Desde um distante cinco de outubro de 1981, quando os dois times mais populares de Teerã, o Esteghlal e o Persepolis , jogaram naquele mesmo campo, mulheres não são permitidas nas arquibancadas do Azadi, com capacidade para 80 mil pessoas. Algumas até puderam acompanhar partidas de forma esporádica, como na final da Liga dos Campeões da Ásia, em 2018, mas sem comprar ingressos, como no duelo de hoje.
Não existe uma lei que proíba as torcedoras — apenas interpretações feitas por algumas autoridades, que acabaram sendo adotadas pra valer. Isso não impede que as iranianas, há muito são apaixonadas pelo futebol, exijam mudanças. Ao longo dos anos, foram feitas algumas promessas, mas foi apenas depois de uma tragédia que as intenções começaram a sair do papel.
Em março, a jovem Sahar Khodayari tentava assistir ao seu time de coração, o Esteghlal, usando uma tática comum entre as torcedoras, mas altamente perigosa: se vestir de homem para enganar os policiais. Assim como as jovens do filme “Fora de Jogo”, do cineasta Jafar Panahi, ela foi detida, mas seu destino foi diferente do das protagonistas da ficção. Ao saber que seria processada e poderia ficar presa por até dois anos, se imolou diante do tribunal em setembro, morrendo dias depois .
Em um país que se orgulha de seus mártires, a morte de Sahar viraria bandeira do direito das mulheres frequentarem todos os lugares, inclusive as arquibancadas. A história da “ Menina Azul ”, uma alusão a uma das cores do Esteghlal, ganhou o mundo, chegando à sede da Fifa, em Zurique. A ameaça de suspender o país de torneios internacionais e o baixo interno apoio à proibição, mesmo entre os mais conservadores, abriu caminho para novas regras.
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Porém, a mudança não foi exatamente como as torcedoras queriam. Para o jogo de hoje, 3.500 lugares foram reservados para mulheres, contrastando com os mais de 75 mil disponíveis para o resto do Azadi, “ liberdade ”, em persa.
— Mulheres serão permitidas no estádio, mas em um número pequeno, o que provocou uma controvérsia, é um número ridiculamente pequeno, e o pior de tudo isso é que eles construíram grades e deixaram espaços entre a torcida e o resto do estádio — afirmou Pasha Hajjian , fundador do podcast Gol Bezan, dedicado ao futebol iraniano. No ano passado, elas puderam assistir a duas partidas da seleção iraniana no estádio, porém o time estava jogando na Rússia, na Copa do Mundo, e o jogo passou em telões.
Para Jasmin Ramsey , diretora de comunicação do Centro para Direitos Humanos no Irã, apesar de oferecer os ingressos, o Irã está longe de seguir os compromissos de igualdade no esporte exigidos pela Fifa.
"Essas restrições, que impedem que as mulheres acompanhem o jogo em pé de igualdade com os homens, deixam clara a necessidade de pressionar o Irã até que ele cumpra totalmente os estatutos da Fifa e coloque fim a essa política discriminatória", afirmou, em comunicado.
Ela também afirma que jornalistas e fotojornalistas mulheres relataram dificuldades para obter credenciais de imprensa, ou tiveram seus pedidos negados. Além disso, a TV estatal que possui os direitos do jogo não decidiu se vai transmitir o duelo, ou mesmo se vai mostrar as mulheres nas arquibancadas.
Segundo a ONG Open Stadiums , que luta pelo direitos das torcedoras, elas também deverão entrar por uma entrada separada, muito distante dos assentos. Por outro lado, há iniciativas positivas do lado de fora dos portões. Um aplicativo de transporte vai oferecer traslado gratuito entre o estádio e as estações de metrô mais próximas. No Twitter, a empresa disse que “essa não é uma partida como as outras, porque será acompanhada por alguém especial. Desta vez, torceremos todos por nossa seleção”.
Por enquanto, a permissão para que as mulheres voltem ao Azadi vale apenas para esta partida, e as autoridades não disseram se ela será aplicada à próxima rodada do campeonato nacional, no dia 21, ou no próximo jogo oficial da seleção no país, em março do ano que vem. Até lá, as torcedoras ficarão na expectativa de poder adaptar às arquibancadas os versos de uma das poetas mais famosas do Irã, Forough Farrokhzad , “eu vou saudar o Sol novamente; vou saudar a corrente que uma vez passou por mim”.