DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE VI
(O Camareiro)
Robson José Calixto
Durante o voo para Goa, além da Brâmane, a atenção dele se voltou para sons e palavras familiares que lhe chegavam aos ouvidos, não do casal que conhecia, mas de uma família de quatro pessoas falando português de Portugal, bem puxado, que reparara ainda ano aeroporto de Mumbai e que sentara próximo dele. Ele lembrou que Goa fizera parte do Estado da Índia, tendo sido a capital do Vice-Reinado a partir de 1510 e o Governo português teve autoridade nas terras sob sua possessão no Oceano Índico, desde o sul da África do Sul até o sudeste da Ásia, vindo a se fragmentar no século XVIII e ainda mais com o avanço em inglês já em meados do século XX. Ele pensou que se aquela família se dirigia à Goa então permaneciam por lá descendentes das diversas gerações de portugueses que se estabeleceram e a dominaram a região. Bom saber.
Goa, finalmente! Um pequeno ônibus, melhor que o “fantasma” de Mumbai, mas sem ser uma maravilha, pegou os passageiros que se dirigiam ao Hotel Cidade de Goa, próximo à praia de Vainguini, de terra e águas escuras, na ocasião.
Hotel Cidade de Goa. Fonte: Booking.com
Ao primeiro olhar o Cidade de Goa seria um grande condomínio, um luxo se comparado ao hotel que ele ficara em Mumbai. Arejado, de móveis e sofás relativamente confortáveis, amplo, afrescos nas paredes. Fez o check-in, recebeu as chaves e dirigiu-se ao quarto designado para ele. Começou a abrir as malas para já colocar algumas roupas no armário, necessaire. Tirou o porta-dinheiro e colocou em cima de uma de suas malas abertas. Tirou mais umas blusas e calça jeans para se sentir mais confortável. Fazia calor. Foi até o banheiro e lá pela primeira vez observou que havia uma torneira dentro box onde se toma banho. Questionou: “- para quê essa torneira, será que recolhem água dela para lavar o banheiro e o quarto?”.
Foi arrumando os pertences e roupas, as malas estavam uma bagunça. Então lembrou que não perguntara na recepção se o pessoal que iria se encontrar para irem juntos até o Instituto Oceanográfico de Goa deixara algum recado ou marcara alguma coisa. Como ainda não trocara de roupa, saiu do quarto, trancou a porta e foi até a recepção. Lá lhe informaram que os colegas do evento saíram, foram dar uma volta pela cidade e voltariam mais tarde.
Ok. Não demorou a conversa. Dirigiu-se rapidamente ao quarto, observando mais uma vez os afrescos nas paredes, cenas do cotidiano hindu e que contavam histórias sobre como fora o contato com os portugueses e com os asiáticos. Vários homens portugueses usavam bigodes nas pinturas.
Então abriu a porta do quarto e deu de cara com um hindu dentro dele mexendo nas suas coisas. Imediatamente veio à mente o camareiro que ficara o observando no hotel em Mumbai. Uma fagulha o fez lembrar o que lera no livro (Lonely Plant, de 2001 – Saris, swamis & maharanis) sobre a Índia que lá comprara, de que os indianos têm o habito de ficar observando as pessoas. No mesmo livro lera que turistas viajando em Goa, e outras partes da Índia eram roubados quando deixavam os quartos com pertences. Gelou e suou frio ao lembrar que deixara em cima de mala aberta o porta-dinheiro, com algumas notas de dólares em espécie e o resto em travellers cheques.
O hindu também se assustou. Olhou para ele e mudou de cor, ficando sem fala. Ele perguntou, em inglês, o que ele estava fazendo ali. O camareiro respondeu que estava vendo se tudo estava bem, só que o quarto estava todo arrumado e organizado. Ele olhou para as malas abertas, bagunçadas. O camareiro saiu velozmente. Ele remexeu na mala, por sorte, o porta-dinheiro escorregara e ficara no meio de blusas e terno, não conseguindo ser visto superficialmente. Ele sentiu um alívio. Se o tivessem pego ficaria sem qualquer dinheiro, além de cartões. Notou que o camareiro abrira as janelas do quarto, as escancarando – elas não estavam assim, estando na altura do térreo facilmente alguém entraria por ali. Fechou-as, ligou o ar-condicionado.
A tensão diminuiu. O jorro da adrenalina foi regredindo. Agradeceu a Deus por ter voltado rápido para o quarto. Desde então nunca mais deixaria um quarto de hotel sem levar o porta-dinheiro e sem fechar as malas.
Fim da Parte VI.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
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