falava de um passado ou de um futuro? Parecia uma cena tirada do passado quando encaminhávamos de volta do curso de inglês. Ou seria uma visão de um reencontro futuro de amigos, pós-morte?

 

No dia 12 de agosto de 2018, ela me mandou mensagem pelos dias dos pais, via whatsapp. A mensagem era capciosa, nada dava para entender se ela falava para mim, para Deus ou para o pai que já falecera. E eu respondi falando do céu do céu e sobre aqueles que já passaram.

 

Finalmente no dia 20 de agosto de 2018, me encaminhou cartão virtual que dizia que “perto ou longe, os amigos estariam sempre conectados pelo coração” e me desejava bom dia. Respondia com outro bom dia. A partir daí ela calou. Naqueles dias eu estava lendo o livro forte e complicado, “Diálogos”, da Santa e Doutora da Igreja, Catarina de Siena. Foram dias que eu me sentia angustiado, com sonhos estranhos, até me perguntava se eu estava prestes para morrer.

 

Disparei..., com uma raiva no peito e ao mesmo tempo toda uma ternura, carinho, amor, compaixão por Ana Cristina, para a prima dela, V.P:

 

Eu pedi tanto para ela me falar dela, como estava, sobre a doença. Mas ela não quis. Nos conhecemos adolescentes, fizemos curso de inglês juntos, frequentava a casa dela, na Tijuca no Rio, conheci o Pai dela, às vezes nos falávamos por telefone qd ela trabalhava em SP. Depois foi para Maceió. Ela fugiu de mim, eu perguntava como ela estava e não me respondia. A última mensagem dela foi no dia 20/08/2018, qd me mandou um cartão via Whatsapp dizendo que "Perto ou longe os amigos estariam conectados".

 

 Pena que ela não me deu a chance de me despedir dela. De falar uma palavra amiga.... Dar uma força...

 

Qd jovem tentei até namorar com ela, não quis, mas permanecemos amigos até hoje...

 

 Muito sentido... Pelo Adeus e por ela ter me escondido. Independente disso, permanecerá em mim, como sempre esteve!

           

A prima dela indicou: “A partir dessa data (20/08) ela não saiu mais do hospital!! Piorou!!”. Foi cremada ontem as 00:00 hs!!. Ainda não estou acreditando!!. Estive lá dia 17, 18 e 19 /08!! Acreditava que ela seria curada!! Ela queria viver!! Por isso que não queria falar que estava doente!!

 

Comentei que Ana nunca entrou em detalhes da doença, me escondia.... . Foi um adeus, e ela pensava em mim, talvez me quisesse por perto, queria conversar, possivelmente não tivesse mais forças.

 

Resolvi descer e jantar sozinho na excelente Trattoria La Mama, por volta das 21h30min. Acabei encontrando, surpreendentemente, dois colegas da FINEP estavam lá. Sentei junto a eles, a conversa fluiu. Me recomendaram experimentar o sorrentino de ciervo, que comi com molho de pommodoro. Estava delicioso. Entretanto quando voltei para o Apart o rosto de Ana me voltou e as lágrimas retomaram.

 

No dia 03/10/2018 foi o dia da Exposição da indústria de petróleo, com foco no gás não convencional. Não havia qualquer standard do Brasil. Sorvi umas taças de Malbec, Rosé e Champanhe, estava precisando. Comi umas empanadas de salmão, no standard da Yacimientos Petrolíferos Fiscales - YPF. Depois fui me encontrar com o grupo da Bahia, que foi batizado de “Óleodum”.

 

Dia 04/10/2018 um mini-ônibus e uma Kombi nos pegaram para levar até ao campo de Fort de Piedra/Vaca Muerta. Três horas para ir e voltar. Lanche e almoço com base nas empanadas e medias lunas. Botas, macacões (mamelucos), capacetes, óculos e protetores auriculares. Palestras.

 

Chegamos tarde aos hotéis. Alguns dos participantes já ficaram pelo caminho para curtirem pela última vez os chorizos e os vinhos Malbec, bem baratos em virtude do peso argentino estar muito desvalorizado. Só dormi uma hora e meia. Um táxi me pegou para passar nos hotéis dos representantes do MDIC e do MCTI, para seguirmos juntos para o aeroporto de Neuquén. O voo partiu às 06h05min. Decolamos sem café da manhã e permanecemos assim porque nesse trecho de 02 horas a Aerolíneas Argentinas só serve água aos passageiros.

 

Em Buenos Aires tivemos o impacto de paralização temporária dos pilotos argentinos, o que durou três horas e implicou em 19 horas de voo de Neuquén até o aeroporto de Buenos Aires, devido aos atrasos e cancelamentos de voos.

 

Cheguei a Brasília – DF depois das 22h00min. Parte do meu coração ficou em Neuquén. Minhas orações por Ana continuaram.

 

Brasília, 13/10/2018.

 


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