Jiló tem gosto de castigo, de comida ruim, amarga, que a gente é obrigado a comer quando é criança “porque tem que comer de tudo”. Fato, fake ou apenas preconceito?
— Preconceito. As pessoas pensam comida em blocos: tem comida de casa, comida de botequim e comida de restaurante — diz Roberta Sudbrack, que já dedicou cardápios a ingredientes pouco populares como chuchu e maxixe.
Consulte aqui: Guia Rio Show de Gastronomia
Ingrediente raríssimo nos menus de restaurantes, o fruto tem espaço garantido nos botequins. E não é de hoje. Além de barato, permite as mais variadas preparações e o amargor amacia uns bons tragos.
— O jiló é vagabundo por natureza, não consegue ficar sofisticado — brinca Raphael Vidal, da Casa Porto.
No quadro de cardápio, sempre está o jiló em conserva, com cebola roxa, bem com cara de boteco. Mas tem também a sacanagem de jiló, um espetinho com batata calabresa, jiló, queijo gratinado no maçarico e geleia de pimenta. Volta e meia ele aida aparece no almoço, seja à parmeggiana ou à milanesa.
Felipe Quintans, do Bar Madrid, também sai em defesa do coisa ruim.
— Não é considerado um alimento nobre. As pessoas acham que jiló é comida de passarinho ou de estufa de boteco — brinca Felipe, que serve duas opções no seu bar.
A chef Nathalie Passos, do Naturalie, em Botafogo, esteve lá para experimentar uma delas, mas acabou comendo as duas: o pastel de jiló com linguiça e o recheado com camarão, gratinado no forno com mozzarella, molho de tomate e orégano (R$ 18).
— Nunca tinha comido jiló assim. O ponto está perfeito. E esse pastel eu já gostei só de olhar para a massa — elogiou Nathalie, que, apesar de ter um restaurante de vegetais e adorar jiló, só come mesmo na casa da mãe e explica o motivo de não colocá-lo no menu. — Está no inconsciente coletivo: as pessoas dizem que jiló é a pior comida do mundo. Fica difícil incluir num cardápio de restaurante.
Mas em boteco é fácil Da cozinha afetiva nordestina do Kalango, na Praça da Bandeira, saiu a caponata do sertão (R$ 22), servida com massa de pastel em vez de torradas.
— Tem jiló, maxixe, quiabo e jerimum. Tem tudo o que o povo não gosta — diz o criador do prato, Emerson Pedrosa.
Depende do povo. O francês Frédéric Monnier comeu, gostou, e repetiu.
— Isso aqui é muito bom, é um ratatouille do sertão. — elogiou o chef. — Você só sente o jiló no final. Não consigo parar de comer.
No Rio há 19 anos, ele só experimentou jiló quando chegou por aqui, na casa da sogra. Ainda que seja um sabor difícil, Monnier deu um jeitinho bem carioca de incluir o ingrediente no menu do extinto Casarão Ameno Resedá, no Catete.
— Era recheado com carne e linguiça e gratinado com queijo. Servia como couvert— relembra o chef sobre a ousadia da escolha para a casa de shows. — Lá era escuro. Quando se davam conta, já tinham comido e gostado.
Já um outro francês torceu (um pouco) o nariz. Foi Jérôme Bocuse, filho de Paul Bocuse, o criador da nouvelle cuisine, quando esteve no Brasil, em 2014. Experimentou o guacamole de jiló do Bar do Momo, com linguiça, tomate, cebola e tomilho.
“Gosto do sabor como um todo, mas talvez seja um pouco amargo para o meu paladar”, disse na época.
Toninho não se abalou com a crítica. Primeiro por ter apresentado um ingrediente a um chef gringo. Depois, porque o guacamole virou um petisco emblemático no Momo e na Liga dos Botecos (R$ 23,90). Foi Toninho, aliás, que deu o toque final no prato do Bar da Frente, na Tijuca, o chips de jiló com vinagrete.
— Ele meteu o bedelho e deu umas dicas no vinagrete — conta Mariana Rezende.
Sempre buscando um toque de originalidade nos petiscos, David Bispo, do Bar do David,criou um acarajé com massa de jiló com queijo, recheado com carne, bacon, calabresa e servido com couve frita e vinagrete de jiló.
— O jiló tem uma importância forte nos botecos, principalmente nos de Minas. Fiz duas homenagens num petisco só: aos mineiros e aos baianos. Mesmo quem não gosta de jiló se amarra — conta David, que acaba de abrir uma filial de seu bar do Chapéu Mangueira na Barata Ribeiro.
Apesar da concorrência forte do bolinho de camarão, o de jiló, com massa de salgadinho e recheio de jiló e linguiça (R$ 5,50), do Bracarense, “vende para caramba”, segundo Kadu Tomé.
—É uma homenagem ao Joaquim Ferreira dos Santos, que é fã de jiló — conta.
Em alguns bares, para provar quitute com jiló tem que chegar cedo
No Bar do Omar, no Morro do Pinto, nenhum jiló se perde, todos se transformam. Para evitar desperdícios, Omar Monteiro deu como missão para Ana, sua mulher, inventar algum bolinho com jiló. Se deu certo? Bom, a cada fim de semana ele vende, em média, 70 porções do bolinho (R$ 28), que ainda leva linguiça toscana. Detalhe, cada uma com seis unidades. Faz a conta.
Não menos popular é o jiló empanado no parmesão e servido com tapenade (R$ 37,90), do Cachambeer. O amarguinho com o croc do queijo desce que é uma beleza com um chope. No Marín Comes e Bebes, em Botafogo, a pedida para dividir é o jiló Luiz Gonzaga (R$ 24,90), um antepasto do fruto com tomate, balsâmico e pãozinho da casa. Para comer sozinho, dupla de pastel de jiló (R$ 11,95) — é impossível comer um só.
Criativa pacas é a trilogia de jiló do Bar da Gema, na Tijuca: caldinho de jiló (R$ 12), lasanha de jiló (R$ 15) e vinagrete de jiló, carinhosamente chamado de jilógrete (R$ 7). Outro bar que aposta em três versões de jiló é Os Imortais, em Copacabana. O trio ternura (R$ 25,90), na verdade, é uma régua de amargor, com opções para iniciantes, iniciados e para a coluna do meio. Na ordem: chips de jiló à milanesa, jiló na manteiga e alho e jiló à parmeggiana carregado no queijo.
No Bar da Portuguesa, em Ramos, o negócio é diferente. Por lá, jiló tem tratamento de protagonista, é feito aos domingos, e são apenas 50 unidades (R$ 7,50).
— Ele é ensopadinho com molho de tomate com o tempero da minha mãe (Dondon, a tal portuguesa) e muito queijo ralado por cima. É só aos domingos. Acabou, acabou — conta Paulinho Gomes.
Juntos na TV no programa “Mestre do Sabor”, Katia Barbosa e Claude Troisgros são amigos de longa data. Uma parceria que foi parar no cardápio do Aconchego Carioca, na Tijuca. É o jiló do Claude (R$ 27,90), marinado no aceto balsâmico e no mel, com queijo boursin de cabra. Uma criação de Kátia ao mestre, com carinho amargo.
Ponto certo de jiló bom no Grajaú é o bar Santo Remédio. Foi com um petisco de jiló que eles venceram a edição de 2015, do Comida di Buteco. O prato era atrevido: amo ela qui nem jiló: moela, “santo” jiló e o chutney de manga da casa(R$ 32).
— O jiló aqui recebe um tratamento especial. São fritos um a um, na mesma espessura — orgulha-se Wagner Duarte, que ensina o pulo do gato. — Tem que colocar um a um porque eles se amam. Se colocar junto, eles se abraçam e ficam de conchinha.
Destacando ingredientes brasileiros e num cardápio autoral, o Urukum, na Marina da Glória, é um dos poucos restaurantes da cidade a bancar o jiló no cardápio. A sugestão é a guacamole mineira (R$ 32), uma versão brasileira do prato mexicano, com jiló refogado com calabresa e temperado com limão, tomate, coentro e pimenta.
— Essa guacamole está no cardápio desde o lançamento da casa. E eu não encontro nenhuma resistência das pessoas em relação ao prato — garante o chef Jeferson Pacheco. —Pelo contrário, elas ficam curiosas e pedem sempre. E eu gosto disso.
Para provar o gosto amargo
- Aconchego Carioca: Rua Barão de Iguatemi 245, Praça da Bandeira — 2273-1035.
- Bar da Frente: Rua Barão de Iguatemi 388, Praça da Bandeira — 2502-0176.
- Bar da Gema: Rua Barão de Mesquita 615, Tijuca — 3549-1480.
- Bar da Portuguesa: Rua Custódio Nunes 155, Ramos — 3486-2472.
- Bar do David: Rua Barata Ribeiro 7, Copacabana —3298-5975.
- Bar do Momo: Rua General Espírito Santo Cardoso 50, Tijuca —2570-9389.
- Bar do Omar: Rua Sara 114, Morro do Pinto, Santo Cristo — 95905-0680.
- Bar Madrid: Rua Almirante Gavião 11, Tijuca —3594-8526.
- Bracarense: Rua José Linhares 85, Leblon — 2294-3549.
- Cachambeer: Rua Cachambi 475, Cachambi —3042-1640.
- Casa Porto: Largo São Francisco da Prainha 4, Saúde — 97273-0502.
- Kalango: Rua São Valentim 513, Praça da Bandeira —2504-0088.
- Liga dos Botecos: Rua Álvaro Ramos 170, Botafogo —3586-2511.
- Marín Comes e Bebes: Rua Voluntários da Pátria 32, Botafogo — 2266-1561.
- Os Imortais: Rua Ronald de Carvalho 147, Copacabana — 3563-8959.
- Santo Remédio: Rua Barão de Mesquita 922, Grajaú —3217-3515.
- Sud, o Pássaro Verde Café: Rua Visconde de Carandaí 35, Jardim Botânico —3114-0464.
- Urukum: Marina da Glória, Aterro do Flamengo —2556-1201.