07 de setembro de 2019 | 03h00
São tempos de fato esquisitos. O estrito cumprimento de uma competência privativa do presidente da República – a indicação de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República – foi visto por alguns procuradores como uma afronta à autonomia do Ministério Público da União (MPU). A crítica em razão de a escolha do presidente Jair Bolsonaro não ter recaído sobre um dos três nomes apresentados por uma entidade privada indica a confusão instalada na cabeça de quem, por ofício, tem o dever de zelar pela ordem jurídica.
A Carta Magna também define quais as condições que o presidente da República deverá seguir nessa indicação. “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, estabelece o art. 128, I da Constituição.
Trata-se de um verdadeiro absurdo jurídico que, de tanto ser repetido, parece ter adquirido status de verdade. Não há nenhuma previsão legal para que o presidente da República fique restrito, na indicação do procurador-geral da República, à lista tríplice redigida pela ANPR. No entanto, alguns procuradores alardeiam precisamente o contrário, como se a escolha fora da lista desrespeitasse o Ministério Público. “A autonomia institucional do Ministério Público Federal corre claro risco de enfraquecimento diante da desconsideração da lista tríplice”, disse o subprocurador-geral Mário Bonsaglia ao Estado.
Esse raciocínio é perigoso, pois coloca em risco precisamente a autonomia do Ministério Público. Tendo em vista que a lei não prevê a tal lista tríplice da ANPR, restringir a escolha do procurador-geral da República à lista tríplice é sujeitar a instituição – que é órgão de Estado e deve servir a toda a sociedade – ao capricho de alguns de seus membros.
A autonomia do Ministério Público está precisamente em subordinar o seu funcionamento apenas à lei. E a lei leva muito a sério essa autonomia. Basta ver que a Constituição define que o procurador-geral da República só pode ser destituído antes do término do mandato mediante a autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
Nos últimos anos, no entanto, tem-se visto a insistente tentativa de capturar o Ministério Público para finalidades corporativas. E a manobra consiste, precisamente, em transformar a autonomia da instituição em sinônimo de irrestrita subordinação aos desejos de seus membros. Assim, em vez de ser uma instituição republicana, o Ministério Público adquire contornos de corporação de ofício, de sindicato. São realidades muito distintas.
O País precisa de um Ministério Público verdadeiramente autônomo, sujeito apenas à lei. Ele não deve estar subordinado a nenhum interesse particular – seja do presidente da República, seja de um grupo de procuradores, seja de uma entidade associativa. Apenas assim, sem nenhum cabresto imposto por manobras corporativas, é que o Ministério Público terá condições de cumprir sua constitucional incumbência de defesa da ordem jurídica. Aqui não cabem transigências.