RIO — "Diz aí, 'vô', o que é que tinha aqui na Praça Mauá no seu tempo?", pergunta o chef Rigo Duarte, de 37 anos, a seu avô, Basílio Augusto Moreira, o único fundador vivo do Angu do Gomes.
— Ah, muita sacanagem, né? — responde Basílio, do alto de seus 90 aninhos completos na última quinta-feira.
O chef e herdeiro da marca que completa 64 anos em dezembro e o recém nonagenário comemoram a longevidade de Basílio e do Angu do Gomes, que foi resgatado em 2008, com uma festa fechada a amigos e familiares no próprio restaurante, na Saúde, neste sábado. No cardápio, terão muitas histórias, "causos" e, claro, angu.
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Português do Monte, Basílio chegou ao Rio aos nove anos de idade e chegou a ser engraxate. Ele foi morar no Centro em uma época bem diferente.
— Era uma coisa muito linda e elegante de se ver. Todo mundo só andava muito chique, de terno, bengala e chapéu — se lembra Basílio.O jovem português chegou ao angu através do pai de seu sócio, o também português Manuel Gomes. A inspiração veio na Praça Quinze, onde uma baiana preparava o angu em uma lata grande e vendia. Gostando da ideia, eles montaram o primeiro deles na Central do Brasil, no início dos anos 50 e o povo gostou. Nesta época, o angu, que ainda não era do Gomes, pois só seria patenteado em 1955, vendia uma média de 100 pratos por dia. Com a expansão do negócio e a criação da marca, eles chegaram a ter carrocinhas que vendiam 400 pratos em um dia, principalmente, durante o carnaval.— No auge, na década de 70, chegamos a ter 80 barraquinhas e também um restaurante na Rua São Francisco da Prainha, aqui na Saúde. Vinha muita gente famosa — disse Basílio.
E a classe artística realmente ia em peso. Roberto e Erasmo Carlos eram clientes e compareciam muito na Praça Quinze. O sambista João Nogueira, que era um frequentador assíduo, cita o angu famoso em um trecho da música "Espere oh! nega", do disco "Espelho", de 1977. João chegava a ligar para Basílio para pedir que a casa não fechasse enquanto ele não chegasse depois dos shows. A Vó Maria, a sambista viúva de Donga, também fez parte da história da marca que, em sua primeira encarnação, parou de existir no início dos anos 90.
— Meu avô teve muitos problemas com a nova Vigilância Sanitária, com produtos que encareceram demais, como os miúdos, e também com funcionários que vendiam o angu por fora enchendo ele de água, acabando com a qualidade — disse o chef.
A retomada
O estalo para o retorno se deu quando Beth Carvalho, ao completar 60 anos em 2006, quando a marca nem tinha voltado, contratou o angu por meio de Rigo, que cursava gastronomia, para a sua festa de aniversário por intermédio de Zeca Pagodinho. Lá, o chef percebeu o quanto o mundo do samba sentia falta da iguaria. Um pouco antes, o irmão de Rigo, o músico Diogo Duarte, fazia em 2003, no boêmio Bar do Bode Cheiroso, na Tijuca, um samba chamado Casca, que significava Confraria dos Amigos do Samba, Choro e Angu — sendo este último preparado por Rigo.
— Eu aprendi a fazer com o meu avô mesmo, já que em todo aniversário lá em casa era na base do angu — disse Rigo.
Com o sucesso do samba, os dois irmãos decidiram que abririam um bar juntos. Porém, Diogo morreu após voltar de uma apresentação com a OSB, onde tocava, quando uma árvore caiu em seu carro. Assim, Rigo adiou um pouco o sonho até encontrar o sócio Marcelo Cavalcanti. Juntos, eles reergueram o Angu do Gomes em 2008, na Saúde, e para o júbilo de Basílio. Na primeira volta da retomada, o bar só cabia 30 pessoas. Há seis anos, eles conseguiram migrar para um sobrado que abrigava um antigo bar, no Largo de São Francisco da Prainha, onde estão até hoje. Agora, eles também mantém uma casa em Botafogo, aberta ano passado.
E, em tempos de lugares históricos sofrendo ameaças de fechamento, qual é o segredo para se manter um negócio com tanta história na cidade?
— O empenho que nós temos com o angu até hoje é o segredo, além de ser para todas as idades e classes sociais — finaliza Basílio.