DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE X
(A Perseguição em Mumbai)
Robson José Calixto
Ele seguia de novo para Mumbai. O evento em Goa acabara e aproveitaria o tempo livre e espera por conexões para tentar conhecer o Taj Mahal tão falado. Deixava a cidade decepcionado com o que vira em sua visita sobre o que restara da Igreja em homenagem a São Francisco de Assis.
Igreja de São Francisco de Assis, em Goa. Foto: Robson José Calixto.
No voo iogurte e chapati (Oops!) entre as opções de serviço de bordo. Dessa vez estava sob sua própria conta e reservara hotel bem no centro da cidade. Seria a segunda vez em poucos dias que estaria pela segunda vez em Mumbai.
Já conhecendo a “rotina” daquele aeroporto e onde localizavam-se os serviços de transporte, rapidamente recolheu suas malas e pegou um táxi marrom e amarelo-quase mostarda.
De novo multidões andando de um lado para o outro, pessoas acocoradas olhando para um horizonte hipnótico. Outras cortando cabelo, vendendo lanches, necessidades em um cantinho. Viu de novo o barraco com um monte de vasilhames de agrotóxicos estocados no telhado. Trânsito caótico, talvez um pouco melhor do que um dado cruzamento em Teerã, Irã.
Finalmente no hotel, cercado por lojas de tecidos, ambulantes e prédios que precisavam de reforma e pintura nova. Ficou para mais tarde dar uma volta no quarteirão. Precisaria achar algum lugar também para almoçar e comprar algo para mais tarde.
Fez o check-in e pegou o elevador com ascensorista que escaneou o especialista de baixo para cima e de cima para baixo. O especialista se sentiu incomodado com aquele olhar investigativo tão demorado enquanto o elevador subia.
Quarto. Cama. Sem gorjeta para o ascensorista que ficou esperando na porta. Entrou no banheiro para se aliviar porque estava apertado e imediatamente observou a torneirinha dentro box. Afinal para quê essa torneirinha no box, igual a do Hotel Cidade de Goa. Para quê? Tinha pia com torneira, chuveiro, papel higiênico, toalha... Para quê?
Descansou um pouco e depois chamou o elevador para descer até à rua. De novo o ascensorista o olhou como em um movimento de ventilador, de baixo para cima, de cima a baixo. O especialista de novo incomodado pensou: será que o ascensorista é... O especialista franziu o rosto e movimentou o corpo para demonstrar seu incômodo.
Saiu à rua e rapidamente o cheiro forte das especiarias chegaram aos seus sentidos. Açafrão, curry, cardomomo, canela, aniz, pimenta entraram pelas narinas e o tomaram. Muita comida servida ali mesmo na calçada próxima ao hotel em que se hospedara. Eram carrocinhas com panelões ferventes, pratos, colheres. Muitas carrocinhas. Uma feira e muita gente que circulava a pé, de bicicleta. Algumas, como antes já vira, faziam as suas necessidades fisiológicas por ali mesmo. Um perigo.
Resolveu não se arriscar com aquela comida. Atravessou a rua, entrou e circulou pela loja de tecidos. Achou que os tecidos que comprara em Anjuna eram melhores. Resolveu dar uma volta no quarteirão, mas sentia-se observado. Olhou para cima, em direção às janelas dos prédios próximos e nada.
Entrou em um restaurante/bar, sentou e pediu um peixe com arroz. Demorou um pouco e a comida lhe foi oferecida acompanhada de uma colher grande. Solicitou garfo e faca. Comeu um pouco, pagou e saiu. Ainda estava com fome. Pensou o especialista: “- Será que não tinha algum lugar com comida mais próxima a dele?”
Voltou para rua e se deparou com aquele monte de gente caminhando, num sentido e no outro. Dirigiu-se ao hotel e de repente percebeu que havia um grupo de hindus o seguindo. Acelerou o passo e olhou para trás e os hindus continuavam a acompanhá-lo e olhavam para baixo, na direção dos seus pés. Primeiro se preocupou se seria assaltado, depois se questionou: “- O que estava havendo? Por que o ascensorista começara a observá-lo a partir dos pés? E esse grupo de dez pessoas, por que olhavam tanto para os pés dele?”. Finalmente entendeu, estava usando um sapato de cor caramelo e provavelmente os hindus nunca tinham visto igual àquele e por serem muito curiosos e não terem o que fazer, seguiam o especialista hipnotizados pela beleza do sapato novinho e estiloso.
Taj Mahal Palace. Foto: Robson José Calixto.
Acalmou-se e entrou fortuitamente em uma loja de souvenires, também para se livrar dos que o seguiam. Ficaram de fora. Os itens não eram muito baratos. Viu uma miniatura de Ganisha, todavia preferiu comprar peças de madeira de “Buda Feliz”, que daria para a sua mãe e a retomaria após a morte dela, e de elefante com condutor sentado sobre cadeirinha acima da cabeça da miniatura colorida do paquiderme.
Portal da Índia. Foto: Robson José Calixto.
Pagou e saiu. Rapidamente tomou à direita, entrando na avenida principal. Deparou-se com centenas de pessoas rumando de um lado para o outro. Um lado da calçada num sentido e o lado oposto no sentido contrário. Chegou até a frente do Hotel Taj Mahal Palace & Tower Mumbai, na Apollo Bandar, com design bem diferente e que seria alvo de ataque terrorista em 26 de novembro de 2008. Esse hotel fica do lado oposto do Portal da Índia, situado em uma ampla área aberta muito frequentada e que dá acesso a diversas pequenas embarcações que lá ficam ancoradas. O Portal é monumento-registro do período colonial britânico, datando de 1924.
Andando pela redondeza achou uma espécie de Lanchonete/Patisserie bem moderna e de abordagem européia onde pode tomar café, comer uns salgadinhos e levar outros para comer no hotel, o que seria seu jantar, acompanhado de água mineral. Tendo matado a fome, rumou para hotel. Continuaram a observar o sapato dele. Ufa, trocaram o ascensorista.
Tomou um banho e resolveu tirar uma soneca. Acordou, tentou planejar como iria alcançar o Taj Mahal (o Palácio) e resolveu olhar pela janela como estava a movimentação na rua. Estranhamente, mais uma vez, sentiu perscrutado, observado, o que o fazia se sentir mal. Pensou em voltar à janela mais tarde.
Comeu seus salgadinhos de frango. Bebeu água mineral. Apagou a luz e se aproximou da janela para espiar, mas sem abri-la totalmente. Então percebeu o que se passava e o que lhe impunha aquela sensação estranha. Da janela notou que na penumbra, às sombras das janelas, nas partes interiores dos apartamentos do prédio ao lado podia ver corpos se movimentando, cabeças e olhos mirando os transeuntes, os vizinhos, a rua, o comércio, verdadeiros vigias, sentinelas.
Essa vigilância era algo que o especialista já ouvira falar em filmes, mesmo Tomb Raider com Angelina Jolie, quando hindus ficavam escondidos entre rochas, espiando pelas fendas inimigos ou pessoas vindas de fora. Era um comportamento bem peculiar e que lhe trazia um tremendo mal-estar.
Então cansou da Índia, do que já vira, do que sentira por lá, das energias, dos aromas, por tudo o que vivenciara e ocorrera naqueles dias. Tomou uma decisão, contudo isso não o livraria do que ainda estava por vir.
Fim da Parte X. (10 de abril de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.