29 de agosto de 2019 | 03h00
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular a condenação do ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine, por considerar que houve cerceamento do direito de defesa, manifesta o quão problemático pode ser a importação, sem os devidos cuidados, da figura da colaboração premiada para o processo penal brasileiro. É urgente que o Congresso revise e aprimore a legislação sobre a delação.
No caso analisado pelo STF, o então juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ao concluir a instrução processual, abriu prazo comum para que os réus apresentassem suas alegações finais. A defesa de Aldemir Bendine pediu que seu cliente pudesse apresentar sua manifestação após os réus colaboradores, o que foi negado pelo juiz.
O Código de Processo Penal, que é anterior à importação da figura da delação, não prevê a distinção de prazo entre as alegações finais de réus colaboradores e as de não colaboradores. A lei estabelece simplesmente que a defesa tem direito a apresentar suas alegações finais após a acusação. O assunto não é simples, seja porque uma delação pode não trazer conteúdo acusatório contra outros réus naquele processo – não havendo motivo para prazos diferentes –, seja porque o réu colaborador também tem direito à defesa – e eventualmente as alegações finais do réu não colaborador podem afetar negativamente o réu colaborador.
O ponto incontestável é que a delação, tal como foi introduzida no Direito brasileiro, afeta nevralgicamente o direito ao contraditório, o que parece não ter sido levado em consideração no momento em que se incorporou a figura da colaboração premiada à prática local. Basta ver que, ao contrário de outros países, aqui a delação pode ser feita em qualquer momento do processo penal – o que é um evidente contrassenso. Uma ação penal, seja qual for o seu estágio, pode ter sua dinâmica profundamente modificada em virtude da delação de um dos réus, o que envolve diretamente o direito de defesa dos outros réus.
A delação pode ser muito eficaz como instrumento de investigação, mas é necessário não ignorar os muitos efeitos que ela traz para o processo penal. Vale lembrar que a delação nasceu num sistema de justiça completamente diferente do brasileiro, com outros princípios e procedimentos. Daí a importância de um exame cuidadoso sobre as consequências da colaboração premiada no Direito brasileiro, aprimorando suas regras.
Se a decisão da Segunda Turma do STF joga luz sobre um problema ainda não bem resolvido – os efeitos da delação sobre o direito ao contraditório –, a reação de membros da Lava Jato à decisão do Supremo põe também a descoberto outro grande equívoco. A Lava Jato não é uma instituição de poder. Ela é uma estrutura administrativa, composta de funcionários públicos que devem cumprir suas atribuições funcionais. Não lhes cabe exercer pressão política ou colocar a opinião pública contra o Judiciário. Além do mais, o argumento de que a decisão do STF pode conduzir a uma série de nulidades de outras ações só reforça a importância de os processos e investigações serem conduzidos estritamente dentro da lei. Quando a Justiça precisa anular trabalhos mal feitos, o problema não é da Justiça, e sim de quem não seguiu o bom Direito.