DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – XIII
(Final)
Robson José Calixto
Finalmente o check-in abriu. Naquele momento a sala de espera já estava bem mais cheia. Quando os passageiros foram chamados para embarcar o especialista sentiu que finalmente tudo aquilo acabaria. Os calafrios vinham e voltavam. A barriga estava estufada de gases. Suava. Precisa urgentemente de ir ao banheiro. Muito tempo segurando as suas necessidades fisiológicas.
As portas se abriram. Passaporte e ticket do voo checados. Ainda lhe restavam algumas rupias; ficou com elas como lembrança. Entrou e colocou suas bagagens de mão no compartimento acima dos assentos e rápido procurou o banheiro mais próximo, sem se importar se iria empesteá-lo ou não. Tudo ficou voltou a ficar em paz.
O voo da Air France foi tranquilo até Paris. A comida mais equilibrada. Algumas imagens e alguns diálogos vivenciados naquela semana voltavam e martelavam a mente dele. Passou um filme com todos os problemas e acontecimentos: o tumulto em Paris na vinda, a perda de conexão em Mumbai, o ônibus-fantasma, o camareiro hindu no quarto no Hotel Cidade de Goa, o pessoal comendo carne sem saber a origem, a dança com as suecas em Mangalore, a italiana na feira de Anjuna, a linda Brâmane, o sapato caramelo, as pessoas que ficavam vigiando as ruas de dentro dos seus apartamentos, o bebê escondido no sári da hindu que pedia ajuda no trânsito de Mumbai, a perseguição nas escadarias do Aeroporto de Deli e a profilaxia que vira na sala de espera. Iam e voltavam, iam e voltavam em sequência meio desordenada.
Questionava-se sobre o porquê de ter se sentido tão mal naqueles dias. Sentia-se ainda perturbado, com as energias vitais impactadas, oscilantes. Seria algo atávico? Não era normal tudo o que sentira. Procurou esquecer. Sentia-se cansado. Dormiu e atravessou com seu sono o fim de noite e madrugada, continentes.
O voo aterrissou por volta das 07 horas da manhã no Aeroporto Charles de Gaule. Sua conexão para São Paulo partiria somente por volta das 21 horas. Precisava achar algo para fazer nesse tempo longo de espera. Não conhecia Paris, só o aeroporto. Decidiu por dar uma volta na cidade, mesmo não sabendo falar francês.
Como não precisava pegar as malas despachadas, com sua mochila rumou para a imigração. Explicou em inglês que gostaria de conhecer a cidade e que o voo dele só iria partir bem tarde. Perguntou como poderia chegar ao centro de Paris. O atendente lhe explicou que havia um ônibus à saída do desembarque que o deixaria bem perto do Arco do Triunfo.
Saiu e se dirigiu ao guichê do ônibus, comprando uma passagem de ida e volta. O atendente lhe explicou onde o ônibus parava e os horários da volta, lhe fornecendo adicionalmente um encarte com a indicação dos vários terminais do aeroporto e mapa com a posição aproximada das principais turísticas da cidade.
O ônibus partiu praticamente vazio. Era janeiro de 2002, a seguir à derrubada das Torres Gêmeas de New York, e ainda estava muito cedo. Se sentiu feliz e excitado por ver o famoso Arco do Triunfo. Desceu do ônibus e observou a rotatória e as estrutura de ruas em raios com origem na Praça Charles De Gaule, o trânsito naquela manhã estava tranquilo naquela manhã, muito diferente do que vira em reportagens televisas sobre o lugar.
Rodeou o Arco do Triunfo, tirou muitas fotos. Admirou as esculturas. Pediu o transeunte para tirar uma foto dele. De lá rumou direto para a Torre Eiffel: vazia. Sim não havia filas para a Torre, as filas que sempre ouvira falar. Nos gramados dela também não tinha qualquer pessoa deitada ou tirando fotos. Tudo muito tranquilo e silencioso, sem burburinhos. Pagou o tíquete e subiu. Já lá em cima encontrou um grupo de meninas estudantes londrinas que estavam de excursão do colégio. Sem aglomerações pode tira muitas fotos e admirar a beleza da antiga cidadela. Os cenários estavam claros, sem névoas, só o vento um pouco mais frio que causava algum desconforto. Como não tinha com quem disputar a melhor posição para tirar fotos, passou um bom tempo por lá olhando tudo e conferindo com o mapa.
O especialista em frente à estatua de Carlos Mago, Notre-Dame, Paris, janeiro de 2002
Foto: RJC.
Desceu da Torre e foi para a Catedral de Notre-Dame, de tantas histórias, tudo a pé, o especialista sempre gostou de conhecer as cidades a pé. Entrou em silêncio na Catedral e logo viu a imagem de Sainte Jeanne Darc e, depois, de Sante Therese de Lenfant Jesus. Admirou as estolas, os cálices e âmbulas expostas. O presépio ainda estava montado. Fora da igreja observou no alto as gárgulas. Tirou foto em frente à estátua de Carlos Magno (Charlemagne).
Estava com um pouco de fome e observou que à direita havia um Café e Salão de Chá, o Aux Tours de Notre-Dame. Ao atendente vestido de dólmã, que trabalha em uma estrutura com fogão e chapas circulares, do lado de fora do Café, pediu um crepe ao Trois Fromages (Três Queijos). Ainda delicioso, o especialista acho que nunca comera um crepe tão gostoso.
Resolveu conhecer a famosa Av. des Champs Elysées, passando primeiro pelos Jardins des Tuileries. Fazia sol. Se sentia feliz. Passou por algumas boutiques com preços caríssimos. Poucos carros transitavam. Tinha a plena certeza que o ataque no 11 de Setembro de 2001 tinha realmente alterado a vontade dos turistas visitarem à Cidade Luz, com medo.
A fome lhe voltou e ele resolveu tomar um desvio para achar algum lugar onde pudesse comprar algo para comer. Encontrou uma padaria. Lá foi a primeira vez que viu os franceses carregando seus pães debaixo das axilas. Pediu uma baguete com atum e salada de alface e tomate, aproveitando para comprar uma garrafa de vinho francês.
Arco do Triunfo. Ônibus para o Aeroporto. Ficou um pouco apreensivo pois passava por diferentes terminais e não chegava ao seu, que era o último. Passou pelo embarque e vistoria com o seu cartão. Aproveitou o tempo que tinha para ir ao Free Shop onde comprou um Channel No. 5 para a sua esposa.
No avião sentou do lado de mulher. Com muitas horas de voo para o Brasil eles puxaram conversa. Ele contou que estava voltando da Índia e suas aventuras naquele país. Ela disse que não se espantava com que ouvia, pois também já estivera na Índia. Ela contou que fizera uma viagem à Índia de trem e na viagem precisou ir ao banheiro, tendo que passar pela cozinha. Ao passar por lá olhou um grande tonel com água e algumas verduras e frangos boiando, quando de repente veio à superfície um hindu que estava se banhando dentro do tonel. Ela tomou um grande susto e depois não comeu mais nada durante o resto da viagem naquele trem. O especialista ouviu aquilo meio cético, também não duvidou, mas não sabia se aquilo fora a verdade.
Finalmente Brasil. Passado algum tempo recebeu ligação do Alexandre Leal, Assistente do Programa GloBallast no país. O especialista contou suas peripécias na Índia, informando que decidira voltar antes e que acabou não conhecendo o Taj Mahal.
Alexandre lhe contou detalhes de suas férias na Índia e no Nepal. Disse que ele e sua esposa adoraram o Nepal, comprando itens ótimos bem baratos. Adicionou que tiveram problemas no Taj Mahal, compraram um sanduíche por lá e a esposa dele passou muito mal, tendo que ser hospitalizada com problemas intestinais, quase morrendo. O especialista disse: “- Mas Alexandre eu não avisei a vocês que lera no livro que comprei em Mumbai que era perigoso comer sanduíches, comida por lá, que uns dinamarqueses morreram ao fazer isso?”
Alexandre também contou que o casal fizera passeio de barco no rio Gânges. A esposa dele passava a mão nas águas do rio quando tocou em algo e viu que era um bebê morto enrolado num pano, o que lhe causou muito impacto. Alexandre explicou ao especialista que na Índia em regra os mortos são cremados em pira, mas mulheres grávidas e bebês mortos são enrolados em uma espécie de lençol e lançados ao rio.
O mais perto que o especialista chegaria da Índia seria o Irã.
Fim. (01 de maio de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.