TIRADENTES - Não faltam ipês em Tiradentes . A árvore nativa do Brasil está em quase todas as suas esquinas. Do lado da Igreja Matriz, um pé floreia em amarelo toda primavera. Entre as casinhas históricas, que hoje abrigam restaurantes , museus e lojinhas, há diversos deles, que desabrocham em branco e roxo. Em meio ao verde da Serra de São José, que envolve o município, é possível avistá-los de quase qualquer ponto da cidade. Com 30 metros de altura, as árvores dão às ruas dessa cidade mineira um colorido único. Suas esquinas, no entanto, contam uma história bem menos bucólica do Brasil .
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Um dos símbolos da exploração do Ciclo do Ouro, Tiradentes nasceu em 1718 como Vila de São José, em homenagem ao príncipe de Portugal na época. Foi rebatizada em 1889 para relembrar a morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que nasceu no local e foi o único condenado à morte pela Inconfidência Mineira . Enforcado em praça pública no Rio, no dia 21 de abril de 1792, teve partes do seu corpo expostas pela Estrada Real .
Atualmente, são 13 permanentes, mas ao longo do ano outros 10, em média, acontecem. Dos fixos, o Festival de Gastronomia, em agosto, "transformou a cidade" quando chegou, há quase 20 anos, como conta Ana Carolina Barbosa, coordenadora da Tiradentes Mais, associação que reúne empresários e artistas locais em prol do turismo:
— A cidade foi se desenvolvendo de acordo com o festival. Foram abertos restaurantes, e a hotelaria foi se desenvolvendo, para receber mais turistas. Virou um ciclo. E a boa infraestrutura atraiu ainda mais festivais.
Hoje, Tiradentes é conhecida justamente pela sua diversidade gastronômica, que já vale a ida até lá. Ainda assim, há muito a ser explorado além da cozinha. Para continuar na pegada histórica, a Maria Fumaça é programa para toda a família. O trajeto (R$ 70)de 45 minutos vai até São João del-Rei.
A Serra de São José tem trilhas de todos os níveis, quedas d’água, piscinas naturais e diversidade de fauna e flora.Ela garante também as paisagens do trajeto até Bichinho, distrito do município de Prados, ao lado. Por lá, as simpáticas casas ficam abertas vendendo peças de artesanato.
Primeiro, olhe para baixo. O calçamento de Tiradentes é uma boa forma de descobrir seus personagens, sua história e sua trajetória de preservação.
O chão é todo de pedras. Mas uma visão mais atenta vai mostrar que elas diferem entre si. As do meio, grandes, são as “solteironas”, que, como nos explica Fabrício Rodrigues, um dos guias locais, foram assim nomeadas pela sua dificuldade “em se ajustar”. O apelido machista, é claro, vem de outros tempos.
No fim da década de 1930, o Iphan, ao tombar a cidade como Patrimônio Histórico, determinou obras de preservação para manter as características históricas de Tiradentes. E o calçamento de pedra, marca dos tempos da colônia, precisou ser refeito. Foram então usadas as tais “solteironas”. Nas laterais, no entanto, permanece o chão original. De pedras menores, o chamado chão pé de moleque foi todo construído pelos escravos no séc XVIII.
O calçamento é só uma das formas de entender a história de Tiradentes sob o ponto de vista dos escravizados. Conhecer os becos e ruelas da cidade é outro jeito de entender o país por essa perspectiva.
— Muitas pessoas que retornam para Tiradentes já fizeram aquele tour mais tradicional. Pensamos em narrar a partir de outros aspectos tão importantes quanto, mas que não entravam no básico da cidade — explica Rodrigues.
Ele se refere ao Tour dos Becos, da agência Estrada Real. O passeio descortina Tiradentes não pela rua principal, onde circulavam os nobres, mas pelas ruelas atrás das casas, os únicos locais onde os escravos podiam andar.
Um olhar diferente
São nelas, por exemplo, onde estão as senzalas. Chama atenção o tamanho minúsculo das janelas dessas construções. Eram os únicos pontos de circulação de ar para centenas de pessoas. Também resistem por lá pés de ora-pro-nóbis, erva de alto valor proteico usada pelos escravos para completar a refeição. Até hoje, muito comum nos pratos da região.
A parada na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde congregavam os alforriados, é obrigatória. Santos negros e imagens do candomblé contam um pouco da história do sincretismo brasileiro.
A Guerra dos Emboabas (1707-1709), cujas batalhas entre bandeirantes paulistas e a corte deram nome ao Rio das Mortes, ocorreram ao redor do centro histórico. A Inconfidência Mineira (1789) e a saga de Tiradentes (1746-1792) também são histórias contadas no tour.
Por essas ruas alternativas também se chegam aos pontos turísticos mais visitados, como a Igreja Matriz, que tem a segunda maior concentração de ouro do Brasil (482kg). Não deixe de observar os passos, capelinhas minúsculas a cada esquina. O guia vai atentar para elas.
Para ver tudo de um ponto só, suba até a igrejinha de São Francisco e aproveite a visão do mirante.
Trilhas, cachoeiras e pássaros no caminho
Cachoeira do Carteiro Foto: Divugação
A Serra de São José, que contorna Tiradentes, não passa despercebida. Porém, muito além de compor bem para as fotos de viagem, o maciço, que está dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA), tem opções para os fãs de ecoturismo.
Os trilheiros vão se animar com as possibilidades: dá para fazer a travessia inteira pelas montanhas, em uma caminhada de seis horas, com paradas para admirar o belo visual, em pontos que chegam a mais de mil metros de altitude. O trajeto, apesar de longo, não é difícil e pode ser realizado por iniciantes.
Mas quem não quiser encarar a jornada inteira pode “cortar” a travessia em pedaços menores. A trilha do carteiro é uma das opções mais compactas. O trajeto foi todo calçado pelos escravos no século XVIII para facilitar o transporte do ouro. São quatro quilômetros e cerca de três horas de caminhada dentro da Mata Atlântica até o topo da serra, com parada na Cachoeira do Carteiro.
Outra pedida curta é a Trilha do Mangue, a mais leve da serra. Com apenas 1km de extensão em uma caminhada praticamente toda plana, o ponto de chegada é a cachoeira de mesmo nome, onde o ouro foi explorado à exaustão no século XVIII. Ipês e orquídeas proliferam e colorem o percurso.
Além das trilhas a pé, há diversas outras formas de se adentrar pelo verde da região. Agências locais oferecem cavalgadas no pé da Serra de São José. O passeio, guiado, pode ser feito por crianças acima de 6 anos e, além das belezas da Mata Atlântica, o trajeto passa colado aos imponentes paredões de arenito das montanhas.
Não é fã de caminhar nem de andar a cavalo? Não se preocupe, pois é possível chegar às cachoeiras, mergulhar em rios e percorrer a mata também em tours guiados de bicicleta. O cicloturismo é um dos programas que mais atraem os turistas. Além de trajetos pela natureza, o passeio visita parte da área rural, em sítios e fazendas. E pode ser feito por crianças acima de 10 anos.
As trilhas também são muito procuradas para observação de aves. Já foram catalogadas mais de 400 espécies na região, além de cerca de 100 tipos de libélulas. A pousada Aromas da Montanha é uma que oferece o passeio guiado de birdwatching por lá.
Mas em qualquer caso, o aviso é sempre o mesmo: nunca vá sem um guia.
Um dos passeios mais recomendados para quem vai a Tiradentes é dar um pulo no distrito de Bichinho, no município vizinho de Prados. São apenas 30 minutos de distância, mas o percurso pela estradinha que leva até lá deve ser apreciado com calma. Durante todo o caminho, pequenas propriedades rurais com a quase onipresente Serra de São José ao fundo dão o toque rural à viagem. E há várias formas de fazer o trajeto, além de dirigindo. Agências locais oferecem a travessia em triciclos, cavalgando ou pedalando. A vantagem, nesses casos, é que dá para fazer pequenos desvios e conhecer algumas das propriedades da região.
Bichinho, cujo nome oficial é Vitoriano Veloso, também surgiu na época da exploração do ouro da região, mas entrou na rota turística pela produção do seu artesanato e pela revenda de móveis de demolição. Sua popularidade cresceu na década de 1990, através do artista plástico Antônio Carlos Bech, que criou a Oficina de Agosto. Além de loja, era uma escola de artesanato que começou a atrair outros artistas.
Hoje, além da oficina e loja, que permanecem abertas, quase todas as outras casas da rua principal desse distrito ficam de portas abertas, com produtos como peças de decoração, tecidos, móveis, quadros e obras de paisagismo e jardinagem. Vale caminhar para conhecer (e comprar). O trajeto é ideal para ser feito em uma tarde.
Não deixe de conhecer a Casa Torta que, como o nome, tem formato bastante peculiar. O centro cultural, elaborado por Renato Maia e Lu Gatelli, tem apresentações teatrais, brincadeiras para crianças e um café delicioso.
Carolina Mazzi viajou a convite da associação Tiradentes Mais