RIO - Se fosse um roteiro de filme, a luta para colocar o Festival do Rio 2019 de pé teria seu clímax três meses atrás. Foi ali, em setembro, que os organizadores de um dos mais revelantes eventos cinematográficos do país divulgaram um comunicado oficial para anunciar o risco real de cancelamento por falta de recursos. Mas o final do episódio da “franquia” foi feliz, e sua 21ª edição começa na próxima segunda-feira (9) em diversas salas da cidade.
— Não era marketing: o festival não ia acontecer. A partir dali surgiu um movimento de pessoas fazendo o bem para a cidade — diz Ilda Santiago, diretora do festival. — Foram quase 2 mil pessoas ajudando com quantias diversas.
Apesar do tom de gratidão, a situação é delicada. Os R$ 627 mil arrecadados em financiamento coletivo são apenas 14% dos R$ 4,5 milhões gastos para fazer o evento em 2018 — o orçamento deste ano Hilda não revela. A diretora reconhece que não era a favor da criação de uma vaquinha online, e chegou a dizer que o Festival do Rio “não se sustentaria” com os valores arrecadados entre fãs. Além disso, havia a preocupação de que o apelo a este tipo de estratégia afastasse de vez potenciais empresas patrocinadoras, fundamentais desde que o evento perdeu aportes da prefeitura (em 2017) e da Petrobras (este ano). Mas o efeito foi o contrário.
— O grande poder das redes é a mobilização. Há empresas sensíveis que perceberam o movimento das doações e ajudaram com quantias também. É interessante daqui para frente estreitar relações com elas e aprimorar estes patrocínios, que serão importantes para nossa reconstrução.
O efeito da instabilidade é visível, é claro, na programação desta edição. Ilda teve que repensar a logística em várias frentes, incluindo a data do festival, que tradicionalmente ocorre entre setembro e outubro. Em 2018, a mostra já havia sido empurrada para novembro, também por problemas financeiros.
— Nos últimos dois anos, reduzimos os convidados estrangeiros. Em 2019, infelizmente, estamos trazendo menos filmes de fora — diz a diretora, que também tenta ver o copo meio cheio. — Já o adiamento para dezembro tem fatores positivos. Nossa ideia é que essa edição seja uma grande abertura do verão no Rio. Já vai ter muita gente de férias curtindo a cidade.
Na sessão de abertura, dia 9, será exibido “Adoráveis mulheres”, da americana Greta Gerwig (“Lady Bird: A hora de voar”), primeiro da fila de 100 filmes estrangeiros programados — metade da quantidade exibida no ano passado.
A pouco mais de dois meses do Oscar, a proximidade de datas esquenta o interesse por títulos que estão na mira da premiação de Hollywood, cujos indicados saem em 13 de janeiro. “O escândalo”, de Jay Roach; “Jojo Rabbit”, de Taika Waititi; “Uma vida oculta”, de Terrence Malick; e “Judy”, de Rupert Goold, são alguns dos títulos que passarão pela mostra carioca.
Já a Première Brasil, com 83 obras entre curtas e longas de ficção e documentários, foi afetada de forma direta pelo adiamento, pois obras que poderiam estrear no festival já passaram por outras mostras.
Um exemplo é “Acqua movie”, de Lírio Ferreira, estrelado por Alessandra Negrini, que esteve na 43ª Mostra de São Paulo. Outro é “A febre”, de Maya Da-Rin, vencedor do Festival de Brasília, no sábado passado, após ter ganhado prêmios internacionais. Há poucas exceções, como “Pureza”, longa de Renato Barbieri protagonizado por Dira Paes, e “Quando a morte socorre a vida (M8)”, de Jeferson De.
— Muitos realizadores questionaram se não seria um problema suas obras terem uma trajetória prévia em outros festivais. Isso não atrapalha. Queremos que os filmes brasileiros sejam cada vez mais vistos — defende Ilda.
Mas, apesar do alívio ao ver o festival que comanda há duas décadas sobreviver, o foco da diretora é recuperar os patrocinadores de peso para 2020. E, se começamos este texto com comparações cinematográficas, Ilda olha para frente fazendo um paralelo com o evento mais tradicional da cidade:
— Aqui funcionamos como uma escola de samba no carnaval: quando ela está entrando na Sapucaí, já tem a cabeça no desfile do ano seguinte.