10 de janeiro de 2020 | 03h00
Depois de três meses de crescimento, o novo recuo da produção industrial faz disparar, de novo, o alerta. Quanto poderá crescer a economia brasileira, e por quanto tempo, com a indústria ainda muito fraca? Ninguém se assusta, em Brasília e no mercado, com o risco de um retrocesso na conformação da economia nacional? A longa e trabalhosa industrialização do Brasil, obtida em décadas de muito esforço e muito investimento, parece haver-se interrompido há pouco menos de dez anos, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O declínio começou, portanto, antes da recessão de 2015-2016. Pelos últimos números, a atividade industrial voltou ao nível de fevereiro de 2009 e ficou 17,1% abaixo do pico atingido em maio de 2011.
Em novembro, o setor produziu 1,2% menos que no mês anterior e 1,7% menos que um ano antes. Foi negativo o desempenho mensal de todos os grandes segmentos – bens de capital, bens intermediários e bens de consumo duráveis e não duráveis. Além disso, de janeiro a novembro o volume produzido foi 1,1% inferior ao de igual período de 2018. A queda acumulada chegou a 1,3% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de alguma reação no segundo semestre, os últimos números da indústria indicaram uma atividade 0,8% menor que a de dezembro do ano anterior. O governo chegou a anunciar uma firme arrancada da economia a partir de setembro. Surgiram, de fato, dados positivos, e muitos economistas apresentaram novas estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e 2020. No entanto, as projeções da atividade industrial permaneceram negativas para o ano passado e modestamente positivas para este.
Em novembro, o desempenho foi pior que o de um ano antes em 18 dos 26 ramos da indústria, em 43 dos 79 grupos e em 53,8% dos 805 produtos cobertos pela pesquisa do IBGE. Também durante o ano os números negativos foram difusos. Não há como desprezar esses dados, mesmo levando em conta a grande importância da indústria automobilística no conjunto da atividade industrial. Os pontos fracos são muito espalhados. Seria mais fácil destacar empresas e segmentos de sucesso, em geral diferenciados pela competitividade e pela maior presença no mercado internacional. A indústria aeronáutica é o exemplo mais evidente. Seria igualmente fácil mencionar segmentos industriais vinculados ao agronegócio, há anos o setor mais saudável e competitivo da economia brasileira.
Não se pode confundir a crise da indústria brasileira com as mudanças em curso, há vários anos, em países desenvolvidos, onde o setor industrial tem perdido peso na composição do PIB. Nessas economias, às vezes classificadas como pós-industriais, tem crescido o peso de setores de serviços muito eficientes e tecnologicamente avançados. O setor de serviços do Brasil continua muito longe desses padrões. A economia brasileira continua muito dependente da indústria, especialmente do segmento de transformação, como núcleo de absorção, produção e difusão de tecnologia, como centro de irradiação de dinamismo e como fonte de geração de empregos formais e com remuneração acima da média do mercado.
No Brasil, a crise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. Este problema, no entanto, vem sendo pouco ou nada discutido em Brasília, no mercado e até na academia.
09 de janeiro de 2020 | 03h00
Mais uma grande safra de dólares será colhida em 2020 pelo agronegócio, setor de maior sucesso no comércio exterior, se nenhum desastre natural ou político atrapalhar as exportações. O risco político, o mais temível neste momento, está situado em Brasília, mais precisamente, na Presidência da República e nos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Nomes conhecidos e respeitados nas áreas da política agrícola, da pesquisa agropecuária e do agronegócio, incluído o ex-ministro Alysson Paulinelli, pedem ao governo muito cuidado em relação à crise até agora protagonizada pelos governos dos Estados Unidos e do Irã. O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil no comércio de alimentos, lembrou Paulinelli. “Temos muitos interesses lá.” Advertências como essa foram publicadas ontem pelo Estado. No mesmo dia o governo anunciou a expectativa de um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas – itens como soja, milho, algodão, arroz, feijão e trigo.
A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.
No Brasil, o agronegócio – o verdadeiro, com presença em todo o mundo – combina produtividade, competitividade e respeito à natureza. Essa característica foi reconhecida internacionalmente por muito tempo. A imagem brasileira começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros passaram a renegar os padrões internacionais do conservacionismo, a negar dados produzidos cientificamente e a rejeitar as ações tradicionais de preservação ambiental. Com esse comportamento, presidente e ministros comprometeram a imagem dos produtores brasileiros e deram argumentos a defensores do protecionismo comercial na Europa e em outras áreas.
Uma das tolices mais notórias foi a promessa de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Esse erro foi corrigido, mas o governo insistiu em continuar exibindo um ingênuo e custoso alinhamento às políticas do presidente Donald Trump. O governo voltou a tropeçar com a publicação, pelo Itamaraty, de uma nota de apoio à ação americana depois do assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Potências europeias, com peso geopolítico, econômico e militar muito maior, manifestaram-se de forma cautelosa e conciliadora, evitando alinhar-se a qualquer lado. Alertado por pessoas mais sensatas, especialmente militares, o presidente Bolsonaro decidiu ser cauteloso e evitar comentários.
Até aqui, ele tem agido como se desconhecesse alguns fatos de enorme importância para o Brasil. De janeiro a novembro o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 89,33 bilhões, soma equivalente a 43,4% de toda a receita comercial do País. Graças ao superávit do setor, de US$ 76,8 bilhões, o Brasil conseguiu no período um saldo comercial positivo de US$ 41,1 bilhões. O superávit comercial, embora em declínio, tem sido e continua a ser um importantíssimo fator de segurança para a economia brasileira. Além desses dados, alguém deveria mostrar ao presidente o peso comercial do Irã, comprador de bens no valor de US$ 2,1 bilhões até novembro e quinto maior importador de alimentos do Brasil. Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer esses fatos. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?
08 de janeiro de 2020 | 03h00
A disposição de governadores de diversos Estados de transformar 2020 no ano de grandes privatizações, concessões e estabelecimento de Parcerias Público-Privadas (PPP) é salutar por uma série de motivos. O mais óbvio deles é que, caso tenha êxito, a iniciativa desses governadores contribuirá para reduzir o peso do setor público na atividade econômica e na vida das pessoas, abrindo espaço para quem pode exercer essas funções com maior eficiência e menor custo. Nesse sentido, é mais do que tardia a ação que, como informou o Estado, está prestes a ser iniciada por vários governos estaduais. Há muitas atividades pelas quais esses governos ainda são responsáveis, mas que não são exercidas com a qualidade, a presteza e o custo devidos à sociedade, o que exige sua reformulação urgente.
Há, porém, diversos aspectos nos planos estaduais de privatização que merecem observação especial.
A lista de ativos relacionados entre os que podem ser oferecidos à iniciativa privada é um retrato da fúria estatizante que caracterizou parte da segunda metade do século passado e da avidez com que governantes interessados em conquistar apoio popular ou favorecer determinados segmentos usaram dinheiro público para criar serviços e empresas que nenhuma ligação deveriam ter com as tarefas do setor público.
Mas a presença na lista de ativos privatizáveis de hotéis, zoológicos e de shopping centers mostra que alguns governos estaduais foram longe demais na expansão de suas atividades.
Alguns governadores têm consciência da necessidade de privatização para concentrar as ações do setor público, e dar-lhes maior eficiência, naquilo que é efetivamente de sua responsabilidade. “Tenho dito que o Estado já tem muito o que fazer na parte de saúde, educação, segurança e infraestrutura”, disse ao Estado o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Além disso, “as empresas do Estado, notoriamente no último governo, serviram para interesses políticos e cabides de emprego”.
Outros, porém, estão se vendo forçados a se desfazer de ativos para equilibrar as finanças estaduais, ou pelo menos para aliviar a grave crise fiscal provocada pela combinação de queda de receita e expansão contínua de despesas, especialmente com a folha de pessoal. No caso do Rio de Janeiro, a venda da empresa de saneamento Cedae foi exigência do governo federal para que o Estado pudesse aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, que facilitou a rolagem da dívida estadual com a União.
Tanto na privatização por razões programáticas, com vistas a retirar o setor público de áreas onde é ineficiente e sua presença é desnecessária, como por motivos financeiros, a receita será contabilizada apenas uma vez. Essa receita deverá aliviar problemas imediatos. Outro benefício é retirar do setor público o ônus com os salários dos empregados das estatais privatizadas.
Problemas preexistentes, de desequilíbrio estrutural das finanças estaduais decorrente do aumento sistemático das despesas em velocidade maior do que o da arrecadação das receitas, persistirão e continuarão a exigir decisões corajosas dos governadores. Boa parte dos Estados enfrenta dificuldades para cumprir os limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para os gastos com pessoal. Também tem dívidas cujo custo reduz dramaticamente sua capacidade de investimentos. Além de transferir ativos para o setor privado, Estados nessa situação precisam reduzir estruturalmente suas despesas.
06 de janeiro de 2020 | 03h00
A Operação Lava Jato não apenas inaugurou um novo patamar de eficiência no combate à corrupção. Ela trouxe o Direito Penal e o Direito Processual Penal para o centro do debate público. Basta ver a repercussão gerada nas últimas semanas pela criação, por meio da Lei n.º 13.964/2019, da figura do juiz das garantias. Poucas vezes se viu uma alteração da legislação processual penal suscitar tamanha celeuma. Se é extremamente positivo o envolvimento da população com temas de evidente interesse público, como é o caso, ao mesmo tempo é necessário não se distanciar dos fatos.
Tratada por alguns como um retrocesso no combate à corrupção e à impunidade, a figura do juiz das garantias, “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”, como dispõe a nova lei, é um evidente aperfeiçoamento do sistema penal, ao garantir a imparcialidade do magistrado. O juiz das garantias, também conhecido em muitos países como juiz de instrução, não traz nenhum empecilho para a eficiência da persecução penal.
Vale ressaltar, em primeiro lugar, que a nova lei não produz nenhum efeito retroativo. Todos os casos julgados sob a égide da lei anterior continuam perfeitamente válidos. A Lei n.º 13.964/2019 não acaba, portanto, com a Lava Jato e tampouco dá margem a questionamentos sobre atos anteriores, como se fosse uma jogada de quem tem interesse em procrastinar o andamento de processos já instaurados.
Ao criar o juiz das garantias, a Lei n.º 13.964/2019 simplesmente estabeleceu uma divisão da competência funcional do magistrado. A legislação penal passará a exigir que um juiz acompanhe a fase preliminar de investigação – o juiz das garantias – e outro, diferente dele, assumirá o processo após o recebimento da denúncia. Este segundo magistrado será o responsável por proferir a sentença.
Com isso, o sistema penal torna-se mais imparcial. O juiz que autorizou a produção de provas não será quem avaliará essas mesmas provas. Vislumbrar nessa nova divisão de competências algum retrocesso é exercício de ficção. Para ser implantada em algumas comarcas, a medida envolverá custos adicionais em relação ao funcionamento da Justiça atual. Mas isso não transforma a figura do juiz das garantias em um entrave para o bom funcionamento do sistema penal.
Chama a atenção a reação desproporcional de algumas associações de juízes contra a novidade trazida pela Lei n.º 13.964/2019. Ora, a medida representa um controle mais efetivo da legalidade e do respeito aos direitos individuais. Por força do ofício que exerce, nenhum juiz pode ser contrário a melhorias nesse campo. Seu papel é defender a lei e os direitos.
Também não se deve exagerar nos custos e na complexidade da implantação do juiz das garantias, tendo em vista o alto porcentual de informatização dos processos. Segundo o relatório Justiça em Números 2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a informatização na Justiça Federal é de 81,8% e, na Justiça Estadual, de 82,6%. Não faz sentido barrar uma relevante inovação, que melhora a qualidade da decisão final, alegando uma complexidade que já não existe na realidade.
Ainda que a novidade do juiz das garantias seja muito bem-vinda, um ponto merece ressalva. A Lei n.º 13.964/2019 entrará em vigor 30 dias após a sua publicação. É inviável implantar em todo o País a nova divisão de competência funcional em prazo tão exíguo. Mas esse descuido da lei não torna a nova medida, em nenhum momento, um problema a ser combatido. Antes, é uma novidade a ser bem implementada e, por isso, deve o Judiciário dispor de tempo hábil para tomar as providências devidas.
Houve quem dissesse que a figura do juiz das garantias seria inconstitucional. Ora, a Constituição, em seu artigo 5.º, estabelece o princípio do juiz natural, com a fixação de regras objetivas de competência jurisdicional para garantir precisamente a independência e a imparcialidade do magistrado. Sob esse aspecto, a Lei n.º 13.964/2019 cumpre rigorosamente a Carta Magna. Agora, cabe a todos cumprir a nova lei. Bem aplicada, ela pode evitar muitas dúvidas de isenção, reforçando a autoridade e o bom nome do Judiciário.
04 de janeiro de 2020 | 03h00
O jornal O Estado de S. Paulo completa hoje 145 anos. Ao longo dessa história, testemunhou guerras mundiais, revoluções e crises profundas sem jamais renunciar a seus compromissos fundadores. Aqui, desde o primeiro número, o Brasil encontra a defesa intransigente dos valores republicanos, razão pela qual estas páginas nunca darão guarida a liberticidas nem voz a quem atenta contra a verdade dos fatos.
É essa firmeza inabalável que há quase um século e meio faz do jornal O Estado de S. Paulo o porto seguro da razão contra os que, de tempos em tempos, tentam desorientar a opinião pública com vistas a pavimentar o caminho para projetos autoritários de poder. Mais do que nunca, tal compromisso é essencial para uma sociedade cada vez mais à mercê da anarquia informativa proporcionada pelas redes sociais, em que a própria ideia de verdade parece ultrapassada.
Já na edição inaugural, em 4 de janeiro de 1875, quando ainda era chamado de A Província de São Paulo, o jornal se dispunha a dizer o que precisava ser dito e a defender o que acreditava ser o certo. Aquela edição explicava que a prometida imparcialidade não seria “a imparcialidade do silêncio”. Ciente de seu papel, o jornal teria sempre a “independência de uma opinião séria” diante do governo e da sociedade, razão pela qual suas páginas são mais do que um testemunho preciso dos principais acontecimentos – são a consciência crítica de seu tempo.
Com a República, o jornal passou a se chamar O Estado de S. Paulo, posicionando-se sempre radicalmente contra o populismo, a demagogia e os extremismos. O desafio de construir um país livre e justo encontrou nas páginas deste diário o espaço para o necessário debate de ideias, apoiando todos os que se propusessem a modernizar o Brasil dentro do mais absoluto respeito ao Estado Democrático de Direito.
Assim, o mesmo jornal que esteve na vanguarda do movimento pela República transformou-se rapidamente em crítico do governante que a proclamou, o marechal Deodoro da Fonseca, quando este revelou seu autoritarismo; o mesmo jornal que apoiou Getúlio Vargas nas eleições e na Revolução de 1930 em razão de suas promessas democráticas também não hesitou em denunciar seu caráter autoritário, pagando preço alto por essa independência – a ditadura Vargas, por intermédio do malfadado interventor federal Ademar de Barros, assumiu o controle do Estado entre 1940 e 1945; o mesmo jornal que vocalizou a preocupação da maioria dos brasileiros com a leniência do presidente João Goulart em relação a grupelhos comunistas que ameaçavam a ordem constitucional no País e, por isso, apoiou o levante militar que derrubou aquele governo, em 1964, denunciou a violação das liberdades por parte do regime instalado pelos generais e sofreu as consequências dessa ousadia na forma de uma censura brutal; o mesmo jornal que protagonizou desde cedo o movimento pela redemocratização do Brasil não deixou de protestar, ao noticiar a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, contra o fato de o novo presidente deixar de mencionar em seu discurso o gravíssimo problema da corrupção e da crise moral, cuja superação, para o Estado, sempre foi condição para a resolução dos demais problemas; por fim, o mesmo jornal que foi crítico acerbo dos desmandos da era lulopetista igualmente não aceita que, em nome do combate ao terrível legado do PT, se cometam desmandos de igual ou maior gravidade, muito menos os que recendem a arbítrio.
O Estado teve participação relevante nos últimos 145 anos da história do Brasil porque assumiu a defesa intransigente de valores mais caros a uma sociedade democrática. O leitor sabe desde sempre o que encontrará neste jornal, seja em suas páginas, seja em seu site na internet, seja em qualquer outro meio que ainda virá – e sabe que pode contar com o Estado como fiel porta-voz de seus anseios de justiça e liberdade.
02 de janeiro de 2020 | 03h00
Um quarto das capitais brasileiras não dispõe de uma estrutura completa de controle interno, revela levantamento do Estado, feito a partir de dados do Instituto Não Aceito Corrupção. Essa estrutura é composta de quatro unidades: ouvidoria, auditoria governamental, corregedoria e controladoria. Por exemplo, sete capitais não têm uma corregedoria, que é o órgão encarregado de apurar desvios de servidores e de recursos públicos.
Esse quadro revela que administrações municipais de capitais estão desprovidas de um sistema de combate à corrupção. Mais grave que os ilícitos identificados fiquem impunes é o fato de que essas prefeituras são incapazes, por falta de estrutura administrativa, de identificar os ilícitos. Simplesmente elas não fazem ideia, porque não controlam, se o dinheiro público sob seus cuidados é utilizado dentro dos parâmetros legais.
É assombroso que, mesmo após o combate à corrupção ganhar especial relevância na agenda do País – há anos que a população pede um novo patamar de moralidade e legalidade na gestão do dinheiro público –, sete prefeituras de capitais ainda não tenham se dado ao trabalho de criar uma corregedoria. Destaca-se que o caso não se refere a municípios pequenos, com reconhecida incapacidade técnico-administrativa. O levantamento refere-se a capitais de Estados. São prefeituras que, de um modo ou de outro, funcionam como referência para as outras administrações municipais do Estado. Pois bem, o que deveria ser padrão falha primariamente.
Em 2017, o Congresso aprovou a Lei das Ouvidorias (Lei 13.460/2017), com o objetivo de fortalecer e proteger os direitos do usuário dos serviços públicos. “A consolidação do acesso do usuário dos serviços públicos à gestão, por meio do recebimento e tratamento oportuno de manifestações, bem como de pedidos de acesso à informação, favorecem o controle social”, lembrou Ada Barbosa Derze, auditora-chefe da Controladoria-Geral do Município de Rio Branco.
Uma estrutura adequada de controle interno serve tanto para identificar ilícitos como para preveni-los. Gustavo Ungaro, controlador-geral de São Paulo, adverte que o investimento em órgãos de controle é também uma forma de recuperar recursos e deixar de gastar indevidamente. No caso da Controladoria-Geral do Município de São Paulo, estima-se que o órgão gerou, desde 2013, uma economia de R$ 274,9 milhões, por meio da revisão de contratos e da recuperação de desvios após apurações internas.
Aprimorar o funcionamento do sistema de controle interno inclui também reorganizar as carreiras públicas, criando funções específicas e diminuindo os cargos em comissão. “Nos municípios, sobretudo nos menos organizados, o sujeito que cuida dos contratos em geral entrou lá com o prefeito e assumiu um cargo genérico. Quando o prefeito sai, o funcionário vai embora”, lembra Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da FGV-SP.
A submissão da administração pública à lei é parte integrante do Estado de Direito. Como definiu a Constituição, a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Por isso, o controle interno não é um acessório e tampouco ornamento. Sua inexistência significa grave omissão.
01 de janeiro de 2020 | 03h00
Num ambiente bastante polarizado, o Brasil conseguiu rara convergência política para aprovar uma satisfatória reforma da Previdência em 2019. Foi uma façanha e tanto, considerando não apenas o clima de forte ressentimento que contamina partidos, movimentos e até famílias, mas principalmente o fato de que, em qualquer lugar do mundo, modificações no sistema de aposentadorias costumam gerar ruidosos e, frequentemente, violentos protestos.
Aqui no Brasil, houve uma oposição pouco significativa à reforma da Previdência, limitada na prática às corporações que foram diretamente afetadas com o fim de privilégios. A reforma afinal passou sem sobressaltos substanciais, e sua mera aprovação está sendo fundamental para restabelecer a confiança dos agentes econômicos e dos investidores no equilíbrio das contas públicas. Ao que consta, as agências internacionais de classificação de risco já estariam dispostas a elevar o rating brasileiro, rebaixado depois do desastre da recessão e das contas maquiadas nos governos lulopetistas.
O ano de 2019 encerra-se, portanto, sob atmosfera razoavelmente otimista. Contudo, a tarefa de recuperação do País e de criação das condições necessárias para estimular seu crescimento está muito longe de terminar. É preciso dar continuidade às reformas, em especial a tributária e a administrativa, sem falar das mudanças no pacto federativo. Será um grave erro deixar-se inebriar pelo relativo sucesso reformista de 2019 e considerar que há margem para suspender esse trabalho em razão da mobilização política com vista às eleições municipais de 2020.
Ora, o País realiza eleições a cada dois anos, e não é possível que, de dois em dois anos, em nome da satisfação de interesses eleitorais, os parlamentares renunciem à sua tarefa precípua, que é aprovar as leis e as mudanças estruturais de que o País necessita.
Tem sido comum ouvir deputados e senadores argumentarem que “ano eleitoral” é um período em que não se pode discutir e votar temas espinhosos no Congresso, pois isso pode melindrar eleitores em suas bases. Ou seja, a legislatura eleita para trabalhar quatro anos opera, na prática, só na metade desse tempo; na outra metade, dedica-se a fazer campanha eleitoral.
Seria ingênuo esperar que os políticos não se preocupassem com as eleições, pois vivem de votos. Afinal, é a essência da democracia representativa. No caso das eleições municipais deste ano, os parlamentares federais esperam que a eventual vitória de seus aliados em disputas por prefeituras ajude a consolidar suas bases, na tentativa de obter apoio à reeleição em 2022. Tudo isso faz parte do jogo.
No entanto, um político que deixa de fazer seu trabalho por receio de perder votos corre o risco de não ganhar voto nenhum e de perder os que já tem. É mais inteligente o parlamentar que mostra serviço, apoiando as reformas de que o País tanto necessita, e que transforma esse apoio em capital eleitoral, do que o deputado ou senador que se omite diante de temas espinhosos. No primeiro caso, o político demonstra consciência de que é preciso trabalhar pelo bem do País a todo momento, mesmo em “ano eleitoral”, e o eleitor certamente haverá de reconhecer seu valor; já no segundo caso, o que se tem é mero oportunismo, que nada acrescenta ao País e que, ao contrário, colabora decisivamente para o abastardamento da política – com a consequente descrença na atividade parlamentar como meio de expressão genuinamente democrática.
Eleições, portanto, não podem parar o País. Por mais que as campanhas naturalmente mobilizem a atenção de partidos e seus candidatos, é preciso dar continuidade às pautas legislativas de interesse nacional, pois foi para isso que os eleitores escolheram seus representantes.
31 de dezembro de 2019 | 03h00
Entre as leis aprovadas pelo Congresso no final de outubro e no começo de novembro e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro, uma das mais importantes é a de n.º 13.934/19, que cria o contrato de metas de desempenho para órgãos da administração pública direta e indireta federal. Se atingirem os objetivos estabelecidos, eles receberão benefícios, como maior flexibilidade para gerir seus respectivos orçamentos, receber receitas de fontes não orçamentárias, criar banco de horas para os servidores e desburocratização para pagamento de despesas de pouco vulto.
Apesar de sua importância, a ideia – que foi convertida em projeto de lei apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) em 2016 – não é nova. Ela permite que órgãos públicos tenham uma gestão semelhante à da iniciativa privada e é prevista pela Emenda Constitucional n.º 19, aprovada em 1998. A iniciativa tem por objetivo propiciar autonomia gerencial, orçamentária e financeira a órgãos dos Três Poderes da União e estabelecer parâmetros de análise de desempenho.
Ela foi posta em prática uma década e meia depois em Minas Gerais, quando Anastasia estava à frente do governo estadual. Chamada de “acordo de resultados”, ela previa até gratificações para servidores públicos, em caso de cumprimento de metas. “A nova lei traz ganhos em todos os sentidos, com os recursos alocados de acordo com objetivos determinados, metas para serem alcançadas e controles bem mais efetivos de produtividade. Ninguém se atenta ao quanto o Estado costuma perder quando a gestão é ineficiente. Bilhões de reais vão para o ralo todos os anos por falta de planejamento, porque não foram mensurados resultados e também porque não se avaliou se esses resultados fizeram jus aos investimentos despendidos”, afirma o senador.
A principal diferença entre a experiência mineira e a lei federal, que entrará em vigor em junho do próximo ano, está no fato de que, no âmbito da União, não haverá gratificações para servidores. O motivo não foi econômico, mas jurídico. Segundo a Constituição, mudanças legais relacionadas a Orçamento não podem ser de autoria do Legislativo, mas do Executivo. Segundo a nova lei, o prazo de vigência dos contratos não poderá ser inferior a um ano nem superior a cinco anos. Ela também prevê a responsabilização de dirigentes públicos no caso de apresentarem maus resultados.
A Lei n.º 13.934/19 está longe de ser uma revolução na máquina governamental da União. Mas, ao implantar modelos de gestão flexíveis, criar condições para que órgãos de diferentes níveis hierárquicos passem a trabalhar com objetivos comuns, propiciar uma cultura de avaliação do desempenho do funcionalismo e impor novas regras para acompanhamento e controle de resultados da gestão pública, ela é um passo importante para a modernização de estruturas arcaicas, organizadas com base nos modelos burocráticos de administração do século passado. A nova lei é condição necessária, ainda que não suficiente, para que o País implante um modelo gerencial à altura de suas necessidades no século 21.
30 de dezembro de 2019 | 03h00
Dois mil e vinte projeta-se como um ano promissor para a pasta da Infraestrutura. O ministro Tarcísio Gomes de Freitas afirmou que o governo federal deverá leiloar 2 ferrovias, 7 rodovias, 22 aeroportos e vários terminais portuários no ano que vem. De acordo com as projeções do Ministério da Infraestrutura, as concessões podem representar cerca de R$ 100 bilhões em investimentos no País nos próximos anos.
O ministro estima que serão realizados entre 40 e 44 leilões no ano que vem. O maior deles será o do trecho da Rodovia Presidente Dutra (BR-116) que liga São Paulo e Rio de Janeiro, concedido à Nova Dutra em 1995, durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo prazo de 25 anos. O governo federal espera “investimentos relevantes” neste leilão, ainda que “a preocupação principal não seja com a arrecadação”, disse o ministro Tarcísio Gomes de Freitas. Espera-se para daqui a poucos dias a abertura de consulta pública sobre o projeto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Outra boa promessa para o ano que se avizinha é o leilão da chamada “BR do Mar”, que tem por objetivo impulsionar o transporte de cabotagem no Brasil, ou seja, o transporte de cargas por via marítima ao longo da vasta costa brasileira. De acordo com dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 162,9 milhões de toneladas foram transportadas em 2018 por meio da navegação de cabotagem. Embora represente um aumento de 4,1% em relação ao ano anterior (2017), isso equivale a apenas 11% do total de carga transportada no País. É enorme, portanto, o potencial de crescimento deste modal, especialmente tendo-se em vista a imensidão do mar territorial brasileiro.
Frequentemente, a pasta comandada pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas é referida como um “oásis” ou uma das “ilhas de excelência” do governo de Jair Bolsonaro. A qualificação, bastante apropriada, é facilmente explicável. Não se teve notícia de declarações polêmicas, ataques a pessoas ou instituições ou da paralisia administrativa que marcaram este ano em outros cantos da Esplanada dos Ministérios. Ao contrário. Em 2019, o Ministério da Infraestrutura capitaneou 27 leilões de concessão. Foram 13 terminais portuários, 1 trecho da Ferrovia Norte-Sul, as Rodovias BR-364 e BR-365 e 12 aeroportos situados nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Apenas com os 12 aeroportos, o governo federal arrecadou R$ 2,377 bilhões, sendo R$ 2,158 bilhões (90% do valor) correspondentes ao ágio pago pelos proponentes vencedores dos certames.
O destaque obtido em 2019 não deve ser creditado a uma fórmula mágica ou alguma especificidade do Ministério da Infraestrutura que não possa ser replicada em outras pastas. O que se observa é um ministro preparado para o cargo que ocupa e com disposição para se cercar de técnicos que o auxiliem na dura tarefa de reduzir o abissal déficit na área de infraestrutura do País.
Se o profissionalismo que marcou a atuação do Ministério da Infraestrutura em 2019 – e projeta um novo ano de bons resultados em 2020 – fosse também observado em pastas como Educação, Relações Exteriores e Cidadania, entre outras, o presidente Bolsonaro teria tido bem menos dores de cabeça e talvez terminasse o ano mais bem avaliado. Curioso é que o mesmo presidente que dá à Infraestrutura liberdade para agir pautada por critérios técnicos impregna as outras pastas com sua ideologia.
A lição que o Ministério da Infraestrutura dá às demais pastas é que o trabalho deve se sobrepor às narrativas, que os critérios técnicos prevaleçam sobre os ideológicos. Se será assimilada, veremos. O País só tem a ganhar se isso ocorrer. Consequentemente, também o presidente Jair Bolsonaro.
29 de dezembro de 2019 | 03h00
O ano de 2019 foi marcado por grandes protestos em diversos países da América Latina. Governos caíram ou se viram obrigados a fazer concessões para não balançar, tamanha a pressão vinda das ruas. Cada país enfrentou sua crise particular, motivada por questões locais, mas é possível, na maioria dos casos, observar um padrão comum: o descontentamento de uma classe média que se considera esquecida ou menosprezada pelo Estado que ela paga para manter.
Nada disso começou em 2019. Recorde-se que governos da América Latina vêm sendo derrubados em meio a tumultos nas ruas desde os anos 2000 - como esquecer do então presidente argentino Fernando De La Rúa fugindo de helicóptero da Casa Rosada para não ser alcançado pela turba enfurecida em meio ao desastre econômico do país?
Portanto, há pelo menos duas décadas o continente demonstra, aqui e ali, mal-estar com a estagnação econômica que condena à mediocridade - quando não à pobreza - grande parte da população. E tem feito pouca ou nenhuma diferença se o governo é de esquerda ou de direita: a sensação dos eleitores em geral é que, em qualquer dos casos, as promessas de desenvolvimento e de prosperidade só se cumprem para os que já estão no topo da pirâmide.
Nesse processo, os governos não somente têm sido lentos para encontrar meios de reduzir um pouco o crescente fosso socioeconômico, como também, em alguns casos, contribuem para ampliar esse abismo - por exemplo, ao manterem um sistema tributário regressivo e privilegiarem empresas com subsídios e renúncia fiscal, enquanto privam cada vez mais os trabalhadores de direitos em nome de um estímulo à geração de empregos que jamais se concretizou na amplitude desejada.
Mesmo governos de esquerda, supostamente dotados de sensibilidade social e comprometidos com a busca de meios para promover uma melhor distribuição de renda, fracassaram absolutamente no enfrentamento dessa longa crise. Em 2013, ao completar uma década no poder, o PT experimentou a fúria das ruas, onde a classe média, indignada, exigia serviços públicos de qualidade - única forma de garantir padrão de vida decente para a maioria da população. O governo petista na ocasião reagiu como sempre: preferiu o populismo assistencialista às reformas estruturais capazes de devolver ao Estado sua capacidade de investimento e de prestação de serviços.
Foi o bastante para que o mau humor dos eleitores se transformasse em surras no Congresso, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e nas urnas, com a vitória do grande antípoda do PT, Jair Bolsonaro. Este, por sua vez, elegeu-se com um discurso revolucionário, em que luzia a promessa de uma renovação absoluta da política, desacreditada por décadas de corrupção e incompetência de grande parte dos que nela fizeram carreira.
Faz sentido que tal promessa tenha seduzido quase 58 milhões de brasileiros na eleição presidencial do ano passado. Não é de hoje que a maioria dos eleitores se desencantou com a política, vista não como o lugar onde opiniões distintas se conjugam na direção do bem comum, mas sim como a zona cinzenta onde os privilegiados articulam a manutenção de seus privilégios.
Contudo, nenhum governo será bem-sucedido na hercúlea tarefa de devolver a milhões de cidadãos brasileiros a esperança de dias melhores se não tiver coragem de realizar reformas impopulares, as únicas capazes de ampliar a produtividade no País e, assim, acelerar o crescimento sustentável da economia - com geração de empregos, melhores condições de vida para todos e, principalmente, a perspectiva de um futuro menos sombrio. Prestar atenção ao que reclamam as ruas é essencial numa democracia; responder a essas demandas com demagogia, contudo, é apenas irresponsabilidade.
27 de dezembro de 2019 | 23h50
O Vasco acertou a contratação do atacante Germán Cano. O jogador de 31 anos estava no Independiente de Medellín, da Colômbia e chega com um contrato válido por duas temporadas. O presidente do clube carioca, Alexandre Campello, fez o anúncio da chegada do jogador através de um vídeo nas redes sociais.
Logo em seguida, Cano deu suas primeiras declarações como jogador do Vasco. "Estou muito feliz por este momento chegar a uma instituição muito grande. Vamos em frente, vamos fazer o melhor possível juntos. Muito obrigado!".
O jogador recebeu a camisa 14 e chega ao time carioca cheio de moral, já que foi o artilheiro do Campeonato Colombiano, com 35 gols em 39 jogos. Ele chega com a missão de ser a referência no ataque do time comandado por Abel Braga. Neste ano, o clube sentiu a falta de um goleador diversas vezes. Antes do Independiente de Medellín, Cano havia passado por Pachuca, León, Nacional Colón, Chacharita Juniors e Lanús.
A tortilla não precisa ser só de milho e o recheio pode levar, inclusive, palma, uma planta cactácea; aprenda como
Em novembro ocorreu a última edição de 2019 do projeto Taquera Por Um Dia, promovido pela Taqueria La Sabrosa, na Rua Augusta, em São Paulo, e as convidadas da vez fomos nós, Mara Salles, chef do restaurante Tordesilhas, Ana Soares, chef da rotisseria Mesa 3, e eu, aprendiz de cozinheira atrevida.
Palma (cacto), farinha de raspa de mandioca e manga verde, usadas no preparo do taco azul. Foto: Neide Rigo/Estadão
Os sócios Hugo Delgado e Carlos Tavares conheciam o histórico do trio desde o Paladar Cozinha do Brasil, onde demos várias aulas juntas – sobre amargos, invólucros, galinha de cabo a rabo, farinhas de outros os sacos, doces mas nem tanto e nossas misturas. Sabiam que não nos contentaríamos apenas em oferecer um novo conteúdo para o meio das tortillas de milho. Quereríamos mexer em tudo, inclusive na massa. E assim foi.
Entre tacos e pitacos, chegamos aos conjuntos que falavam um pouco de nós, do nosso trabalho, dos nossos desejos e das nossas trajetórias, afinal de contas, tudo cabe dentro de um disco de tortilla. Ana fez o taco de pancita y fideos – tortillas de milho recheadas de dobradinha completa e cabelo de anjo crocante, acompanhados de coalhada, vinagrete de salsão e torresmo.
O taco da Mara era quase um acarajé em verso e prosa, por isso ganhou o apelido de tacarajé – uma tortilla de farinha de feijão fradinho coberta com caruru, manjubinha frita e complementos como pasta de pimenta e molho lambão, o vinagrete baiano.
Já eu sintetizei no meu os interesses do momento – espécies, estágios e usos não convencionais, forrageio, mandioca e pigmento azul de jenipapo. As tortillas do meu taco foram feitas com farinha de raspa de mandioca, que já mereceu uma coluna Nhac!, e pigmento azul do jenipapo verde, outra coluna.
Salsa picante de manga verde. Foto: Neide Rigo/Estadão
De recheio, os nopalitos ou palma, da coluna sobre jerumbeba, que ornamentavam o jardim de uma casa vizinha, e falafel de feijão preto fermentado, ladeados com creme de abacate e coentro, molho picante de manga verde (colhidas nas praças do bairro), grolado de mandioca com puba (eu mesma fiz) e folhinhas de epazote, epa, mentruz do quintal. E, a quem possa interessar, era vegano, sem glúten, sem açúcar e tinha pouca gordura.
É mais simples do que parece, embora não muito comum, por isso, atendendo a pedidos, resolvi dedicar esta coluna à explicação do processo todo. Espero que ao final você tenha recebido a motivação necessária para criar também o seu taco.
Vale dizer, para quem não sabe, que no México tortillas são discos chatos e flexíveis de milho com os quais se fazem tacos. Tortilla seria o similar ao nosso pão, e o taco, o sanduíche. As tortillas de milho são as mais populares, mas no norte também são feitas de trigo. Como sabemos, o milho carece de coesão e flexibilidade, mas os grãos usados nas tortillas passam antes por processo de nixtamalização, que é o cozimento em água alcalina – com cal, a mesma usada por aqui nos doces de frutas cristalizadas, embora o processo seja outro.
Com isso, a massa resultante do milho triturado torna-se mais gelatinosa, elástica e flexível, perfeita para os discos que são cozidos rapidamente na chapa dos dois lados. A técnica é trabalhosa e poucos mexicanos fora da zona rural fazem isso em casa, pois há no México moinhos elétricos espalhados pelas cidades para onde se pode levar o milho nixtamalizado em casa para triturar. E também há farinhas instantâneas e pacotes com as tortillas prontas para esquentar em casa.
Taco azul com nopalitos, falafel de feijão preto e molho picante de manga verde. Foto: Lucas Terribili
Para um clássico taco mexicano, é importante que se tenha pelo menos três elementos: a tortilla, o conteúdo e uma salsa, como se diz de um molho geralmente apimentado e denso. E, como regra de comportamento, claro, sempre se come com as mãos.
Como mesmo no México o atrevimento renovado impulsiona a criação de novos sabores e cores para as tortillas e os tacos o tempo todo, não me acanhei em usar a nossa mandioca. Achei perfeita a farinha de raspa, a farinha dos Guarani – nada mais que lascas de mandioca desidratadas e trituradas, também encontrada como cassava flour no mercado nacional e internacional de produtos sem glúten. A água quente ajuda a massa a ficar ainda mais modelável.
Para o azul, uma homenagem às tortillas mexicanas de milho azul, substituí parte da água por leite azul de jenipapo – a receita está na coluna sobre pigmentos. Em vez de tortillas azuis, poderiam ser verdes, feitas com chaya ou nopal; rosa, feita com pitaia ou caldo de beterraba; vermelha, com pimenta; amarela, com cúrcuma etc.
Para quem não usou as dicas do Paladar de como de calcular as quantidades de comida para a ceia e, agora, está com a geladeira abarrotada de sobras de peru, tender, pernil e bacalhau, eis uma seleção de receitas e truques para dar nova roupagem aos assados de Natal.
Assim você aproveita hoje o que sobrou do jantar de ontem - e sem cansar o apetite. Fica o combinado: não vale jogar comida no lixo, certo?
A galantine é um clássico francês que caiu em desuso por aqui, mas ainda vive no país de origem. Funciona bem como entrada e até como prato principal para os dias seguintes à ceia de Natal - é feita com carne de peru já assada e moída e castanhas trituradas. Veja como fazer.
Galantine de peru preparada pela chef Heloisa Bacellar Foto: Codo Meletti|Estadão
Essa receita pode ser feita do zero, mas, como leva bacalhau desfiado, pode muito bem ser preparada com o pescado assado que sobrou da ceia. Abobrinha, tomates-cereja, azeitonas e alcaparras complementam o prato. Veja a receita.
Receita de penne com bacalhau do Restaurante Ella Foto: Márcio Fernandes|Estadão
É o sanduíche de dois andares mais famoso do mundo - e pode ser feito tanto com frango (o mais famoso) quanto com peito de peru desfiado. Alface crespa, tomate, bacon torrado e muita maionese complementam o sanduba. Fica delicioso! Veja como montar.
Club Sandwich Foto: Felipe Rau| Estadão
A receita do chef Carlos Siffert é um grande clássico dos dias que sucedem o Natal. Desfie a carne e experimente um molho novo. Você não vai nem lembrar que comeu o pernil na noite passada. Confira a receita.
Sanduíche de pernil Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Coloque as sobras de bacalhau numa tigela média e, com um garfo, desmanche as lascas maiores do peixe. Junte a mistura de azeitonas, pimentões e brócolis e adicione os ovos e o pão. Faça montinhos e frite no fogo baixo. Veja como fazer.
Panquecas decoradas com salsa Foto: Felipe Rau|Estadão
Biryani é um tradicional prato indiano e paquistanês feito à base de arroz e carne. Nessa saborosa receita da chef Carolina Brandão, do Las Chicas e do Clementina, sobras de arroz de lentilhas e vitela estrelam o prato. Confira a receita.
Prato feito pela chef Carolina Brandão Foto: Felipe Rau|Estadão
Essa combinação é uma boa alternativa para aproveitar as sobras de tender do Natal. Com o frescor do abacaxi e a personalidade da gorgonzola, o presunto ganha um novo atrativo no pós-Natal. Veja como fazer.
Tender com abacaxi e gorgonzola Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Um prato bem festivo, com pernil suíno, castanhas, semente de abóbora e frutas desidratadas, como damasco, manga, uva e goiaba. Ideal para encerrar a semana de comemoração. Confira a receita.
Arroz com pernil, cachaça e frutas. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Que tal aproveitar as sobras de panetone para preparar uma nova sobremesa? Para essa receita, que mistura frutas vermelhas (framboesas, morangos, amoras e mirtilos) e sorvete de baunilha, você vai precisar de quatro fatias do panetone. Confira o passo a passo.
SUDBRACK18 RJ 10|12|2006 - ROBERTA SUDBRACK|RESTAURANTE - CADERNO PALADAR OE - Pratos do restaurante Roberta Sudbrack. Na foto, o prato "consommé de frutas vermelhas e panettone". Foto: TASSO MARCELO|AGENCIA ESTADO|AE Foto: TASSO MARCELO
Um híbrido de panetone e rabanada. Misture leite, açúcar, ovo e canela. Passe a fatia de panetone ou chocotone na mistura e frite em frigideira quente com um pouco de manteiga até ficar dourado. Experimente com mel, geleia ou sorvete de baunilha. Veja como fazer.
Receita de pain perdu de panetone Foto: Felipe Rau|Estadão
* Lista originalmente publicada em dezembro de 2017. Atualizada pela última vez em dezembro de 2019.
25 de dezembro de 2019 | 03h00
Entre as reformas estruturantes necessárias para que o País entre na rota do desenvolvimento sustentável, a mais decisiva, não apenas do ponto de vista fiscal ou da eficiência da máquina estatal, mas da moralidade pública, é a reforma administrativa. Cada vez que vêm à tona novos dados – seja sobre as assimetrias entre a esfera pública e a privada ou entre a elite e a base da própria administração pública, seja sobre o desempenho do serviço público ou sobre o seu descontrole orçamentário – isso fica mais claro.
Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado antecipado pelo Estado mostra que nos últimos seis anos a União teria economizado R$ 32 bilhões com folha de pagamento se os reajustes aos funcionários públicos tivessem acompanhado os da iniciativa privada.
Entre 2013 e 2018, enquanto a massa salarial dos empregados privados encolheu 0,7%, os vencimentos e benefícios dos agentes públicos cresceram 12%. A perversidade do patrimonialismo estrutural do Estado brasileiro salta aos olhos quando se considera que a maior disparidade dos reajustes entre os trabalhadores privados e os públicos aconteceu justamente na voragem da recessão. Em 2017, enquanto a variação de renda no setor privado foi de 1%, os vencimentos e vantagens dos servidores tiveram uma alta de 7%. Em outras palavras: o momento em que os salários e empregos dos trabalhadores privados, ou seja, de quem paga as despesas, eram devastados foi o mesmo em que o funcionalismo público, que gera as despesas e que foi em grande parte responsável pela crise, mais se beneficiou.
Um estudo do Banco Mundial mostra que entre 2003 e 2017 os gastos com pessoal nos Estados cresceram 80% acima da inflação. O resultado é o descalabro fiscal. No último ano, 12 Estados violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com a escalada das despesas com salários, o volume de investimentos do poder público foi o menor da série histórica. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Prefeitura já consome 100% do IPTU para bancar o funcionalismo.
Pelos cálculos do Banco Mundial, os servidores federais ganham em média 100% a mais que seus similares da iniciativa privada – a maior desproporção em 53 países pesquisados. Dois terços dos funcionários da União estão na faixa dos 10% mais ricos da população. A distorção entre o serviço público e o privado – que faz dos primeiros, à custa dos últimos, a elite do mercado de trabalho nacional – é ainda espelhada dentro da própria máquina pública: uma distorção dentro da distorção que abastece uma elite dentro da elite. Segundo um diagnóstico do Ministério da Economia, um grupo diminuto de 5% dos servidores da administração federal se apropria de 12% da folha da União.
De onde quer que venham, seja sob qual aspecto for, os números só fazem atestar que o Estado brasileiro drena recursos do contribuinte não apenas para bancar muitos serviços que poderiam ser mais bem prestados pela iniciativa privada, mas para enriquecer os servidores.
Lamentavelmente, a reforma administrativa, de todas a mais necessária, é justamente aquela que o governo mais tem procrastinado. Esta protelação é ela mesma a maior prova do poder do corporativismo, uma vez que de todas as reformas essa deveria ser a menos impopular, se ao menos fosse devidamente esclarecido e comunicado à população o quanto lhe custa bancar os cerca de 11,5 milhões de servidores (5,6% da população) que consomem cerca de 15% do PIB. Este corporativismo, o fator que mais trava a reforma, é a maior prova da sua urgência.
24 de dezembro de 2019 | 14h46
A Uefa divulgou nesta terça-feira a atualização do ranking com os 10 melhores times da Liga dos Campeões da Europa nesta década. Campeão do torneio continental quatro vezes nos últimos 10 anos, o Real Madrid aparece isolado na liderança, como já era previsto, com 255 pontos.
O ranking é baseado no números de pontos somados pelas equipes na competição. São atribuídos dois pontos para vitória, incluindo as conquistadas nas prorrogações das partidas, e um para empate e triunfo nas penalidades.
O Real Madrid é o maior vencedor da Liga dos Campeões com 13 taças, sendo que três das quatro conquistadas nestes últimos 10 anos foram em sequência - 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018. A outra foi levantada em 2013/2014.
O vice-líder do ranking é o Bayern de Munique, com 244 pontos. O time alemão venceu a Liga dos Campeões uma vez nesta década, na temporada 2012/2013. O Barcelona ocupa o terceiro posto, com um ponto a menos que os alemães. A equipe espanhola faturou a competição europeia em 2010/2011 e em 2014/2015.
A Juventus tem 140 pontos e é a quarta colocada. O time italiano não vence a Liga dos Campeões desde 1995/1996, mas está bem colocado porque foi vice-campeão duas vezes nesta década - 2014/2015 e 2016/2017.
Na sequência aparecem Paris Saint-Germain, Manchester City e Atlético de Madrid, que nunca venceram o principal torneio entre clubes da Europa. Campeão em 2011/2012, o Chelsea é o oitavo colocado, com 126 pontos. O Manchester United, que levantou o último de seus troféus na temporada 2007/2008, é o nono e o Dínamo Zagreb, da Croácia, fecha o Top 10.
Atual campeão e vice na temporada retrasada, o Liverpool não aparece na lista divulgada pela Uefa. O clube inglês participou de apenas quatro das últimas 10 edições da Liga dos Campeões.
De acordo com os dados da Uefa, os clubes espanhóis ganharam 26 dos 56 troféus de clubes em disputa na década. O Atlético de Madrid e o Sevilla são os clubes que mais ostentam títulos da Liga Europa neste período. Cada um venceu três vezes.
FEMININO
A Uefa também destrinchou os números da Liga dos Campeões Feminina. Se o Real Madrid domina entre os homens, no feminino o Lyon é soberano. O time francês lidera o ranking com 202 pontos, muito em função dos seis títulos conquistados nesta década.
Bicampeão nestes últimos 10 anos, o Wolfsburg, da Alemanha, é o segundo colocado, seguido do Barcelona e do Paris Saint-Germain. Rosengard, da Suécia, Apollon, do Chipre, Glasgow City, da Escócia, Turbine Potsdam, da Alemanha, Zurique, da Suíça, e ZFK Spartak, da Sérvia, completam a lista.
20 de dezembro de 2019 | 03h00
Turbinada por um aumento de 2,9% na produção industrial, a economia brasileira crescerá 2,2% no próximo ano, segundo as novas projeções do Banco Central (BC). O novo cenário é apresentado na edição de dezembro do Relatório de Inflação, um amplo exame trimestral das condições e das perspectivas econômicas. Na edição de setembro, o crescimento estimado para 2020 ainda estava em 1,8%.Também foi revista a expansão esperada para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, de 0,9% para 1,2%. De um ano para outro, o ritmo de avanço será quase duplicado, se os fatos confirmarem a revisão dos números. A evolução agora esperada para o PIB é muito parecida com a avaliação do mercado. Um pouco mais otimista, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê para 2020 um PIB 2,5% maior que o deste ano.
Uma sequência de sinais animadores é apontada no relatório do BC para justificar a melhora das expectativas. A edição de setembro saiu bem antes das contas nacionais do terceiro trimestre. No fim de novembro, quando essas contas foram divulgadas, apontando um crescimento do PIB de 0,6%, ficou evidenciado um ganho de dinamismo. Essa percepção foi reforçada pelos dados de outubro da indústria, dos serviços e do consumo.
A revisão mais notável foi a das projeções de crescimento industrial. A estimativa para este ano passou de 0,1% para 0,7%. A projeção para o próximo ano foi elevada de 2,2% para 2,9%. Essa melhora, se confirmada, será especialmente bem-vinda, por causa da importância da indústria na difusão de estímulos e na criação de empregos formais.
A dinamização da economia, depois de um primeiro semestre muito ruim, é em grande parte explicável pela melhora das condições de crédito. A continuada redução dos juros básicos foi particularmente importante. A recente liberação de recursos do FGTS e do PIS-Pasep deve ter dado algum impulso adicional neste fim de ano. Este fator é mencionado no relatório. Mas o mercado teria ficado mais satisfeito, com certeza, se o documento do BC indicasse a evolução provável dos juros em 2020.
Os autores do Relatório de Inflação retomam, no entanto, os termos empregados na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária. Cautela é a palavra de ordem, porque vários fatores dificultam a avaliação, nesta fase do ciclo, dos efeitos da política do BC. Mudanças na intermediação financeira, como a maior expansão do crédito livre e a presença de novos agentes, como as fintechs, são alguns desses fatores. Não está excluída, no entanto, a possibilidade de um novo corte da taxa básica, a Selic, hoje em 4,50%, o nível mais baixo da série. Em fevereiro o Copom deverá reunir-se novamente. Uma redução adicional, especula-se, talvez seja de apenas 0,25 ponto.
A persistência de muita ociosidade nas empresas, com máquinas e equipamentos amplamente subutilizados, poderá ser um argumento a favor de novo alívio nos juros. O desemprego elevado também poderá pesar. Nada se adianta no relatório quanto aos próximos passos do Copom. Essa atitude combina com a cautela mencionada no relatório e na ata.
O relatório contém uma seção especial de três páginas e meia sobre a crise do emprego. O quadro é mais feio, segundo a análise, do que aquele encontrado, à primeira vista, nos informes sobre as condições de trabalho. O estudo leva em conta medidas de subutilização da mão de obra com enfoque nas horas totais disponíveis no mercado de trabalho. Daí resulta uma visão mais sombria da ociosidade no mercado de trabalho e da lentidão da melhora. Qual seria o resultado, se essa análise atraísse a atenção do ministro da Economia, Paulo Guedes? Difícil dizer. Quando ele cuidou do assunto, recentemente, foi para criar uma taxa sobre o seguro-desemprego. Diante da reação política, abandonou a ideia.
19 de dezembro de 2019 | 03h00
Mais um tombo no comércio exterior está previsto para 2020, com exportações em queda e novo aumento das importações. Na pior projeção, o saldo brasileiro deve encolher 42,18%. Outras previsões são menos alarmantes. Todas, no entanto, são alertas importantes para quem se preocupa com a saúde das contas externas. A firmeza dessas contas tem sido uma preciosa barreira contra choques vindos de fora. Mas a deterioração já é evidente no comércio de bens. Ficou em US$ 43,33 bilhões o superávit acumulado no ano até a segunda semana de dezembro. Esse valor é 20,1% menor que o de um ano antes, ou 20,8% quando se consideram os dias úteis. Explicações frequentes apontam a insegurança criada pela disputa comercial entre Estados Unidos e China, a onda protecionista, a perda de vigor do comércio global e a crise na Argentina, terceiro maior mercado para exportações brasileiras. Parte dos problemas, no entanto, está dentro do Brasil.
A projeção mais sombria foi elaborada pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), informou a Agência Estado. Segundo cálculos divulgados ontem, as exportações em 2020 devem recuar para US$ 217,34 bilhões, soma 3,2% inferior à receita de US$ 224,44 estimada para 2019. Na direção contrária, as importações devem passar de US$ 179,24 bilhões para US$ 191,21 bilhões, com expansão de 6,6%. Como resultado, o superávit deve diminuir 42,18%, de US$ 45,19 bilhões esperados neste ano para US$ 26,13 bilhões calculados para 2020.
A despesa maior com produtos estrangeiros deve refletir a reativação mais sensível da economia brasileira. Aumento de importações normalmente acompanha a expansão da atividade, com elevação do consumo das famílias e do investimento em máquinas e equipamentos. A esperada perda de receita é atribuída a causas citadas com frequência pelos analistas, como a desaceleração e a crise argentina.
As vendas de não commodities (principalmente manufaturados) diminuíram 7% em volume e 5,3% em preços. Redução de vendas para a Argentina, país em recessão, e para outros países da América Latina, também grandes clientes da indústria brasileira, explica boa parte do retrocesso.
Mas é preciso, segundo os autores do relatório, considerar outros fatores para explicar as fracas exportações da indústria brasileira. O Brasil, assinalam, deveria melhorar seu desempenho nas vendas de não commodities para a China e para outros mercados da Ásia, caracterizados por taxas de crescimento econômico bem maiores que as de países de outras áreas. Esse comentário poderia abrir uma discussão sobre a pouca integração da maior parte da indústria brasileira no mercado global. A baixa presença na Ásia é especialmente notável, mas também seria preciso atuar mais intensamente em outros mercados. Há muito mais que problemas conjunturais na piora do comércio brasileiro.
O superávit comercial tem sido importante fator de segurança. Contrabalançando em parte os saldos negativos das contas de serviços e de rendas, o comércio de bens tem permitido manter em níveis administráveis o déficit das transações correntes, até agora financiado com folga pelo investimento direto. Mas esse déficit tem crescido. Em um ano, até outubro, passou de 2% para 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Não é sinal vermelho. Mas certamente é amarelo.
18 de dezembro de 2019 | 03h00
Jair Bolsonaro termina 2019 com recorde de impopularidade para um presidente em primeiro ano de mandato, mas também como favorito para as eleições de 2022.
Trata-se do presidente com a menor base parlamentar desde a redemocratização. Por isso, recordista em vetos derrubados, medidas provisórias caducadas e decretos derrotados. Mas também, apesar disso, o único que conseguiu aprovar uma reforma da Previdência em dez meses.
Ao mesmo tempo que aumenta a rejeição graças a uma série de posturas, ações e declarações voltadas contra minorias, chefes de Estados de outros países, a esquerda e quem mais chegar, o presidente fideliza um clube de convertidos graças justamente a essas mesmas razões.
Para se entender o que foi o primeiro ano de Bolsonaro e tentar projetar o que serão os próximos, bem como o cenário de 2022, é preciso aceitar que, da mesma forma que sua vitória foi algo que contrariou os compêndios de como se vencia uma eleição até aqui, sua Presidência também não será analisada no futuro com base nas premissas anteriores, cada vez menos aplicáveis para entendê-lo e prever quais serão os resultados que vai entregar.
Por ora, a única variável constante, que valeu para os governos anteriores e vai se mostrando poderosa para ele também, é o desempenho da economia. Mesmo que devagar, quase parando, a recuperação dos indicadores, da confiança no Brasil e na capacidade do governo de propor reformas vai criando uma avenida em que a caravana do bolsonarismo avança, a despeito de suas alas claramente autoritárias, incompetentes, folclóricas ou todas as alternativas anteriores.
O ano acaba com o time do Planalto tendo experimentado todas as posições e sem que nenhuma funcionasse. Onde está Onyx Lorenzoni, que tomou chá de sumiço nos últimos meses? O general Luiz Ramos é um poço de simpatia, empenho e boa vontade, os parlamentares o consideram gente boa, mas não acreditam que ele resolva os problemas mais sérios. Na reta final do ano, é o ex-subchefe de Assuntos Jurídicos, promovido a secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, quem está dando pitacos na articulação política.
Ainda assim, os projetos avançam, graças a uma circunstância em que Câmara e Senado elegeram agendas próprias e querem dar visibilidade a elas. Ontem os deputados concluíram, com atraso de alguns meses, a votação do novo marco do saneamento, abrindo o setor à iniciativa privada. Mais um caso em que os ventos da economia enfunam as velas do bolsonarismo, como também é o caso do boom das exportações, da boa vontade das agências de risco e de outras notícias benfazejas da economia.
Errarão os opositores e críticos do presidente, portanto, se forem analisar só seus números carrancudos nas pesquisas e imaginar que será fácil batê-lo no voto – eletrônico ou impresso, já que fora da economia vivemos uma regressão diária e embaraçosa.
Bolsonaro pode se beneficiar, além de todos os paradoxos aqui enunciados, da repetição do filme ruim de 2018, quando se viu frente a frente com o dragão da maldade do petismo e foi alçado à condição de santo guerreiro por uma narrativa bem construída.
O centro termina o ano com uma profusão de pré-candidatos inversamente proporcional à de projetos e estratégias. Na esquerda, Lula parecia que ia sair causando barulho, mas parece viver o choque de realidade de que não é mais sombra do que já foi. Ainda assim, se precisar arruinar as chances de qualquer candidato de seu campo só para que ele e o PT não percam a hegemonia, o fará, sob aplausos dos teleguiados de sempre.
Nesse cenário, Bolsonaro terá razão se der de ombros para as pesquisas e virar o ano pulando ondinha e fazendo gesto de arminha com a mão.
17 de dezembro de 2019 | 03h00
O Brasil voltou a avançar, mas precisa ser bem mais rápido para acertar o passo com as grandes economias. O País até fez bonito no terceiro trimestre, com um Produto Interno Bruto (PIB) 0,6% maior que no segundo. Foi um desempenho melhor que o da maior parte dos membros do Grupo dos 20 (G-20). China, Índia e Indonésia foram, sem surpresa, exceções. Mas o desempenho brasileiro é bem mais modesto quando se assiste a um filme mais longo, iniciado, por exemplo, em 2016. Nesse período, o País correu no pelotão dos mais lentos, distanciando-se ano a ano dos competidores mais dinâmicos. O Brasil foi deixado para trás pelos emergentes mais rápidos, como China e outros grandes da Ásia, e também por vários países avançados, como Estados Unidos, França e Canadá. A história começa na fase final da recessão, em 2016, início de uma convalescença, mas esse dado conjuntural é apenas parte da história. Baixa produtividade tem sido um fator muito mais importante.
O Grupo dos 20, formado pelas maiores economias do mundo, acumulou até o terceiro trimestre de 2019 um crescimento de 11% sobre a base do terceiro trimestre de 2016. Nesse período, o PIB da zona do euro aumentou 5,8%. O dos Estados Unidos expandiu-se 7,8%. O da França avançou 5,8%. O crescimento chinês atingiu 20,4%. A Indonésia exibiu um resultado de 16,2%. O Brasil mal conseguiu acumular nesses quatro anos um modestíssimo avanço de 4,4%.
A recessão de 2015-2016 foi um desastre de gravidade incomum, maior retração observada na economia brasileira em muitas décadas. Mas o Brasil já estava atrasado na corrida global. Vinha perdendo espaço também para economias sul-americanas, como Chile, Colômbia, Peru e Paraguai.
Baixa produtividade resume várias das consequências dessa longa história de erros. Só um setor, a agropecuária, exibiu sólido crescimento de capacidade produtiva a partir dos anos 1990. Sua produtividade, medida com base nas horas de trabalho, aumentou em média 6,8% ao ano entre 1995 e 2018, segundo estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No mesmo período a produtividade da indústria diminuiu em média 0,2% ao ano. A queda anual chegou a 2,3% entre 1995 e 2002. Entre 2013 e 2018 houve modesta expansão de 0,5% ao ano, amplamente insuficiente para aproximar a indústria brasileira dos padrões internacionais. Nos serviços houve alguma expansão a partir de 1995, com ganho anual de produtividade próximo de 0,3%. Essa média vale para o período até 2018, mas na fase final, a partir de 2013, houve queda de 1,5% ao ano.
Foram especialmente graves os casos das indústrias de transformação e de construção, com recuos anuais de produtividade de 0,7% e 1%. Foi quase como se o Brasil fosse uma economia em processo de desindustrialização precoce.
Tudo isso se reflete nas projeções de crescimento econômico. Segundo estimativas do mercado, o PIB deve fechar 2019 com expansão de 1,12%. Para a produção industrial está prevista redução de 0,71%. Para 2020 o resultado previsto para a indústria acaba de ser diminuído de 2,20% para 2,02%.
O fraco desempenho da indústria afeta a qualidade do crescimento, com perdas no avanço tecnológico, na difusão de estímulos entre segmentos e setores da economia e na geração de empregos qualificados internacionalmente como decentes. Problemas desse tipo, no entanto, pouco têm aparecido na retórica, nos planos e nas análises do ministro da Economia e dos principais técnicos de sua equipe.
16 de dezembro de 2019 | 03h00
O Congresso aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela qual deputados e senadores poderão doar livremente a Estados e municípios verbas de emendas parlamentares individuais sem a necessidade de convênio ou contrato. Os recursos não precisarão ter destinação específica e uma vez doados passam a pertencer aos entes subnacionais, que poderão empregá-los discricionariamente sem o controle da União. A pretexto de reduzir a burocracia, foi ampliada a margem para os parlamentares utilizarem arbitrariamente recursos federais.
A PEC foi apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) e resgatada neste ano por Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na Câmara, foi aprovada por 391 votos a favor e apenas 6 contra. No Senado, foram 56 votos a favor e 2 contra. A tramitação ocorreu a toque de caixa, por causa das eleições municipais do ano que vem. Os parlamentares queriam garantir que os prefeitos de suas bases eleitorais tivessem dinheiro extra para utilizar como quiserem.
Em 2020 o valor dessas emendas será de R$ 15,9 milhões para cada congressista, totalizando quase R$ 10 bilhões. Por disposição constitucional, 50% desses recursos devem ser destinados aos serviços públicos de saúde. Do restante, 70% deverão ser aplicados em despesas de capital, como obras públicas, compras de equipamento e outros investimentos. Os demais 30% podem ser aplicados em despesa de custeio, desde que não seja para saldar despesas com pessoal, encargos sociais ou juros da dívida pública.
“O dinheiro das emendas parlamentares é uma verba de origem federal e sempre teve fiscalização federal”, disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George Cruz da Nóbrega. “(A PEC) retira a competência e a expertise construída pelos órgãos federais na fiscalização desses recursos – e aí eu coloco TCU (Tribunal de Contas da União), CGU (Controladoria-Geral da União), Polícia Federal e Ministério Público Federal.”
Segundo o procurador Vladimir Aras, a transferência de recursos sem vinculação ao orçamento e aos projetos definidos pelo Parlamento “acaba aumentando o risco de mau emprego, desperdício e até mesmo de desvio”. Além disso, os Tribunais de Contas locais “têm problemas de composição e não funcionam adequadamente em grande parte dos Estados”.
Para o presidente do TCU, José Múcio Monteiro, a medida “é um estímulo para quem quer fazer a coisa errada”. Em nota, a Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU apontou que a pulverização da fiscalização dificulta o diagnóstico de fraudes sistêmicas na aplicação dos recursos federais, e advertiu: “O resultado pode ser o aumento da percepção de impunidade”.
Há tempos a confiança no Congresso e na classe política tem se deteriorado. Em pesquisa de opinião recente feita pelo DataFolha, de 14 instituições nacionais, Congresso e partidos políticos foram as duas mais desacreditadas. A atual legislatura atuou em momentos decisivos, como na reforma da Previdência, para restaurar esta credibilidade. Mas medidas como esta PEC vão na direção contrária.
15 de dezembro de 2019 | 03h00
A expectativa de um bom fim de ano, com o consumo animando a economia, foi reforçada com a divulgação dos dados de outubro do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O indicador subiu 0,17%, na terceira alta mensal consecutiva, e ficou 2,13% acima do nível de um ano antes. O mercado apostava em resultado mais alto, mas, apesar disso, recebeu a novidade como um bom sinal. Informações já publicadas sobre a produção industrial, o mercado de serviços e a evolução do varejo haviam apontado a continuação da retomada no quarto trimestre. A mediana das expectativas coletadas pela Agência Estado havia sido 0,25%.Os analistas, no entanto, de modo geral avaliaram os novos números do IBC-Br como comprovação de uma firme tendência de recuperação econômica.
O indicador do Banco Central, publicado mensalmente, é usado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora baseada em um conjunto limitado de informações, essa antecipação ajuda os economistas a compor suas apostas. As avaliações continuam positivas e as projeções de algumas instituições financeiras e consultorias já apontam crescimento econômico de 1,2% neste ano. No começo da semana, a mediana das projeções para 2019 estava em 1,10%, pouco acima do nível atingido na semana anterior, 0,99%. Quatro semanas antes ainda se estimava uma expansão de 0,92% para o PIB.
Em outubro houve crescimento de 0,8% na produção industrial, 0,8% na de serviços, 0,1% nas vendas do varejo restrito e 0,8% nas do varejo ampliado (com veículos, autopeças e materiais de construção), segundo o IBGE. A produção da indústria teve a terceira alta mensal consecutiva, mas ainda acumulou queda de 1,3% em 12 meses. Além disso, a comparação dos dados de janeiro-outubro com os de um ano antes mostrou recuo de 1,1%.
Esses obstáculos também complicaram o retorno, já demorado, aos níveis de atividade registrados no início do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A recuperação do setor, especialmente da indústria de transformação, é um desafio crucial para o êxito da política econômica e para a consolidação do Brasil como país digno de ser classificado como economia emergente. Os sinais de aceleração industrial são animadores, mas é difícil dizer, por enquanto, como estará o impulso no primeiro trimestre do próximo ano.
Apesar de alguma divergência, o IBC-Br e o PIB oficial têm coincidido num ponto muito relevante para a avaliação das perspectivas. Nos dois cenários, o ritmo do crescimento se mantém perto de 1% ao ano – e quanto a isso também se aproximam da percepção dos analistas do mercado.
Nos 10 meses de janeiro a outubro, segundo o indicador recém-divulgado pelo BC, o nível de atividade foi 0,95% mais alto que em igual período de 2018. Em 12 meses o crescimento acumulado ficou em 0,96%. A comparação do trimestre de agosto a outubro deste ano com o do ano passado mostrou avanço de 1,16%.
O crescimento em 2018, último ano do governo anterior, chegou a 1,3%, segundo a revisão recém-publicada pelo IBGE. As projeções para este ano estão pouco a pouco chegando perto desse número. O entusiasmo dos analistas diante dessa possibilidade é facilmente explicável, quando se leva em conta o desempenho do País no primeiro semestre.
As estimativas para 2020 andam em torno de 2,20%. Elevando para R$ 998 o limite de saque do FGTS o governo reforça o estímulo ao consumo. Juros básicos em seu menor nível devem ajudar. Se o otimismo persistir, o crescimento poderá passar de 2,20%, consolidando a superação da crise, mesmo com o presidente olhando para outro lado.
14 de dezembro de 2019 | 03h00
A grande barreira do Brasil contra choques externos tem sido e continua sendo o agronegócio, principal fonte de receita e garantia do superávit comercial. A principal ameaça ao agronegócio brasileiro, depois dos desastres naturais, tem sido o governo federal, principal fornecedor de argumentos ao protecionismo europeu. Nos 12 meses até novembro, o setor exportou produtos no valor de US$ 97,7 bilhões e acumulou um saldo positivo de US$ 84 bilhões nas trocas internacionais. Graças a isso o Brasil conseguiu nesse período um excedente de US$ 47,5 bilhões na balança de mercadorias, condição essencial para manter as contas externas em condição satisfatória. O excedente garantido pela agropecuária tem compensado o saldo negativo de outros setores e deixado uma sobra considerável. Qualquer obstáculo a essas exportações é um risco para a solidez cambial do Brasil. Quem desconhece os efeitos desastrosos de uma crise cambial pode aprender algo dando uma olhada na crise argentina.
A ameaça de taxação de produtos de países poluidores reapareceu em Madri, nos últimos dias, na conferência sobre o clima promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O assunto foi mencionado por dirigentes da Comissão Europeia, em comentários sobre a proposta de um “Green New Deal Europeu”.
Mesmo sem decisão oficial, a mera referência ao assunto é inquietante. A questão ambiental tem reforçado o velho discurso protecionista europeu, apoiado pelo setor agrícola, já fartamente subsidiado, e por movimentos sociais.
O verdadeiro agronegócio, eficiente e competitivo, opera de maneira responsável e, além disso, há décadas tem ampliado a produção muito mais do que a área ocupada. Mas nem todos sabem disso e muitos preferem, com certeza, deixar esses fatos na obscuridade.
Não adianta condenar o protecionismo e ao mesmo tempo reforçar o discurso de quem lucra com a deturpação da imagem do Brasil. Perder mercados é geralmente uma tolice – e tolice maior é pôr em risco o acesso a um mercado como o europeu. É esta a questão.
A União Europeia é o segundo destino mais importante das exportações do agronegócio brasileiro. O maior é a China. Mas o bloco europeu, classificado logo em seguida, absorveu neste ano, até novembro, produtos brasileiros no valor de US$ 15,5 bilhões, ou 17,4% do total exportado pelo agronegócio. Foi a mesma participação registrada um ano antes, embora o valor tenha diminuído 3,8%. A parcela chegou a 17,6% nos 12 meses até novembro, com transações no valor de US$ 17,2 bilhões.
No mês de novembro, embora a participação asiática tenha atingido o recorde de 52,6%, por causa das exportações de carnes para a China, a fatia da União Europeia ainda ficou em 15,7%, ou US$ 1,3 bilhão. As vendas de carnes para o mercado asiático, de US$ 4,3 bilhões, foram 22,1% maiores que as de igual mês do ano passado.
As vendas externas do agronegócio representaram em novembro 46,6% do valor total das exportações brasileiras. A participação se manteve em 43,4% no ano e em 12 meses. Em todos os períodos considerados a fatia da União Europeia nos negócios do agronegócio brasileiro ficou quase estável, com pequena variação em novembro. Menosprezar esse mercado, pondo em risco a imagem dos produtores brasileiros, seria um erro terrivelmente custoso para o País.
Erros graves foram cometidos há meses, quando tropeços diplomáticos puseram em risco os negócios com países muçulmanos e com a China, maior parceira comercial do País. Essas imprudências foram corrigidas, em grande parte pelo esforço da ministra da Agricultura. O presidente da República participou, afinal, do conserto. Mas, seguido pelos ministros do Exterior e do Meio Ambiente, ainda age como se pouco ou nada houvesse aprendido com as falhas. Será necessário um desastre irreparável?
12 de dezembro de 2019 | 03h00
O governo de Jair Bolsonaro prepara uma ampliação do Bolsa Família. A julgar pelo que vem sendo noticiado, não será um aumento qualquer. O Estado informa que o novo programa, se implementado, passará a atender jovens de até 21 anos – hoje, o limite é de 17 anos – e terá um reajuste ainda não definido na média dos benefícios, atualmente em R$ 189,21 por família. Além disso, o plano incluiria um benefício para servir de prêmio a crianças de baixa renda que tenham bom desempenho em competições escolares, como as olimpíadas de matemática.
Não se sabe ainda qual será o impacto orçamentário da iniciativa, proposta pelo Ministério da Cidadania. Fala-se em algo em torno de R$ 16,5 bilhões a mais num orçamento de R$ 29,5 bilhões para o Bolsa Família no ano que vem, mas a equipe econômica está reticente – garante apenas R$ 4 bilhões adicionais, conforme apurou o Estado. O governo ainda não definiu de onde pretende tirar os recursos necessários para a imaginada expansão do Bolsa Família.
Assim, tudo ainda está no campo das intenções – e a do governo, neste caso, parece bem clara: mostrar serviço na área social, especialmente no momento em que o Congresso se mobiliza para discutir um ambicioso pacote de propostas elaboradas por um grupo de deputados envolvendo setores como educação, trabalho, geração de renda e saneamento básico.
À sua maneira, Bolsonaro descreveu com precisão o efeito eleitoral do Bolsa Família: todos os mapas de votação das últimas eleições mostram apoio maciço a candidatos do PT em regiões cuja economia está baseada naquele programa de transferência forçada de renda. Ou seja, o Bolsa Família de fato criou um eleitorado cativo para o PT.
Assim, a intenção do governo de ampliar o Bolsa Família, contrariando todo o histórico de contundentes críticas de Bolsonaro ao programa, parece ter como fim capturar uma parte do eleitorado que hoje vota no PT como forma de gratidão pelo benefício recebido.
Esse indisfarçável aspecto eleitoreiro da iniciativa do governo talvez seja o menor dos problemas. A principal questão é que não se pode imaginar que o aprofundamento da desigualdade de renda no Brasil – o País está hoje entre os dez mais desiguais do mundo, segundo ranking recentemente divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) – será enfrentado por meio da ampliação de programas assistenciais. Em lugar de ser um paliativo temporário para mitigar a pobreza extrema, o Bolsa Família tornou-se esteio permanente de famílias e cidades inteiras Brasil afora. Sem educação pública básica de qualidade para todos, sem saneamento básico suficiente nem mesmo nas grandes cidades e sem criação de oportunidades de trabalho, não haverá redução sustentável da desigualdade no País.
É compreensível que o governo esteja preocupado em dar alguma resposta imediata e vistosa às demandas em favor dos mais pobres, pois o discurso a respeito da desigualdade parece ter se tornado central no embate político. No entanto, não será por meio de ações populistas – as quais, por ora, nem se sabe ainda como financiar – que a questão será devidamente enfrentada. Não há outro caminho: o Brasil deve se manter firme no rumo das reformas administrativas e econômicas, para criar as condições necessárias ao investimento em educação, saneamento básico e infraestrutura. Do contrário, continuaremos a ser um país extremamente vulnerável à demagogia.
11 de dezembro de 2019 | 03h00
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de enviar o vice-presidente Hamilton Mourão para representar o Brasil na posse do presidente da Argentina, Alberto Fernández, realizada ontem, pode contribuir para distender a relação entre os dois países, afetada por divergências ideológicas profundas entre os dois chefes de Estado.
Não se deve esperar, é claro, que essas divergências sejam de todo superadas, pois derivam de visões de mundo completamente antagônicas, mas há sinais de que, em nome de décadas de boa convivência e de uma sólida relação comercial, os governos da Argentina e do Brasil decidiram, afinal, optar pelo pragmatismo, e não pelo confronto.
Não parece ter sido uma decisão fácil para o presidente Bolsonaro, que até o último minuto parecia firme em sua disposição de não enviar ninguém do primeiro escalão para a posse de Alberto Fernández. Na véspera, Bolsonaro informou que ainda estava analisando a “lista de convidados” do novo presidente argentino para avaliar se mandaria alguém.
Problema maior, contudo, era ter de cruzar olhares ou sair na foto com a vice-presidente eleita, Cristina Kirchner. Durante a campanha eleitoral argentina, Bolsonaro qualificou Fernández e Cristina de “bandidos de esquerda” e disse que, se “a esquerdalha” vencesse, “o povo (argentino) saca, em massa, seu dinheiro dos bancos”, entre outros efeitos catastróficos.
Do lado argentino, o comportamento na campanha não foi muito melhor. O agora presidente Fernández reagiu às provocações de Bolsonaro chamando o presidente brasileiro de “racista, misógino e violento”. Além disso, fez campanha pela libertação de Lula da Silva, qualificando o petista como “preso político” – uma afronta à Justiça brasileira. Não era um bom prenúncio para as relações entre os dois países.
Contudo, os ânimos parecem ter arrefecido. Há alguns dias, Fernández aproveitou uma visita do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para enviar a Bolsonaro uma mensagem de “respeito” pelo Brasil. Do lado brasileiro, houve pressão, dentro do governo e também do Congresso, para que Bolsonaro recuasse de sua determinação de boicotar a posse. Funcionou. “Achamos melhor, para não dar a entender que estamos fechando portas”, explicou Bolsonaro sobre a decisão de enviar o vice-presidente Mourão. “O que interessa para nós interessa para eles”, completou o presidente, referindo-se à relação entre os dois países.
Houve alívio imediato entre os empresários brasileiros. Embora admita que “não ficou uma mensagem positiva” de todo o entrevero entre Bolsonaro e Fernández, o vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz, disse que “prevaleceu o bom senso”, pois “a Argentina é o país que historicamente mais compra manufaturados do Brasil e é importante manter uma boa relação, independentemente da posição ideológica do presidente”.
Do lado argentino, o novo presidente disse, em seu discurso de posse, que “com o Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, nas áreas tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam”.
Se o Brasil não pode colocar em risco a relação com um parceiro comercial tão estratégico como a Argentina, os argentinos, por sua vez, não podem nem sequer cogitar de brigar com o Brasil no momento em que o novo governo assume já avisando que “tem vontade de pagar (a dívida externa), mas não tem capacidade para fazê-lo”.
Ieda Maria Vargas e Martha Vasconcellos ganharam a coroa representando o Brasil na década de 1960; veja onde assistir o Miss Universo 2019
Ieda Maria Vargas, a Miss Brasil, ao lado de outras participantes do Miss Universo 1963. Foto: Acervo / Estadão
O Miss Universo 2019 ocorre neste domingo, 8. O Brasil será representado pela mineira Júlia Horta, vencedora do Miss Brasil em março. Ela tentará se tornar a terceira brasileira vencedora do concurso, ao lado de Ieda Maria Vargas e Martha Vasconcellos
A última coroa foi conquistada pela baiana Martha, a Miss Universo 1968. Cinco anos antes, foi a vez da gaúcha Ieda se tornar a Miss Universo 1963, título até então inédito para o País.
Relembre abaixo um pouco mais sobre as conquistas do Brasil no Miss Universo.
A brasileira Ieda Maria Vargas venceu o concurso de Miss Universo 1963 realizado em Miami, nos Estados Unidos, na madrugada de 21 de julho de 1963. Ao todo, eram 50 competidoras.
Ela superou a Miss Dinamarca, Aino Korva, vice-campeã, e a Miss Irlanda, Marlene McKeown. A vencedora do desfile de melhor traje típico foi a Miss Israel, Sherin Ibrahim, e os fotógrafos escolheram a 3ª colocada como a mais fotogênica.
Em Brasília, Ieda Maria Vargas conheceu o presidente João Goulart e desfilou em carro do corpo de bombeiros pelas ruas da capital. Quando passou em frente à Esplanada dos Ministérios, recebeu uma 'chuva' de papel picado.
No Rio Grande do Sul, recebeu as chaves da cidade do prefeito e um banquete em sua homenagem no Palácio Piratini por parte do governador.
Também passou por outros Estados, como o Espírito Santo e o Pará, onde, em Belém, foi recebida por cerca de 3 mil pessoas.
Em 15 de agosto, passou pelo Rio de Janeiro, onde teve que interromper uma entrevista por conta da invasão de parte do público ao local onde falava com jornalistas.
Ieda Maria Vargas desfilou na Exposição Norte-Americana da Quinta da Boa Vista. Após a apresentação, foi para um camarim seguida por um fotógrafo, que acabou levando bronca de um funcionário, dando origem a uma discussão.
Ieda Maria Vargas é recebida com festa ao desembarcar no aeroporto de Brasília como a Miss Universo 1963. Foto: Acervo / Estadão
O fotógrafo entrou no pequeno espaço do camarim, acompanhado por outros três colegas. Por conta disso, o funcionário deu um soco no fotógrafo, fazendo com que fosse necessária a ação da Polícia Militar, com golpes de cassetete.
A Miss Universo, então, chorou por conta da situação e precisou sair às pressas, desmaiando ao entrar em um carro.
Em 1968, Martha Vasconcellos conquistou a segunda coroa da história do concurso para o Brasil. Ao todo, foram 65 participantes àquele ano.
Página de 'O Estado de S. Paulo' sobre Martha Vasconcellos, a Miss Universo 1968. Foto: Acervo / Estadão
À época com 20 anos de idade e natural de Salvador, a candidata chegou a levar um cabeleireiro diretamente da Bahia para ajudá-la no concurso. Antes, já havia se sagrado Miss Bahia e Miss Brasil.
A brasileira foi a 2ª colocada na etapa com roupas de banho do concurso, vencida pela Miss Estados Unidos, Didi Anstett, chegando à derradeira noite com boas chances. O desfile de trajes típicos foi vencido pela Miss Colômbia, Luz Elena Restrepo.
A noite contou também com alguns acidentes. Lucienne Kier, Miss Luxemburgo que tinha 18 anos à época, teve um sangramento no nariz e precisou desfilar com algodão. Já a Miss Malta, 22, desmaiou no palco e só voltou após alguém abaná-la com um jornal.
Pouco depois da meia-noite (horário de Brasília) do domingo, 14 de julho de 1968, Martha Vasconcellos se viu diante de Anne Marie Braafheid, a Miss Curaçao, jovem negra da cidade de Willemstad, como uma das finalistas.
"O mestre de cerimônias tentara aumentar a tensão em torno do nome da vencedora, mas a Miss Curaçao começou a rir e apontou a Miss Brasil como a vencedora. Um pouco desconcertado, o apresentador não teve outro remédio senão proclamar Martha a vencedora", informou o Estado na ocasião.
Questionada sobre o que pensava do título, respondeu, emocionada: "Não posso falar".
Participantes do Miss Universo 1968, vencido pela brasileira Martha Vasconcellos. Foto: Acervo / Estadão
Martha Vasconcellos recebeu um prêmio de 10 mil dólares (equivalente a 32 mil cruzeiros novos na época), um contrato de publicidade de 10 mil dólares e um casaco feito com pele de chichila, avaliado em 7,5 mil dólares, além de outros prêmios menores.
Apesar da euforia, ela só conseguiu contato com seus pais e familiares horas depois, por telegrama: "Tentei muitas vezes [por telefone], mas as telefonistas do hotel respondiam sempre: 'impossível'. Por favor, compreendam que me sinto muito só. Esta é a primeira vez que me separo da minha família".
À época, a escolha trouxe críticas de jornais de Hong Kong e da Venezuela, que consideraram que a eleição de Martha Vasconcellos, uma brasileira, teria ocorrido por conta de "razões políticas" (clique aqui para ler mais).
O Hong Kong Standard insinuava que a "vitória selaria a amizade" entre o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, e o governo brasileiro.
Já o "Ultimas Noticias", de Caracas, afirmou que a "a superioridade da venezuelana sobre a brasileira foi evidente demais para que os juizes ignorassem", e que a questão da Miss Curaçao como 2ª colocada teria sido "influencia da política racial".
Questionada em Nova York por repórteres sobre o que achava da guerra do Vietnã, Martha Vasconcellos foi impedida de responder por parte do relações públicas que a acompanhava.
"Nada de perguntas políticas. Nossas misses são todas apolíticas", afirmou.
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Em sua primeira viagem na volta ao Brasil passou pelo aeroporto de Viracopos. Após uma mudança de planos (iria para o Rio de Janeiro em seguida), passou por São Paulo pouco depois.
Martha também trouxe presentes para algumas personalidades do Estado, como um berimbau para o prefeito Faria Lima. Ela também andou de helicóptero a convite do então governador Abreu Sodré.
À época, Martha contou ao Estado que "nunca acreditou na sua eleição" como Miss Universo, já que Ieda havia sido eleita havia poucos anos e "não esperava outro título para o mesmo País".
"Ganhei 30 vestidos, várias malas e joias, só tinha que ter excesso de bagagem", explicou no desembarque, ao citar o pagamento de uma taxa de 300 dólares pelo peso do que trouxe em seu retorno.
O Miss Universo 2019 será realizado às 22h do domingo, 8 de dezembro. O concurso será transmitido ao vivo pelo Portal da Band na internet a partir das 21h, mesmo horário em que tem início a transmissão do canal TNT, na TV fechada.
Na TV aberta, pela Band, a exibição será feita com atraso, começando a partir das 23h30 de domingo, 8, após o MasterChef, com apresentação de Renata Fan.
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Em 18 de julho, a emissora emitiu um comunicado informando que deixará de transmitir a competição a partir do ano que vem, 2020 (clique aqui para ler mais).
O concurso está previsto para ter início às 20h de Atlanta, o equivalente a 22h no horário de Brasília.
Em 2018 a filipina Catriona Gray foi coroada Miss Universo. Tamaryn Green, da África do Sul, ficou na 2ª colocação, e Sthefany Gutiérrez, da Venezuela, fechou o Top 3.
A brasileira Mayra Dias ficou apenas no Top 20 entre as candidatas.
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Júlia Horta foi coroada a Miss Brasil em 2019 em 10 de março e representará o País no Miss Universo.
A mineira de Juiz de Fora é jornalista e superou a cearense Luana Lobo, 2ª colocada do concurso, e a paulista Bianca Lopes, que ficou na 3ª posição.
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07 de dezembro de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro passou a valorizar o Mercosul, falou em convidar a Bolívia para entrar no clube e até mencionou, brincando, a ideia de continuar na presidência do bloco por meio de um golpe. A brincadeira ocorreu em conversa com o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, seu sucessor no comando rotativo da entidade. Os dois se encontraram na reunião de cúpula realizada na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. Em discurso, Bolsonaro apontou a convergência entre a “renovação” do Mercosul e a agenda brasileira de abertura comercial. Algo mudou no Palácio do Planalto, desde o início do governo, e nesse caso a mudança parece ter sido para melhor. Um ano antes, depois do segundo turno da eleição presidencial, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a importância do Mercosul e da Argentina para a nova administração brasileira. Nenhum dos dois, disse Guedes, era considerado prioritário.
Os dois eventos contribuíram, sem dúvida, para elevar o Mercosul na pauta de prioridades do presidente Bolsonaro. Foram avanços coincidentes com sua bandeira de mais abertura e integração. O governo poderia contá-los como pontos a seu favor, embora fosse recomendável, por justiça, reconhecer alguns fatos quase sempre esquecidos em 2019.
A agenda combinada entre os dois presidentes incluiu a aproximação com a Aliança do Pacífico, bloco mais aberto que o Mercosul e integrado inicialmente por Chile, Peru, Colômbia e México. Em julho de 2018 representantes do Mercosul estiveram no México durante reunião de cúpula da Aliança. O interesse nessa aproximação foi reafirmado em março deste ano, em visita do presidente Bolsonaro ao Chile.
O esforço de “renovação” do Mercosul, citado em Bento Gonçalves pelo presidente brasileiro, foi iniciado, portanto, há quase três anos, pelos presidentes Temer e Macri.
De nenhum modo isso reduz a relevância de qualquer esforço do atual governo brasileiro para dinamizar o Mercosul, demolir barreiras internas, aumentar a integração dos sócios, torná-los mais competitivos e converter o bloco numa plataforma de atuação global.
O presidente Bolsonaro mencionou, em Bento Gonçalves, a proposta de seu governo de redução da tarifa externa comum. O tema, por enquanto, está apenas inscrito na agenda. O Mercosul converteu-se, como observou há alguns anos o diplomata José Botafogo Gonçalves, num clube protecionista. É preciso continuar trabalhando para resgatar o projeto inicial. As planejadas conversações com mais parceiros, como Canadá e Coreia do Sul, poderão contribuir para isso. Falta ver a disposição do próximo presidente argentino, Alberto Fernández. Ele prefere, já se sabe, uma lenta redução da tarifa externa comum.
Sem acordos ambiciosos, a reunião de Bento Gonçalves foi sobretudo importante pela reafirmação da agenda de recuperação do bloco. Integrar o novo governo argentino nesse projeto poderá ser complicado. Não haverá, no entanto, alternativa ao entendimento com o presidente Fernández, e o governo brasileiro precisará aceitar esse dado. Aceitará mais facilmente se o presidente Bolsonaro entender o Mercosul como um bloco de Estados. Governos são outra coisa.
Equipe Paladar
05 de dezembro de 2019 | 06h00
Foi-se o tempo em que comprar panetone era coisa simples. Bastava ir ao mercado, escolher o panetone industrializado com frutas ou com gotas de chocolate. Havia pouquíssimas marcas e a escolha era fácil. Mas está cada vez mais complicado escolher, hoje não só as grandes marcas investem em versões cada vez mais inventivas (e menos parecidas com o panetone clássico), como entraram na disputa as pequenas produções, panetones artesanais e versões autorais de confeiteiros e padeiros.
Como ninguém prova antes de comprar, a megadegustação tradicional do Paladar faz o trabalho para você, buscando as qualidades que definem um bom panetone: massa leve, aroma natural e sabores equilibrados (principalmente a doçura, que costuma ser exagerada).
Nesta safra, selecionamos 25 panetones com foco nos clássicos, a partir de uma lista enorme - veja como é feita a degustação
Quatro jurados avaliaram os panetones às cegas (sem saber as marcas). Na prova, foram eleitos os 10 melhores da seleção. A seguir, você confere o ranking e os comentários sobre todos os produtos avaliados na megadegustação de 2019.
À VENDA NO ST. MARCHÊ - R. CARLOS WEBER, 502, VILA LEOPOLDINA, 3643-1020. OUTROS ENDEREÇOS: marche.com.br
04 de dezembro de 2019 | 03h00
O Brasil superou a pior fase, a economia ganha impulso e 2020 poderá ser melhor do que têm previsto os economistas: esta foi a avaliação dominante do novo balanço geral da atividade – produção, consumo, poupança, investimento e comércio exterior.
Diante da boa novidade, por muitos classificada como surpresa, analistas do setor financeiro e de consultorias já falam em rever suas projeções. Temperando o otimismo com uma boa pitada de moderação, especulam sobre um possível crescimento em torno de 1,1% neste ano e de 2,2% em 2020. Mas o otimismo, embora contido, já será uma novidade positiva, se contaminar o mundo real dos consumidores, produtores, comerciantes e empregadores.
Apesar das condições ainda ruins do mercado de trabalho, no terceiro trimestre o consumo das famílias foi 0,8% maior que no segundo e 1,9% superior ao de um ano antes. Esse grupo de despesas permaneceu, no entanto, ainda contido. Essa é uma das explicações, provavelmente a mais importante, da inflação moderada e abaixo da meta anual de 4%. A aceleração ocasional da inflação decorreu principalmente, em 2019, de aumentos de preços administrados, como os da energia elétrica, do gás e do transporte coletivo.
Inflação baixa e expectativas inflacionárias muito moderadas proporcionaram espaço, nos últimos anos, a uma acentuada redução dos juros básicos. Em menor proporção, esse corte chegou ao mercado de crédito, barateando o capital de giro e parte dos demais financiamentos. Esse foi o principal, quase único, estímulo oficial à reativação dos negócios. O governo reivindica uma parte do mérito pela recente aceleração da economia, mas nada ou quase nada fez, durante oito meses, para intensificar a atividade. Seria um exagero atribuir qualquer melhora econômica, nos últimos meses, a iniciativas como a da reforma previdenciária. No máximo, a reafirmação do compromisso com a pauta reformista deu alguma segurança ao Banco Central para avançar na redução dos juros.
Mas nem tudo é claramente positivo no balanço econômico do terceiro trimestre. O crescimento industrial de 0,8% dependeu da exploração mineral, principalmente de petróleo, e da construção. A indústria de transformação, a mais importante na caracterização de uma economia emergente, recuou 1% em relação ao segundo semestre e perdeu 0,5% no confronto com igual período de 2018. Em 12 meses sua produção diminuiu 0,5% em relação ao volume do período imediatamente anterior. As últimas perdas são em parte atribuíveis à crise na Argentina, importante compradora de bens industriais fabricados no Brasil. Mas a deterioração da indústria começou pelo menos em 2012. Não há, ainda, sinal de reversão desse longo processo de enfraquecimento.
Outro dado pouco brilhante é a taxa de investimento, medida com base na aplicação de capital em máquinas, equipamentos e construções.
Esse item cresceu 3% em 12 meses, mas o total investido ficou em 16,3% do PIB. Foi a mesma taxa de um ano antes, muito inferior à necessária – cerca de 25% – à ampliação e à modernização do potencial produtivo. Sem isso, nenhuma retomada irá muito longe.
A Casa do Porco é o melhor classificado no ranking de 2020, seguido pelo Maní; chef Renata Vanzetto recebe o título de Jovem Talento
O prêmio La Liste (a lista), que elege os “mil restaurantes mais excepcionais do mundo”, acaba de divulgar o ranking de 2020, em cerimônia realizada no Ministério de Relações Exteriores em Paris. O prêmio criado na França, em resposta ao 50 Best, chega a sua 5ª edição com quatro restaurantes empatados no topo da lista: Guy Savoy (França), Le Bernardin (EUA), Ryugin (Japão) e Sugalabo (Japão).
Renata Vanzetto e Janaína e Jefferson Rueda, na cerimômia do La Liste. Foto: Cassiano Bonjardim
Além de conquistar o prêmio Autenticidade, que elege os cinco endereços mais originais do planeta, A Casa do Porco, de Jefferson e Janaína Rueda, é o melhor classificado entre os brasileiros - assim como no 50 Best -, seguido pelo Maní, de Helena Rizzo, D.O.M., Fasano, Tuju, Oro, Carlota e Jun Sakamoto. A chef Renata Vanzetto recebeu o título de Jovem Talento (junto de outros quatro chefs) pelo trabalho que vem realizando no Ema.
A lista parte da compilação das avaliações de restaurantes presentes em mais de 600 guias (incluindo 50 Best e Michelin) e publicações especializadas - cada análise é convertida em uma nota padrão, de 0 a 100, que é somada a avaliações online de clientes, com o peso de 10% na nota final.
02 de dezembro de 2019 | 03h00
Com 12,4 milhões de desocupados, o equivalente a 11,6% da força de trabalho, as condições de emprego no trimestre móvel encerrado em outubro foram muito parecidas com as de um ano antes, quando o deputado Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. O quadro piorou depois da posse, embora empresários tenham proclamado otimismo em relação ao novo governo. O primeiro ano de mandato foi marcado por baixa atividade, severa escassez de vagas e aumento da informalidade e da ocupação precária. Os desempregados chegaram a 13,2 milhões no período de fevereiro a abril, e a partir daí o número declinou lentamente. No trimestre da eleição, em 2018, 12,3 milhões de trabalhadores caçavam qualquer oportunidade. A taxa de desemprego passou de 11,7% para 11,6% em um ano, uma variação estatística insignificante, enquanto aumentou o número absoluto dos trabalhadores e famílias em situação ruim. São dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A grande realização nesse período foi o encaminhamento da reforma da Previdência, iniciativa essencial para o futuro do País, mas insuficiente para dar impulso imediato aos negócios e à contratação de pessoal. Mesmo os dados positivos acumulados no ano ficam bem menos bonitos quando examinados com cuidado. O escasso aumento da ocupação resultou principalmente de contratações informais - sem registro em carteira - e da expansão da atividade por conta própria, em grande parte por meio de trabalhos precários e de baixo rendimento.
A resposta mais prudente apontaria um fenômeno muito distinto e bem prosaico: muita gente, cansada de esperar a melhora no mercado, resolveu fazer qualquer coisa para sobreviver e manter os dependentes.
Parte dessas pessoas provavelmente abandonará o negócio próprio se aparecer uma chance de contratação. Outra parcela se disporá a manter a nova ocupação, talvez mais compensadora do que a já experimentada relação de emprego. Esse grupo, sim, poderá descobrir-se, talvez de forma surpreendente, com uma vocação empreendedora. Por enquanto, é arriscado dizer como ficará o quadro das atividades quando a oferta de vagas se tornar menos precária.
Mas o desemprego, a contratação informal e o recorde da ocupação por conta própria mostram só uma parte de um quadro ainda muito sombrio. Somando-se 12,4 milhões de desocupados, 7 milhões de subocupados com insuficiência de horas de trabalho e 4,6 milhões de desalentados, chega-se a um total de 24 milhões de pessoas em condições muito ruins - por falta de ocupação ou de ânimo para continuar procurando emprego. No trimestre móvel terminado em setembro, esse conjunto era formado por 24,2 milhões de trabalhadores.
Os técnicos do IBGE propõem outra conta, adicionando aos desocupados, subocupados e desalentados um contingente de força de trabalho potencial. Esse contingente inclui pessoas fora do mercado, mas em condições de trabalhar, se o quadro se tornar mais favorável. Essa conta leva a um total de 27,1 milhões de pessoas subutilizadas. O número é 3,5% menor que o do trimestre móvel de maio a julho, mas igual ao de um ano antes. Também nesse caso houve um retorno às condições observadas na época da eleição.
Como naquele tempo, há alguma expectativa, agora, de alguma dinamização dos negócios e do emprego. Falta ver se o governo se tornou mais preocupado com crescimento e emprego, prioridades de quem precisa garantir a sobrevivência da família. Uma resposta positiva terá de envolver algo mais que a expansão econômica de 2% prevista para 2020.
30 de novembro de 2019 | 05h00
SÃO PAULO - Com inauguração marcada para este sábado, 30, a árvore de Natal do Ibirapuera terá um coral que vai se apresentar dentro da atração e lâmpadas substituídas por projeções. A abertura será às 20 horas e contará com a participação da cantora Paula Lima. Haverá ainda a chegada do Papai Noel com uma caravana de caminhões iluminada.
“Este ano, a árvore não terá uma lâmpada sequer, pois a iluminação será feita exclusivamente por projeção, partindo de três pontos de dentro do Parque do Ibirapuera. As projeções terão momentos em família e amigos. A ideia é promover momentos de união e celebração”, explica Luciano Alves de Sá, gerente de publicidade, promoções e eventos da Coca-Cola Femsa Brasil, uma das empresas parceiras da Prefeitura.
"Para sustentação, a árvore conta com 70 toneladas de estrutura tubular e 90 toneladas das caixas d’água. Outro destaque é a presença de 170 funcionários diretos e indiretos na equipe de montagem", diz Sá.
Além deste sábado, o coral que se exibirá no corpo da árvore realizará apresentações nos dias 7 e 14, das 19h às 19h15 e das 20h30 às 20h45. Segundo a Prefeitura, a árvore tem 42 metros de altura e 13,3 metros de diâmetro. A tradicional estrela tem 7 metros de altura. A atração fica no local até 6 de janeiro.
A fonte luminosa já foi montada e terá apresentações de 20 minutos todos os dias. Nelas, jatos de água criam uma “cortina” que recebe um jogo de imagens. A atração também conta com trilha sonora. Nesta edição, haverá uma área reservada para deficientes físicos com audiodescrição e tradução da linguagem de libras.
Outra atração são as caravanas iluminadas, compostas por oito caminhões com 13 metros de comprimento, que vão circular pela cidade. A decoração dos veículos é feita com cerca de 3.750 garrafas PET iluminadas por mangueiras de LED.
28 de novembro de 2019 | 22h45
O Prêmio Jabuti 2019 realizou a sua cerimônia na noite desta quinta-feira, 28, em São Paulo, e consagrou o livro Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil 1926 - 2013, de Pedro Ferreira de Souza, como o Livro do Ano. A 61.ª edição do Jabuti distribuiu troféus em 19 categorias, separadas em quatro eixos.
No eixo literatura, o vencedor do melhor romance foi Tiago Ferro, com o livro O Pai da Menina Morta, uma elaboração artística sofisticada de um pai passando pelo luto de ter perdido uma filha. O livro Pós-F, da escritora e roteirista Fernanda Young, morta subitamente em 2019, venceu a categoria crônica. Em contos, quem venceu foi a veterana Vilma Arêas, com o livro Um Beijo Por Mês, da Luna Parque. O livro póstumo Nuvens, da escritora e cineasta Hilda Machado, recebeu o prêmio na categoria poesia.
No eixo Ensaios, os vencedores foram: Arte popular brasileira: olhares contemporâneos, organizado por Vilma Eid e Germana Monte-Mór (categoria artes); Jorge Amado: uma biografia, de Joselia Aguiar (biografia); A caminho de Marte: a incrível jornada de um cientista brasileiro até a NASA, de Ivair Gontijo (ciências); 101 dias com ações mais sustentáveis para mudar o mundo, de Marcus Nakagawa (economia criativa); e Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil 1926 - 2013, de Pedro H. G. Ferreira de Souza.
Esses dois eixos são os que concorriam ao prêmio principal da noite, de livro do ano. O Jabuti ainda premiou outros dois eixos, Livro e Inovação, mais ligadas ao aspectos da cadeia produtiva do livro, como capas, projeto gráfico e ações de fomento à leitura. Em 2019, o Jabuti elegeu como personalidade literária do ano a escritora Conceição Evaristo, muito aplaudida durante a cerimônia.
Uma sessão especial da Câmara Municipal de São Paulo vai dar o título de cidadã honorária para Conceição Evaristo no dia 3 de dezembro, terça-feira, 19h.
O autor do melhor livro de cada categoria ganha R$ 5 mil e o troféu do Jabuti. O vencedor do Livro do Ano, escolhido entre os premiados das categorias dos eixos Literatura e Ensaios, ganha R$ 100 mil. Em 2019, o Jabuti recebeu 2.103 inscrições, 11% a mais do que em 2018.
28 de novembro de 2019 | 05h00
Um chefe de Estado consciente de suas responsabilidades deve ser capaz de convencer seus concidadãos da necessidade de adotar reformas duras, mesmo ao custo de abalo em sua popularidade. Não pode, ao primeiro sinal de descontentamento, hesitar. Deve, ao contrário, mostrar convicção de que as reformas são necessárias não apenas para resolver problemas imediatos, mas para garantir um futuro melhor. Um verdadeiro estadista governa também para as gerações seguintes, enquanto o populista só se ocupa do presente e de circunstâncias efêmeras, principalmente as relacionadas com sua manutenção no poder.
Ou seja, Bolsonaro, segundo o ministro da Economia, decidiu “desacelerar” as reformas como reação a protestos que, por motivos que não nos dizem respeito, aconteceram em países amigos, não aconteceram aqui e talvez nem venham a acontecer, a julgar pela normalidade que se verifica hoje no País. Tal excesso de zelo soa mais como pretexto para justificar uma condução errática e titubeante das reformas – contra as quais, é bom enfatizar, o atual presidente da República lutou bravamente como deputado federal. Basta lembrar que, a certa altura da tramitação da reforma da Previdência, Bolsonaro manifestou dúvidas a respeito da proposta e chegou a interceder em favor da manutenção de regalias de algumas categorias profissionais – contrariando o espírito de uma reforma cujo propósito era justamente acabar com privilégios.
Quando os parlamentares tinham apenas a reforma da Previdência para discutir, tal comportamento, embora tenha atrapalhado em muitos momentos, não impediu a aprovação da matéria; agora, diante da profusão de projetos encaminhados pelo governo, provavelmente haverá dispersão de energias e não se sabe o que será aprovado, se é que algo será. Tal incerteza já se reflete nos humores do mercado financeiro, sendo um dos fatores da recente alta do dólar.
Como 2020 será ano eleitoral, muito provavelmente o Congresso será refratário à discussão de temas espinhosos, capazes de tirar votos. Então, pode-se presumir que muitos dos projetos do governo tendem a ficar para as calendas – e a culpa por isso será descaradamente atribuída ao Congresso, quando, de fato, as responsabilidades não ultrapassam as paredes do Palácio do Planalto.
Afinal, não se pode culpar os parlamentares por perseguirem interesses eleitorais imediatos, já que o exemplo vem de cima e não é bom. Pois, ao empurrar as reformas com a barriga sob o pretexto de evitar “agitação social”, o presidente Bolsonaro nada mais faz do que cuidar de não perder preciosos votos na próxima eleição. E as gerações futuras que se virem.
27 de novembro de 2019 | 07h31
O velório do apresentador Gugu Liberato deverá ser aberto ao público ao meio-dia de quinta-feira, 28, na Assembleia Legislativa de São Paulo, segundo informação divulgada pela assessoria do comunicador.
LEIA TAMBÉM >Morte de Gugu Liberato: veja a repercussão
"Acreditamos que, por volta das 12h, o velório será aberto e se estenderá até às 10 horas da manhã de sexta-feira, 29, quando o corpo seguirá em carro de bombeiros para o Cemitério Gethsemani, no Morumbi, onde será sepultado no jazigo da família", diz o comunicado.
Ainda segundo a assessoria, o corpo de Gugu Liberato deverá chegar no aeroporto de Viracopos, em Campinas, por volta das 6h da quinta. Terminada a liberação legal, seguirá para São Paulo."Chegando à Assembléia, tudo será preparado e o salão principal será o local do velório, aberto para que o público possa se despedir de Gugu."
Gugu Liberato morreu na sexta-feira, 22, após sofrer um acidente doméstico dois dias antes em sua casa, em Orlando, nos Estados Unidos. Ele estava com 60 anos.
Segundo informações divulgadas pela sua assessoria de imprensa, ele teve uma queda acidental de uma altura de cerca de quatro metros quando fazia um reparo no ar condicionado instalado no sótão de sua casa. Ele bateu a cabeça na quina de um móvel. Em sequência, exames constataram a morte cerebral do apresentador.
25 de novembro de 2019 | 05h0
A preocupação com a agenda social aumentou diante do temor do “efeito Chile”, o primeiro de uma onda de protestos que se espalharam pela América Latina. O governo também busca um plano de ação após o lançamento da agenda de combate à pobreza do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e a libertação de Lula.
Entre as propostas em análise pelo governo está a concessão de um adicional de R$ 6,81 por mês para cada uma das 13,8 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo – o benefício para uma família em extrema pobreza é de R$ 89 por mês. O aumento seria possível com uma folga no orçamento, que viria a partir do fim da desoneração de produtos da cesta básica.
B, especialmente no Nordeste, tem impacto na renda de cerca de 43 milhões de pessoas, nas estimativas oficiais. De olho em sua base de apoio, o ex-presidente deixou a prisão com um discurso focado nas contradições da agenda liberal de Guedes e no resgate da questão social. Integrantes do núcleo político avaliam, agora, que o governo perdeu tempo na “corrida” pelo “voto social”.
Em reação à soltura do petista, a equipe econômica foi orientada a buscar espaço no orçamento para aumentar os recursos destinados aos programas sociais. O grupo de Guedes avalia ainda que Maia, ao lançar uma agenda social, avançou numa área do Executivo. Nas conversas sobre o Bolsa Família, integrantes da equipe de Bolsonaro chegaram a defender até a troca do nome do programa para Bolsa Brasil. Mas setores do governo resistem à mudança.
Além do reajuste do benefício, a população de baixa renda que está nos municípios com até 50 mil habitantes será o foco de um programa habitacional, a ser lançado no lugar do Minha Casa, Minha Vida. O modelo funcionará com um sistema de voucher (vale que assegura um crédito), em que as famílias receberão recursos para comprar, construir ou reformar a casa própria. O público potencial do programa são famílias com renda de até R$ 1.200 mensais em média, mas o valor exato será definido de acordo com a região.
Entre as propostas avaliadas está ainda um novo incentivo patrocinado pelo BNDES, que poderá se chamar Bolsa Atleta Escolar. Cinco mil estudantes devem receber R$ 300 por mês para se dedicar à atividade desportiva e se preparar para os Jogos Escolares brasileiros. Com a proposta, serão gastos R$ 18 milhões por ano.
O pacote de medidas inclui também um reforço no Programa Criança Feliz, que tem como madrinha a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Nesta semana, o governo recebeu o Prêmio Wise Awards pelo trabalho com os menores de até três anos. O programa atende 820 mil crianças e gestantes do Bolsa Família, que recebem visitas de 25 mil agentes semanalmente. A previsão é ultrapassar 1 milhão de atendimentos no ano que vem e, até 2022, atingir 3,2 milhões.
A agenda liberal de Guedes é o alvo principal dos ataques dos críticos – para quem o ajuste e as reformas propostas pela equipe econômica punem mais a população de baixa renda. O anúncio da taxação do benefício do seguro-desemprego para bancar a desoneração da folha de pagamento das empresas, no pacote de estímulo do emprego, alimentou essa percepção negativa. No embalo da libertação de Lula, no início deste mês, as críticas se intensificaram nas últimas semanas.
Em pleno feriado da Proclamação da República, no dia 15, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, convocou uma reunião com o ministro da Cidadania, Osmar Terra, para discutir um plano de ações com foco na primeira infância. Também participaram do encontro os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Na ocasião, o grupo fez uma primeira radiografia geral das políticas públicas já existentes.
A revisão da política de desoneração da cesta básica em estudo pelo governo quer evitar que o benefício contemple famílias de alta renda, consumidoras de produtos como carnes nobres e peixes como salmão, hoje na lista de isenção de tributos da cesta. A ideia é que os recursos poupados com o aumento da tributação de alguns itens sejam direcionados ao Bolsa Família.
A proposta é reonerar produtos como queijos (do gorgonzola ao chantilly), iogurtes light e diet, leite condensado, creme de leite, cream cheese, cappuccino em pó solúvel, filé de alguns tipos de peixe (incluindo salmão), peru, pato e até ovo de jacaré. Todos são hoje desonerados porque estão na chamada “cesta básica” a um custo de R$ 1,17 bilhão anual. O reforço do Bolsa Família teria potencial para retirar 117 mil pessoas da pobreza, diz o Ministério da Economia.
Em 2018, a desoneração da cesta básica consumiu R$ 15,9 bilhões, mas só R$ 1,6 bilhão desse valor é gasto com os 20% mais pobres. Os 20% mais ricos, por sua vez, ficam com R$ 4,5 bilhões do benefício.
Interlocutores do Palácio do Planalto negam que o governo tenha corrido para apresentar propostas na área social em reação aos movimentos de políticos da esquerda e do centro. Observam que o primeiro passo do presidente Jair Bolsonaro para o reforço da política social ocorreu antes das ações dos adversários, quando garantiu o 13.º salário a beneficiários do Bolsa Família – programa do governo Lula que tanto Bolsonaro como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), querem turbinar.
Além de transformar o 13.º salário numa ação permanente, em sua proposta de reforma tributária, o governo vai lançar o programa de restituição dos tributos da cesta básica aos beneficiários dos programas sociais. A informação foi antecipada ao Estado pelo secretário da Receita Federal, José Tostes. “Não aceitamos que digam que não fizemos nada. Criar o 13.º é um avanço”, disse o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Ele não reconhece índices de redução da pobreza nos governos petistas.
Associado ao legado petista no setor social, Ricardo Paes de Barros já havia se reunido em outubro com Osmar Terra para avaliar o Bolsa Família. A contribuição informal do economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper no governo Bolsonaro forma uma trinca familiar no poder. Ele é irmão do presidente da Infraero, brigadeiro Hélio Paes de Barros Júnior, e do ministro de Minas e Energia, almirante Bento Costa Lima de Albuquerque Júnior. Bento Albuquerque é filho da segunda mulher do pai dos irmãos Paes de Barros.
22 de novembro de 2019 | 21h10
Atualizado 22 de novembro de 2019 | 22h15
O apresentador Gugu Liberato morreu nesta sexta-feira, 22, aos 60 anos, em Orlando, na Flórida, onde tinha uma residência. Ele havia sido internado em um hospital após sofrer um acidente na casa onde mora. Segundo comunicado divulgado por sua assessoria de imprensa, Gugu sofreu o acidente na quarta-feira, 20. Ainda não há informações sobre o traslado do corpo para o Brasil, tampouco sobre velório e sepultamento.
Ele caiu de uma altura de quatro metros quando fazia um reparo no ar-condicionado no sótão da casa. De acordo com a nota, foi prontamente socorrido por uma equipe de resgate e admitido no Orlando Health Medical Center.
A nota diz ainda que Gugu deu entrada no hospital com um nível de consciência 3, estabelecido pela escala de coma de Glasgow (usada para medir o efeito das lesões celebrais), que vai até 6.
Os exames iniciais constataram sangramento intracraniano. "Em virtude da gravidade neurológica, não foi indicado qualquer procedimento cirúrgico. Durante o período de observação foi constatada a ausência de atividade cerebral", observa o texto.
A morte encefálica foi confirmada pelo Professor Dr. Guilherme Lepski, neurocirurgião brasileiro chamado pela família, que após ver as imagens dos exames em detalhes, confirmou a irreversibilidade do quadro clínico diante da mãe do apresentador Maria do Céu, dos irmãos Amandio Augusto e Aparecida Liberato, e da mãe de seus filhos, Rose Miriam Di Matteo.
O apresentador deixa a esposa e três filhos, João Augusto, de 18 anos, e as gêmeas Marina e Sophia, de 15.
Discípulo de Silvio Santos, com quem trabalhou pela primeira vez ainda nos anos 1970, Gugu marcou época na TV brasileira à frente de programas como Viva a Noite (SBT), Sabadão (SBT), Domingo Legal (SBT) e o Programa do Gugu (RecordTV). Atualmente, ele era o apresentador do reality show Canta Comigo, também na Record.
Em 1988, com cada vez mais destaque no SBT, Gugu chegou a assinar contrato para apresentar um novo programa na Rede Globo, mas Silvio Santos foi pessoalmente ao dono da emissora, Roberto Marinho, pedir a rescisão do acordo para que Gugu continuasse no SBT – o que acabou ocorrendo. Quem entrou em seu lugar na emissora carioca foi Fausto Silva.
Especialmente com o Domingo Legal, Gugu foi líder de audiência nas tardes de domingo entre o fim dos anos 1990 e 2003, vencendo o Domingão do Faustão e provocando mudanças na linha editorial do programa global, que deixou de exibir quadros como o "sushi erótico".
A Justiça também entrou no caminho do Domingo Legal em alguns momentos. Em 2000, proibiu a exibição da "Banheira do Gugu" (quadro em que homens e mulheres seminus brigavam para alcançar um sabonete em uma pequena piscina molhada) antes das 21h. (os advogados do programa recorreram, mas o horário acabou mudando de qualquer forma).
Foi também nessa época que o programa começou a investir mais em reportagens jornalísticas, o que consolidou sua liderança nos domingos no início do século. Mas o investimento gerou outro problema com a Justiça.
No dia 7 de setembro de 2003, o Domingo Legal exibiu uma "entrevista" com dois membros do PCC a bordo de um ônibus na capital paulista. Porém, após investigação, a polícia descobriu que a entrevista era falsa. Os responsáveis pela investigação disseram na época que os encapuzados entrevistados não eram integrantes da facção criminosa e receberam R$ 500 cada um para participar do programa. O programa foi proibido pela Justiça Federal de ser exibido no dia 21 de setembro.
O apresentador foi denunciado por crime de ameaça e por dois crimes de imprensa pelo Ministério Público de São Paulo. A Justiça autorizou um indiciamento, mas uma liminar o impediu. O SBT acabou multado em R$ 1,7 milhão (valores da época). Naquele ano, o SBT registrou um prejuízo de R$ 33,6 milhões. Gugu fez um acordo financeiro de R$ 750 mil em 2005 para encerrar o processo.
Gugu também apareceu diversas vezes nos cinemas, principalmente em filmes da Xuxa e dos Trapalhões, como em O Casamento dos Trapalhões (1988) e Xuxa e os Duendes (2001). O apresentador também gravou alguns compactos (discos de vinil com uma música de cada lado). Baile dos Passarinhos e Docinho Docinho fizeram sucesso. Ele também chegou a fazer campanhas políticas para José Serra, do PSDB, nos anos 1990 e 2000.
Em 2009, ele saiu do SBT e foi para a Record TV (os números não oficiais estimavam que ele levaria R$ 3 milhões mensais). Em entrevista ao Jornal da Tarde no dia 30 de agosto de 2009, Gugu explicou sua mudança de emissora: "Minha decisão de ir para a Record foi baseada na oportunidade de trabalho que eles me ofereceram. O contrato envolve um plano de carreira promissor, ótimas oportunidades e condições de produção. Foram várias situações. Um plano de carreira, um contrato de oito anos, que não é comum na televisão, toda a estrutura de jornalismo oferecida, a cobertura internacional que teremos e o talk-show que vou fazer, inicialmente uma vez a por semana, na Record News. O próprio Silvio Santos me disse que se tratava de uma proposta irrecusável".
Gugu havia renovado o contrato com a emissora por mais três anos no início de 2019. "Estou muito feliz em comunicar que hoje renovei meu contrato com a Record TV. Agradeço a confiança de todos, especialmente do vice-presidente artístico e de programação, sr. Marcelo Silva", escreveu Gugu em seu Instagram na ocasião.
Outra mudança de contrato ficou na história do apresentador. Com cada vez mais destaque no SBT, em 1988 ele chegou a assinar contrato com a Globo, mas Silvio Santos foi pessoalmente ao dono da emissora, Roberto Marinho, pedir a rescisão do acordo para que Gugu continuasse no SBT. Quem entrou em seu lugar foi Fausto Silva.
A quinta, 21, já havia sido tensa para sua família, colegas, fãs de TV e admiradores do apresentador.
A mãe de Gugu, Maria do Céu, embarcou em um avião às 10h de quinta-feira em direção a Orlando, e a orientação foi aguardar o comunicado oficial, finalmente marcado para as 21h. A nota informou que Gugu estava Unidade de Terapia Intensiva e vivo, sendo acompanhado pela equipe médica local.
No início de novembro, Gugu teve de usar as redes sociais para desmentir um boato sobre a própria morte. A página oficial do seu programa Power Couple Brasil no Instagram fez uma publicação falando que o apresentador havia morrido por conta de um enfarte.
Mas, na verdade, a conta do reality show havia sido invadida por hackers. “Pessoal, alguém publicou que eu tive um enfarte. É fake, tá? Estou muito bem, obrigado”, escreveu Gugu na página oficial dele no Twitter no dia 4 de novembro.
"NOTA DE FALECIMENTO
Este é um momento que jamais imaginamos viver. Com profunda tristeza, familiares comunicam o falecimento do pai, irmão, filho, amigo, empresário, jornalista e apresentador Antônio Augusto Moraes Liberato (Gugu Liberato), aos 60 anos, em Orlando, Florida, Estados Unidos.
Nosso Gugu sempre viveu de maneira simples e alegre, cercado por seus familiares e extremamente dedicado aos filhos. E assim foi até o final da vida, ocorrida após um acidente caseiro.
Ele sofreu uma queda acidental de uma altura de cerca de quatro metros quando fazia um reparo no ar condicionado instalado no sótão. Foi prontamente socorrido pela equipe de resgate e admitido no Orlando Health Medical Center, onde permaneceu na Unidade de Terapia Intensiva, acompanhado pela equipe médica local.
Na admissão deu entrada em escala de *Glasgow de 3 e os exames iniciais constataram sangramento intracraniano. Em virtude da gravidade neurológica, não foi indicado qualquer procedimento cirúrgico. Durante o período de observação foi constatada a ausência de atividade cerebral. A morte encefálica foi confirmada pelo Prof. Dr. Guilherme Lepski, neurocirurgião brasileiro chamado pela família, que após ver as imagens dos exames em detalhes, confirmou a irreversibilidade do quadro clínico diante de sua mãe Maria do Céu, dos irmãos Amandio Augusto e Aparecida Liberato, e da mãe de seus filhos, Rose Miriam Di Matteo.
Ainda não temos detalhes sobre o traslado para o Brasil. Informações sobre velório e sepultamento serão passadas assim que tudo estiver definido.
Ele deixa três filhos, João Augusto de 18 anos e as gêmeas Marina e Sophia de 15 anos.
Atendendo a uma vontade dele, a família autorizou a doação de todos os órgãos.
Gugu sempre refletiu sobre os verdadeiros valores da vida e o quão frágil ela se revela. Sua partida nos deixa sem chão, mas reforça nossa certeza de que ele viveu plenamente. Fica a saudade, ficam as lembranças - que são muitas - e a certeza que Deus recebe agora um filho querido, e o céu ganha uma estrela que emana luz e paz.
Familiares e funcionários
São Paulo, 22 de novembro de 2019
* Escala Glasgow de 3 - usada para medir a consciência e a evolução das lesões cerebrais em um paciente."
21 de novembro de 2019 | 03h00
Empresários confiantes sinalizam tempos melhores, ensina a sabedoria tradicional. Se essa relação mais uma vez se confirmar, os brasileiros encontrarão uma boa notícia em pesquisa recém-apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Um título animador abre o material divulgado: “Confiança cresce e reforça expectativa de recuperação da economia”. A informação parece combinar muito bem com os dados positivos do terceiro trimestre – crescimento da produção industrial, aumento do consumo e expansão dos serviços, num ambiente de inflação contida e juros em queda. Mantendo a tendência de alta iniciada em julho, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) subiu 3,2 pontos e atingiu em novembro o nível 62,5, puxado pela avaliação das condições presentes e também pela expectativa de melhores negócios nos próximos seis meses.
Mas a aposta baseada nesses indicadores nem sempre é segura. O Brasil estaria bem melhor se atividade e emprego refletissem mais prontamente e mais fielmente os índices de confiança empresarial. Deve haver uma falha de comunicação entre a melhora de humor dos empresários, tal como apontada nas sondagens, e o dia a dia dos negócios.
O último levantamento, referente ao terceiro trimestre, mostrou 12,5 milhões de desempregados, equivalente a 11,8% da população ativa. As condições de emprego pouco refletiram, se tiverem refletido, as fases de maior confiança. O emprego, pode-se ponderar, sempre segue com atraso a retomada depois de uma recessão. Mas a recessão acabou há mais de três anos, há quase quatro, de fato.
O Índice de Condições Atuais subiu de 52,7 pontos em novembro do ano passado – logo depois das eleições – até 55,6 em fevereiro de 2019 e em seguida caiu, atingindo o mínimo de 47 em julho. A partir daí houve recuperação até 56,3 em novembro. O Índice de Expectativas seguiu trajetória paralela, mas sempre acima de 60 pontos, até bater em 65,6 na sondagem recém-divulgada. Os números podem parecer cansativos e áridos, mas seria imprudente deixá-los de lado.
Entre a eleição presidencial e o começo do ano, o Icei e seus componentes seguiram uma rota ascendente. Os sinais de confiança eram fortes, mas nunca se traduziram em efetiva melhora da economia ou em redução significativa do desemprego. Tudo se passou como se os empresários, embora otimistas em relação ao novo governo, tivessem esperado até o começo do ano sinais claros de recuperação econômica – ou, pelo menos, de medidas claras de estímulo. Não houve a resposta esperada. Depois de fevereiro, o Índice de Condições Atuais despencou e atingiu o mínimo de 47 pontos em julho. Entre abril e julho, ficou sempre abaixo de 50, que é a linha divisória – sempre, portanto, dentro da área negativa.
O Índice de Expectativas ficou sempre acima de 60 e chegou ao mínimo de 60,8 pontos em maio, oscilando, a partir daí, em valores mais altos. A esperança, portanto, sempre superou a percepção das condições presentes, mas nunca foi recompensada até os sinais de melhora no terceiro trimestre. Detalhes importantes: o emprego industrial continuou estagnado e os estoques, embora com ajuste, permaneceram acima do nível desejado. Convém lembrar esses pontos ao avaliar os indicadores de confiança do empresário industrial. Os índices podem de fato prenunciar uma recuperação mais firme. Mas a conexão está longe de ser imediata. O governo deveria levar isso em conta.
20 de novembro de 2019 | 03h00
Lula da Silva deu a ordem: nada de “autocrítica” no PT. Ou seja, o partido nem se dará ao trabalho de fingir que tem consciência dos inúmeros desastres – e crimes – que protagonizou nos últimos anos e, desse modo, enganar os incautos a respeito de uma suposta regeneração.
Lula da Silva está tão seguro de sua liderança despótica no PT que dispensou até mesmo a empulhação de uma “autocrítica”. Ele concentra poderes tais que pouca gente hoje no PT é capaz de sugerir qualquer mudança de rota para recuperar um pouco da imagem do partido, destroçada depois de anos de desmandos, corrupção e incompetência administrativa. Isso já era claro antes de Lula da Silva ser preso por corrupção e lavagem de dinheiro, mas a cadeia serviu para levar ao clímax a narrativa martirológica que pretende elevar o chefão petista à categoria de divindade – e palavra de “deus” é mandamento.
Lula da Silva não está preocupado nem mesmo em parecer democrático. Sem esperar as resoluções do congresso do partido que se realizará nos próximos dias, o demiurgo de Garanhuns já determinou que o PT lance candidaturas “em todas as cidades que for possível” nas eleições para prefeito no ano que vem, pois “o PT não nasceu para ser partido de apoio”. Nisso também não há nenhuma novidade, pois o PT nunca admitiu abrir mão do protagonismo nas alianças eleitorais que montou ao longo de sua história. De tempos em tempos, os petistas até discutem a possibilidade de serem coadjuvantes em alguns palanques, dando espaço para partidos aliados e para o surgimento de novas lideranças no “campo progressista”, mas no fundo todos sabem que se trata de fingimento: no frigir dos ovos, a decisão sobre a formação de chapas cabe exclusivamente ao dono do partido, Lula da Silva.
Assim, o líder petista interditou qualquer possibilidade de transformar o PT num partido genuinamente interessado em fazer oposição democrática ao atual governo, nem tampouco, caso volte à Presidência da República, em governar disposto a dividir o poder e a respeitar a oposição. “O PT polarizou em todas as eleições e vai continuar polarizando”, anunciou Lula da Silva, relembrando, a quem interessar possa, que essa é a natureza petista.
É lamentável que o maior partido da oposição seja movido por esse discurso raivoso, que ajuda a manter o País prisioneiro de um insuperável antagonismo, que em nada colabora para a resolução dos graves problemas nacionais. Ao contrário, drena as energias políticas necessárias para articular saídas duradouras para a crise – cuja gênese, sempre é bom lembrar, está na desastrosa passagem do PT pelo Palácio do Planalto.
Quem pagou e continua a pagar a parte mais salgada da conta por essa situação são os mais pobres, justamente aqueles que o PT diz proteger. Se estivesse honestamente interessado em ajudar essa população vulnerável, o PT reconheceria que não é possível fazer justiça social dilapidando os cofres públicos, que governantes petistas erraram ao transformar a irresponsabilidade fiscal em política de Estado e, finalmente, que o partido institucionalizou a corrupção como ferramenta para se manter no poder. Ao fazer isso, o PT se apresentaria como partido democrático de fato, disposto a aceitar como legítimos outros projetos para o País. Mas aí então esse não seria o PT de Lula da Silva, um partido que só existe para sustentar o ego de um político que se julga acima da lei.
18 de novembro de 2019 | 03h00
Governadores com juízo podem estar dando os primeiros passos para levar os Estados ao bom caminho, abandonado há alguns anos num grande surto de irresponsabilidade fiscal. Pelo menos 14 governos estaduais cuidam da reforma da Previdência, com projetos prontos ou em estudo, sem esperar a aprovação final da PEC paralela, ainda em tramitação no Congresso. O projeto elaborado pelo Executivo paulista poderá proporcionar uma economia de R$ 32 bilhões em dez anos, segundo anunciou o governador João Doria. Pelo menos em alguns Estados o realismo e a prudência parecem sobrepor-se às conveniências políticas de curto prazo. Se essa disposição se mantiver, poderá marcar o retorno à modernização iniciada nos anos 1990, com a renegociação das dívidas estaduais, e reforçada a partir de 2000 com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Pelo menos tão importante quanto essa inovação – e talvez mais – será a proibição de socorro federal a governos estaduais atolados nos próprios erros. Se essa limitação prevalecer, o Brasil ficará muito mais parecido com uma verdadeira federação. O caráter federativo da república brasileira ainda vai depender de alguns detalhes, como o novo desenho do sistema tributário.
Por enquanto, a agenda deve ser de recuperação das qualidades e oportunidades perdidas. A perda ocorreu quando foram negligenciados, em benefício de acertos populistas, alguns importantes objetivos do Plano Real. As metas desse plano foram muito além do combate à inflação disparada e da razoável estabilidade assegurada por alguns ajustes. Nem todos se lembram, mas a renegociação das dívidas estaduais, sustentada com recursos da União, impôs medidas como o fechamento ou reforma de bancos estaduais e severa disciplina quanto ao endividamento. Essas mudanças foram complementadas com a legislação sobre Responsabilidade Fiscal.
Essa legislação introduziu, entre outras alterações, critérios para as despesas públicas em anos de eleição, com efeitos fiscais e políticos.
A disciplina começou a romper-se com o relaxamento, na fase petista, das normas para endividamento. O abandono da disciplina incluiu a concessão de aval da União para contratos de financiamento incompatíveis com a prudência financeira. Com os governos estimulados a gastar e a se endividar sem cuidado, vários Estados logo escorregaram para a virtual insolvência. Operações de socorro impediram ou retardaram desastres, mas ao mesmo tempo criaram mais incentivos à irresponsabilidade.
Em alguns Estados a irresponsabilidade foi potencializada pela corrupção, com efeitos catastróficos principalmente para os mais dependentes dos serviços públicos de saúde e de educação. A tragédia do Rio de Janeiro é a ilustração mais notável dessa história.
Também há exemplos de administração socialmente benéfica e financeiramente responsável. Mas a mistura de irresponsabilidade, populismo e frouxidão dos princípios federativos tem marcado mais fortemente o quadro brasileiro e, de modo especial, o sistema de relações entre poder central e governos estaduais e municipais. Isso prejudica as finanças públicas, degrada a administração e sacrifica a maior parte dos 210 milhões de brasileiros. A pauta de reformas contém algumas saídas para um cenário mais promissor. Seria terrível deixar de aproveitá-las.
16 de novembro de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a sua saída do PSL, partido ao qual se filiou em março de 2018, depois de muitas negociações com outras legendas, para viabilizar a sua candidatura à Presidência da República. Noticia-se que o presidente e ao menos 27 dos 53 deputados da bancada do PSL na Câmara devem ingressar no partido Aliança pelo Brasil, que está em processo de criação.
Do ponto de vista político, não faz sentido o presidente ingressar em uma nova legenda que não dispõe dos mesmos recursos de que dispõe o PSL a tão pouco tempo de uma eleição que os próprios interlocutores mais próximos de Jair Bolsonaro consideram vital para o seu projeto de reeleição em 2022. A mudança é compreensível no caso dos parlamentares, pois a lei eleitoral autoriza a troca de legenda sem perda de mandato fora da chamada janela partidária quando o destino é um novo partido. Já no caso do presidente, o movimento só se explica porque Bolsonaro quer um partido para chamar de seu. Mas a serventia que essa nova legenda, por ora “nanica”, terá na campanha eleitoral do ano que vem é um mistério para o qual só Bolsonaro tem a resposta.
A essa altura já está claro que a motivação para a saída do presidente Jair Bolsonaro do partido que lhe deu guarida na campanha eleitoral de 2018 é puramente financeira. Tem a ver com o controle dos meios de financiamento de seu projeto particular de poder. Não há qualquer divergência ideológica ou programática irreconciliável entre o presidente da República e o presidente do PSL, Luciano Bivar. A rigor, há mais coisas a aproximá-los do que a repeli-los, incluindo a visão que têm da finalidade de um partido político.
Tanto Jair Bolsonaro como Luciano Bivar ganharam, e muito, com a joint venture do ano passado. O PSL de Bivar não era nada antes da filiação do então candidato Bolsonaro e de seu clã. Por sua vez, o presidente da República penou até encontrar uma legenda que o fizesse ter a foto estampada na urna eletrônica.
Na onda de “renovação da política” que se viu no último pleito, o PSL saiu da condição de “nanico” para se tornar um dos maiores partidos com representação no Congresso: 3 senadores e 53 deputados. Nunca entrou tanto dinheiro do Fundo Partidário nos cofres do partido – cerca de R$ 100 milhões neste ano. Para a campanha do ano que vem, o PSL deverá ficar com o segundo maior quinhão do chamado Fundo Eleitoral – cerca de R$ 365 milhões. É esta dinheirama que está no centro da disputa pelo controle do PSL travada entre o dono da legenda, Luciano Bivar, e o presidente Jair Bolsonaro. Ao que parece, Bivar mostrou-se um contendor mais aguerrido do que os bolsonaristas imaginaram.
Tampouco é razoável a criação de mais um partido político no Brasil. Já são 32 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Em torno de 80 aguardam a aprovação de seus registros pela Corte. A chamada Aliança pelo Brasil será mais uma. E, para que se viabilize para a disputa eleitoral do ano que vem, tem de ser criada e registrada até março, o que será um recorde.
A profusão de legendas é reveladora do abastardamento da representação partidária no Brasil. Não há ideologias ou conteúdos programáticos que justifiquem a existência dessa miríade de siglas. Ao indicar a criação da Aliança pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro se revela o mais novo candidato a cacique no Brasil.
14 de novembro de 2019 | 03h00
Meter a mão no bolso do desempregado foi a solução encontrada pelo governo para bancar os incentivos à criação de empregos para jovens de 18 a 29 anos. Ninguém pode prever com segurança quantos empregos serão criados, mas o governo sairá no lucro, certamente, se prevalecerem as condições anunciadas. Se der tudo certo e os contratos chegarem a 1,8 milhão em cinco anos, o custo dos incentivos será de R$ 10 bilhões, segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. No mesmo período, a arrecadação de 7,5% sobre o seguro-desemprego poderá ficar entre R$ 11 bilhões e R$ 12 bilhões. Bom negócio, de toda forma, com ou sem abertura das vagas previstas nos cálculos oficiais.
O plano agora proposto poderá produzir ganhos menos concentrados. Os benefícios valerão para as empresas somente se houver de fato contratações segundo o figurino previsto. Os custos oficiais serão cobertos pelos 7,5% de contribuição previdenciária cobrados sobre o seguro-desemprego. Não haverá perda nas contas oficiais e algum ganho poderá sobrar. E, a propósito, como ficarão os trabalhadores?
Mas quantos jovens serão de fato contratados com base no esquema especial? A resposta a uma questão desse tipo, sempre difícil, está associada à solução de outro problema. Empregadores contratarão só por causa da redução de custos?
A experiência mais comum, incorporada com frequência na análise econômica, vincula a abertura de vagas a uma circunstância aparentemente esquecida neste caso: empresários tendem a ampliar seus quadros de pessoal quando necessitam ou preveem necessitar de mais trabalhadores. Não contratam pessoal, nem ampliam seu parque de máquinas e equipamentos, quando a atividade é limitada pela demanda fraca e inexistem sinais de melhora em prazo razoável. Incentivos podem facilitar contratações, investimentos em ativos fixos e também formação de estoques de insumos ou de bens finais quando há algum sinal positivo no cenário econômico. Se não, para quê?
Procedimentos mais simples e menos custosos podem ser permanentes, como nos Estados Unidos, e isso depende de reformas e de leis próprias. A reforma trabalhista aprovada no governo do presidente Michel Temer já tornou o sistema bem mais flexível. Fora dessas condições, incentivos têm sentido geralmente como ações de curto prazo.
No caso do emprego, é difícil imaginar contratações só por causa do barateamento do emprego. Se, no entanto, os empresários precisarem de trabalhadores, para que conceder incentivos e baratear a mão de obra? Para elevar o lucro à custa do assalariado? E, nesse caso, também à custa de quem mal consegue sustentar-se com o seguro-desemprego?
O governo desprezou o desemprego e a piora da crise, até decidir a modesta liberação, iniciada em setembro, de dinheiro do FGTS e do PIS-Pasep. Tendo feito quase nada para aquecer a economia, agora propõe criar empregos baratos à custa de desempregados. Modernização econômica é isso?
13 de novembro de 2019 | 00h00
Ao receber o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2019, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, lembrou que a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) foi criada em 1979 como resposta à necessidade imperiosa de reafirmar a importância da liberdade de imprensa. Naquela época, o regime militar ensaiava a abertura política, simbolizada pelo fim do AI-5, que havia estabelecido diversas medidas de força, entre as quais a censura prévia. Era o momento, portanto, de “sustentar a liberdade de expressão do pensamento e da propaganda, e o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios de responsabilidade”, como se lê no primeiro objetivo exposto no Estatuto da ANJ.
A declaração fazia referência ao modo truculento com que o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a imprensa desde que tomou posse. Ao editar uma medida provisória que extinguia a exigência legal da divulgação de editais públicos em jornais diários, por exemplo, o governo deixou claro seu objetivo de sufocar economicamente alguns veículos. A esse propósito, o ministro Celso de Mello afirmou que a liberdade jornalística “não pode ser comprometida por interdições censórias ou por outros artifícios estatais utilizados para coibi-la”. Além disso, têm sido rotineiras as declarações de Bolsonaro hostilizando a imprensa, o que ajuda a naturalizar, entre seus eleitores, a ideia de que jornais e jornalistas críticos do governo são “inimigos” do País.
Tal ofensiva ocorre justamente no momento em que a imprensa passa pelo desafio de encontrar meios de se sustentar para continuar seu trabalho de forma independente e questionadora, em meio à transformação acelerada do ambiente midiático, que vem alterando dramaticamente o modelo de negócios da comunicação. “O principal perigo que a imprensa mundial está correndo é a viabilidade econômica, sem a qual não há independência jornalística”, declarou o presidente da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA), Fernando de Yarza López-Madrazo. Ele identificou uma “tempestade perfeita” para a imprensa, acossada pela necessidade de criar novas formas de financiamento no instante em que enfrenta uma ofensiva “das próprias lideranças políticas que deveriam estar protegendo os meios de comunicação, como garantia da democracia, mas que, no entanto, atacam esses meios”.
Se há interesse em manter a democracia viva e íntegra, é preciso prestigiar a imprensa livre, a única capaz de jogar luz naquilo que as autoridades pretendem manter nas sombras, de modo a oferecer aos cidadãos, em meio à epidemia de notícias falsas e de “realidades alternativas”, instrumentos para formar opinião acerca dos fatos – e apenas dos fatos, checados e comprovados por jornalistas profissionais. E, por fim, para que a imprensa seja efetivamente livre, “é preciso que haja juízes comprometidos umbilicalmente com a liberdade de expressão”, como lembrou o presidente da ANJ. Assim, o prêmio dado ao ministro Celso de Mello por sua constante defesa da liberdade de imprensa serve também para valorizar todos aqueles que protegem de forma intransigente o direito de todos dizerem o que pensam, ainda que isso possa desagradar aos poderosos de turno e a seus seguidores mais entusiasmados.
11 de novembro de 2019 | 03h00
A reforma da Previdência deve ser celebrada como uma demonstração de maturidade institucional do País. Feitas as contas, porém, fica claro que, mais do que o fim de uma jornada, ela é só o primeiro passo no longo caminho que levará ao equilíbrio das contas públicas. Não se trata apenas de complementá-la com as reformas administrativa e tributária, mas de prosseguir até o fim o saneamento do sistema de aposentadorias e pensões. Em auditoria recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a reforma cobrirá menos de 20% do rombo nos regimes previdenciários. Entre os próximos passos, o mais importante é a reformulação do sistema de Estados e municípios, objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – a PEC paralela já aprovada em primeiro turno no Senado. Apesar disso, metade dos Estados, como mostrou matéria do Estado, está se antecipando e prepara suas próprias reformas.
Além disso, estão fora da reforma aprovada a previdência das Forças Armadas, que responde por 6% do rombo projetado da Previdência, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda e deficientes físicos, que representa 11,5% do rombo. A reforma dos militares que tramita no Congresso pode gerar uma economia de R$ 7 bilhões em dez anos, uma parcela inferior a 3% do déficit das aposentadorias militares nesse período, que é de R$ 305 bilhões. Já o BPC, se não for reformulado, será deficitário em R$ 588 bilhões em dez anos.
Como há dúvidas sobre a aprovação da proposta de emenda constitucional que aplicaria as modificações já feitas em âmbito federal a Estados e municípios, governo e Congresso já preparam um “plano B”, denominado Lei de Responsabilidade Previdenciária, a fim de induzir os entes subnacionais ou a aderir à reforma federal ou a realizar suas reformas.
Enquanto isso, os Estados fazem bem em não perder tempo e elaborar suas próprias propostas. Em geral, elas tendem a replicar os principais pontos da reforma federal. Entre eles, a idade mínima para a aposentadoria de servidores homens (65 anos) e mulheres (62 anos), com pelo menos 25 anos de tempo de serviço, e também a elevação das alíquotas de contribuição.
Em São Paulo, uma das medidas é aumentar a alíquota previdenciária cobrada aos servidores estaduais de 11% para 14%. O governo de Goiás apresentou uma proposta abrangente, já com a adesão de todos os municípios goianos, prevendo, entre outras coisas, a cobrança de alíquotas extraordinárias em situações de calamidade financeira – como a que o Estado enfrenta atualmente. O Rio Grande do Sul já tem pronto um texto de reforma, bastante alinhado à reforma federal. Rio de Janeiro e Santa Catarina também preparam projetos próprios, e buscam ainda formatar uma proposta conjunta envolvendo os Estados das Regiões Sul e Sudeste.
Essas correções, muitas vezes duras, se devem a anos de irresponsabilidade fiscal por parte de governos que pouco a pouco deformaram imensamente a máquina pública do País e a de cada Estado. Mas, uma vez que a economia até 2022 é pouca, esse é um caso em que os interesses do governo de turno – de curto prazo – e os interesses de Estado – de longo prazo – tendem a ser conflitantes. Por isso, é imperativo que a população de cada Estado una forças à União, pressionando seus respectivos governos e legislaturas de baixo para cima. A alternativa é o colapso.
09 de novembro de 2019 | 03h00
Diante de um julgamento que despertou, como poucas vezes, tantas paixões, é oportuno entender o que de fato foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, a respeito do início do cumprimento da pena. Concorde-se ou não com a decisão do Supremo, é hora de serenidade, evitando contaminar a discussão com questões políticas ou ideológicas. O aperfeiçoamento do sistema de Justiça não se dá com afrontas, arroubos ou estridências.
Ao longo do julgamento das ADCs 43, 44 e 54, muito se falou na presunção de inocência, o que poderia levar a um engano significativo. O objetivo das três ações não era garantir a extensão desse princípio, mas tão somente esclarecer a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (CPP). “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, diz o artigo 283 do CPP.
Cabe também notar o irrazoável alarmismo suscitado em relação aos efeitos da decisão do STF, como se ela concedesse imediata liberdade aos cerca de 5 mil réus que estão, até agora, cumprindo pena antes do trânsito em julgado. A legislação prevê a possibilidade de decretar prisão “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal” (art. 312 do CPP). Dessa forma, antes de soltar qualquer preso com base na recente decisão do STF, deve o Judiciário analisar com atenção se há motivo legal para decretar sua prisão preventiva.
Também não há sentido em falar que a decisão do Supremo representa um golpe de morte na Operação Lava Jato. O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 refere-se à execução da pena, assunto absolutamente estranho à Lava Jato. Não é papel de uma operação de investigação administrar pena e, menos ainda, interferir na definição das regras e procedimentos aplicáveis ao cumprimento dessa pena, o que seria sintoma de grave confusão de competências.
Houve também tentativas de contaminar a discussão jurídica com questões políticas. Para alguns, a mudança de jurisprudência seria uma manobra para soltar o ex-presidente Lula, o que, dentro dessa visão, representaria o retorno aos “tempos de impunidade”. Para outros, numa lógica igualmente alheia aos fatos, a nova orientação do STF seria uma absolvição do líder petista. No julgamento, os ministros do STF não analisaram nenhum dos vários processos nos quais o ex-presidente figura como réu. E o réu Lula, se não pelo que foi decidido na noite de quinta-feira, seria solto em decorrência da progressão da pena.
É hora de baixar a poeira. Exercendo a sua competência institucional, tal como prevista pela Constituição, o STF analisou a constitucionalidade de um artigo do CPP, declarando-o constitucional. Se o que a lei dispõe traz danos ao sistema de Justiça, o caminho institucional para sua correção é o recurso à Casa da representação do povo. Numa República, esse é o único caminho legítimo e sadio.
07 de novembro de 2019 | 03h00
Forçar uma discussão de problemas vitais quase sempre mantidos sob o tapete é o primeiro mérito, e o mais visível, do pacote de reformas entregue ao Congresso pelo governo. Não se poderá mais ignorar, por exemplo, a situação aberrante de mais de mil municípios incapazes de cobrir um mínimo de seus gastos com recursos próprios. Não mais se poderá encarar como normal um dos maiores absurdos da administração pública, a proibição de reduzir gastos com pessoal em fases de grave crise nas finanças oficiais. Além disso, será mais difícil continuar brincando de federação em um país onde o Tesouro Nacional está a postos, sempre ou quase sempre, para socorrer governos estaduais irresponsáveis. Dificilmente se impedirá a eliminação ou distorção de pontos importantes das três propostas de emenda constitucional (PECs) apresentadas terça-feira. Mas, feito o jogo, recuar poderá ser muito custoso.
Além de maior flexibilidade para enfrentar crises, os três níveis de governo poderão dispor de orçamentos menos engessados. Este problema vem sendo discutido, sem resultado, desde os primeiros anos da Constituição aprovada em 1988. Vinculações de verbas dificultam enormemente, há muito tempo, a administração das finanças públicas brasileiras. Os casos mais notáveis são os da educação e da saúde. Governantes são obrigados a aplicar nessas áreas determinadas porcentagens da receita, mas nem por isso os padrões de qualidade são tão bons quanto poderiam ser nessas duas áreas.
Autorizados a juntar os valores mínimos destinados à educação e à saúde, os gestores poderão distribuir os gastos com maior liberdade entre os dois setores, mais de acordo com as condições e necessidades de cada um e segundo as prioridades fixadas para cada período. A solução mais ampla e mais favorável à racionalização da despesa eliminaria qualquer resquício de vinculação. O orçamento público ficaria bem mais funcional, mais adequado a um exercício permanente de planejamento e mais propício à adequação dos programas aos meios disponíveis.
Mesmo com ampla reforma, despesas incontornáveis continuarão predominantes no orçamento público, no Brasil ou em qualquer país com tolerável organização. Construir uma escola ou um hospital pode ser um ato de liberdade, mas a partir daí o governo tem de manter as novas instalações em funcionamento. Investimento gera custeio, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada. Mas pode-se manter o avanço do gasto obrigatório em ritmo compatível com o crescimento da economia e da receita fiscal. A reforma da Previdência é um passo para isso, assim como a desindexação de despesas e a eliminação de vinculações.
A criação do Conselho Fiscal da República, composto de representantes da União, dos Estados e dos municípios, poderá contribuir para a consolidação de um novo sentido de responsabilidade na gestão das finanças públicas. É uma novidade promissora, mas a disciplina vai depender, em primeiro lugar, da imposição de regras como a proibição de socorro a governos estaduais irresponsáveis pela União.
As três propostas de emendas constitucionais podem ter defeitos, mas sua tramitação será dificultada mais provavelmente por seus aspectos mais positivos. Será mais um teste para os congressistas e para o núcleo político do Executivo.
06 de novembro de 2019 | 03h00
Diante de um governo que não poupa esforços em criar polêmicas, acirrar ânimos e provocar adversários, é meritório o empenho das Forças Armadas, bem como dos militares da reserva que integram o governo, para não se imiscuírem nas picuinhas políticas, evitando, assim, criar novos atritos. Confirma-se uma vez mais que, à diferença de alguns civis, os militares têm sido exemplares no respeito à Constituição de 1988. Os arroubos autoritários a que vez ou outra o País assiste, como, por exemplo, manifestações pedindo fechamento do Congresso, ou a reedição do AI-5, ou achacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), não nascem nas casernas.
No entanto, em vez de representar uma tendência das Forças Armadas, o comportamento do general Heleno apenas evidencia, por contraste, a atitude oposta tanto do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, como dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A disparidade entre o comportamento dos militares e o da ala ideológica do governo pôde ser vista no caso do vazamento do óleo, que chegou às praias do Nordeste. As Forças Armadas evitaram cuidadosamente alimentar teorias conspiratórias ou reforçar discursos políticos.
Já as Forças Armadas optaram por dar ao vazamento de óleo um tom completamente diferente, fugindo das polêmicas políticas. Por exemplo, os militares fizeram questão de ressaltar que a origem venezuelana do óleo, comprovada nos testes químicos, era apenas um dado geológico, não podendo ser considerada como prova ou mesmo indício da participação da Venezuela no vazamento. Além disso, no trabalho de coordenação da limpeza das praias, a Marinha trabalhou lado a lado com diferentes governos estaduais, sem discriminar os Estados governados por partidos de oposição.
Outro episódio que ilustra o cuidado dos militares em se ater ao seu papel institucional se deu por ocasião do julgamento do STF sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Questionado se haveria incômodo das Forças Armadas em relação a uma possibilidade de o STF rever sua jurisprudência e soltar o ex-presidente Lula, o ministro da Defesa foi enfático. “O problema jurídico do STF é com o STF. Está em pleno julgamento e esse assunto está com eles”, disse ao Estado. Lembrou ainda que os comandantes de Força e o pessoal da ativa não haviam se pronunciado sobre o caso. “Quanto ao pessoal da reserva, eu não tenho ingerência em relação a isso”, disse o general Fernando Azevedo e Silva.
Em tempos nos quais escasseiam vozes de moderação e prudência, e de baixo apreço pelas instituições, em que tudo parece ganhar cores e tons raivosos e personalistas, é especialmente significativo que as Forças Armadas se atenham, de forma exemplar, às esferas de atuação definidas pela Constituição. Trata-se de um compromisso democrático que deve servir de exemplo para muitos civis que, esquivando-se de sua responsabilidade cívica, buscam nos quartéis a resolução dos problemas políticos e sociais do País. Com esse cuidadoso distanciamento das questões políticas, as Forças Armadas são uma fonte de paz e de estabilidade. Cumprem, assim, seu papel constitucional.
04 de novembro de 2019 | 03h00
A poucos dias de o governo apresentar ao Congresso um ambicioso pacote de reformas, propondo reajustes drásticos na administração pública e no regime fiscal, um grupo de deputados acionados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apresentou às suas lideranças uma série de propostas para a área social, envolvendo setores como educação, trabalho, geração de renda e saneamento básico. Trata-se de uma resposta política do Parlamento ao baixo perfil do governo nesse âmbito.
A reconstrução dessa base se mostra de fato necessária desde que suas fissuras ficaram evidentes nas manifestações de 2013, que expuseram a crise de representatividade e a desconfiança generalizada em relação às instituições políticas e seus protagonistas tradicionais. Foi em parte esse vácuo de confiança que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro, o qual, embora deputado há décadas, capitalizou votos com um discurso ferozmente anti-establishment em nome da “Nova Política”.
Mas isso não pode servir de pretexto para o governo ignorar a necessidade de combinar medidas de ajuste fiscal com programas de apoio aos mais desfavorecidos. Afinal, nos últimos anos, a população brasileira não só ficou mais pobre, como mais desigual, e os mais prejudicados foram os jovens e os trabalhadores menos qualificados. Até agora, contudo, o único compromisso do governo com programas assistenciais foi a manutenção do Bolsa Família, mas mesmo isso tem funcionado no limite, e entre maio e setembro a cobertura caiu de 14,3 milhões de famílias para 13,5 milhões.
“Há um vácuo, uma ausência muito grande do governo nessa área e que a Casa deveria ocupar”, disse a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), coordenadora do grupo da Câmara responsável pela elaboração do pacote social. As propostas apresentadas estão divididas em cinco eixos: distribuição de renda, incorporação de beneficiários de programas sociais no mercado de trabalho, incentivo à formalização de empregos, expansão do atendimento de saneamento básico e melhora da gestão de políticas.
Assim como o projeto de reformas estruturantes do governo, trata-se de um plano ambicioso, e, como ele, precisará ser submetido a um processo rigoroso que avalie a sua viabilidade econômica e política. Em outras palavras, é preciso calcular as fontes de receita, consultar as instâncias representativas da sociedade civil, escalonar a agenda político-administrativa e articular as propostas com as bases parlamentares.
As lideranças na Câmara, e em especial o seu presidente, já mostraram que têm condições de aprovar reformas importantes e até, em certa medida, impopulares, como foi o caso da reforma da Previdência, na qual atuaram não só com mais eficiência que o governo, mas não raro contra as dificuldades criadas por ele.
Até o momento, do pacote social definiram-se apenas linhas de ação promissoras, mas incertas. O grupo precisará demonstrar que são concretizáveis e como o serão. Mas o fato de a Câmara propor um contraponto social aos programas fiscais do governo, deixando claro que tais medidas não se contrapõem à agenda de reformas administrativas e econômicas, é um indicador de que o Congresso tenta manter-se em harmonia com o Executivo.
02 de novembro de 2019 | 03h00
O arroubo do deputado Eduardo Bolsonaro, que invocou a possibilidade de edição de um “novo AI-5” para enfrentar opositores, não foi um exagero retórico. Ele externou o que pensa o grupo que ora está no poder, a começar pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a sua vida como político a lamentar o fim da ditadura.
De certa forma, a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, mesmo depois de décadas defendendo reiterada e inequivocamente o regime militar, a tortura, o banimento (e até o fuzilamento) de opositores e o silenciamento da imprensa, é um preocupante indicativo de que parte da sociedade já se deixou seduzir pelo discurso antidemocrático.
Nesse sentido, a ordem do presidente Bolsonaro para que o filho pedisse desculpas por suas declarações não tem valor nenhum. É o presidente, afinal, quem desde sempre incita essa retórica autoritária, elogiando ditadores, fazendo apologia de torturadores e ameaçando sistematicamente a imprensa. Os filhos, entre eles Eduardo, só agem – e só existem politicamente – em nome do pai.
Não se trata de relativizar a responsabilidade do deputado Eduardo Bolsonaro por seu discurso antidemocrático – que ademais, enquanto repugna o País, serve também para desviar a atenção da ainda nebulosa menção ao nome do presidente no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. Trata-se, sim, de perceber que o problema vai muito além do palavrório autoritário de um político medíocre.
Há hoje no País uma atmosfera cada vez mais pesada, fruto do extremismo, à esquerda e à direita, que tenta inviabilizar a política e, consequentemente, a democracia. É contra essa ameaça, cada vez mais concreta, que as forças democráticas devem se mobilizar. Laivos golpistas não podem ser tratados como manifestações anedóticas ou inconsequentes. Devem ser denunciados de forma resoluta por todos aqueles que prezam a liberdade.
Por esse motivo, é alvissareiro que as lideranças institucionais do País tenham se manifestado tão prontamente para condenar, de forma cristalina e nos mais duros termos, a manifestação irresponsável do deputado Eduardo Bolsonaro, mostrando rejeição absoluta a qualquer possibilidade de retrocesso em nossa democracia.
Que a Câmara dos Deputados, ao lidar com o caso, não reaja com a pusilanimidade demonstrada em 1999, quando apenas advertiu o então deputado Jair Bolsonaro depois que este defendeu o fechamento do Congresso, disse que “o erro do regime militar foi torturar, e não matar” e lamentou que a ditadura não tivesse fuzilado vários políticos, a começar por Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República.
Na ocasião, exatamente como agora, Jair Bolsonaro, ante a repercussão negativa, disse que havia “exagerado”. Mas a mensagem já estava dada – e, ante a complacência dos democratas, ajudou a manter vivo o ânimo reacionário que tantos votos rendeu e, lamentavelmente, continua a render aos liberticidas.
31 de outubro de 2019 | 03h00
A palavra do presidente da República é forte no Brasil. Por duas vezes, em 1963 e 1993, os brasileiros afirmaram sua preferência pelo regime presidencialista nas urnas. Foi uma opção consciente por um tipo de líder claramente identificável como o fiel depositário dos anseios da sociedade, responsável último, no olhar do cidadão, por dar soluções para os graves problemas que afligem a Nação, como a pobreza e a desigualdade.
Por suas ações erráticas e por vezes irascíveis, o presidente Jair Bolsonaro tem comprometido esse patrimônio. Suas palavras mais espantam e desorientam do que inspiram. Revelam uma ciclotimia que desgasta o estoque de confiança que os brasileiros nele depositaram na eleição de 2018.
O ataque tolo às instituições democráticas – enquanto o País clama pelo atendimento de demandas urgentes – foi o penúltimo episódio envolvendo o presidente, seus filhos e as redes sociais. Por certo, haverá outros.
O presidente disse o óbvio ao Estado: ele, e não seus filhos ou quem quer que seja, é o único responsável pelo que sai publicado em seu nome nas redes sociais. Isso nem sequer precisaria ser dito. Mas ao mesmo tempo que assume uma responsabilidade que, de fato, é só sua, o presidente Jair Bolsonaro confessa-se irresponsável ao permitir que terceiros pouco qualificados tenham acesso aos seus canais de comunicação com a sociedade e, em última análise, destruam a dignidade da Presidência da República com as barbaridades que, dia sim, outro também, saem publicadas nas suas redes sociais.
Ao fim e ao cabo, o que se vê é a desconstrução paulatina da palavra do presidente. Pouco a pouco, as ofensas proferidas não terão qualquer impacto. E tampouco suas desculpas.
O presidente Jair Bolsonaro deveria estar ocupado em transmitir aos brasileiros os resultados concretos das viagens recém-concluídas a países da Ásia e do Oriente Médio. E, desse ponto de vista, ele tinha assuntos muito mais sérios a tratar do que a reles exploração de teorias conspirativas. Por exemplo, foi digna de nota a postura pragmática do presidente na China, principal cliente de nossas exportações. Um positivo contraste com as diatribes ideológicas vistas na campanha eleitoral e nos primeiros meses de governo. Igualmente pragmático foi o anúncio de investimentos, no Brasil, da ordem de US$ 10 bilhões feito pelo governo da Arábia Saudita, país conhecido tanto pela riqueza como pela dureza de seu regime. “Estou em viagem representando o Brasil. Não pretendo entrar em discussão sobre o que acontece lá dentro (na Arábia Saudita)”, disse Jair Bolsonaro ao Estado.
Não há um Jair Bolsonaro das redes sociais, um pai para seus filhos e um chefe de Estado e de governo. Aos olhos dos brasileiros, tenham votado ou não nele, há apenas o presidente da República, guardião da respeitabilidade e da honra nacionais. Já passou da hora de Jair Bolsonaro mostrar que, se não estava talhado para o cargo antes da eleição, é capaz de aprender a exercê-lo.
30 de outubro de 2019 | 03h00
O Estado informa que o governo pretende entregar ainda nesta semana ao Congresso um ambicioso pacote de reformas para tentar sanear as contas públicas de forma sustentável. Desse conjunto de medidas constam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial para frear o crescimento dos gastos obrigatórios do Orçamento; uma PEC para desengessar o Orçamento, abrindo espaço para investimentos públicos; uma reforma administrativa destinada a acabar com a estabilidade de novos servidores públicos e reduzir o número de carreiras e o salário inicial dos funcionários; um pacto federativo, que proceda a uma nova divisão de recursos de Estados e municípios; e um projeto de ajuda a Estados à beira do colapso fiscal – governadores poderão decretar “estado de emergência fiscal” e, assim, congelar reajustes salariais e reduzir jornada e salários.
Ao propor todas essas medidas de uma só vez, contudo, o governo sinaliza preocupante descolamento da realidade. É difícil imaginar que o Congresso incluirá em sua pauta e aprovará esse imenso conjunto de reformas sem uma ampla e desgastante negociação, que provavelmente não cabe no escopo de um único mandato. Do modo como está sendo feito, o encaminhamento do pacote sugere que, para o Palácio do Planalto, não há alternativa ao Congresso senão chancelar aquilo que o governo decidir que é melhor para o País, sem necessidade de diálogo. Foi assim na tramitação da reforma da Previdência, que foi aprovada por vontade das lideranças do Congresso, praticamente sem participação dos governistas – que, ao contrário, em muitos momentos mais atrapalharam do que ajudaram.
Assim, há uma distância colossal entre o que o governo diz desejar para o País e aquilo que o governo faz para implementar essa agenda. Além da lentidão na proposição de reformas e de outras medidas econômicas, observa-se um persistente desinteresse do presidente Jair Bolsonaro em organizar uma base parlamentar sólida para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do País. Ao contrário, o presidente Bolsonaro tem colaborado diretamente para implodir o próprio partido, o PSL. Sua única preocupação parece ser a de manter uma base eleitoral mínima que lhe permita ser um candidato competitivo à reeleição, e para esse fim não se importa em desidratar reformas, para não abespinhar eleitores, e atirar antigos aliados ao mar.
Num quadro desses, é preciso muito otimismo para acreditar que este governo seja capaz de implementar um “novo regime de responsabilidade fiscal”, como definiu o ministro da Economia, Paulo Guedes. Melhor seria respeitar a realidade e encaminhar medidas factíveis, muitas delas sem necessidade de mudanças constitucionais, para destravar o desenvolvimento do País. No cenário atual, isso já seria revolucionário.
28 de outubro de 2019 | 03h00
A mecanização da lavoura alterou o perfil do trabalho no campo nos últimos 11 anos, com a redução da mão de obra utilizada, mas continuou a impulsionar de maneira notável a produtividade em diferentes setores. Entre 2006 e 2017, o rendimento médio da cultura de soja, por exemplo, passou de 2.583,67 quilos por hectare (kg/ha) para 3.357,66 kg/ha, uma evolução de praticamente 30%, como mostrou o Censo Agropecuário 2017 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira passada.
No período entre os dois últimos Censos Agropecuários, o número de estabelecimentos com tratores aumentou 50%. Aumentou também o número de estabelecimentos com semeadeiras/plantadeiras, colheitadeiras e adubadeiras/distribuidoras de calcário. É mais intenso também o uso de meios de transporte como caminhões, motocicletas e aviões.
A consequência, além do aumento da eficiência dos estabelecimentos agropecuários, é a redução da mão de obra empregada. “Quanto mais automação, menos gente na produção”, observa Florido. “Isso tem acontecido em todos os setores da economia, não é algo restrito ao setor agropecuário.”
Também a qualificação dos que continuam a trabalhar no campo vem mudando. A substituição gradativa do trabalho braçal por máquinas agrícolas exige um número crescente de trabalhadores do campo qualificados para operar essas máquinas.
Há um exemplo especial da substituição do trabalho humano por máquinas, o da cultura de cana em São Paulo. A proibição da queima da cana como preparação para a colheita forçou a substituição do homem por máquinas. Florido estima que uma máquina substitua em média 100 trabalhadores. “Quem não se qualifica tem que fazer trabalho braçal e o trabalho braçal está terminando.”
O processo é longo e contínuo. Em 1985, os estabelecimentos rurais empregavam 23,9 milhões de trabalhadores (média de 4,03 empregados por estabelecimento). Em 2017, eram 15,1 milhões de empregados (3,0 por estabelecimento). Apesar da expressiva redução da mão de obra empregada na agropecuária, o IBGE não considera que esteja ocorrendo um êxodo rural.
O que se observa é o envelhecimento da população no campo. O porcentual de produtores com mais de 65 anos, por exemplo, aumentou de 18% para 23% do total entre 2006 e 2017. Na faixa etária oposta, a dos mais jovens, ocorre o inverso. Em 2006, 39,4% dos proprietários rurais tinham menos de 45 anos; em 2017, a proporção era pouco superior a 30%.
Nesse período, a agricultura familiar perdeu 9,5% dos estabelecimentos e 2,2 milhões de postos de trabalho (o número de empregados na agricultura não familiar aumentou 702 mil nos 11 anos considerados).
Quanto ao uso de agrotóxicos, o número de estabelecimentos que admitem o uso desses produtos aumentou 20,4%. Um dado considerado grave pelo IBGE nessa questão é que, dos produtores alfabetizados que utilizam agrotóxicos, apenas 30,6% declaram ter recebido orientação técnica a respeito da aplicação do produto. O que preocupa não é o agrotóxico, mas seu uso por pessoas não devidamente instruídas para isso.
27 de outubro de 2019 | 03h00
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello chamou recentemente a atenção para o “momento extremamente delicado” que o País atravessa. O decano do STF denunciou os “surtos autoritários” e os “inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de Direito”. Apontou também as “manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”, estimuladas pela “atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital”. Esses delinquentes seriam parte de um “estranho e perigoso projeto de poder”.
Não foram palavras ao vento. O surto autoritário a que aludiu o ministro de fato está em pleno curso. Em nome de uma guerra imaginária contra o “comunismo”, mobilizam-se as energias do Estado e da sociedade para combater impiedosamente um inimigo que, como uma insidiosa bactéria, estaria infiltrado no corpo nacional. Essa mobilização se dá tanto na superfície, por meio de ações e declarações dos atuais ocupantes do governo, como no subterrâneo das redes sociais, onde habitam os delinquentes a que aludiu o ministro Celso de Mello.
Os protestos no Chile e no Equador contra governos vistos por Bolsonaro como aliados na tal luta contra o “comunismo” serviram de pretexto para que o presidente invocasse a possibilidade de mobilizar as Forças Armadas a fim de conter, no Brasil, eventuais atos “terroristas” – que é como Bolsonaro qualificou as manifestações no Chile.
Ora, numa democracia, nenhum projeto de poder é legítimo se nele opositores são tratados como “terroristas”, se contra estes se ameaça usar força militar, se a imprensa livre é considerada inimiga e se sicários digitais são incitados a destruir reputações alheias e a disseminar mentiras para confundir a opinião pública em favor da ideologia do presidente e de seu entorno.
Não se sabe qual será o próximo passo da escalada, mas o alerta do ministro Celso de Mello está longe de ser um exagero; deve, ao contrário, ser levado a sério por todos aqueles que, malgrado sua eventual decepção com a política, ainda acreditam que a democracia é o melhor regime.
Sabe-se que ainda há inconformados com a redemocratização do Brasil. Para estes, o País foi entregue de mão beijada aos “comunistas” derrotados nos porões da ditadura militar, razão pela qual não demonstram o menor respeito pelo regime democrático. Antes limitados às margens da política, esses radicais se julgam agora com poder para desafiar a ordem que, em sua concepção, foi criada para dar boa vida a esquerdistas. A tentação autoritária, portanto, está no ar.
Sendo assim, é crucial, mais do que nunca, que as instituições não se dobrem à truculência dos que se mostram incapazes de se subordinar à ordem democrática. Antes que a serpente da tirania choque seu ovo, cabe aos homens e mulheres responsáveis deste país seguir o exemplo de Celso de Mello e colocar-se de prontidão contra os liberticidas que ousem atentar contra a República.
26 de outubro de 2019 | 03h00
O governo brasileiro contestará a nota final obtida neste ano. O Brasil caiu da 40.ª para a 98.ª colocação no indicador de obtenção de eletricidade. O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, acredita ter havido um erro no cálculo do Banco Mundial que apontou aumento “inexplicável”, segundo ele, no custo de novas instalações elétricas no País. De todo modo, a revisão da metodologia e o eventual ganho de algumas posições no ranking não escondem o enorme desafio que o País tem pela frente para ser reconhecido como um bom lugar para fazer negócios.
Uma das metas do ministro da Economia, Paulo Guedes, é colocar o Brasil entre as 50 primeiras posições do ranking Doing Business até o final do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. O próprio presidente da República endossou a promessa durante a participação no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no início do ano. Não é uma meta impossível de ser atingida, haja vista que a Índia, um dos países que, assim como o Brasil, compõem o Brics, galgou nada menos do que 60 posições nos últimos três anos.
No entanto, um salto qualitativo dessa magnitude exigirá do governo um foco que, até o momento, não mostrou ter. Não se sabe, por exemplo, qual é a proposta de reforma tributária defendida por Jair Bolsonaro e que será apresentada ao Congresso Nacional. Não há dúvida de que sem a eliminação da complexidade tributária do País, a arrojada pretensão de estar entre as 50 nações mais atrativas para os negócios não passará de desejo, muito longe de ser um plano.
A reforma tributária talvez seja a principal medida para fazer o País galgar posições no ranking Doing Business, mas não é a única. Carlos da Costa cita medidas como a revisão da lei de falências, o novo marco para recuperação judicial de pequenas empresas e mudanças para acelerar o processo de importação e abertura de empresas entre as ações do governo para melhorar a posição do Brasil no ranking do Banco Mundial.
O caminho para a construção de um ambiente favorável aos negócios – condição básica para o desenvolvimento econômico e a geração de riqueza, emprego e renda – será bem menos acidentado se o presidente Jair Bolsonaro aprumar a condução política de seu governo, deixando de lado o ultrapassado papel de candidato e exercendo o de presidente da República. É o foco nas ações para destravar o crescimento do País tomadas pelo presidente que beneficiará o eventual candidato Bolsonaro, não o contrário.
25 de outubro de 2019 | 03h00
O fato de os servidores federais ganharem praticamente o dobro do que recebem profissionais da iniciativa privada com formação comparável e que atuam na mesma área e em cargos semelhantes, como constatou recente estudo do Banco Mundial, mostra que os funcionários públicos vinculados à União compõem a elite do mercado de trabalho no País. Só isso já seria suficiente para a sociedade discutir em profundidade mudanças na forma de remuneração do funcionalismo. O problema é mais grave. Um diagnóstico concluído há dias pelo Ministério da Economia mostra que essa grave distorção contém dentro dela outra distorção.
Além de aumentos reais seguidos nos últimos anos, isto é, superiores à inflação, o que lhes garantiu ganhos que muito poucos trabalhadores do setor privado puderam obter – desde que tivessem conseguido manter o emprego –, os servidores contam com benefícios que, ao longo do tempo, vão se incorporando a seus vencimentos. São acréscimos a título de auxílio-transporte (pago também a trabalhadores do setor privado), de licença-prêmio, de indenização judiciária e outros.
São números e situações que, acrescidos à severa crise fiscal que o governo enfrenta, não deixam dúvida quanto à urgência de reformas que modifiquem a estrutura de despesas públicas, o que inclui o custo da folha de pessoal, além de outras reformas, como a da Previdência, recém-concluída.
A reforma administrativa ainda em elaboração deverá criar um novo serviço público no País. Espera-se que carreiras sejam revistas, fundidas ou extintas, as formas de progressão nas carreiras tenham novas regras e sejam adotadas novas formas de ingresso no funcionalismo. Os contribuintes, sobretudo os que trabalham na iniciativa privada, desejam também que se eliminem ou pelo menos se reduzam as discrepâncias da remuneração paga pelas empresas particulares e a oferecida pelo setor público. Há projetos em tramitação no Congresso que podem acelerar a reforma administrativa. Mas, como disse ao Estado o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a estratégia a ser seguida depende de entendimentos entre as lideranças parlamentares e a equipe econômica do governo Bolsonaro.
Já se mobilizam as forças que se opõem à reforma administrativa, esta que está em elaboração ou qualquer outra, em nome da defesa dos direitos dos funcionários. Não se trata, no entanto, de desrespeitar direitos. Trata-se, isso sim, de garantir que os gastos com a folha de pessoal caibam no orçamento público cada vez mais restrito, sem afetar a qualidade do serviço público prestado à população que paga impostos.
Como mostrou a economista Ana Carla Abrão em artigo publicado no Estado, “a reforma da máquina pública não está vinculada ao seu desmonte, mas sim à sua melhora operacional, com impactos positivos significativos também para o servidor público”. O objetivo da reforma é “melhorar o funcionamento do setor público brasileiro e garantir que os serviços públicos básicos sejam instrumento de justiça social, gerando igualdade de oportunidades para os mais pobres”. Por que se opor a isso?
24 de outubro de 2019 | 03h00
A aprovação definitiva da mais abrangente reforma da Previdência Social das últimas três décadas – com economia de cerca de R$ 800 bilhões em dez anos – é uma robusta demonstração de maturidade institucional do País. Medida naturalmente impopular, a reforma do sistema de aposentadorias passou a ser vista como incontornável ante o crescente desequilíbrio fiscal, que aproximava o Brasil perigosamente da insolvência. Os inimigos da reforma, notadamente as corporações de servidores públicos, foram isolados e se tornaram vozes minoritárias num debate em que se podia discutir o formato das mudanças, mas jamais recusá-las in limine – como se a Previdência não fosse deficitária e como se ainda fôssemos o país jovem de 50 anos atrás.
Essa percepção tem animado os investidores, como demonstram as sucessivas altas que a Bolsa de Valores registrou quando ficou claro que a reforma seria definitivamente aprovada nesta semana no Senado. O clima é de início de retomada, o que deverá ajudar a impulsionar outras medidas de ajuste que o governo diz estar preparando. Há algum otimismo, por exemplo, com o esperado impacto na atividade econômica em razão da injeção de mais R$ 12 bilhões com a antecipação do saque de R$ 500 do FGTS à disposição de trabalhadores que só poderiam tirar o dinheiro no ano que vem. Esse valor vem somar-se aos R$ 30 bilhões dos saques já previstos para este ano e aos R$ 2,5 bilhões liberados para os beneficiários do Bolsa Família a título de 13.º salário.
Mas tudo isso será apenas uma ligeira bonança antes de uma nova tempestade se não vier acompanhada de mais reformas profundas, em diversas áreas. O ajuste das contas públicas está bem encaminhado graças ao teto dos gastos, aprovado no governo de Michel Temer, e agora com a reforma da Previdência – sem a qual esse mesmo teto de gastos seria pulverizado. O próximo passo, segundo informa o governo, é conseguir a aprovação, até o final do ano, de uma proposta de corte de despesas obrigatórias, sobretudo as relacionadas aos servidores públicos. O objetivo é abrir espaço no Orçamento para aumentar os gastos com investimentos, absolutamente necessários para melhorar a infraestrutura do País.
O caminho é longo e tortuoso. A reforma tributária, por exemplo, deverá ficar somente para o ano que vem – e ainda não se sabe qual será a proposta do governo. Há também o desafio de realizar a reforma previdenciária nos Estados, cujo rombo está inviabilizando o funcionamento cotidiano da administração.
Tudo isso tendo como pano de fundo as crises políticas provocadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus filhos. Se já não dispunha de uma base parlamentar firme para aprovar seus projetos sem sustos, o presidente implodiu o próprio partido, o PSL, tornando incerto o apoio até mesmo de seus correligionários.
Assim, o avanço das reformas continuará a depender da disposição e do poder de articulação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Tem funcionado razoavelmente bem até aqui, mas, num regime presidencialista, é necessário que o presidente da República, respaldado por seus mais de 50 milhões de votos, norteie o debate na direção da plataforma vencedora da eleição. Felizmente, os reformistas têm prevalecido no Congresso, e para o bem do País é bom que continue assim.
23 de outubro de 2019 | 03h00
O desastre ambiental causado pelo vazamento de óleo que atinge a costa do Nordeste desde o final de agosto vem sendo tratado pelo governo federal de maneira pouco transparente. A dimensão do problema exige o engajamento de um grande número de autoridades e especialistas, além de uma considerável mobilização de recursos, o que demanda o mais amplo compartilhamento de informações e uma liderança sólida no gerenciamento desse trabalho conjunto. Pouco disso se tem visto por parte da Presidência da República, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos federais envolvidos.
Enquanto o governo parece mais empenhado em implicar a ditadura venezuelana no caso, o óleo se espalha – já atinge quase 140 pontos do litoral de nove Estados do Nordeste – e há uma clara descoordenação de esforços para enfrentar o problema.
Ao que parece, o problema nesse caso é que o comitê executivo responsável por acionar o Plano de Contingência foi um dos comitês extintos por Bolsonaro no começo do ano com o objetivo, segundo o presidente, de “reduzir o poder de entidades aparelhadas politicamente”. A área técnica do Ministério do Meio Ambiente chegou a sugerir o restabelecimento do comitê, mas foi ignorada.
Assim, o governo parece ter optado pelo improviso, sem uma resposta organizada. A última providência a denotar esse despreparo foi a convocação do Exército para atuar no recolhimento do óleo.
Como tem acontecido com lamentável frequência, o Exército tem sido chamado para atuar em situações para as quais seus integrantes não foram treinados, seja para combater incêndios na Amazônia, seja para garantir a segurança pública em capitais com altos índices de criminalidade. Agora, por força mais uma vez da incapacidade dos governos de enfrentar de maneira eficiente os problemas que só a eles cabe resolver, o Exército é acionado para atuar numa área que lhe é estranha. A justificativa dada pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, foi explícita: o governo precisava mostrar serviço. “A gente faz o trabalho e não está tendo visibilidade. Então vamos botar mais visibilidade nisso aí”, disse Mourão. Enquanto o governo faz campanha para tentar melhorar sua imagem nesse caso, as autoridades dos municípios atingidos pela mancha de óleo queixam-se de que a administração federal está tomando decisões sem ouvi-las, de forma desordenada.
Em resumo, a mancha de óleo se espalhou como consequência não apenas da enormidade do vazamento, mas também da dificuldade do atual governo de tratar deste ou de qualquer outro tema de forma realista, preferindo quase sempre atribuir os problemas a criativas conspirações. Para o presidente Bolsonaro, por exemplo, é natural questionar se o vazamento “poderia ser uma ação criminosa para prejudicar o leilão” de áreas do pré-sal, previsto para novembro. Enquanto se tenta entender o que uma coisa tem a ver com a outra, o óleo se espalha.
22 de outubro de 2019 | 03h00
Surgidos a partir de 2012, os diversos movimentos dedicados à capacitação de quadros políticos, como Raps, RenovaBR, Livres e Agora!, vêm desde então oxigenando a política, seja por meio de debates, seja pela atuação dos líderes por eles formados. São organizações em geral apartidárias, sustentadas com recursos de seus integrantes e com aportes de patrocinadores privados. Os bons resultados desse trabalho não tardaram: desses movimentos saíram 54 políticos eleitos no ano passado, dos quais 30 para o Congresso. Diante dessa força, não demorou para que partidos pouco expressivos, política e doutrinariamente, começassem a se mobilizar para questionar os movimentos de renovação, como mostrou reportagem do Estado.
A estratégia desses partidos é questionar o financiamento dos movimentos. Em ofício ao Tribunal Superior Eleitoral, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) pôs em dúvida a legalidade daquelas organizações, em particular no que diz respeito a doações de instituições privadas. “Se essas fundações podem receber doações, por que os partidos não podem?”, argumentou o deputado na petição. Santa ignorância, pois são justamente doações privadas que os partidos podem receber – à parte as escandalosas quantias provenientes dos fundos partidário e eleitoral, que são públicos.
Muitos partidos políticos no País estão sendo destruídos, mas não pelas organizações dedicadas à renovação da política, e sim pelos desmandos de seus dirigentes. O desprestígio dos partidos é resultado de sua incapacidade de representar os anseios da sociedade. Os movimentos que pretendem oxigenar a política surgiram justamente para atender a uma crescente demanda pelo resgate da atividade política, sequestrada por políticos oportunistas. Se os partidos estivessem funcionando a contento, cumprindo seu papel na democracia, não haveria necessidade de organizar grupos de formação política.
Uma das tarefas dos partidos é oferecer a seus filiados oportunidades de formação e capacitação. Mas raras são as legendas que realizam esse trabalho – afinal desnecessário para os propósitos de partidos que só existem para engordar seus chefes.
Habituados a viver de dinheiro público, os partidos deveriam empenhar-se para voltar a ser relevantes, de modo a convencer os eleitores a financiar seu funcionamento. É isso que tornou os movimentos de renovação da política tão relevantes em pouco tempo: independentemente da ideologia que representem, esses grupos apresentam genuíno interesse em interferir no debate nacional e em proporcionar atmosfera civilizada para o diálogo, oferecendo ao País jovens quadros políticos com boa formação para fazer esse trabalho.
A questão central é que esses movimentos só terão razão de existir se os quadros por eles formados se abrigarem nos partidos políticos existentes e contribuírem, dessa maneira, para o arejamento do ambiente político-partidário. É preciso lembrar que não há democracia sem partidos políticos sólidos. É nas legendas que representam interesses legítimos a serem defendidos na arena parlamentar que a política madura se realiza. Assim, fazem muito bem os movimentos de renovação, colaborando para democratizar e ilustrar ainda mais os partidos e induzi-los à modernização – processo contra o qual se insurgirão somente os partidos que, dirigidos como empreendimentos familiares, se tornaram meros apêndices do Estado.
21 de outubro de 2019 | 03h00
Nos últimos cinco anos, desde a deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato – e lá se vão 66 até o momento –, não foram poucos os editoriais publicados nesta página em louvor ao inestimável serviço prestado ao País pela força-tarefa composta por membros da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF) e da Receita Federal.
Até o advento da Lava Jato, salvo raras exceções, a isonomia consagrada pela Constituição não passava de letra morta no imaginário da sociedade, sabedora de que as cadeias no Brasil, tradicionalmente, eram lugares destinados apenas aos criminosos negros e pobres. A realidade mostra que ainda não deixaram de ser, mas já é possível notar fissuras nesse muro até então intransponível para os mais abastados.
Mas de que valeria o combate à corrupção que há muito mantém o Brasil no atraso se o seu efeito colateral pode ser um mal tão ou mais pernicioso, o triunfo do Estado policialesco?
A Operação Lava Jato, ou ao menos a força-tarefa de Curitiba, a mais conhecida, está perto do fim. É bom que assim seja porque o que deve ser perene é o império da Constituição, das leis e do devido processo legal, não algumas operações específicas. Respeitadas as leis e garantido o devido processo pelo Poder Judiciário, não há mais razões para crer que o combate à corrupção sofrerá algum revés apenas porque a notória operação chegou ao fim. Esta, aliás, foi uma das muitas falácias usadas como pretexto para justificar alguns abusos cometidos no curso da Lava Jato.
Com a aproximação do fim da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – que não tem muito tempo pela frente porque realizou o trabalho que tinha de realizar, não por qualquer outra razão –, noticia-se que seu mais famoso personagem, o procurador da República Deltan Dallagnol, negocia uma “saída honrosa” do front de combate à corrupção sem que isso sugira “desistência” ou “abandono” da coordenação da força-tarefa após a divulgação de controvertidas conversas privadas entre ele, outros membros do MPF e o então juiz federal Sérgio Moro.
A solução, de acordo com um grupo de procuradores ligados a Dallagnol, seria a criação de um grupo permanente de combate à corrupção, nos moldes dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos MPs estaduais. Deltan Dallagnol teria de solicitar ao Conselho Superior do Ministério Público sua promoção a procurador regional, de modo que possa coordenar esse “Gaeco” do MPF e, então, implementar a “doutrina” de combate à corrupção criada pela Lava Jato no novo órgão, de natureza permanente.
Ambas as iniciativas, tanto a criação de um “Gaeco” federal como a perpetuação da tal “doutrina lavajatista”, são uma temeridade. A doutrina do MPF é e sempre deve ser exclusivamente a lei. A bíblia que vale para nortear sua atuação é a Constituição. Toda ação que dela se desviar é abuso, é ilegalidade.
A vingar a chamada “saída honrosa” nos moldes em que vem sendo anunciada, fica claro que o objetivo final de parte do MPF é continuar atuando à margem de qualquer tipo de controle, interno ou externo, pautado apenas pela consciência de alguns de seus ilustres membros na virtude de seus próprios desígnios.
20 de outubro de 2019 | 03h00
No próximo dia 15 de novembro, comemoram-se os 130 anos da Proclamação da República. Em homenagem à data, o Estado lançou na terça-feira passada no Twitter o projeto EstadãoRepública130. O objetivo é apresentar, por meio de tuítes de 14 personagens históricos – republicanos, monarquistas e militares –, o período que antecedeu à mudança de regime. Para reproduzir os comentários dos personagens históricos, foi feita uma ampla pesquisa na Biblioteca Nacional, no acervo do jornal e na bibliografia relativa ao período. O projeto está ancorado no perfil @_vivarepublica_ e as publicações podem ser acompanhadas também pela hashtag #ER130.
Acompanhar esse período histórico pode ajudar a dar uma dimensão mais precisa do que significou – e do que deve significar – a República. A luta pelo novo regime não consistiu apenas em destituir o Imperador d. Pedro II ou em instaurar um novo sistema decisório no poder público. Proclamar a República representava a inauguração de um marco jurídico completamente novo.
O segundo princípio, intimamente ligado ao da igualdade, é o de que a República é o regime da lei. O exercício do poder na República é sempre uma decorrência da lei. No exercício da função pública, não há espaço para o arbítrio, o voluntarismo ou idiossincrasias. E a razão para tanto é muito clara: o respeito à liberdade individual. A liberdade de cada cidadão só pode ser limitada por meio da lei. Ninguém, seja quem ele for, seja qual for a sua origem, pode impor a outro uma obrigação fora dos limites legais.
Por isso, na República, não há mais reis, rainhas, príncipes ou princesas. E tampouco há nobres. Sendo todos iguais perante a lei, não há privilégios nem castas. Há cidadãos. “A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”, proclamou a Constituição de 1891.
Ser o regime da lei significa também que a República é o regime da liberdade. Exemplo de liberdade é a declaração do caráter laico da República do Brasil. “Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência, ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados”. Além disso, foi com a República que se reconheceu plenamente a liberdade religiosa, com direito ao exercício público do culto. “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim, adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”, fixou a Constituição de 1891.
A comemoração dos 130 anos da Proclamação da República é, portanto, muito mais do que mera recordação de acontecimentos pretéritos. É resgatar o profundo significado do que é ser republicano – a igualdade de todos e o regime da lei. Assim, fica evidente que a causa da República não terminou no dia 15 de novembro de 1889. Lá se deu um passo importante, mas esses dois princípios – da igualdade e do regime da lei – não se tornaram realidade por mera proclamação. Ainda há muito a fazer, a exigir, a retificar, a aperfeiçoar para que se possa aplicar ao Brasil, com inteireza, o qualificativo de republicano. Que o percurso continue a ser trilhado.
19 de outubro de 2019 | 03h00
Desde o início do mandato, o presidente Jair Bolsonaro não manifestou interesse na formação de uma base de apoio no Legislativo. Agora, corre o risco de não poder contar nem mesmo com o seu partido para dar andamento às reformas no Congresso. O País assistiu nessa semana a verdadeiras batalhas tribais no PSL, que escancararam os piores costumes da chamada velha política. É de aguardar o que restará da legenda depois de tamanha dilaceração em praça pública. Seja como for, a disputa entre membros do PSL deixa claro que suas preocupações não estão alinhadas com o interesse nacional. Toda essa luta fratricida ocorreu a menos de uma semana de o Senado retomar a votação da reforma da Previdência. Esqueceram-se do País?
De toda forma, o que ocorreu nesta semana representa substancial rebaixamento do nível de civilidade. Ficou evidente que, de lado a lado, há no PSL gente disposta a usar todos os meios, sem maiores pudores, para derribar os opositores internos. O próprio presidente da República deu mostras de participar dessa disposição.
O episódio suscitou a ira do grupo ligado a Luciano Bivar. “Eu vou implodir o presidente”, disse Delegado Waldir, em reunião interna da legenda. “Aí eu mostro a gravação dele. Não tem conversa. Eu implodo ele. Eu sou o cara mais fiel. Acabou, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em 246 cidades para defender o nome desse vagabundo”, disse o Delegado Waldir, sem especificar qual seria o conteúdo da mencionada gravação.
Após o vazamento do áudio, o presidente Bolsonaro destituiu a deputada Joice Hasselmann (SP), ligada ao grupo de Bivar, da função de líder do governo no Congresso. Tendo manifestado a intenção de concorrer no ano que vem à Prefeitura de São Paulo, Hasselmann representa atualmente um problema para os planos políticos da família Bolsonaro na capital.
Para agravar a situação, Luciano Bivar planeja destituir os filhos do presidente, Eduardo e Flávio, do comando dos diretórios do PSL de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente. Os processos de destituição estavam em andamento ontem à tarde. Faltaria apenas a assinatura de Bivar.
Mesmo depois do fracasso da manobra contra o deputado Delegado Waldir, o Palácio do Planalto não desistiu de trocar a liderança do PSL na Câmara. A ala bolsonarista prepara nova lista com assinaturas de parlamentares para tirar Waldir. Em contrapartida, a cúpula do PSL aumentou ontem o número de filiados com direito a voto em reuniões nacionais da sigla – de 101 para 153 – e suspendeu das atividades partidárias cinco deputados federais ligados a Jair Bolsonaro: Carla Zambelli (SP), Filipe Barros (PR), Bibo Nunes (RS), Alê Silva (MG) e Carlos Jordy (RJ). Com isso, diminuiu o poder da ala ligada a Bolsonaro, tornando ainda mais difícil dar a Eduardo Bolsonaro a liderança da sigla na Câmara. A ver os próximos capítulos.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, amenizou os efeitos da crise do PSL. “Não se trata de um problema de natureza política, que impacta o Legislativo, mas, sim, do problema de um partido”, disse Ramos. Sem base governista e tendo o PSL 53 deputados, toda disputa interna do partido afeta a pauta do governo no Congresso. O que dizer dessa luta fratricida?
18 de outubro de 2019 | 03h00
Furacões, secas, degelo e outros males ligados à mudança climática são assuntos para bancos centrais e Ministérios de Finanças? Nada mais natural que uma resposta positiva, a julgar pelas posições defendidas no Fundo Monetário Internacional (FMI), nesta semana, por dirigentes da instituição e participantes de pelo menos 16 debates sobre temas ambientais. Dois grandes alertas marcaram as apresentações de técnicos e diretores da instituição, nos últimos dias. O primeiro, de maior impacto imediato para os formuladores de política, veio no estilo tradicional: a economia global está em desaceleração, riscos financeiros se acumulam e é preciso agir para evitar um desastre. O segundo indicou uma visão renovada, e mais ampla, da política econômica: “Ministros de Finanças devem ter papel central na promoção e na implementação de políticas fiscais para deter a mudança climática”, disse o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vítor Gaspar.
Para centenas de milhões de outras pessoas, a ampliação da pauta do FMI, de fato iniciada há anos, pode ser estimulante, sem prejuízo da melhor tradição. Quem se deleita com números, contas públicas, crise, crescimento e emprego evita perder as entrevistas de Vítor Gaspar. Ele dirige há anos o Departamento de Assuntos Fiscais do FMI e uma de suas tarefas é supervisionar o Monitor Fiscal, um relatório semestral sobre o estado das contas públicas, as políticas de receitas e despesas e seus efeitos sobre a economia. A informação é de alta qualidade e as questões centrais são normalmente tratadas com vigor.
A solução mais evidente, segundo o estudo apresentado por Vítor Gaspar, é uma tributação eficaz, calculada para encarecer as emissões e facilitar a transição para uma nova economia, com padrões ambientais mais saudáveis e sustentáveis. Nos principais países emissores a taxação poderia crescer rapidamente e atingir US$ 75 por tonelada de carbono em 2030. Seriam afetados, entre outros, o preço da gasolina e as tarifas de eletricidade. Isso dependeria das características de cada país. Tributar, no entanto, seria só uma parte das ações.
Os governos poderiam, por exemplo, compensar o aumento desses custos com a diminuição de outros impostos. Poderiam criar compensações para as famílias mais pobres. Deveriam, de modo geral, investir parte do dinheiro arrecadado em programas de transição para a nova economia. Os planos deveriam incluir assistência aos trabalhadores mais afetados pela mudança energética.
Ameaça clara e presente foi a primeira noção usada para a abordagem do tema no Monitor Fiscal. Com outro vocabulário, o tema foi usado pela nova diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, para mostrar a importância econômica da questão climática: “No FMI sempre olhamos para riscos e essa categoria de risco tem de ser absolutamente central para nosso trabalho. (…) A transição de uma economia de alto para uma de baixo carbono não é tarefa trivial e temos a responsabilidade de cuidar da compreensão desses riscos, de classificá-los e – mais importante – de apresentar políticas para geri-los”. No FMI, o calendário indica o século 21. E no Palácio do Planalto?
17 de outubro de 2019 | 03h00
Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a analisar a execução da pena após decisão de segunda instância. Consta na pauta do plenário da Corte o julgamento de três processos sobre o tema que tem causado grande alvoroço, com reações desproporcionais de lado a lado. O ambiente de acirramento em nada contribui para um desfecho técnico e equilibrado do caso.
Com o julgamento em segunda instância, encerra-se a análise das provas. As chamadas terceira e quarta instâncias – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF – apenas analisam questões de direito. Não havendo mais possibilidade de reavaliação probatória, não cabe dizer que há ainda inocência a ser presumida.
Deve-se respeitar, como é lógico, o direito ao duplo grau de jurisdição. Antes de iniciar o cumprimento da pena, todos têm direito a que um órgão colegiado avalie a correção da sentença de primeiro grau. Mas não há direito subjetivo a um terceiro ou quarto graus de jurisdição. E isso não significa que a Justiça seja autoritária. Trata-se simplesmente de reconhecer que a função dos tribunais superiores não é substituir as instâncias inferiores – o que ocorreria caso as decisões destas só valessem após análise pelo STJ e STF.
A possibilidade de a pena ser cumprida após a decisão de segunda instância foi jurisprudência pacífica do STF até 2009. Então, ao julgar um habeas corpus, o plenário entendeu, por 7 votos a 4, que a execução da pena só podia ser iniciada após o trânsito em julgado.
Destoante da experiência internacional, disfuncional e contraditória com o próprio sistema do Judiciário, essa nova orientação do Supremo durou até fevereiro de 2016, quando se retornou à jurisprudência original. Reafirmou-se, assim, a possibilidade da execução da pena após decisão condenatória de segunda instância.
Desde então, houve várias tentativas para que o Supremo reabrisse a questão. Muitas delas com o exclusivo intuito de obter a soltura do sr. Lula da Silva. Além de congestionar a pauta do STF, tais manobras comprometem o próprio Supremo, cuja missão é fixar a jurisprudência que orientará, de forma segura e estável, todo o Poder Judiciário. Se essas orientações fossem continuamente modificadas, não haveria nenhuma razão para as instâncias inferiores seguirem efêmeras decisões.
Felizmente, a maioria dos ministros do STF soube respeitar o papel do Supremo, reafirmando a jurisprudência sobre a prisão após a decisão de segunda instância. Ficou célebre o voto da ministra Rosa Weber, em abril de 2018, ao rejeitar uma manobra para que a Corte negasse a orientação fixada sobre o início da execução da pena. “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”, afirmou a ministra.
Diante de todo o alvoroço criado em torno do julgamento de hoje, bem se vê a necessidade de uma melhor compreensão sobre o Supremo Tribunal Federal como instituição. São inadmissíveis as ameaças e afrontas proferidas contra o STF, numa vã tentativa de emparedá-lo. Deve haver outro patamar, muito superior, de respeito ao Supremo por parte de todos os cidadãos. Logicamente, essa exigência inclui os próprios ministros do STF. Hoje, cabe-lhes proteger e reafirmar, com toda a altivez que a instituição merece, a jurisprudência do Supremo sobre a prisão após decisão de segunda instância.
16 de outubro de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro se encaminha para o final de seu primeiro ano de mandato. O balanço entre os erros e os acertos de seu governo nesse período inicial resultou, até o momento, na deterioração da confiança na capacidade do presidente de liderar o País.
Em agosto, convém lembrar, 40% dos brasileiros ouvidos pelo instituto Datafolha classificaram o governo de Jair Bolsonaro como “ruim” ou “péssimo”. Para dar uma ideia da dimensão negativa desse resultado, basta dizer que ele foi maior do que a soma da reprovação dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (15%), Lula da Silva (10%) e Dilma Rousseff (11%) no mesmo período, ou seja, aos oito meses de mandato.
O resultado pode parecer ruim para o governo, afinal os otimistas quanto ao seu bom termo correspondem a menos da metade da população. Mas este número é ligeiramente maior do que o apurado no mês passado pelas mesmas instituições (43%). Além disso, houve pequena redução no número de pessimistas, que caiu de 33% no mês passado para 31% agora.
A pesquisa XP/Ipespe mostrou que também houve uma oscilação positiva na avaliação do governo. Uma oscilação pequena, é verdade, mas que ao menos indica uma interrupção no processo de deterioração da confiança na capacidade administrativa de Jair Bolsonaro observado até aqui. Os entrevistados que consideram o governo “bom” ou “ótimo” subiram de 30% para 33% em relação a setembro. Já a desaprovação do presidente Jair Bolsonaro recuou de 41% para 38% no mesmo período.
Evidente que não se pode desconsiderar que as variações sejam meras oscilações dentro da margem de erro da pesquisa (3,2%). De qualquer forma, é possível enxergar esses números com olhos e corações abertos. Tanto melhor para o País se assim forem recebidos, sobretudo pelo maior interessado, o presidente Jair Bolsonaro.
A sociedade está dizendo – é o que a pesquisa XP/Ipespe sugere – que ainda nutre esperança de que Jair Bolsonaro possa deixar a Presidência da República em janeiro de 2023 legando a seu sucessor um país melhor do que o que encontrou. Se o presidente tiver a capacidade de compreender que não governa para um nicho de eleitores mais extremados, e sim para todos os brasileiros, deixando de ser um dos principais agentes do dissenso para se tornar o artífice da conciliação, não será difícil chegar ao bom termo almejado por 46% dos ouvidos pela XP/Ipespe.
É legítimo que o ocupante de um cargo eletivo se preocupe com questões de natureza político-eleitorais. Um dos maiores problemas que o País vem enfrentando nos últimos anos é justamente a desqualificação da atividade política e de tudo a ela atinente. Mas de um governante se espera o justo equilíbrio entre as ações de Estado, de governo e as de fim eleitoral. Um mandatário irá exercer bem o poder delegado pela sociedade quando, com habilidade e espírito público, dosar suas ações e palavras.
Há tempo para o presidente Jair Bolsonaro rever seus erros e os de sua equipe. Há tempo para correção de rumos. Há, principalmente, a esperança de uma parcela significativa do povo brasileiro de que assim ele o fará. A evolução positiva revelada pela nova pesquisa XP/Ipespe é tênue, vale dizer, pode tanto representar o início da reversão da impopularidade do presidente como um mero suspiro de afogado. Cabe a Jair Bolsonaro, e somente a ele, apontar o rumo.
15 de outubro de 2019 | 04h00
A primeira edição brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) foi menos um simpósio sobre o conservadorismo, seus pensadores, suas ideias e pertinência na atualidade, e mais um evento político-partidário em defesa não só do governo, como da reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Perdeu-se uma importante oportunidade de realizar no País uma apresentação séria do ideário conservador, há muito flagelado pela ignorância dos que o tomam como expressão do atraso ou, como foi o caso da CPAC Brasil, pelo sequestro do termo “conservador” por quem, na verdade, defende uma agenda autoritária e obscurantista.
A CPAC foi criada em 1974 nos Estados Unidos pela União Conservadora Americana, em conjunto com diversos grupos de ativistas, políticos e intelectuais ligados ao conservadorismo. O discurso inaugural foi proferido por Ronald Reagan, então governador da Califórnia e futuro presidente dos Estados Unidos pelo Partido Republicano (1981-1989). O evento ocorre anualmente com o objetivo de discutir estratégias para favorecer a difusão do ideário conservador e sua presença no debate público norte-americano por meio da representação política de seus defensores.
Fora a apresentação de alguns convidados norte-americanos, pouco se falou de conservadorismo propriamente dito. O que se viu nos dias 11 e 12 deste mês em um hotel de São Paulo foi uma louvação ao presidente Donald Trump, ao presidente Jair Bolsonaro e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), saudado como “mitinho” em alusão a um dos apelidos de seu pai.
Essa reprodução histriônica e um tanto iletrada do evento conservador norte-americano em solo brasileiro serve mais para o divertimento de uns ou para a vergonha de outros, a depender de como as palestras foram recebidas pela audiência não convertida. O discurso da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, particularmente, diverte e envergonha em igual medida.
Mas o que deve causar preocupação verdadeira nos liberais democratas é o tom de algumas palestras em relação às oposições, sobretudo por terem sido proferidas por membros do atual governo. Não foram poucas as manifestações de desapreço e de hostilidade em relação a partidos e indivíduos que se opõem ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
A julgar pelo que disse na CPAC Brasil, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, vê seu chefe como o ungido que fará o Brasil ressuscitar após a “morte” provocada pela ação dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. FHC foi comparado à aids por Weintraub, aquele que teria “enfraquecido o País” e permitido que a “tuberculose” (Lula da Silva) se instalasse e “matasse” o Brasil.
A já citada ministra Damares Alves classificou as oposições como o “cão”, no sentido diabólico do termo. O governo e seus simpatizantes, na visão da ministra, devem se organizar para impedir o triunfo do “mal”. A mesma mensagem, embora menos caricata, foi a tônica das apresentações dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ou seja, para o governo Bolsonaro dar certo, seus opositores hão de ser neutralizados.
Não só as oposições foram alvos na CPAC Brasil. Coube à imprensa livre e profissional uma boa dose de hostilidade. Nada a que não esteja acostumada, posto que não seria “livre” e tampouco “profissional” caso se deixasse levar por pressões de governos e seus adeptos.
A primeira edição da CPAC no Brasil não foi um evento conservador. Foi um evento reacionário. Os conservadores continuam carentes de uma representação política à altura de sua importância.
14 de outubro de 2019 | 03h00
Recentemente, o Ministério da Justiça da Alemanha lançou uma campanha publicitária a respeito do Estado de Direito. O objetivo é informar a população sobre os direitos fundamentais inerentes ao Estado de Direito, bem como ressaltar os benefícios que essas liberdades e garantias proporcionam para a sociedade. “Queremos tornar o Estado de Direito mais visível e mais compreensível, além de fortalecer a confiança no Estado de Direito”, disse o porta-voz do Ministério da Justiça, Rüdiger Petz. É muito interessante o esforço de comunicação do governo alemão, ao reafirmar ideias simples, mas fundamentais para o bom funcionamento de uma sociedade.
Com pôsteres, anúncios em cinema e vídeos na internet, a campanha apresenta uma série de perguntas e respostas. Por exemplo, por que precisamos do Estado de Direito? “Porque ele limita o poder do Estado. Essa limitação é assegurada pelos direitos fundamentais. A confiança na atuação do governo também requer distribuição do poder estatal e controle mútuo desse poder. Essa é a razão pela qual existem três Poderes na Alemanha: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Trata-se de um equilíbrio que garantiu, por décadas, a coexistência pacífica e protege o povo do nosso país contra a arbitrariedade do Estado”, diz o site da campanha.
Ao tratar do dever do Estado na perseguição das violações da lei, a campanha menciona a importância da independência dos juízes – que estejam sujeitos, de fato e de direito, apenas à lei. “Trata-se de um princípio elementar do Estado de Direito. Nenhum político pode influenciar a decisão de um juiz. No tribunal, toda pessoa pode ter a certeza de que a jurisprudência é feita por juízes independentes”, assegura o Ministério da Justiça alemão. Também se afirma que as prerrogativas dos juízes não constituem privilégio: “Os juízes têm compromisso com a independência. Eles devem falar imparcialmente, como pessoas isentas”.
A campanha menciona o direito de defesa e a presunção de inocência. “Todos temos o direito de ser ouvidos e compreendidos. (...) Até que a acusação prove a culpa de uma pessoa, ela é considerada inocente, independentemente de qual for o crime pelo qual ela é acusada.”
Ao responder se na Alemanha todos podem falar o que quiserem, afirma-se que “todos têm direito a se expressar e difundir livremente sua opinião, seja ela ‘certa’, ‘errada’, emocional ou racional. (...) No entanto, um equívoco comum é achar que a liberdade de expressão seria ilimitada.
A própria Lei Fundamental determina limites, por exemplo, com a proteção da honra pessoal. Existe, portanto, a proibição criminal do insulto, calúnia ou difamação. Essas regras não se aplicam apenas no mundo ‘real’, isto é, analógico, mas também no mundo online. Insultos nas redes sociais podem ser processados pelo Poder Judiciário, o que não significa censura, mas o Estado de Direito na internet”.
Em tempos confusos, é muito oportuno reafirmar os valores do Estado de Direito. “Nós amamos e vivemos a liberdade. Temos liberdades: podemos acreditar no que queremos, podemos expressar nossas opiniões livremente, podemos nos reunir e podemos usufruir da liberdade de imprensa.” Trata-se de uma boa lição, não apenas para os alemães.
12 de outubro de 2019 | 03h00
Em março, o presidente Jair Bolsonaro retornou dos Estados Unidos trazendo na bagagem a declaração de apoio do presidente Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um pleito brasileiro desde maio de 2017. O apoio público de Trump ao ingresso do Brasil no chamado “clube dos ricos” foi importante, não resta dúvida, porém vago.
A confusão gerada pela divulgação de uma correspondência recente entre o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, e o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, à qual a agência Bloomberg teve acesso, poderia ter sido evitada caso o governo brasileiro tivesse tratado o apoio dado por Trump ao pleito brasileiro com as devidas ressalvas.
Na referida carta de Michael Pompeo a Angel Gurría, os Estados Unidos rejeitam uma proposta de cronograma feita pela OCDE para início das negociações com algumas nações candidatas ao ingresso na organização. De acordo com esse cronograma, as tratativas entre a OCDE e a Argentina começariam imediatamente. Com a Romênia, em dezembro deste ano. O pleito brasileiro seria analisado em maio de 2020. Já em dezembro do ano que vem, chegaria a vez da negociação com o Peru. Em maio de 2021, por fim, haveria a negociação com a Bulgária.
O que o governo dos Estados Unidos afirma claramente na carta ao secretário-geral da OCDE é que apoia agora apenas as tratativas com a Argentina e com a Romênia, os dois casos previstos para serem analisados neste ano. “Os Estados Unidos defendem a extensão do grupo, mas em ritmo gradual, levando em conta a necessidade de pressionar (os candidatos) pela adoção de regras de governança, planejamento e sucessão”, diz trecho da carta assinada por Pompeo.
Pelo que foi noticiado, não é correto afirmar que os Estados Unidos retiraram o apoio à candidatura brasileira para ingresso na OCDE. Tanto Michael Pompeo como Donald Trump vieram a público após a divulgação da carta para reassegurar o apoio oferecido durante a cúpula bilateral havida em março. Haverá, no entanto, uma nova proposta de prazo para que o caso brasileiro seja avaliado.
O imbróglio envolvendo o Brasil, os Estados Unidos e a OCDE serve de alerta para os espíritos com boa vontade para se aferrar aos fatos, não às versões. Isso tanto vale para os membros do governo como para os cidadãos em geral, aprisionados numa polarização acrítica que hoje interdita um debate mais matizado sobre as questões de interesse público.
Não se tratou propriamente de uma “traição” do governo dos Estados Unidos. O Brasil, formalmente, também ainda não abriu mão de sua condição especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), uma contrapartida exigida pelos norte-americanos para ingresso na OCDE. Logo, no tabuleiro das relações diplomáticas, o jogo estaria empatado.
O episódio também deve servir de alerta para o presidente Jair Bolsonaro por sua adesão quase incondicional aos Estados Unidos na condução da política externa do País. Nas relações internacionais, os interesses de Estado sempre devem se sobrepor às amizades, sejam elas reais ou imaginárias.
10 de outubro de 2019 | 03h00
Pouco, ou quase nada, se sabe dos planos do governo Bolsonaro para estimular o crescimento da economia e melhorar a qualidade de vida da população, sobretudo por meio da geração de empregos. Além da reforma da Previdência, já na etapa final de aprovação pelo Congresso, são muito poucas as iniciativas do Executivo que podem compor um projeto ou programa de governo destinados a enfrentar os graves problemas do País. Mas é reconfortante para o contribuinte, que paga muito imposto para pouco retorno em termos de serviços públicos, saber que o presidente Jair Bolsonaro não pretende realizar nenhuma grande obra que possa ser transformada em símbolo de seu governo.
É uma atitude politicamente corajosa comprometer-se, ainda no primeiro ano de mandato, a terminar obras em execução, a grande maioria das quais iniciada em gestões anteriores. “Aí podem falar: ‘Ah, começou com a Dilma, com o Temer’”, lembrou Bolsonaro, para completar: “Se a gente não for atrás (da conclusão da obra), vai virar só esqueleto”.
É pouco provável que um brasileiro comum ainda não tenha visto o esqueleto de uma obra na qual foi gasto dinheiro público e que está a assombrar a população. São símbolos expressivos da má utilização do dinheiro do contribuinte. Muitos são os balanços sobre obras públicas paralisadas feitos por instituições privadas e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os dados variam conforme a abrangência e a metodologia dessas pesquisas, mas todas elas mostram a imensa quantia de dinheiro público desperdiçada em todos os níveis de governo.
Estão parados milhares de obras, de orçamentos modestos em pequenas cidades ou de custos altíssimos de iniciativa federal. São vários os motivos da paralisação. Mas, em muitas obras paradas, há fatores comuns, como má qualidade dos projetos, má gestão dos recursos, dificuldades financeiras do órgão público responsável pela obra. Em projetos de obras de maior complexidade não é raro que à má qualidade do projeto se some o descuido ou o menosprezo com questões relevantes, como os riscos ambientais, os custos e os riscos das desapropriações e das contestações judiciais.
Além disso, em razão da crise econômica iniciada em 2014, ainda no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, os problemas orçamentários e financeiros de diferentes esferas do governo levaram à suspensão dos pagamentos devidos aos responsáveis pelas obras e, consequentemente, à paralisação.
Para os contribuintes e para os cidadãos em geral, obra pública parada significa interrupção de investimentos e da possibilidade de geração de empregos, além do comprometimento de um programa que deveria atender às demandas da sociedade em áreas como, educação, transporte ou segurança. Daí a importância da retomada dessas obras, como se propõe a fazer o presidente Jair Bolsonaro.
Se obras federais paralisadas forem efetivamente retomadas, haverá decerto um impulso na atividade econômica, dado o efeito que essa iniciativa terá sobre vários outros segmentos econômicos, como o comércio e, sobretudo, o mercado de trabalho. O aumento do emprego, de sua parte, resultará em renda maior para o trabalhador e mais consumo, o que, de algum modo, estimulará a economia.
Poderão também surgir mais investimentos, pois a retomada de obras paralisadas pode sinalizar novas oportunidades. Mas, para o futuro, é preciso avaliar com critério as causas das paralisações das obras públicas, para que elas sejam evitadas em novos contratos.
07 de outubro de 2019 | 03h00
O governo tem participação direta e indireta em 637 empresas, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Economia na quinta-feira passada. Até agora, o governo, em seus projetos de privatização, trabalhava com o número de 133 estatais, entre controladas e subsidiárias. Ou seja, o desafio de promover a ampla desestatização prometida na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que o previsto – e, a julgar pela lentidão do processo até agora, o governo poderá ter grandes dificuldades para conduzir o programa de privatização a um desfecho ótimo.
No caso do BNDES, a injeção de recursos públicos em empresas privadas teve como objetivo declarado estimular o desenvolvimento de setores então considerados estratégicos. Assim surgiram algumas das companhias chamadas de “campeãs nacionais”, famosas nos governos petistas por receber vultosos investimentos estatais para fazer delas grandes competidores internacionais e, em contrapartida, gerar muitos empregos no Brasil. Como se sabe, essa estratégia beneficiou basicamente os controladores das empresas.
“A União tem ação da Bombril. Não temos gaze nos hospitais, mas temos milhões de reais em empresas. Isso é ético?”, criticou o secretário Salim Mattar. “O Estado tem empresas que não faz sentido ter, estamos buscando transparência para que a sociedade saiba onde estamos investindo o dinheiro do pagador de impostos.”
É animador saber que o governo está consciente do absurdo da situação, e que deve passar das palavras à ação. Segundo o secretário Salim Mattar, o governo alcançou, entre janeiro e setembro, a meta de US$ 20 bilhões em desestatizações, desinvestimentos e vendas de ativos para este ano, mas admite que o processo está longe do ritmo ideal, especialmente diante das grandes expectativas criadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito da diminuição do papel do Estado como empresário. Como se recorda, durante a campanha eleitoral o então assessor para assuntos econômicos do candidato Bolsonaro prometeu amealhar R$ 1 trilhão com a venda imediata de “todas as estatais”. Tratava-se de um exagero – primeiro, porque nem todas as estatais podem ou devem ser vendidas; segundo, porque, mesmo na remota hipótese de conseguir se desfazer de todas as participações, o Estado arrecadaria bem menos que o trilhão anunciado nos palanques.
No mundo real, o secretário Salim Mattar reconheceu que o processo demanda ampla negociação política e respeito a um complexo conjunto de leis, o que torna tudo ainda mais difícil. Assim, o programa de privatizações do governo Bolsonaro, que prometia arrojo e celeridade, começou com o anúncio de venda de apenas nove estatais, e mesmo assim não se sabe bem qual será o modelo nem o cronograma de venda nesses casos. Sabe-se apenas, como declarou o secretário Salim Mattar, que Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil não serão vendidos.
É importante salientar que, a despeito das dificuldades do governo em colocar em prática seus planos de venda de estatais, o simples fato de que o tema esteja sendo tratado oficialmente como prioridade é promissor. Como lembrou o secretário Mattar, a criação de empresas estatais sem qualquer justificativa fere o artigo 173 da Constituição, que diz que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. É difícil ver como “relevante interesse coletivo” a produção de detergentes e palha de aço.
05 de outubro de 2019 | 03h00
Boas notícias para o setor mais competitivo da economia brasileira, o agronegócio, foram anunciadas no começo de outubro pelo governo. Crédito mais farto e mais barato poderá resultar da MP do Agro, Medida Provisória assinada no dia 1.º de outubro. No mesmo dia foi lançado o AgroNordeste, programa de apoio a pequenos e médios produtores nordestinos. São resultados tangíveis, produzidos por um Ministério empenhado em ampliar e aperfeiçoar políticas bem-sucedidas em administrações anteriores. A ministra Tereza Cristina vem trabalhando com base numa herança acumulada durante décadas. Essa herança é visível no bom abastecimento interno e no sucesso comercial do agronegócio. Com exportações de US$ 64,57 bilhões entre janeiro e agosto, o setor acumulou superávit de US$ 55,34 bilhões em oito meses, garantindo ao País o excedente comercial de US$ 31,76 bilhões nesse período. O comércio de mercadorias continuou superavitário em setembro, graças principalmente à eficiência da agropecuária.
O acesso ao financiamento poderá ocorrer em condições mais fáceis e mais equilibradas com a adaptação do conceito de patrimônio de afetação. O candidato ao crédito poderá desmembrar sua propriedade para comprometer apenas uma parte como garantia. No velho sistema tem sido observada, com frequência, uma desproporção entre o bem imóvel apresentado pelo tomador e o valor do empréstimo. A pequena propriedade, os bens de família e os direitos de terceiros continuam preservados.
Todas as medidas voltadas para a melhora do sistema de garantias e ampliação da rede financiadora devem resultar, segundo a justificação oficial, em dinheiro mais barato e mais farto para o agronegócio.
O outro grande programa, o AgroNordeste, deve ser implantado neste ano e no próximo em 230 municípios de 9 Estados nordestinos e de parte de Minas Gerais, numa área com população rural de 1,7 milhão de pessoas. Esses municípios serão divididos em 12 territórios. A agenda inclui assistência técnica, facilitação de acesso a mercados diversificados, maior organização de produtores, garantia de segurança hídrica e desenvolvimento de produtos com qualidade e valor agregado. O trabalho, com apoio de entidades privadas e públicas, como o Sebrae e bancos oficiais, deve partir da análise da produção, da vocação produtora e das possibilidades de agregação de valor de cada área selecionada. Será, assinalou a ministra, uma expansão do conjunto de ações já executadas pelo Ministério.
Em vez de atacar os governadores e falar em restrição a recursos para o Nordeste, a ministra da Agricultura decidiu cuidar de um plano para fortalecer a região. Depois atribuiu a iniciativa a uma solicitação do presidente da República e o chamou para lançar o plano. Ela se tem especializado nesse tipo de ação. Já o havia realizado ao conversar com governantes muçulmanos irritados pela diplomacia trumpista do presidente Jair Bolsonaro no Oriente Médio.
03 de outubro de 2019 | 03h00
A tramitação da reforma da Previdência está terminando do mesmo modo como começou: com o Congresso determinando o ritmo das votações e com o governo como observador distante, sem controle nem mesmo sobre os integrantes do partido do presidente da República. Talvez tenha sido melhor assim: nas raras oportunidades em que pretendeu se envolver pessoalmente no processo, o presidente Jair Bolsonaro o fez apenas para defender o interesse de corporações inconformadas com o fim de privilégios.
No primeiro turno de votação, cujo placar foi de 56 votos a 19, o Senado reduziu a economia prevista no texto aprovado pela Câmara - de R$ 933 bilhões para R$ 876,7 bilhões em dez anos - ao vetar o pagamento de pensões por morte abaixo de um salário mínimo. Ainda assim, o valor final é bastante significativo, indicando um esforço condizente com a premência da crise fiscal.
É uma reforma que, mesmo com a significativa desidratação em relação à pretensão inicial do Ministério da Economia - algo em torno de R$ 1,2 trilhão em dez anos -, apresenta um alcance inédito. O fato de que tal mudança já esteja praticamente aprovada pelo Congresso, Casa que é naturalmente sensível aos humores da população, mas em geral refratária a medidas de austeridade tão profundas como essa, é indiscutível sinal de maturidade administrativa e política.
Mas ainda há muito trabalho pela frente. As regras para os servidores públicos federais serão estendidas aos estaduais e municipais por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela, concebida no Senado para evitar que, em razão das modificações, o texto tivesse que passar por nova rodada de votações na Câmara, atrasando ainda mais a tramitação. Outras mudanças deverão ser encaminhadas nessa PEC paralela, mas a que altera o regime previdenciário nos Estados é a mais importante, pois o grande déficit nesse sistema ajuda a explicar a situação fiscal deplorável de quase todos os entes subnacionais.
A sensibilidade do tema exigirá um esforço extra por parte dos parlamentares reformistas - e espera-se que os governistas pelo menos não atrapalhem. Sabe-se que muitos deles são representantes de categorias de funcionários públicos, e não foi por outra razão que o PSL, partido do presidente Bolsonaro, tentou impedir, no segundo turno de votação da reforma no Senado, a inclusão de uma cobrança adicional dos servidores em caso de déficit na Previdência. Não teve sucesso, mas nada indica que, na continuidade dos debates, outras reivindicações desse gênero sejam apresentadas por quem, ao contrário, deveria defender uma reforma a mais ampla possível, como quer o Ministério da Economia.
Assim, espera-se que o presidente Bolsonaro cumpra seu papel de organizador da base de seu governo no Congresso, para que o restante da reforma da Previdência seja aprovado sem sustos e atrasos - embora com o possível adiamento do segundo turno no Senado em razão de insatisfação dos senadores com a demora do governo em cumprir sua parte nos acordos costurados para arregimentar apoio ao projeto.
Essa inabilidade cria atritos indesejáveis num momento particularmente desafiador, em que se exige habilidade e coesão para realizar as duras mudanças de que o País precisa - e a reforma da Previdência é apenas a primeira delas.
30 de setembro de 2019 | 06h54
Sócrates é negro, pobre e gay. Garoto da Baixada Santista, tem esse nome porque a mãe, corintiana, quis homenagear o grande jogador. Embora seja só um garoto, Sócrates enfrenta um momento particularmente difícil – está sendo despejado do lugar aonde mora, a mãe morreu e existem trâmites burocráticos que ele não consegue concluir, incluindo a liberação do corpo para ser enterrado. Com que dinheiro? Sócrates, protagonista do filme que tem seu nome, é um dos personagens mais fortes do cinema brasileiro recente. O filme dirigido por Alex Moratto, produzido em parceria com o Instituto Querô, de Santos, estreou na quinta, 26, coroado por numerosos prêmios no País e no exterior.
Na trama, o menino Sócrates até pensa em prostituir-se para sobreviver, cavouca no lixo para comer. O horror, o horror. Moratto, que completa 31 anos em novembro, resolveu contar essa história por profunda necessidade interior. Para ele, o cinema não é nenhuma diversão. É algo visceral, que tem de vir de dentro. Sócrates, o filme, nasceu do seu sofrimento, da necessidade de fazer o luto. Filho de pai norte-americano e mãe brasileira, Moratto vive até hoje entre os EUA e o Brasil. A mãe, separada do pai. Praticamente sozinho, e com o apoio da médica que a assistia, ele enfrentou a doença, a morte. O filme permitiu-lhe superar tudo isso. Superar não é bem a palavra. Certas coisas a gente carrega pela vida
Mas ele tem tido compensações. Sócrates participou de mais de 40 festivais em todo o mundo. Ganhou 15 prêmios, entre eles o Oscar dos independentes, o Spirit Award. Num desses festivais, ao exibir o filme de Moratto, o curador disse que as condições humanas e sociais são específicas, mas o luto, como tema, é universal e o processo comprometido de produção fazia toda a diferença. Na semana que passou, o diretor participou de debates em São Paulo. Num deles, com jovens da periferia, foi quase às lágrimas quando um garoto se levantou, disse que poderia ser o Sócrates da ficção e agradeceu a Moratto por se ver na tela. Não são muitos os filmes que representam esse segmento social. No caso do clássico Cidade de Deus, os jovens pegam em armas, abrem caminho a bala.
Sócrates segue outra via. Moratto venera Cidade de Deus, e Fernando Meirelles. “O filme recebeu o maior apoio da O2 Play. E ele é um grande diretor.”
O projeto começou a nascer quando Moratto, de férias no Brasil, estava em Santos. Uma amiga de sua mãe viu um anúncio do Instituto Querô, uma ONG que utiliza o audiovisual como ferramenta de inclusão social de jovens de 16 a 25 anos, em situação de risco. Foi através do instituto que ele conheceu Christian Malheiros, que viria a ser ator do filme. “Christian tinha aquela urgência, aquele desespero estampado na cara. Testei muitos jovens, ia fazer o filme com outro, mas terminei voltando ao Christian. Foi a melhor escolha.”
Nesse Brasil que ficou tão conservador, mostrar um personagem que faz sexo com outro homem, limpa banheiros e fuma maconha não será transgredir demais? “Em todo o mundo, o filme foi recebido como uma obra verdadeira e humana. Nosso objetivo é a dignificação do humano, não a degradação. Christian é ator, diz uma coisa linda. ‘Difícil não foi o beijo gay, foi procurar a comida no lixo.’ Não pode, as pessoas merecem mais do que isso”, diz o indignado diretor. Ele trabalha no próximo filme, que já tem verba norte-americana. É diferente, mas na mesma vibe. “Seven Slaves, Sete Escravos é sobre tráfico de pessoas, outra indignidade dos tempos atuais.”
28 de setembro de 2019 | 03h00
O Ministério Público é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, diz a Constituição. Pois bem, para assombro de toda a Nação, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, transcorridos mais de dois anos, veio a público dizer que compareceu a uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) armado e com a intenção de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes. “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou Rodrigo Janot.
Ainda que Rodrigo Janot tenha se aposentado do Ministério Público Federal em abril, sua confissão não é apenas um assunto pessoal, a recomendar atenção com sua saúde mental. A revelação de que se preparou para matar um ministro do STF pode bem ser, por si só, uma ameaça. Afinal, qual poderia ser o objetivo de Rodrigo Janot para trazer a público essa faceta violenta de sua personalidade, depois de tanto tempo?
Na tarde de 4 de setembro de 2017, por exemplo, dias antes de deixar a chefia da PGR, Rodrigo Janot convocou uma coletiva de imprensa para dizer que o órgão que chefiava havia recebido no dia 31 de agosto uma gravação com conteúdo gravíssimo, que poderia levar à rescisão do acordo de delação premiada com os executivos da J&F. “Áudios com conteúdo grave, eu diria, gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público Federal na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal”, disse Rodrigo Janot.
Imediatamente, a então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, solicitou a abertura de uma investigação, que depois viria a concluir que, nas gravações mencionadas por Janot, não havia referências indevidas a ministros do STF. Quem ficava mal nas gravações era a PGR. Simplesmente era falsa a informação prestada pelo então procurador-geral da República.
Meses antes, em maio de 2017, o País havia sido agitado pela informação de que haveria uma gravação, feita por Joesley Batista, com prova inequívoca de suposta anuência do então presidente Michel Temer à compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro. Quando o inteiro teor da gravação foi revelado, não se encontrou a tal prova inequívoca. Mesmo assim, Rodrigo Janot ainda apresentaria duas denúncias contra Michel Temer. Ainda que a Câmara dos Deputados não tenha encontrado em nenhuma das duas denúncias elementos suficientes para autorizar o prosseguimento da ação penal contra o presidente da República, o País sofreu os efeitos deletérios das manias do então procurador-geral da República que, agora reconhece, precisamente naquele período, não apenas nutriu intenções assassinas e suicidas, mas chegou a preparar, com atos concretos, a execução de seus íntimos desejos.
Rodrigo Janot foi nomeado procurador-geral da República pela presidente Dilma Rousseff, que seguiu a primeira indicação feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O caso mostra, com espantoso realismo, os riscos da obediência à tal lista tríplice.
Além disso, o imbróglio ilumina um princípio fundamental da República. Para que o País não se torne refém do arbítrio e das eventuais loucuras de pessoas investidas em cargos públicos, o remédio é sempre a lei, o que inclui os dispositivos constitucionais de interdição de funcionários sancionados pelo Senado. Quando outros critérios são aplicados à vida pública, o efeito é desastroso.
COMO FAZER PIZZA DE PROFISSIONAL EM CASSA
Especial para o Estado
A pizza perfeita é bem assada, com a massa leve, bordas altas e aeradas, base firme, cobertura equilibrada. Irresistível. Coisa de profissional, certo? Não necessariamente!
Você pode fazer em casa uma pizza assim, “profissa”, mesmo sem prática – desde que siga algumas fórmulas. O segredo está nos detalhes: a proporção e a qualidade dos ingredientes, o tempo de fermentação, a temperatura do forno e a textura do molho.
É possível fazer uma pizza profissional em casa. Foto: Codo Meletti/Estadão
Abaixo, confira dicas de como turbinar o forno doméstico a gás (cuja temperatura não chega nem perto da de um forno de pizzaria), o jeito certo de espalhar o molho sobre a massa, a melhor maneira de assar o disco e a escolha da cobertura.
Você vai precisar de farinha de trigo, fermento biológico fresco, sal e água gelada. E paciência. A boa massa, elástica e leve, é resultado de uma longa fermentação. São 35 horas no total: 24 de descanso em geladeira e 10 de repouso em temperatura ambiente. Veja como fazer a receita e abrir os discos de massa.
A base do sabor de qualquer boa pizza está no molho. Então, aproveite que vai ligar o forno e já prepare-o também. Esta receita é fácil, feita apenas com tomates assados, azeite e sal, e vai fazer toda a diferença na sua pizza caseira. O truque é: o molho não pode ficar muito aguado, ou amolece a base da massa.
Quando for usar, espalhe o molho nos discos com as costas da colher ou da concha, em movimentos circulares, do centro para as bordas. Deixe uma margem de mais ou menos dois dedos sem molho na borda. Com o peso do molho, o meio do disco ficará assentado e a borda, inflada.
Você precisa turbinar seu forno a gás para elevar a temperatura e há algumas maneiras de fazer isso – escolha a que preferir, mas lembre-se de preaquecer o forno por pelo menos uma hora:
● Use uma pedra refratária – própria para assar pizzas. Além de ajudar a manter a temperatura elevada, ela funciona como base bem quente para assar as redondas. Asse os discos diretamente nela, não precisa de assadeira.
Outra possibilidade é fazer como Paul Cho, da Bráz Elettrica, faz em casa: use duas pedras, uma embaixo, na base da pizza, e outra em cima, apoiada na grade sobre ela.
Pedra refratária própria para assar pizzas. Foto: Codo Meletti/Estadão
● Você também pode colocar uma frigideira de ferro (que possa ir ao forno, sem cabo de madeira!) de cabeça para baixo no forno, deixar aquecer por uns 40 minutos, colocar a pizza diretamente sobre o fundo da frigideira para assar.
Mesmo assim, o forno doméstico não se iguala ao industrial ou a lenha, então, você terá de assar a pizza em duas etapas:
Asse a pizza em duas etapas. Primeiro, só com o molho. Foto: Codo Meletti/Estadão
Na segunda vez ao forno, a pizza já vai como todos os ingredientes. Foto: Codo Meletti/Estadão
● Pizza não é lasanha. “Não pense na cobertura em camadas, distribua os ingredientes de forma mais leve e solta, de modo que cada fatia receba um pouco de cada item”, ensina André Guidon, da Leggera.
● Combine ingredientes a gosto, mas com bom-senso. “Nada mais divertido do que reunir família e amigos em casa e cada um montar sua pizza”, sugere Fellipe Zanuto, da Pizza da Mooca. “Mas cuidado: quanto mais ingredientes você colocar, menos eles vão aparecer na pizza”.
Não faça camadas, distribua bem os ingredientes da cobertura da pizza. Foto: Codo Meletti/Estadão
● Use a lógica: ingredientes delicados por baixo, itens que precisam terminar de assar ou tostar no forno, por cima.
● Deixe para acrescentar as ervas frescas (orégano, manjericão, tomilho...) no final, momentos antes de tirar a pizza do forno.
● Queijos de massa cozida e filada, como a mussarela, derretem bem, use à vontade; ao contrário das versões prensadas de leite cru, como o Canastra.
● Queijos de longa maturação, como o parmesão, são bons para gratinar, use-os em menor quantidade, ralados na hora, por cima.
● Cuidado com os queijos cremosos, eles podem desandar no forno. Se for usá-los, deixe para o momento final, a saída, ensina Luciana Spina, da Pizza d’A Queijaria.
● Não compre queijos já ralados. “Você não sabe o que podem ter misturado ali”, alerta Luciano Nardelli, da Carlos Pizza.
● Se for trabalhar com mussarela de búfala, corte as bolinhas ao meio e deixe drenar na peneira por cerca de duas horas. “Senão o queijo vai soltar muito líquido durante a fornada”, explica Paul Cho.
Fique atento a quais queijos usar nas pizzas. Foto: Codo Meletti/Estadão
Quem cozinha geralmente adora utensílios. Alguns são indispensáveis, outros ajudam bastante:
● Balança culinária digital para pesar os ingredientes com precisão é fundamental. Em panificação, não vale “medir a olho”, não dá certo.
● Batedeira planetária com batedor tipo gancho, específico para massas ajuda bastante: na falta dela, prepare o muque e bata a massa na mão mesmo.
● Recipiente plástico retangular (caixa), grande, com tampa e com o dobro da capacidade em relação ao peso inicial da massa.
● Potes de plástico quadrados, com tampa, para acomodar individualmente as porções de massa boleadas (lembre-se que as bolinhas vão dobrar de tamanho).
● Rolo para abrir massa, de plástico ou madeira (vai ser bom se tiver, mas é opcional)
● Pedra refratária redonda, que vai servir de base para assar as pizzas (faz muita diferença)
● Pá de cabo curto, de madeira ou aço inox para por e tirar as pizzas do forno sem mexer na pedra.
Rolo para abrir massa de pizza. Foto: Codo Meletti/Estadão
Reunimos nesta reportagem as dicas de seis especialistas para fazer a pizza perfeita em casa: André Guidon, da Leggera, o cara das pizzas veramente napolitanas; Fellipe Zanuto, da Pizza da Mooca, que faz pizzas napolitanas e romanas, em dois endereços; Gil Sousa, há 23 anos no balcão da Veridiana; Luciana Spina, da Pizza d’A Queijaria, que trabalha com massa de fermentação natural e queijos artesanais brasileiros; Paul Cho, da Bráz Elettrica, sucesso de público e crítica, já com seis endereços da cidade; e Luciano Nardelli, dono da premiada Carlos Pizza, que tem dois endereços constantemente lotados. Foi Luciano quem fez as pizzas para esta edição (ele é reincidente, já deu aula com esse tema no Paladar Cozinha do Brasil, há alguns anos).
25 de setembro de 2019 | 08h15
O resultado desse julgamento pelo plenário da Corte pode levar à anulação de mais condenações da Lava Jato e, eventualmente, beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na operação. O Estadão acompanha o julgamento ao vivo a partir das 14h.
A discussão da controvérsia, ou seja, se um réu delatado pode se manifestar nos autos depois dos delatores para rebater as acusações, deve fazer com que os 11 integrantes da Corte avaliem o entendimento que anulou, no mês passado, a condenação do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine.
O habeas corpus a ser examinado pelo plenário é do ex-gerente da Petrobrás Marcio de Almeida Ferreira. No papel, o processo de Ferreira guarda semelhanças com o de Bendine. A defesa do ex-gerente alegou que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus colaboradores.
No mês passado, por 3 votos a 1, a Segunda Turma do Supremo derrubou uma decisão do ex-juiz federal Sérgio Moro que havia condenado Bendine a 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Foi a primeira vez que o Supremo anulou uma condenação de Moro, impondo uma das maiores derrotas da Lava Jato no tribunal até hoje.
Aquele julgamento também marcou a primeira vez que a ministra Cármen Lúcia discordou do relator da Operação Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, em julgamentos cruciais da Lava Jato julgados na Segunda Turma da Corte, conforme mapeamento do 'Estado'.
Isolado. Fachin foi contra derrubar a condenação imposta por Moro a Bendine, mas acabou isolado na Turma. Por outro lado, Cármen Lúcia se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, dois dos maiores críticos da Lava Jato no Supremo, mas a ministra ressaltou que o seu voto naquela ocasião considerou as peculiaridades do caso específico de Bendine.
No seu voto, Lewandowski afirmou que o direito de a defesa falar por último “decorre do direito normativo”. “Réus delatores não podem se manifestar por último em razão da carga acusatória que permeia suas acusações. Ferem garantias de defesa instrumentos que impeçam acusado de dar a palavra por último.” Ausente, o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, não participou da análise do caso na Turma, mas pode ser decisivo agora com o julgamento da questão no plenário.
Naquela ocasião, a maioria dos ministros acolheu a argumentação da defesa de Bendine, que criticou o fato de o executivo ter sido obrigado por Moro a entregar seus memoriais (uma peça de defesa) ao mesmo tempo em que delatores da Odebrecht apresentaram acusações contra ele. Bendine havia solicitado prazo diferenciado, mas o pedido foi negado.
Expectativa. Segundo o Estado apurou, a expectativa é a de que o plenário do Supremo se divida sobre o tema, expondo novamente as divergências internas em matéria criminal. Integrantes da Corte avaliam que o Supremo pode delimitar o entendimento da Segunda Turma, em um esforço para “reduzir danos” e preservar parte das sentenças já proferidas.
Nos bastidores, uma das alternativas discutidas é a de anular as condenações somente daqueles réus que haviam solicitado durante o andamento da ação o prazo diferenciado para a apresentação das alegações finais, mas tiveram o pedido rejeitado pela Justiça. Essa saída teria o potencial de diminuir o número de casos em que investigados poderão se livrar das condenações, avaliaram fontes ouvidas reservadamente pela reportagem.
Com base na decisão da Segunda Turma que beneficiou Bendine, a defesa do ex-presidente Lula pediu à Corte que anule suas condenações e também uma ação que ainda tramita na Operação Lava Jato. A defesa também pede que o petista seja posto em liberdade.
O pedido do advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente, abarca a sentença que condenou o petista a 12 anos e 11 meses de prisão imposta pela juíza Gabriela Hardt no processo do sítio de Atibaia (SP) e a condenação determinada pelo ex-juiz Sérgio Moro a 9 anos e 6 meses no caso do triplex do Guarujá (SP) - a pena foi reduzida posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça a 8 anos e 10 meses.
23 de setembro de 2019 | 03h00
O Brasil não chegará a bom lugar sem um entendimento mínimo sobre uma agenda comum. Nos anos 80, essa coesão foi fundamental para conduzir o País da ditadura para a democracia. Na década seguinte, os brasileiros deixaram suas diferenças de lado para construir um amplo concerto com vista a estabilizar a economia, por meio do Plano Real. Esses edifícios coletivos – o respeito à democracia e a valorização dos fundamentos econômicos – permanecem razoavelmente sólidos desde então exatamente porque não foram fruto do voluntarismo de um líder messiânico ou da visão exclusiva deste ou daquele partido político. Resultam, ao contrário, de um amplo processo de negociação e diálogo, do qual só não participaram os extremistas, à esquerda e à direita, inconformados com a marcha dos acontecimentos e desde sempre incapazes de aceitar a realidade.
Esse avanço, contudo, parece ter sido interrompido, exatamente porque alguns dos principais líderes políticos atuais, em especial aqueles em posição de comando no País, escolheram o confronto em vez da conciliação – isto é, abandonaram a política e entregaram-se ao jogo de soma zero, em que, para que um jogador ganhe, outro deve necessariamente perder.
O lulopetismo amarga hoje a cadeia, mas em seu lugar surgiu o bolsonarismo, tão deletério para a democracia quanto seu antípoda. O discurso bolsonarista é naturalmente desagregador, o que inviabiliza qualquer tentativa de alcançar um mínimo denominador comum entre os brasileiros. Ademais, o bolsonarismo extrai sua força das bolhas ideológicas alimentadas pelas redes sociais. Nelas, os militantes encerram-se em suas certezas, formando comunidades de milhares de pessoas em que a base da coexistência é a crença fanática naquilo que dizem seus líderes, não sendo admitida qualquer forma de contestação.
Nessas redes, sem as quais o bolsonarismo não teria sucesso, só circulam informações cuja função é confirmar a visão de mundo predominante do grupo. Ao mesmo tempo, muitos dos movimentos que se opõem a Bolsonaro estão igualmente limitados a seus cercadinhos virtuais, que também restringem informações que possam enfraquecer seus argumentos.
Como resultado disso, esses grupos violentamente antagônicos dificilmente conseguirão concordar sobre os fatos do mundo real. Ou seja, o senso comum daquilo que é verdade simplesmente deixa de existir.
Essa situação cria um significativo obstáculo para a democracia e para o exercício do poder e da cidadania. Se a sociedade está dividida de tal maneira que não consegue chegar a um acordo mínimo nem sequer sobre a realidade, então encontram-se inviabilizadas, de saída, quaisquer tentativas de formulação de políticas públicas amplas e efetivas. Afinal, só é possível travar um debate racional a respeito dessas políticas se os dados da realidade forem aceitos por todos os participantes.
Não é por acaso que líderes com vocação autoritária contestam as informações oficiais quando estas contrariam sua “verdade” e mobilizam as redes sociais para denunciar o que chamam de “fake news”. Autênticos democratas, por outro lado, são aqueles que admitem que a verdade não é aquela produzida por seu discurso, e sim pelos fatos da vida, e que esses fatos são passíveis de interpretações as mais diversas. A tarefa dos líderes é aceitar a legitimidade dessas visões distintas e trabalhar para encontrar algum entendimento.
Tal tarefa exige da sociedade que recupere o quanto antes o senso comum do que é a realidade, percebida a partir de informações cuja validade é aceita pela maioria das pessoas racionais. Sem isso, nenhuma governança é possível.
21 de setembro de 2019 | 03h00
O Brasil será um dos países com pior resultado econômico neste ano e em 2020, mesmo num quadro internacional de baixa atividade, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com tensões comerciais crescentes e muita incerteza, a economia mundial deve crescer apenas 2,9% neste ano e 3% no próximo, no desempenho mais fraco desde a crise financeira de 2008.
Uma recuperação gradual deve continuar no Brasil, com o crescimento ganhando impulso deste ano para o próximo. Juros mais baixos favorecem o consumo privado, e o progresso na implementação de reformas deve sustentar a confiança e o investimento, de acordo com o relatório.
Em contrapartida, o comunicado distribuído na quarta-feira pelo Copom, depois da decisão sobre os juros, menciona como risco importante a deterioração da economia global, uma avaliação corroborada no dia seguinte pelas estimativas da OCDE.
A disputa comercial entre Estados Unidos e China é um dos fatores mais importantes de insegurança, e quase certamente o mais notório. Uma escalada nesse confronto poderá ameaçar mais gravemente um comércio internacional já em retração. Mas o quadro de riscos inclui as incertezas de uma economia europeia já enfraquecida, os possíveis custos de um Brexit sem acordo entre Reino Unido e União Europeia, uma desaceleração mais forte da economia chinesa e novos desastres financeiros.
Concebidas para apoiar a recuperação econômica do mundo rico, políticas monetárias frouxas, mantidas há muitos anos, deram espaço à valorização talvez excessiva de ativos e a um endividamento perigoso de governos e de empresas.
Tudo isso se completa com tensões geopolíticas. Não há menção, no relatório, ao recente ataque a instalações petrolíferas da Arábia Saudita, mas o episódio é um claro exemplo dos perigos geopolíticos.
Mesmo com a “recuperação gradual” indicada pela OCDE, o Brasil ainda perderá posições na corrida mundial. Até a enfraquecida zona do euro deve fechar 2019 com expansão (1,1%) maior que a brasileira, apesar do crescimento zero estimado para a Itália e da previsão para a Alemanha reduzida de 0,7% para 0,5%. Três dos maiores emergentes, China, Índia e Indonésia, deixarão o Brasil mais para trás, avançando a taxas de 6,1%, 5,9% e 5%, respectivamente. No caso da Índia, considera-se o ano fiscal com início em abril.
As análises da OCDE continuam chamando a atenção para as dificuldades brasileiras mais evidentes, como o enorme desajuste das contas públicas, e também para problemas estruturais ainda sem solução à vista.
Destacam-se na lista a escassez de investimentos produtivos, as deficiências da infraestrutura, a baixa exposição da economia à concorrência internacional, a pobre formação educacional e a desigualdade muito acima dos padrões internacionais. No caso da desigualdade, sua redução foi interrompida, segundo observação feita em documento recentemente divulgado pela OCDE.
O governo poderia retirar desse estudo pelo menos um dado politicamente positivo: “As emissões de gases estufa permanecem bem abaixo da média da OCDE em termos per capita”. Mas há o risco de alguma autoridade interpretar esse comentário como desafio para atingir aquela média.
19 de setembro de 2019 | 03h00
O ministro da Economia, Paulo Guedes, continua em busca de uma reforma tributária, segundo ele mesmo anunciou. Sem poder ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a equipe econômica procura uma fórmula para livrar as empresas da contribuição previdenciária sem abrir um buraco nas contas da Previdência. Só isso? Sim, só isso ou bem pouco mais, segundo as informações até agora fornecidas pelo Executivo. As mudanças defendidas pelo ministro da Economia e pelo recém-demitido secretário da Receita, Marcos Cintra, podiam divergir em alguns detalhes, mas coincidiam em dois pontos fundamentais. As alterações dependiam, nos dois casos, de uma versão mais potente do chamado imposto do cheque, a extinta CPMF. Além disso, a desoneração da folha salarial das empresas seria, em qualquer dos casos, um dos objetivos centrais. Também se prometeu simplificar o sistema de impostos e contribuições, mas a grande utilidade da nova CPMF seria, mesmo, livrar os empregadores do custo previdenciário.
Em quase nove meses de governo, assim como durante a campanha eleitoral, o atual ministro da Economia nunca iniciou uma discussão ampla sobre os defeitos da tributação em vigor nem sobre a construção de um sistema funcional, favorável ao crescimento, à modernização e à integração do País ao mercado global e às cadeias de valor.
Mas tomaria um bom caminho se partisse de um projeto ambicioso, levando em conta a ideia de ampliação numa etapa seguinte. Algumas das maiores distorções do sistema estão no tributo estadual mais importante, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Seria necessário, por exemplo, pensar na desoneração completa das exportações, sem diferença entre produtos elaborados e os demais. A desoneração dos primários tem sido garantida com recursos da Lei Kandir, aquela lei, criada há mais de 20 anos, que, por incrível que pareça, foi concebida como solução provisória, para durar pouco tempo.
Mas ninguém, no governo federal, abriu um debate realmente amplo e bem informado sobre todo o sistema. Nem sequer chegou a propor com clareza uma articulação entre a sua reforma e qualquer mudança aplicável aos Estados. Dando um passo atrás: como se poderia conciliar, por exemplo, a nova CPMF com a tributação estadual? O tributo sobre movimentação financeira incidiria em cascata sobre o ICMS, como incidia o velho imposto do cheque?
Livrar empresas do encargo previdenciário é um objetivo muito pobre, até porque a criação de empregos depende infinitamente mais do crescimento econômico do que do barateamento das contratações. Compensar essa desoneração com o aumento de outros tributos – por exemplo, pela redução de isenções do Imposto de Renda Pessoa Física – poderá ter efeitos muito regressivos. Mas isso parece importar à equipe econômica tão pouco quanto a funcionalidade geral do sistema tributário.
18 de setembro de 2019 | 03h00
Um estudo da equipe econômica do governo federal obtido pelo Estado indica que as despesas obrigatórias vão crescer R$ 266,2 bilhões entre 2016 até o ano que vem, um ritmo mais acelerado do que o avanço do teto de gastos, corrigido pela inflação. Com isso, essas despesas atingirão 93% do total do Orçamento de 2020, comprimindo ainda mais as despesas discricionárias, isto é, relativas a custeio e investimento. Esse cenário reitera a necessidade urgente de revisão das despesas que o governo é obrigado a honrar, muitas das quais resultantes de determinações constitucionais. Sem essa mudança, a margem orçamentária do Estado para os tão necessários investimentos públicos tende a simplesmente desaparecer em poucos anos, condenando o País, na melhor hipótese, a uma prolongada estagnação econômica.
O mesmo acontece, mas em menor proporção, com a despesa obrigatória que envolve folha de pagamento do serviço público e encargos sociais. Esse tipo de despesa, que consumiu 20,6% do Orçamento em 2016, representará 22,8% do total em 2020.
Sem uma reforma ampla para reduzir as demandas orçamentárias inscritas na Constituição, a tendência é a deterioração acelerada da capacidade do Estado de realizar obras de infraestrutura e saneamento básico e de oferecer serviços de saúde e educação adequados para a população. Esse aspecto também aparece no estudo do governo. A despesa discricionária, isto é, o gasto que o governo pode fazer indiscriminadamente, cairá de 11,3% do total do Orçamento em 2016 para 7,1% em 2020.
É preciso considerar, ainda, que os gastos discricionários incluem as despesas de custeio, que se prestam basicamente à manutenção do funcionamento da máquina do Estado. A redução dos recursos disponíveis para os gastos discricionários, portanto, ameaça interromper os serviços do governo – o chamado shutdown. O cenário já é crítico em pelo menos 13 Ministérios e órgãos do governo federal, que podem vir a encurtar o expediente e suspender alguns de seus trabalhos, conforme mostrou recente reportagem do Estado. Em diversos órgãos, não há dinheiro sequer para pagar a conta de luz.
Essa situação tem servido para que a ideia de “flexibilizar” o teto de gastos ganhe ares de solução. Tal tese geralmente é esposada por aqueles que julgam que “gasto é vida”, conforme defendeu a petista Dilma Rousseff em sua ruinosa Presidência. Foi com base na ideia de que o governo pode gastar de forma ilimitada, na presunção de que esse gasto estimula o crescimento, que o País mergulhou na recessão e viu a renda nacional ser corroída – o exato oposto do paraíso de prosperidade que os advogados da irresponsabilidade fiscal prometem.
O teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer justamente como parte do esforço para reorganizar as contas públicas depois do cataclismo dilmista, visa a demonstrar quais são os limites orçamentários do Estado e, por conseguinte, a necessidade de o governo ser mais seletivo na escolha das prioridades nacionais. Trata-se de um avanço civilizatório para um País que foi levado por seus dirigentes políticos a imaginar que o dinheiro público é infinito – e as diversas vinculações orçamentárias determinadas pela Constituição são prova dessa mentalidade.
Um momento de crise como este é uma boa oportunidade para uma discussão adulta sobre os gastos públicos. A evolução vegetativa das despesas obrigatórias, já fartamente demonstrada, está no centro dos problemas fiscais do País, e já passou da hora de tratar desse problema sem demagogia.
16 de setembro de 2019 | 03h00
A reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados trouxe de volta a questão sobre o pacto federativo. Em artigo publicado no Estado (Tributação em números, 12/9/2019), o senador José Serra (PSDB-SP) lembrou que, “do ponto de vista tributário, o Brasil é o país federativo mais descentralizado do mundo. (...) De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municípios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos países federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos”.
Observa-se, ao mesmo tempo, a crônica hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados. Ainda que a Constituição tenha assegurado aos Estados e municípios autonomia para resolver as questões locais, com frequência faltam-lhes meios para um governo de fato livre e responsável.
Tal situação é vista, por exemplo, nos debates sobre a ampliação do alcance da reforma da Previdência, para abranger também Estados e municípios. Não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos entes federados, mas é muito conveniente que o faça, diante das dificuldades políticas para que esses entes alterem seus sistemas de aposentadoria.
“Na Federação brasileira ainda proliferam casos de dependência e irresponsabilidade fiscal”, afirmou o senador José Serra, alertando para o fato de que “uma descentralização adicional de receitas sem condicionantes adequados pode criar ineficiências que corrompem a qualidade do gasto público e a própria autonomia dos entes federativos. Alguns indicadores a esse respeito são a baixa arrecadação municipal nas bases do IPTU e do ISS e a ociosidade de recursos destinados a projetos específicos, inclusive de emendas parlamentares”.
Eis um ponto extremamente preocupante. Em vez de apoiar e fortalecer a realidade local, o sistema federativo tal como previsto pela Constituição de 1988 tem sido ocasião para aumentar ainda mais a hipossuficiência dos entes federados.
“Alguns Estados e municípios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos”, escreveu José Serra.
A impressão é que se está diante do pior dos mundos. Têm-se todos os custos e complexidades inerentes a um sistema federativo e, ao mesmo tempo, não se aproveitam os benefícios que esse sistema deveria gerar. Diante desse panorama, é grande a pressão para que o Congresso adote soluções de curto prazo, diminuindo a autonomia dos entes federados. Em vez de resolver satisfatoriamente as questões relativas ao pacto federativo, essa tendência de mitigar a Federação acaba, no entanto, por ampliar suas contradições.
O sistema federativo tem muitas potencialidades, especialmente para um país tão extenso e variado como o Brasil. Mas, para obter seus melhores dividendos, é necessário não trocar a autonomia e a consequente responsabilidade dos entes federados por remendos centralizadores. O aprendizado com essas três décadas de Constituição deve levar a um aperfeiçoamento da Federação, e não ao seu abandono.
14 de setembro de 2019 | 03h00
A dinâmica política que levou a reforma da Previdência para o topo da agenda nacional, tornando-a aceitável e até mesmo desejável para muitos eleitores e parlamentares que nem sequer podiam ouvir falar desse assunto há não muito tempo, é a mesma que parece empurrar outra reforma crucial, a do Estado, para o centro das atenções. Já não era sem tempo.
A questão atingiu dimensão tal que não é mais possível falar apenas em uma reforma administrativa, como as que foram tentadas nos anos 80 e 90. Não se trata somente de pôr cobro a exagerados benefícios do funcionalismo público nem tampouco de remodelar a estrutura burocrática, mas sim de repensar os diversos aspectos da relação entre administração e sociedade. Esse debate deve se dar à luz das cada vez mais evidentes restrições fiscais, que ameaçam inviabilizar o funcionamento do Estado e que reduzem ano a ano os investimentos públicos destinados a melhorar a infraestrutura do País e a estimular a economia.
As vacas magras finalmente começam a obrigar alguns administradores públicos a delimitar as verdadeiras prioridades do País, pois a alternativa é o colapso. Não se pode mais aceitar que haja privilégios a servidores públicos bem remunerados enquanto faltam recursos para oferecer o básico - principalmente saúde, educação, transporte e saneamento básico - à população de baixa renda. Tampouco se pode continuar a admitir ou desejar que o Estado, em nome do desenvolvimento de setores ditos “estratégicos”, drene recursos públicos para se envolver em atividades econômicas que podem perfeitamente ser desempenhadas pela iniciativa privada.
Um Estado eficiente está longe de ser sinônimo de Estado grande. Já está provado que, quanto maior é a estrutura do Estado, maiores são as oportunidades para a corrupção e o desperdício. A burocracia é parte da necessária estrutura para o exercício da regulação estatal, mas deve ser enxuta e inteligente, para cumprir seu papel sem prejudicar aqueles que pretendem empreender e gerar empregos.
Uma reforma nessa seara deve, portanto, reduzir as exigências burocráticas e requalificar o serviço público, premiando a produtividade e tornando mais seletiva a ascensão ao topo das carreiras do funcionalismo. Nesse contexto, faz todo o sentido o debate atual em torno da necessidade de facilitar a demissão de servidores públicos e de reduzir salários iniciais. A reação dos representantes de servidores, é claro, não tardou: uma frente parlamentar “em defesa do serviço público” já está se mobilizando para tentar impedir a reforma - ou o “desmonte do setor público”, como dizem os sindicalistas mais exaltados.
Certamente será nesse clima beligerante que as discussões sobre essa reforma vão se dar, e é por esse motivo que o governo fará bem se deixar de tratar o tema sob o aspecto ideológico, pois isso tende a crispar ainda mais os ânimos. Assim como ocorreu no bem-sucedido debate sobre a reforma da Previdência, o redimensionamento do Estado deve ser apresentado por seu aspecto eminentemente técnico e econômico. Se o governo Bolsonaro, até agora pouco atuante, quiser realmente colaborar para o sucesso dessa empreitada, deve primeiro abandonar a ladainha palanqueira, que só serve para alimentar bate-bocas estéreis.
12 de setembro de 2019 | 03h00
O vigor do comércio em julho, uma boa surpresa no meio de tantas notícias negativas, pode ser mais um sinal de reação do organismo econômico. As lojas do varejo venderam naquele mês 1% mais que em junho, puxadas principalmente pelos supermercados, e 4,3% mais que um ano antes. Os novos números trazem fortes indícios de intensificação do consumo. Em 12 meses o volume vendido foi 1,6% maior que o do período anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A referência ao mercado de trabalho pode surpreender, inicialmente, porque 12,6 milhões de pessoas, 11,8% da força de trabalho, permaneciam desempregadas no trimestre encerrado em julho, também de acordo com o IBGE. Mas o mesmo balanço das condições de emprego apontou o ingresso de cerca de 1,2 milhão de pessoas na população ocupada, naquele trimestre, e foi este o detalhe mencionado pela gerente da pesquisa mensal do comércio varejista.
Convém levar em conta esses detalhes ao avaliar os sinais de melhora da economia brasileira. Também é preciso lembrar o mau desempenho da indústria neste ano. Em julho, a produção industrial foi 0,3% menor que a de junho e 2,5% inferior à de um ano antes. Em 12 meses houve um recuo de 1,3%. Talvez os números de agosto mostrem algum efeito da reação do varejo, mas faltam dados para qualquer aposta razoavelmente segura em relação a esse ponto.
Mesmo no governo há pouco otimismo quanto às possibilidades de reação industrial, neste ano, como indicam as últimas avaliações publicadas pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia. Embora projetando alguma recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de setembro, a secretaria estima para a indústria, no terceiro trimestre, uma produção 0,4% inferior à do segundo.
Na próxima semana o Banco Central (BC) deverá anunciar uma nova decisão sobre a taxa básica de juros. No mercado financeiro, os analistas mais comedidos dão como certo um corte de 0,25 ponto porcentual. Muitos apostam numa redução de 0,5 ponto. Hoje a Selic, a taxa básica, está em 6%.
Se os juros voltarem a cair, poderá haver algum estímulo adicional ao consumo. Os primeiros saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) também poderão adicionar algum ânimo aos consumidores. A permissão de saques do Fundo e do PIS-Pasep é o primeiro lance da equipe econômica a favor de uma reanimação dos negócios. A combinação de juros mais baixos e de saques poderá produzir algum efeito. Mas as projeções oficiais, assim como as do mercado, continuam apontando crescimento muito modesto neste ano e no próximo. Segundo essas projeções, o PIB crescerá menos de 1% em 2019 e pouco mais de 2% em 2020.
Restam como dados positivos, até agora, o aumento da população ocupada e a reação do consumo apontada pelo balanço de julho. Os poucos sinais positivos indicam uma reação meramente orgânica, porque a equipe econômica pouco fez de concreto para injetar alguma energia na produção. Agora se fala em medidas para mover o programa Minha Casa Minha Vida, importante fonte de empregos e de difusão de demanda para vários segmentos industriais. Alguma rapidez na execução desse plano será muito bem-vinda.
11 de setembro de 2019 | 03h00
A confusão de enigmáticas formulações que o vereador Carlos Bolsonaro frequentemente publica em suas redes sociais, especialmente no Twitter, costuma ser motivo de troça. No entanto, poucas vezes o “02” foi tão claro como na segunda-feira passada. “Por vias democráticas”, escreveu, “a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos.”
No Palácio do Planalto, dois auxiliares do presidente disseram ao Estado que “o que Carlos fala não se escreve”. Um ministro de Estado classificou a postagem do vereador como “uma maluquice”. É um erro fazer pouco-caso de tão vil afirmação. É um erro banalizar o absurdo. Todas as vozes em favor da lei, da liberdade e da democracia devem se levantar em horas como essa.
Fosse qualquer amalucado publicando seus desatinos liberticidas na internet – e os há aos montes –, não haveria razões para preocupação. Mas quem veio a público flertar com o golpismo não foi um qualquer, foi um dos filhos do presidente da República, alguém que tem acesso direto a ele e é ouvido a qualquer hora com especial atenção. É muito importante, pois, que o País saiba como seu presidente recebe a grave assertiva de Carlos Bolsonaro.
A declaração do vereador mereceu o repúdio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Frases como essa colaboram muito com a insegurança dos empresários brasileiros e estrangeiros de investir no Brasil. A conta de nossas frases é paga pelo povo mais pobre. Cada um de nós tem de refletir e tomar muito cuidado com o que diz”, disse Maia.
A reação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), à fala de Carlos Bolsonaro foi no sentido de fortalecer a democracia representativa. “No Parlamento brasileiro, a democracia está fortalecida. As instituições estão pujantes, trabalhando a favor do Brasil. Então, uma manifestação ou outra em relação a esse enfraquecimento tem de minha parte o desprezo”, disse Alcolumbre quando perguntado sobre a afirmação de Carlos.
O presidente em exercício, Hamilton Mourão, também veio a público afirmar que “a democracia é fundamental” e que há de se “negociar com a rapaziada do outro lado da Praça (dos Três Poderes). É assim que funciona (no regime democrático). Com clareza, determinação e muita paciência”.
As manifestações das três autoridades foram muito importantes para reassegurar que há gente responsável em Brasília, ciosa do poder que têm suas ações e palavras. Os valores do Estado Democrático de Direito precisam ser defendidos a todo tempo, a qualquer preço. Um golpe contra as instituições democráticas não deixa de ser abjeto só porque não foi levado a cabo. A sua simples sugestão é um caso de lesa-pátria.
Diante da repercussão negativa de sua declaração – não sem razão –, Carlos Bolsonaro veio a público dizer que sua intenção foi acalmar quem exige do governo federal rapidez na mudança nos rumos do País, enfatizando que, “por vias democráticas”, tais mudanças demoram a produzir resultados. Faltou explicar que mudanças são essas e quem as almeja. Ao fim e ao cabo, a culpa, como de hábito, recaiu sobre os jornalistas “canalhas”, incapazes de interpretar corretamente o que quis dizer o vereador. A mensagem, no entanto, foi bem clara. Carlos Bolsonaro é tido como exímio manipulador das redes sociais. Sabia de antemão da gravidade do que escreveria e da repercussão que sua fala teria nas hostes bolsonaristas na internet.
A família Bolsonaro nunca foi particularmente conhecida por sua defesa da liberdade e dos valores democráticos. Por essa razão, é imprescindível que o patriarca, ainda no hospital, faça os devidos reparos ao filho para que não pairem dúvidas sobre o destino que pretende dar a seu governo.
09 de setembro de 2019 | 03h00
Ainda que parte considerável das forças da esquerda queira partir para o revanchismo, em relação tanto ao resultado das urnas como a decisões da Justiça, é cada vez mais evidente que ela não consegue levar adiante o seu intento. O problema não é que a agenda dos partidos de esquerda seja anacrônica - ela é absolutamente incompatível com o temperamento dos brasileiros e com a realidade política e social do País.
O fenômeno que ocorre com as extremas, da esquerda e da direita, tem, no entanto, consequências daninhas para todo o País. Diante do inevitável fracasso de suas respectivas pautas, os apoiadores de cada lado tendem a aumentar seu extremismo, imaginando que a inoperância de suas agendas é causada pela aplicação mitigada ou imperfeita de suas propostas e ideias. Nessa lógica, a solução residiria em aumentar a intensidade do radicalismo - e esta é a melhor receita para extirpar da vida política e social do País qualquer vestígio de racionalidade.
Tal polarização afasta interlocutores inteligentes e produtivos e leva os grupos militantes à infertilidade dos diálogos consigo mesmos, com drásticos prejuízos políticos, econômicos e sociais para todo o País. Diante desse cenário, impõe-se um diagnóstico lógico e cristalino: os problemas nacionais encontram-se desprovidos de resposta. E, caso o debate público continue interditado por grupos militantes extremistas, esses problemas permanecerão sem resposta.
O País precisa urgentemente de caminhos concretos, com propostas de curto, médio e longo prazos, para enfrentar os prementes desafios do crescimento econômico, do emprego, da educação, da saúde, do saneamento e de tantas outras áreas. Essas soluções não virão, no entanto, por passe de mágica. Elas são decorrência do estudo, do diálogo e da negociação - e os grupos militantes extremistas não estão dispostos a percorrer nenhuma dessas etapas. Esse é o grande drama da polarização - inviabiliza as soluções.
A polarização tem atrapalhado o governo do presidente Jair Bolsonaro. É nítida sua dificuldade para apresentar propostas para os problemas reais, bem como para estabelecer com as diversas forças políticas um diálogo capaz de gerar soluções. Ao longo desses oito meses de governo, ele optou por privilegiar uma pauta ideológica, dirigindo sua ação e seu discurso a um grupo cada vez mais restrito de seguidores. Em vez de colocar o seu governo a serviço de todos os brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro aninhou-se numa ponta do espectro político, o que causa prejuízos não apenas internamente, mas também nas relações do Brasil com a comunidade internacional.
A população já percebeu esse modo de proceder do presidente Bolsonaro e está cada vez mais insatisfeita, como se vê pelas pesquisas de opinião. Mas a oposição que poderia corrigir os desvios do governo mal existe. Governo e oposição, imersos em suas concepções reducionistas, não estão preocupados com a realidade e muito menos em dar resposta aos problemas reais. O País fica à deriva.
07 de setembro de 2019 | 03h00
São tempos de fato esquisitos. O estrito cumprimento de uma competência privativa do presidente da República – a indicação de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República – foi visto por alguns procuradores como uma afronta à autonomia do Ministério Público da União (MPU). A crítica em razão de a escolha do presidente Jair Bolsonaro não ter recaído sobre um dos três nomes apresentados por uma entidade privada indica a confusão instalada na cabeça de quem, por ofício, tem o dever de zelar pela ordem jurídica.
A Carta Magna também define quais as condições que o presidente da República deverá seguir nessa indicação. “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, estabelece o art. 128, I da Constituição.
Trata-se de um verdadeiro absurdo jurídico que, de tanto ser repetido, parece ter adquirido status de verdade. Não há nenhuma previsão legal para que o presidente da República fique restrito, na indicação do procurador-geral da República, à lista tríplice redigida pela ANPR. No entanto, alguns procuradores alardeiam precisamente o contrário, como se a escolha fora da lista desrespeitasse o Ministério Público. “A autonomia institucional do Ministério Público Federal corre claro risco de enfraquecimento diante da desconsideração da lista tríplice”, disse o subprocurador-geral Mário Bonsaglia ao Estado.
Esse raciocínio é perigoso, pois coloca em risco precisamente a autonomia do Ministério Público. Tendo em vista que a lei não prevê a tal lista tríplice da ANPR, restringir a escolha do procurador-geral da República à lista tríplice é sujeitar a instituição – que é órgão de Estado e deve servir a toda a sociedade – ao capricho de alguns de seus membros.
A autonomia do Ministério Público está precisamente em subordinar o seu funcionamento apenas à lei. E a lei leva muito a sério essa autonomia. Basta ver que a Constituição define que o procurador-geral da República só pode ser destituído antes do término do mandato mediante a autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
Nos últimos anos, no entanto, tem-se visto a insistente tentativa de capturar o Ministério Público para finalidades corporativas. E a manobra consiste, precisamente, em transformar a autonomia da instituição em sinônimo de irrestrita subordinação aos desejos de seus membros. Assim, em vez de ser uma instituição republicana, o Ministério Público adquire contornos de corporação de ofício, de sindicato. São realidades muito distintas.
O País precisa de um Ministério Público verdadeiramente autônomo, sujeito apenas à lei. Ele não deve estar subordinado a nenhum interesse particular – seja do presidente da República, seja de um grupo de procuradores, seja de uma entidade associativa. Apenas assim, sem nenhum cabresto imposto por manobras corporativas, é que o Ministério Público terá condições de cumprir sua constitucional incumbência de defesa da ordem jurídica. Aqui não cabem transigências.
06 de setembro de 2019 | 03h00
Recuando mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro decidiu defender a manutenção do teto de gastos, em vez de propor o afrouxamento da regra orçamentária. Romper o teto seria “abrir uma rachadura no casco do transatlântico”, afirmou ele, ontem de manhã, em sua conta no Twitter. Como em outras ocasiões, o recuo foi acertado. No dia anterior, quarta-feira, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, havia dado à imprensa uma informação diferente. Segundo ele, o governo estudava medidas para mexer na restrição e aumentar as despesas sem elevar impostos. O presidente, segundo informou o Estado, tinha ido ao Ministério da Economia para conversar sobre o assunto com o ministro Paulo Guedes. A mensagem postada na manhã seguinte mostrou, sem acrescentar explicação, uma saudável mudança de propósito.
A solução para as finanças públicas, disse o presidente na mensagem de ontem cedo, é reduzir despesas e combater fraudes e desperdícios. “O Brasil vai dar certo. Parabéns a nossos ministros pelo apoio às medidas econômicas do Paulo Guedes”, acrescentou.
Em quase nove meses de mandato o presidente Jair Bolsonaro nunca deu sinal de alguma competência administrativa. Seus atos mais vistosos têm denotado, de forma repetida, uma grave confusão entre governar e dar ordens como um chefete voluntarioso. Mostram também uma persistente mistura entre vida pessoal e vida político-administrativa.
Se tivesse noções um pouco mais claras de como administrar, e, portanto, de como governar, ele teria evitado uma porção de recuos. Teria de fato escolhido ministros dando mais peso à competência do que ao alinhamento ideológico e religioso. Teria consultado assessores antes de opinar, de prometer e de tomar decisões.
Seguindo esse padrão, teria conversado seriamente com Paulo Guedes antes de insinuar qualquer mexida na regra do teto. Teria sido cauteloso, em vez de anunciar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém. Acabou recuando nesse caso, alertado, finalmente, do risco de comprometer exportações para países muçulmanos. Teria evitado, nos Estados Unidos, acusar de más intenções a maioria dos imigrantes, para depois se retratar. Nem teria cogitado de mencionar, como em janeiro, a possível instalação, no Brasil, de uma base militar americana.
A recuar da intenção de mexer no teto de gastos, o presidente repetiu um quase ritual. Acertou, como em outras ocasiões. Mudar de ideia, quando necessário, é elogiável. Mas por que recuar tantas vezes? Também elogiável, e muito mais prudente, é pensar antes de falar, consultar quem conhece cada assunto e, no caso de um governante, distinguir os verbos mandar e governar e jamais confundir autoridade com autoritarismo.
05 de setembro de 2019 | 03h00
Seria um erro mudar a regra do teto de gastos, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ele está certo. Cuidar da despesa é muito mais importante, mais produtivo e menos perigoso, neste momento, do que relaxar o controle das finanças públicas. Afrouxar o limite seria esconder o problema, em vez de tentar resolvê-lo, ponderou o deputado. Esse comentário vale como defesa da seriedade. O governo mal começou a arrumação de suas contas e será preciso alcançar resultados sólidos, nos próximos anos, antes de relaxar. Será fundamental mexer na composição da despesa e, como parte do esforço, na qualidade da administração.
As pressões têm partido principalmente da Casa Civil e de grupos militares próximos do presidente da República, segundo informou o Estado na edição de quarta-feira. A equipe econômica tem resistido.
Criado por emenda constitucional no governo do presidente Michel Temer, o teto de gasto tem sido um importante fator de disciplina fiscal. Pela regra, o aumento da despesa de um exercício para outro pode corresponder no máximo à inflação do ano-base. Não há, portanto, crescimento real.
Essa limitação deve contribuir, em princípio, para o reequilíbrio das contas e para a obtenção, dentro de alguns anos, de superávits primários. Com esse dinheiro o governo poderá liquidar pelo menos os juros e conter a expansão da dívida pública, muito grande pelos padrões internacionais.
Nenhum avanço no conserto das contas públicas será suficiente sem uma revisão dos gastos e de seus critérios. Para tornar o Orçamento mais flexível será necessário eliminar as vinculações entre receitas e aplicações e tornar a administração mais eficiente. Isso permitirá, por exemplo, mudar a destinação de recursos de acordo com a evolução das prioridades. Também será conveniente mexer nas normas de administração de pessoal, tornando-as menos engessadas, mas sem facilitar a politização de admissões e demissões.
Reformas como essas deverão envolver muito debate e muitas pressões, principalmente corporativas, mas nunca se avançará o suficiente sem cuidar desses assuntos.
A curto prazo, o governo terá de continuar enfrentando as dificuldades associadas ao teto. Se for indispensável, será possível, de acordo com a regra em vigor, recorrer aos chamados gatilhos para conter os gastos com servidores. A regra do teto já contém um remédio para aliviar as dificuldades em casos muito especiais.
A situação seria menos complicada se o governo tivesse cuidado mais cedo de providenciar algum estímulo ao consumo e ao crescimento. Demorou muito para pensar em algo como a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do PIS-Pasep. Um pouco mais de animação nos negócios teria reforçado a arrecadação e pelo menos atenuado os problemas orçamentários.
A equipe econômica deve ter consciência de um risco especialmente importante: qualquer ensaio de mexida no teto poderá desencadear pressões muito fortes para aumento de despesas. Será muito fácil apresentar listas enormes de gastos importantes e urgentes. Se os defensores do ajuste cederem, o desastre poderá ser enorme. O governo adicionará a um primeiro ano economicamente muito ruim a recaída no descontrole das contas públicas.
04 de setembro de 2019 | 03h00
Setembro deve ser o mês da virada, o retorno do País à trajetória de recuperação, segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Os números de julho e agosto “inspiram cuidado”, mas a fase ruim deve ter acabado em agosto, disse ele em Brasília, num seminário sobre Reformas para o Crescimento. Enquanto o secretário discursava, o mercado era informado oficialmente de mais um tombo da indústria. A produção industrial caiu 0,3% de junho para julho, na terceira queda mensal consecutiva, e ficou 2,5% abaixo do nível de um ano antes. Os números da indústria em julho decepcionaram quem esperava uma reação mais forte no começo do segundo semestre. Pior que isso, deram mais um argumento a quem ainda prevê para o setor uma expansão próxima de zero em 2019. Pela última projeção do mercado, publicada pelo Banco Central (BC), a produção industrial crescerá apenas 0,08% neste ano.
Perdas acumuladas em 12 meses têm sido predominantes desde julho do ano passado. A perda de vigor vem sendo observada, portanto, desde o meio de 2018, especialmente nas comparações de desempenho entre períodos anuais.
A produção industrial tem sido travada pelo consumo interno, ainda muito baixo, e pela demanda externa, prejudicada pelas tensões no mercado internacional e principalmente pela recessão argentina.
Sobre o comércio exterior já estão disponíveis dados de agosto, publicados na segunda-feira pelo Ministério da Economia. Em agosto, as exportações de industrializados, no valor de US$ 8,5 bilhões, foram 17,9% menores que as de um ano antes, pela média dos dias úteis. Essa perda é explicável principalmente pelas vendas externas de manufaturados, de US$ 6,2 bilhões, 25,8% inferiores às de agosto do ano passado. As exportações para a Argentina, já em queda no ano passado, continuaram caindo rapidamente.
O valor vendido em agosto para o mercado argentino ficou em modestíssimos US$ 793 milhões, valor 37,7% menor que o de um ano antes. De janeiro a agosto os embarques para lá somaram US$ 6,8 bilhões, com recuo de 39,7% em relação ao valor de um ano antes. A Argentina tem sido por muitos anos, na lista de países, o terceiro maior mercado para produtos brasileiros. Suas importações do Brasil são constituídas principalmente de bens industrializados, com grande participação de produtos do setor automobilístico.
Pelo menos um relatório mostrou sinais de melhora na atividade em agosto. Foi a pesquisa da consultoria IHS Markit com gerentes de compras da indústria. O levantamento indicou produção em alta, contratação de mão de obra e aumento de estoques de matérias-primas e bens intermediários. Mas ainda será preciso esperar semanas pelos dados do IBGE. Além disso, é difícil dizer se uma reação em agosto, depois de meses com resultados muito fracos, terá sido o início de uma recuperação com algum fôlego. Instalado há nove meses, o governo do presidente Jair Bolsonaro continua incapaz de tornar muito menos enevoado o cenário econômico deste ano e do próximo. Se a economia se mexe, é por mera reação orgânica de empresas e consumidores.
02 de setembro de 2019 | 03h00
Apesar dos enormes efeitos que as mudanças demográficas podem ter, por exemplo, sobre o clima, a geopolítica e o capitalismo, o assunto é muito pouco discutido. “Se o mundo no futuro tiver menos pessoas, será possível ter algum crescimento econômico real? Não apenas estamos despreparados para responder a essa pergunta, não estamos nem começando a nos perguntar”, afirma Zachary Karabell.
Mesmo que não se saiba com segurança o que ocorrerá no futuro, os dados atuais já revelam, no entanto, que o paradigma de expansão da população utilizado nos dois últimos séculos não serve mais. “Chama a atenção que o declínio da população esteja se tornando um fenômeno global quase tão rapidamente quanto o boom populacional do século 20. As taxas de fecundidade na China e na Índia, que juntas respondem por quase 40% das pessoas do mundo, estão agora no nível de reposição ou abaixo dele. O mesmo acontece com as taxas de fecundidade em outros países populosos, como Brasil, Malásia, México e Tailândia.”
Zachary Karabell lembra que a deflação demográfica pode ter um efeito positivo sobre o aquecimento global. “Dado que as emissões de carbono são resultado direto de mais pessoas necessitando e exigindo mais material – de comida e água a carros e entretenimento –, se houver menos pessoas, haverá menor demanda.”
Mas se a diminuição da população mundial é positiva para o clima, ela pode ser profundamente desafiadora para o sistema capitalista – e aqui está o cerne da reflexão do artigo de Zachary Karabell. “O capitalismo é, essencialmente, um sistema de maximização – mais produção, mais bens e mais serviços. (...) Se a população global parar de se expandir e começar a diminuir, o capitalismo – um sistema que está implicitamente baseado em um número cada vez maior de pessoas – provavelmente não será capaz de prosperar em sua forma atual. O envelhecimento da população elevará o consumo de certos bens, como os cuidados com a saúde, mas, em geral, o envelhecimento e a diminuição da população acarretarão uma diminuição do consumo”, afirma Zachary Karabell.
Se essa mudança de paradigma é por si só desafiadora, ela traz ainda maiores desafios para países como o Brasil, que não conseguiram, nem mesmo no paradigma demográfico anterior – de população crescente e jovem –, alcançar um patamar mínimo de riqueza e de produtividade. Agora, com uma população mais velha e menos jovens, tudo indica que será ainda mais difícil. Como alerta Zachary Karabell, “se não estamos bem preparados para um mundo com mais pessoas, estamos totalmente despreparados para um mundo com menos gente”. É urgente abrir os olhos para a realidade.
31 de agosto de 2019 | 03h00
O Brasil continuará empacado, por muitos anos, se depender de investimento federal para crescer. Os R$ 49,9 bilhões investidos pelo governo central nos 12 meses até julho foram menos de metade do valor aplicado no período encerrado em julho de 2014, ou R$ 102,7 bilhões. Este foi o pico da série histórica. Calculados a preços de julho de 2019, esses valores foram recém-divulgados pelo Tesouro Nacional. Nos 12 meses findos em julho deste ano o investimento da União correspondeu a 0,71% do Produto Interno Bruto (PIB). No topo, a equivalência foi de 1,34%.
A receita líquida, de R$ 738,80 bilhões, ficou 3,9% acima da contabilizada entre janeiro e julho de 2018, mas foi totalmente consumida, como tem ocorrido há alguns anos, pelos gastos obrigatórios, puxados principalmente pelas despesas previdenciárias.
Esses números são calculados e divulgados pelo Tesouro Nacional. O balanço das contas públicas elaborado pelo BC, com critério diferente e amplitude maior, também mostra um quadro muito complicado, com o setor público forçado a conter gastos severamente para se manter nos limites e frear a expansão de uma dívida já excessiva.
Nos cálculos do BC o resultado é medido como necessidade de financiamento dos entes públicos. As contas abrangem o governo central, os governos estaduais e municipais e parte das empresas federais (sem Petrobrás e Eletrobrás).
Nesse tipo de balanço, o conjunto do setor público teve déficit primário de R$ 2,76 bilhões em julho, de R$ 8,50 bilhões no ano e de R$ 98,94 bilhões em 12 meses. Os números mais feios são normalmente os do governo central, gravemente prejudicados pelos gastos do INSS. Exemplo: neste ano, o Tesouro Nacional e o BC tiveram, somados, superávit primário de R$ 85,03 bilhões, mas o déficit previdenciário de R$ 111,11 bilhões anulou esse resultado e ainda sobrou um buraco de R$ 26,08 bilhões. O desastre das contas primárias foi atenuado por números positivos dos governos subnacionais e das estatais (https://www.bcb.gov.br/
Somando ao resultado primário os juros devidos, chega-se ao saldo nominal do setor público em conjunto. O rombo total chegou a R$ 217,11 bilhões em 2019 e a R$ 457,99 bilhões em 12 meses. Esta soma corresponde a 5,29% do Produto Interno Bruto estimado para o período pelo BC. Poucos países – desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento – têm acumulado resultados tão ruins.
Enquanto isso, a dívida pública aumenta. Para frear esse aumento o setor público precisa de superávit primário, isto é, de uma sobra suficiente para pagar pelo menos uma parte dos juros e deter o efeito de bola de neve. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou ao governo prometendo zerar o déficit primário em um ano. Hoje nem o governo espera contas primárias no azul antes de 2022 ou 2023. O presidente Jair Bolsonaro completará seu mandato, portanto, com as contas públicas ainda em condição precária e sem dinheiro para investimentos bancados pelo Tesouro.
Em julho, a dívida bruta do governo geral, formado pelos três níveis da administração, chegou a R$ 5,54 trilhões, ou 79% do PIB. Em dezembro a proporção ainda era de 77,2%. A dívida continuará a crescer, mesmo com a reforma da Previdência, porque o gasto previdenciário também seguirá aumentando, embora mais devagar.
Tudo isso reforça os motivos para apressar a participação privada nos investimentos em infraestrutura. Rapidez, nesse caso, é mais um desafio para a administração do presidente Jair Bolsonaro.
29 de agosto de 2019 | 03h00
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular a condenação do ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine, por considerar que houve cerceamento do direito de defesa, manifesta o quão problemático pode ser a importação, sem os devidos cuidados, da figura da colaboração premiada para o processo penal brasileiro. É urgente que o Congresso revise e aprimore a legislação sobre a delação.
No caso analisado pelo STF, o então juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ao concluir a instrução processual, abriu prazo comum para que os réus apresentassem suas alegações finais. A defesa de Aldemir Bendine pediu que seu cliente pudesse apresentar sua manifestação após os réus colaboradores, o que foi negado pelo juiz.
O Código de Processo Penal, que é anterior à importação da figura da delação, não prevê a distinção de prazo entre as alegações finais de réus colaboradores e as de não colaboradores. A lei estabelece simplesmente que a defesa tem direito a apresentar suas alegações finais após a acusação. O assunto não é simples, seja porque uma delação pode não trazer conteúdo acusatório contra outros réus naquele processo – não havendo motivo para prazos diferentes –, seja porque o réu colaborador também tem direito à defesa – e eventualmente as alegações finais do réu não colaborador podem afetar negativamente o réu colaborador.
O ponto incontestável é que a delação, tal como foi introduzida no Direito brasileiro, afeta nevralgicamente o direito ao contraditório, o que parece não ter sido levado em consideração no momento em que se incorporou a figura da colaboração premiada à prática local. Basta ver que, ao contrário de outros países, aqui a delação pode ser feita em qualquer momento do processo penal – o que é um evidente contrassenso. Uma ação penal, seja qual for o seu estágio, pode ter sua dinâmica profundamente modificada em virtude da delação de um dos réus, o que envolve diretamente o direito de defesa dos outros réus.
A delação pode ser muito eficaz como instrumento de investigação, mas é necessário não ignorar os muitos efeitos que ela traz para o processo penal. Vale lembrar que a delação nasceu num sistema de justiça completamente diferente do brasileiro, com outros princípios e procedimentos. Daí a importância de um exame cuidadoso sobre as consequências da colaboração premiada no Direito brasileiro, aprimorando suas regras.
Se a decisão da Segunda Turma do STF joga luz sobre um problema ainda não bem resolvido – os efeitos da delação sobre o direito ao contraditório –, a reação de membros da Lava Jato à decisão do Supremo põe também a descoberto outro grande equívoco. A Lava Jato não é uma instituição de poder. Ela é uma estrutura administrativa, composta de funcionários públicos que devem cumprir suas atribuições funcionais. Não lhes cabe exercer pressão política ou colocar a opinião pública contra o Judiciário. Além do mais, o argumento de que a decisão do STF pode conduzir a uma série de nulidades de outras ações só reforça a importância de os processos e investigações serem conduzidos estritamente dentro da lei. Quando a Justiça precisa anular trabalhos mal feitos, o problema não é da Justiça, e sim de quem não seguiu o bom Direito.
28 de agosto de 2019 | 03h00
Sem dinheiro para o essencial e economizando até em serviços de pronto-socorro, o governo federal batalha para fechar o ano sem aumentar o buraco de suas contas. A ideia é catar dinheiro onde for possível para evitar uma paralisia maior da administração. Mas está difícil. O próprio Ministério da Economia corta a luz às 18 horas e quem não concluiu seu trabalho, que o faça à luz de lanternas. O novo lance do ministro da Economia, Paulo Guedes, é conseguir R$ 13 bilhões da Caixa e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em poucas semanas, como antecipação de dividendos. Com isso, calcula-se, o Tesouro poderá soltar alguns trocados para manter a máquina em funcionamento. Sem receita extra, será preciso pedir ao Congresso a alteração da meta fiscal: não haverá como respeitar o limite de R$ 139 bilhões para o déficit primário de 2019. Esse déficit é calculado sem a conta dos juros vencidos.
No começo de julho, num balanço aparentemente realista, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, apresentou uma previsão muito mais modesta que qualquer promessa de campanha. Mesmo com “tudo dando certo”, o superávit primário só deverá ocorrer de novo em 2023. Se essa estimativa se confirmar, o atual mandato presidencial será encerrado com as contas primárias ainda em vermelho.
Na primeira semana de julho as perspectivas já eram bem piores do que no começo do ano, quando o presidente e sua equipe ocuparam seus postos. O quadro continua muito feio, apesar de alguns sinais, ainda fracos, de reação dos negócios. Com a economia muito fraca, a receita ficou longe do volume previsto na programação financeira. Algum avanço na arrecadação tem ocorrido, mas decorre principalmente de fatores fora da rotina.
O governo continua apostando em eventos excepcionais, como receitas de licitações e de privatizações para reforçar suas finanças. Se houve algum ajuste, foi muito limitado. A maior parte da contenção de gastos foi emergencial. No primeiro semestre os gastos – incluídos custeio e investimentos – foram 23,6% menores que em igual período de 2018. Até despesas de manutenção de unidades de saúde e de serviços de atendimento do Samu foram podadas. Nos últimos dias o presidente falou de falta de recursos até para combate a incêndios na Amazônia.
Uma economia mais viva teria reduzido o aperto. Mas o governo desprezou, até há pouco, a ideia de estímulos de curto prazo. Esses estímulos são, de fato, insuficientes para um crescimento maior e sustentável. Mas isso de nenhum modo justifica a inércia quando há 13 milhões de desempregados e se projeta crescimento econômico próximo de 1% pelo terceiro ano ou até menor.
O governo parece ter descoberto seu erro. Se tivesse agido bem antes, a travessia de 2019 seria muito menos penosa. Seria mais fácil atingir um déficit primário menor e, como consequência, controlar um pouco mais a expansão da enorme e muito custosa dívida pública.
A aprovação da reforma da Previdência, muito importante, será provavelmente o único avanço no rumo do ajuste, neste ano. O resto é só esforço para fechar as contas sem superar R$ 139 bilhões de déficit primário. O governo deve ter descoberto o irrealismo da promessa inicial de zerar o déficit primário. Mas foi irrealista em todo o resto, com enorme custo para quem depende de emprego para comprar comida.
26 de agosto de 2019 | 03h00
Na quinta-feira passada, formou-se maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar inconstitucional a permissão de diminuir a carga horária com a proporcional redução de salários de funcionários públicos, tal como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal como forma de enfrentar situações de grave desequilíbrio das contas públicas. Uma vez que a Carta Magna não prevê expressamente essa possibilidade, a maioria dos ministros entendeu que, por força do princípio da irredutibilidade dos vencimentos, uma lei não pode criá-la.
Preocupada em assegurar que esse limite seja de fato respeitado, a Constituição previu medidas drásticas para a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Havendo risco de ultrapassar tal limite, o ente federativo deverá – trata-se de uma ordem constitucional, e não mera possibilidade – reduzir as despesas com cargos em comissão e funções de confiança em pelo menos 20% e exonerar servidores não estáveis.
Aprovada após a EC 19/1998, a Lei de Responsabilidade Fiscal previu uma medida mais branda que a exoneração de servidores. “É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”, estabeleceu a Lei Complementar 101/2000.
Com isso se forneceu aos Estados e municípios mais um caminho para que fosse respeitado o limite constitucional dos gastos com pessoal. Em determinadas situações, já não seria necessário demitir servidores por causa do desequilíbrio fiscal. Bastaria diminuir as despesas do ente federativo mediante a redução temporária da carga horária, com a correspondente diminuição do salário.
Pois bem, a maioria do Supremo entendeu que tal redução de carga horária é inconstitucional. Tem-se, assim, um sistema ilógico. Por uma questão fiscal, pode-se demitir o funcionário público. Esse ponto não estava em discussão, já que a Constituição o prevê expressamente. No entanto, para a maioria dos ministros do STF, não se pode reduzir o salário, mesmo quando se diminua a carga horária de trabalho.
O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, foi voto vencido. “Não seria razoável impedir ao legislador a criação de um caminho intermediário que preservasse a garantia maior, que é a estabilidade, por meio de uma relativização temporária e proporcional de uma garantia instrumental, a irredutibilidade de vencimentos”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes, cujo voto foi acompanhado integralmente pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
A Constituição não é um conjunto desconexo de normas. Ela dá forma e organiza todo o Estado. E, ao fixar os princípios que devem nortear o poder estatal, a Carta Magna reconhece a importância fundamental do equilíbrio das contas públicas. Como guardião da Constituição, o STF tem o papel de zelar pela efetividade de suas normas, promovendo – e não dificultando – a aplicação de medidas que assegurem a responsabilidade fiscal. A permissão de redução da carga horária e, consequentemente, de salários de servidores públicos prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal era uma clara ajuda para que o art. 169 da Carta Magna seja de fato cumprido. Não faz sentido, portanto, declará-la inconstitucional.
24 de agosto de 2019 | 03h00
A expectativa de novo corte dos juros foi reforçada quando o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se referiu a “riscos significativos” associados ao comércio internacional e à economia global, já em desaceleração. O presidente Donald Trump, no entanto, cobra mais do Fed e ainda perguntou, também ontem, se o maior inimigo do país seria o presidente chinês, Xi Jinping, ou Jerome Powell.
Também se espera um afrouxamento da política do Banco Central Europeu (BCE), já muito suave. Além de criar melhores condições de financiamento, a ação das duas mais importantes autoridades monetárias do mundo capitalista poderá atenuar, nos próximos meses, o risco de uma queda maior da atividade econômica.
A economia americana tem crescido e o desemprego é baixo, mas há sinais de menor atividade industrial e de redução do investimento produtivo. A inflação, ainda muito baixa, aproxima-se da meta de 2% ao ano. Embora o quadro geral ainda seja satisfatório, o cenário poderá piorar se houver uma nova intensificação do conflito comercial entre China e Estados Unidos.
O presidente Donald Trump prometeu novas medidas contra importações de produtos chineses, como resposta à anunciada imposição de maiores tarifas a US$ 75 bilhões de bens americanos por Pequim. As tensões entre as duas maiores economias dominaram os mercados no último pregão da semana. No Brasil, a bolsa de valores caiu, acompanhando o movimento internacional, e o dólar subiu, como em todo o mundo, atingindo R$ 4,13 no meio da tarde.
Jerome Powell vive uma situação particularmente difícil, pressionado e criticado publicamente, e com palavras cada vez mais duras, pelo presidente americano, Donald Trump, responsável por sua indicação para o Fed e que se mostra decepcionado e até indignado, como se o presidente do Fed lhe devesse fidelidade, talvez gratidão e certamente obediência.
Dirigentes do banco central dos Estados Unidos, no entanto, têm por lei autonomia operacional e mandato maior que o do presidente da República. O presidente da instituição só tem de prestar contas, periódica e publicamente, ao Congresso.
Em discurso no encontro anual de bancos centrais em Jackson Hole, Powell lembrou enfaticamente a função legal do Fed: favorecer a obtenção do maior nível de emprego compatível com a estabilidade monetária, vinculada a uma política de metas para os preços. A função vem sendo cumprida e o duplo objetivo tem de continuar guiando a política.
Não é papel do Fed, observou Powell, cuidar de comércio, atribuição do Congresso e do Executivo. Foi uma resposta indireta a Trump. Este vem acusando o governo chinês de depreciar o yuan para tornar os produtos da China mais baratos. Juros menores – este é um argumento implícito – poderiam facilitar a depreciação do dólar e ajudar as empresas americanas. Powell acenou, no entanto, com a possibilidade de ação mais firme do Fed se o emprego e a atividade ficarem comprometidos.
A autonomia, um dos ativos mais preciosos do Fed e de outros bancos centrais, é um importante fator de credibilidade. O Fed será severamente prejudicado se houver sinais de rendição a Trump.
No Brasil, a autonomia operacional do Banco Central ainda está para ser votada. Se o presidente Jair Bolsonaro de novo se inspirar em Trump, seu guru, poderá atrapalhar seriamente a imagem e o trabalho da autoridade monetária. O Brasil já pagou muito caro por intervenções desse tipo.
22 de agosto de 2019 | 03h00
Desde que o Congresso aprovou o projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade, tem havido uma saraivada de críticas afirmando que a nova lei seria revanchista, desequilibrada e perigosa para o bom funcionamento da Justiça. Tal oposição não apenas ignora o conteúdo do projeto de lei. As críticas ignoram o fato insofismável de que a nova lei tem uma característica única. É simplesmente impossível que ela seja interpretada enviesadamente, de forma a dificultar a ação dos juízes e procuradores, pela simples razão de que os intérpretes da nova lei serão os próprios juízes e os membros do Ministério Público.
Vale a pena refletir sobre tal argumentação. Quando se critica esse tipo penal - que é uma elementar medida de respeito à liberdade de todos os cidadãos, consequência direta de um Estado Democrático de Direito que zela pelas garantias individuais -, a rigor o que se está postulando é que nunca se poderia, com um mínimo de certeza, dizer que numa determinada situação o juiz não tem poderes para decretar a prisão de alguém. Tal crítica é uma insidiosa apologia do abuso de poder, ao afirmar que nunca se poderia detectar, com um mínimo de segurança, um caso de abuso.
A crítica ao projeto de lei ignora o fato de que será um juiz a julgar se houve abuso de autoridade na decretação de prisão. Não há risco de que ela seja utilizada para criminalizar a atividade honesta de juízes e promotores. O perigo real é o oposto, de não ser aplicada com o devido rigor.
Mais aberto e passível de interpretações abusivas é, por exemplo, o crime previsto no art. 331 do Código Penal - desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Continuamente, todo cidadão está sujeito a ser vítima de uma interpretação abusiva desse tipo penal, sendo, por exemplo, denunciado pelo crime de desacato numa situação de mero exercício da liberdade de expressão. Infelizmente, a esse respeito, não se veem muitos juízes e promotores defendendo uma interpretação mais segura e mais próxima ao texto da lei. E menos ainda protestando contra a própria lei, que pode colocar em risco a liberdade dos cidadãos.
Nas críticas ao projeto de lei sobre abuso de autoridade, observa-se um seletivo rigorismo. Os tipos penais seriam muito abertos, passíveis de más interpretações, expondo juízes e promotores a pressões ilegítimas. Mas não se vê tal rigor sendo aplicado, por exemplo, com o projeto das Dez Medidas Anticorrupção ou com o chamado Pacote Anticrime, proposto pelo ministro Sergio Moro. Fossem utilizados os mesmos pesos e as mesmas medidas, esses projetos - deliberadamente dúbios e amplos, que expõem os cidadãos aos mais diversos achaques - não ficariam em pé. Uma maior igualdade no tratamento da legislação penal e processual penal pode trazer mais racionalidade, equilíbrio e justiça para todo o sistema de Justiça.
O Legislativo foi cuidadoso com o projeto de lei do abuso de autoridade. “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, diz o art. 1.º. Ao ignorar o conteúdo aprovado e tecer críticas infundadas, o que se vê é a tentativa de manter a impunidade do abuso de autoridade. Tal desequilíbrio não cabe no Estado Democrático de Direito.
21 de agosto de 2019 | 03h00
Essencial, sim, mas insuficiente para movimentar a economia: com uma clareza e uma sinceridade raras no discurso oficial, o secretário especial da Previdência Social, Rogério Marinho, apontou a importância e a limitação da reforma das aposentadorias. Notável pela franqueza e pelo realismo, esse lembrete é especialmente oportuno quando o Brasil, no oitavo mês de um novo governo, continua com uma das maiores taxas de desemprego do mundo, negócios travados e perspectiva de crescimento econômico inferior a 1% neste ano. “Não será a reforma previdenciária que vai gerar emprego, renda e oportunidades no Brasil”, comentou o secretário Marinho em audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Esse governo, agora, anuncia o lançamento de um plano de estímulo ao consumo numa “Semana do Brasil”, no começo de setembro. Será, na melhor hipótese, uma forma de reanimar o varejo e, por tabela, a produção industrial. Bastará uma semana de compras para algum resultado relevante? Além disso, de onde sairá o dinheiro?
Se a adesão se prolongar, o efeito poderá ser maior, mas o resultado geral será, quase certamente, ainda limitado. De toda forma, a ideia de maior consumo na “Semana do Brasil” é mais uma evidente improvisação, associável mais facilmente à política de comunicação do que a um calculado exercício de política econômica.
Mas por que o governo teria decidido entrar nesse jogo neste momento? Não foi, certamente, por causa da situação assustadora de 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados. Nunca houve até agora, da parte do presidente ou dos chefes da equipe econômica, sinal de preocupação com essas pessoas ou com seus familiares.
A explicação mais provável é outra. O presidente Jair Bolsonaro tem mencionado a inquietação de ministros com a falta de dinheiro. Ele falou até de uma hipótese de severa redução das atividades na área militar. Então, talvez alguém próximo da Presidência tenha lembrado um detalhe esquecido ou pouco valorizado no Palácio do Planalto e em muitas áreas do Executivo: há um vínculo entre o marasmo econômico e a escassez de dinheiro à disposição do governo. Sem produção, sem vendas e sem emprego, impostos e contribuições tendem a sumir. Bingo! Essa explicação poderia ser uma pista útil.
Talvez seja simples casualidade, mas a coincidência é interessante. Diante da miséria do Tesouro, o governo decidiu deixar de lado as considerações sobre a capacidade voadora dos galináceos e buscar medidas de curto prazo para dar um tranco na economia.
Mudanças estruturais serão necessárias, como todos sabem, mas é preciso cuidar dos sinais vitais até lá. O plano inicial de liberar dinheiro do FGTS e do PIS-Pasep foi o primeiro sinal de rendição aos fatos prosaicos. A ideia do consumo patriótico, embora mais propagandística, foi um passo além.
As famílias ainda estão muito endividadas, pelos padrões brasileiros, e talvez se mantenham muito cautelosas, diante das péssimas condições do emprego. Além disso, pouco dinheiro será liberado pelo governo em setembro e nos meses seguintes. Melhor que nada, mas é preciso algum otimismo para apostar num resultado sensível. Mesmo com resultado modesto, a iniciativa pode render algum fôlego à economia até surgirem condições para um arranque mais forte.
Isso ocorrerá se o governo mostrar, na política econômica, muito mais competência do que demonstrou até agora. Com mais competência e menos desprezo às pessoas, medidas de estímulo teriam sido tomadas no primeiro semestre.
18 de agosto de 2019 | 03h00
Não há muito o que comemorar no conjunto de dados sobre o desemprego divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto mostram um recuo de 0,7 ponto porcentual na taxa de desocupação entre o primeiro e o segundo trimestre do ano e de 0,4 ponto em relação ao segundo trimestre do ano passado, fechando em 12%, as estatísticas do segundo trimestre indicam que o desemprego e o subemprego estão se transformando em condição permanente para uma parcela cada vez maior da população.
A tendência de crescimento dessa parcela de desempregados vem se verificando desde 2015, mas o salto atual é especialmente expressivo. Entre os que estão procurando emprego há mais de um e menos de dois anos, houve aumento de 80,2% em relação a 2012. No mesmo período, o contingente dos que procuram emprego sem sucesso há mais de um mês e menos de um ano cresceu 52,5%.
Outros dados da pesquisa corroboram essa dramática constatação. Dos desempregados no segundo trimestre, 55,5% tinham concluído pelo menos o ensino médio. Ou seja, mesmo alcançando algum grau de instrução, essa parcela da população tem dificuldade para encontrar trabalho. Tal falta de perspectiva certamente colaborará de maneira decisiva para o aumento do contingente de desalentados - formado pelos que não procuraram emprego no período de referência da pesquisa por se considerarem muito jovens, muito idosos ou pouco experientes, ou ainda por acreditarem que não encontrarão oportunidade de trabalho. Os desalentados chegaram a 4,9 milhões de pessoas, que representam 4,4% da força de trabalho, recorde na série histórica, segundo o IBGE.
Com isso, consolida-se a exclusão praticamente definitiva de uma parcela cada vez maior da população do mercado de trabalho, por significativa falta de condições de disputar as poucas vagas disponíveis. Dos 37,9% de brasileiros em idade de trabalhar que não procuram emprego (e, portanto, não entram na estatística de desemprego), nada menos que 52,2% não tinham concluído nem sequer o ensino fundamental. São pessoas que só terão alguma renda se tiverem assistência do Estado. Não por outra razão, pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados de emprego e renda do primeiro trimestre constatou que em 22,7% dos domicílios no País não há um único morador com renda gerada pelo trabalho. Eram 19% no início de 2014, e a tendência é de que a alta continue.
Somando-se os desempregados e os subutilizados - isto é, que trabalham menos do que gostariam e poderiam -, chega-se a 24,8% da força de trabalho. Como o governo federal ainda não tomou nenhuma medida efetivamente capaz de estimular a geração de empregos no País, os brasileiros que integram esse contingente se viram como podem. Nada menos que um quarto da população ocupada era de trabalhadores por conta própria. Não se trata, obviamente, de algum surto de empreendedorismo no Brasil, e sim de recurso desesperado a atividades de baixíssima e incerta remuneração, num mercado de trabalho cada vez mais seletivo e desafiador.
Trata-se de um desastre social de proporções ainda desconhecidas. Portanto, está mais do que na hora de o presidente Jair Bolsonaro começar a acreditar nos números que lhe mostram a dura realidade da conjuntura nacional sob seu governo e deixar de ser indiferente ao padecimento dessa crescente massa de brasileiros sem perspectiva de trabalho.
17 de agosto de 2019 | 03h00
Pelo 17.º trimestre consecutivo a desigualdade de renda cresce no Brasil. Trata-se do ciclo mais longo da história do País. Segundo o Índice de Gini, o indicador mais reputado na matéria, o crescimento da desigualdade entre 2014 e 2019 seguiu um ritmo similar ao da queda entre 2001 e 2014, um período histórico de redução da desigualdade. É o que demonstra o estudo Escalada da Desigualdade, coordenado pelo professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
Entre 2015 e 2017 a população de pobres – isto é, das pessoas que vivem com menos de R$ 233 por mês – aumentou de 8,3% para 11,1% da população total, cerca de 23 milhões de pessoas. São 6,2 milhões de brasileiros que caíram na linha da pobreza.
Para piorar, não só os pobres perderam mais renda, mas, dentre eles, os que mais sofreram foram os menos instruídos e, sobretudo, os jovens – de todos os segmentos sociodemográficos, o mais depauperado. Entre os jovens de 20 e 24 anos a perda de renda foi de 17,76%. Entre os analfabetos foi de 15,09%. Além disso, também tiveram redução de renda pelo menos duas vezes maior que a da média geral os moradores das Regiões Norte (13,08%) e Nordeste (7,55%) e as pessoas de cor preta (8,35%). Entre os grupos menos favorecidos, o único que teve aumento de renda foi o das mulheres (2,22%), enquanto os homens perderam em média 7,16% de sua renda. O diferencial feminino, segundo a pesquisa, é ter mais escolaridade, um fator decisivo para a manutenção ou incremento da renda neste período recessivo.
Sem dúvida nenhuma, a principal alavanca para o crescimento da desigualdade e para a queda do poder de compra das famílias brasileiras foi a escalada do desemprego, que, como se viu, afetou especialmente os jovens e menos escolarizados. Como revelam os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego de longa duração, ou seja, o daqueles trabalhadores que buscam uma vaga há mais de dois anos, nunca foi tão alto, atingindo 3,347 milhões de brasileiros. Neste cenário, aumenta também a taxa de desalento, isto é, a daqueles desempregados que já desistiram de buscar uma vaga. Hoje já são quase 5 milhões.
Todos estes dados são particularmente trágicos, pois mostram que, mesmo numa eventual retomada do crescimento econômico, com consequente aumento nas ofertas de emprego, aqueles que terão mais dificuldade de se reinserir no mercado e restabelecer sua renda são justamente os jovens e os menos instruídos: os primeiros por terem menos experiência e os segundos por terem menos qualificação.
Ante este cenário, fica claro que meros programas de retomada econômica, mesmo se bem-sucedidos, não serão suficientes para sanar as desventuras de uma população cada vez mais pobre e desigual. Será necessário suplementar as medidas gerais com mecanismos específicos de reintegração dos mais afetados. Além de revigorar programas de apoio à subsistência, será preciso investir tempo, recursos e esforços na capacitação daqueles cada vez mais marginalizados no mercado de trabalho. A não ser assim, mesmo havendo crescimento econômico, ele não será suficiente para vencer a pérfida progressão da desigualdade.
15 de agosto de 2019 | 05h48
A aprovação, pela Câmara, do texto-base da Medida Provisória 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, é bastante positiva para o País, não apenas pelas medidas nela contidas, mas principalmente por recolocar em destaque na agenda política o tema dos entraves ao empreendedorismo no Brasil.
Depois de intensa negociação, a maioria dessas mudanças – que incluiu também alguns “jabutis”, isto é, artigos que nada tinham a ver com o objeto da MP – foi retirada do projeto a ser votado, reduzindo de 53 para 33 o número de artigos. Esse enxugamento, que facilitou a aprovação por larga margem (345 votos a favor e apenas 76 contrários), foi realizado depois de intervenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que conduziu as conversas com o relator, o governo e sindicalistas. “O que importa é o que ficou, estamos salvando a MP”, disse o relator Goergen, referindo-se ao fato de que a manutenção do impasse poderia acarretar a caducidade da medida, cujo prazo vence no próximo dia 27.
Todas essas providências, de uma forma ou de outra, atendem a antigas reivindicações do setor produtivo. Por isso, o discurso do governo, como não poderia deixar de ser, é otimista. O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, disse que a MP da Liberdade Econômica deverá gerar 3,7 milhões de empregos nos próximos dez anos.
De fato, é o que esperam ansiosamente os 25 milhões de brasileiros desempregados, subempregados ou desalentados. No entanto, as medidas previstas na MP da Liberdade Econômica apenas arranham os imensos obstáculos à livre-iniciativa, que colocam o Brasil na vergonhosa 109.ª posição, entre 190 países, no mais recente relatório do Banco Mundial que mede a facilidade para fazer negócios, o Doing Business.
A enorme burocracia para que as empresas preencham formulários e paguem seus impostos, por exemplo, só deverá ser enfrentada numa reforma tributária. Outro aspecto ainda a ser tratado em outra oportunidade é o da concessão de alvarás, um sistema labiríntico de cartórios e órgãos governamentais que inferniza quem pretende abrir um negócio ou construir um prédio. Já é um avanço que a MP da Liberdade Econômica tenha livrado desse pesadelo ao menos as empresas de baixo risco, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que o Estado deixe de criar dificuldades injustificadas para quem pretende empreender. O crescimento pífio da economia, que tende a ampliar a chaga do desemprego, é motivo mais que suficiente para que o governo faça da liberdade econômica muito mais do que apenas um slogan.
14 de agosto de 2019 | 03h00
Blindar a Receita contra pressões políticas é a desculpa do governo para mexer de novo na configuração do Executivo, um exercício até agora desastrado e sem o mínimo benefício para a administração. A nova ideia é converter a Receita Federal em autarquia, com modelo semelhante ao de uma agência reguladora. Enquanto estuda a mudança, o Ministério da Economia prepara a transferência do Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, para o Banco Central (BC). O destino do Coaf, órgão conhecido principalmente pelo combate à lavagem de dinheiro, tem estado em discussão desde o começo do mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Não basta mencionar pressões políticas – do Judiciário, do Legislativo ou de outra fonte – para justificar essa reconfiguração do Executivo. Falta competência para enfrentar essas dificuldades? Faltou competência para garantir o bom funcionamento do Coaf? O caso deste órgão é um claro exemplo dos problemas administrativos do atual governo.
Ao mesmo tempo, o presidente cuidou de transferir o Coaf para o Ministério da Justiça, entregue ao ex-juiz Sergio Moro. O objetivo, segundo a desculpa oficial, era tornar mais eficiente o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Mas o Coaf, anteriormente subordinado à Fazenda, havia cumprido bem essa função. A tentativa foi anulada no Congresso e o conselho retornou ao Ministério da Economia, outra criação do novo governo.
O presidente do BC declarou-se a favor da transferência do Coaf para seu território, mas nenhuma justificativa clara foi apresentada para a fusão das funções fiscalizadoras próprias do BC e as do conselho.
A mera mudança de endereço e de subordinação será insuficiente para eliminar problemas políticos e conflitos em torno da operação da Receita e do Coaf. Se de fato ocorrem os abusos denunciados até agora, certamente continuarão ocorrendo. Nem os congressistas se acomodarão nem os membros do Judiciário ou de quaisquer outros órgãos deixarão de agir, se encontrarem argumentos para denunciar excessos de autoridade, perseguições e jogadas políticas. As chefias mais altas desses órgãos poderão mudar, mas dificilmente se poderá substituir com urgência o corpo técnico.
Se o presidente Bolsonaro e sua equipe têm motivos para sentir-se incomodados, o caminho a seguir é claro: mostrar competência administrativa, cobrar respeito a regras, propor regras mais precisas e claras, se forem necessárias, e defender política e legalmente a atuação da Receita e do Coaf, quando isso for necessário.
Para isso o Executivo terá de mostrar competência administrativa e política. O presidente precisará trabalhar tendo em vista o País, em vez de prolongar o espetáculo encenado dia a dia – e já cansativo – apenas para seus apoiadores mais entusiasmados e menos críticos. Com um pouco mais de governo o Brasil poderia ter tido, por exemplo, um desempenho econômico menos miserável que o do primeiro semestre.
12 de agosto de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro se valeu das redes sociais para compensar a baixa exposição de sua candidatura à Presidência da República no ano passado por meios ditos tradicionais, como as propagandas no rádio e na TV.
Essa aguerrida base de apoiadores virtuais, cujo tamanho varia a depender de quem realiza a contagem, serve ao presidente como uma caixa de ressonância para os seus interesses imediatos, que tanto podem ser a defesa de algum projeto do governo como o ataque a seus críticos. Particularmente em relação a esta segunda “atribuição”, por assim dizer, a rede virtual de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro é implacável. Qualquer instituição, órgão, homem ou mulher que emitam algum tipo de crítica ao “mito”, façam-lhe reparos ou apontem suas incoerências serão alvo de uma campanha de desqualificação que ultrapassa, e muito, o limite do que seria um debate democrático entre grupos sociais antagônicos.
O Estadão Verifica, núcleo de checagem de fatos do Estado, constatou a falsidade total ou parcial das informações que circularam amplamente por meio de redes sociais sobre pessoas que foram alvos de Jair Bolsonaro em sua recente erupção verborrágica.
Quando o presidente Jair Bolsonaro desqualificou publicamente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e seu então presidente, Ricardo Galvão, classificando como “mentirosos” os dados colhidos pelo instituto a respeito do desmatamento da Amazônia, a rede bolsonarista na internet logo fez circular o “depoimento” de um suposto médico do Amazonas que contestava aqueles dados científicos. As informações contidas na fala do tal médico, evidentemente, eram falsas, apurou o Estadão Verifica.
Em uma mesma ocasião, um café da manhã com a imprensa estrangeira, no dia 19 de julho, o presidente mentiu sobre o passado da jornalista Miriam Leitão, dizendo que teria sido presa a caminho da guerrilha do Araguaia, e disse que “daqueles governadores ‘de paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem de dar nada para esse cara”. Ato contínuo, a milícia digital a serviço de Bolsonaro nas redes sociais fez circular a hashtag #MiriamLeitãoTerroristaSim e divulgou a informação de que o governador Flávio Dino (PCdoB) trocou a bandeira do Brasil de seu gabinete pela bandeira do partido comunista. Mais uma vez, as alegações foram desmentidas pelo Estadão Verifica.
Há vários outros casos que seguem o mesmo padrão. Eles revelam, antes de tudo, que o presidente da República e seus apoiadores mais radicais não sabem debater no mundo dos fatos, optando pela ilusão de que a permanente construção da fantasia lhes bastará para impor sem contradita a versão oficial do que quer que seja.
Há o desgaste desse próprio modo de atuação, que recorre à mentira com contumácia e, pouco a pouco, ficará cada vez mais restrito às bolhas fanatizadas que orbitam em torno do governo. Há o amadurecimento da sociedade, que haverá de superar o impacto da transformação trazida pelas redes sociais e saberá distinguir o falso do verdadeiro. E haverá sempre a tradicional imprensa profissional a desmentir mentiras e a publicar aquilo que se quer manter escondido.