Com 1 ano e poucos dias de vida, Maria Luiza Jobim deu os primeiros passos. Um de seus apoios preferidos para exercitar o equilíbrio era o piano de cauda do pai, o maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. A família carioca vivia em Nova York.
Não é pouca coisa: trata-se de uma canção de Tom Jobim que foi gravada por Frank Sinatra em 1967, com versão em inglês assinada pelo respeitado letrista Norman Gimbel. “A maternidade me deu essa coragem. Estou me mostrando de um jeito que nunca havia me mostrado”, revela a mãe de Antonia, de 1 ano e dois meses — o nome da menina é uma homenagem ao avô materno, sim, mas também ao avô paterno, o engenheiro químico Antonio Carlos Figueiredo.
Antonia também foi gerada na temporada nova-iorquina, praticamente junto com o disco “Casa branca”, trabalho independente que chega às plataformas digitais na próxima sexta-feira, dia 25. O título do álbum, composto por nove faixas, é uma referência à propriedade onde a família Jobim viveu no Jardim Botânico. “E à casa interna de cada um”, completa ela, que em agosto lançou o single que dá título à obra, com clipe recheado de fotos de sua própria infância. “O disco tem também uma música que fiz para Nova York, outra para a Antonia, uma baladinha. De modo geral, é uma carta de agradecimento a todo o amor que recebi na minha primeira infância.”
Alexandre Kassin assina a produção do álbum, que define como “eletrônico meditativo”. “Luiza é muito focada, uma artista autossuficiente. Todas as vezes em que nos encontramos, ela chegava ao estúdio com tudo o que queria praticamente pronto, bem programado”, diz. “Meditation”, especialmente, o emocionou. “Todo mundo que é músico é muito fã do Tom. Produzir essa música, então, foi um desafio, um prazeroso desafio. A versão está muito linda”, adianta o produtor musical.
Em breve, Luiza planeja fazer dois shows de lançamento, um no Rio e outro em São Paulo, cidade onde há seis meses vive com o marido, o advogado Paulo Figueiredo, e a filha. Mas fica um pouco temerosa com as apresentações ao vivo. “Palco não é um lugar tão natural para mim. É uma questão que ainda preciso trabalhar. Conversando com a minha mãe ( a empresária Ana Lontra Jobim ), descobri que o meu pai também não era tão de palco.”
Uma de suas referências de showoman é Alice Caymmi, que considera uma “irmã” — Danilo e Simone Caymmi foram integrantes da Banda Nova, grupo de músicos criado por Tom, em 1984, para acompanhá-lo em shows (Danilo ainda é padrinho de batismo e de casamento de Luiza). “Se deixarem, pego a Luiza pela mão e a levo para o palco ( risos )”, brinca Alice. “Lulu é tímida, mas tem muito carisma. Mesmo que ela queira, não fica ruim. Ela faz aquela cara de dúvida, mas sabe bem o que quer. E faz tudo muito bonito. Sempre.”
A timidez veio com o tempo. Em junho de 1998, aos 11 anos e aparelho ortodôntico nos dentes, Luiza mostrava desenvoltura ao cantar “Chega de saudade” no espetáculo “Vivendo Vinicius”, no qual dividia o palco do Metropolitan com Carlos Lyra, Toquinho, Miúcha e Baden Powell. “Eu era uma criança superexibida, cantava Mamonas Assassinas e fazia coreografia de axé para a galera da MPB. Mas era um momento em que eu não era protagonista da minha vida musical”, diz ela. Numa entrevista da época, a cantora contava que seu programa favorito era ir ao shopping, que era fã de Brad Pitt e adorava a música de Shakira. “As pessoas sempre tiveram muita curiosidade sobre mim”, observa. “No início da adolescência, eu me sentia muito perdida.”
Na adolescência, a caçula de Tom tentou se encontrar na cena techno. “A música eletrônica me salvou. De muitas maneiras. Eu ia para os festivais para soltar os bichos, uma catarse. Nunca fui do rolê das drogas. Ia de cara limpa. A dança era uma terapia. Vivia na La Cueva. Foi o momento em que elaborei as minhas perdas”, lembra ela. Aos 7 anos, Luiza perdeu o pai e, quatro anos depois, o irmão João Francisco ( em um acidente de carro no Aterro do Flamengo, em julho de 1998 ). “Foram duas grandes perdas, figuras essenciais para qualquer um... Mas a vida tem muitos ganhos. Acho lindo como existem tantas vidas dentro da vida. Adoro essa sensação.”
Os cursos acadêmicos rolaram em paralelo a projetos musicais: a banda Baleia, na qual interpretava standards de jazz, e o Opala, duo de música eletrônica (calminha, para curtir com fone de ouvido) ao lado do músico Lucas Paiva. “A música sempre foi o pano de fundo da minha vida. Quando nasci, ela já estava lá, eu que cheguei depois. Mas sempre soube que era um lugar sagrado, pois tem relação com a memória do meu pai”, diz Luiza.
No apartamento onde vive, nos Jardins, a memória de Tom Jobim está materializada na forma de duas fotografias, assinadas por Otto Stupakoff, penduradas na parede, e de um piano de armário, no canto da sala. “Era o piano que o meu pai tinha no sítio ( onde ele compôs “Águas de março” ). Esse é o que ficou para mim”, diz ela, que toca ora para exercitar as mãos, ora para a filha. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Adriana Calcanhotto fazem parte do repertório “para ninar Antonia”. “Mundo Bita eu nem preciso cantar para ela porque já toca em casa o dia inteiro. Sério, adoro Mundo Bita e Palavra Cantada, quem diria... Mas a Antonia também escuta tudo o que eu escuto, ou seja, muita música brasileira, de todos os tipos”, diverte-se Luiza.
O peso do sobrenome, ela não esconde, sempre foi uma questão — constantemente debatida nas sessões de análise. “Não é fácil para ninguém, na verdade. Qualquer pai é como uma grande sombra de árvore. Acolhe e, ao mesmo tempo, nos deixa à sombra. Virar um ser independente é muito difícil, um processo demorado. Acho que, depois de 32 anos, estou descobrindo de fato quem sou eu na música. Na verdade, estou fazendo algo que não sei se é o esperado de mim, mas é a minha verdade”, afirma Maria Luiza Helena. “Esse terceiro nome foi uma surpresa que o meu pai preparou para a minha mãe, quando foi me registrar no cartório. Disse que era mais uma opção, caso um dia eu precisasse fugir do país. Não é maravilhoso?”