31 de outubro de 2019 | 03h00
A palavra do presidente da República é forte no Brasil. Por duas vezes, em 1963 e 1993, os brasileiros afirmaram sua preferência pelo regime presidencialista nas urnas. Foi uma opção consciente por um tipo de líder claramente identificável como o fiel depositário dos anseios da sociedade, responsável último, no olhar do cidadão, por dar soluções para os graves problemas que afligem a Nação, como a pobreza e a desigualdade.
Por suas ações erráticas e por vezes irascíveis, o presidente Jair Bolsonaro tem comprometido esse patrimônio. Suas palavras mais espantam e desorientam do que inspiram. Revelam uma ciclotimia que desgasta o estoque de confiança que os brasileiros nele depositaram na eleição de 2018.
O ataque tolo às instituições democráticas – enquanto o País clama pelo atendimento de demandas urgentes – foi o penúltimo episódio envolvendo o presidente, seus filhos e as redes sociais. Por certo, haverá outros.
O presidente disse o óbvio ao Estado: ele, e não seus filhos ou quem quer que seja, é o único responsável pelo que sai publicado em seu nome nas redes sociais. Isso nem sequer precisaria ser dito. Mas ao mesmo tempo que assume uma responsabilidade que, de fato, é só sua, o presidente Jair Bolsonaro confessa-se irresponsável ao permitir que terceiros pouco qualificados tenham acesso aos seus canais de comunicação com a sociedade e, em última análise, destruam a dignidade da Presidência da República com as barbaridades que, dia sim, outro também, saem publicadas nas suas redes sociais.
Ao fim e ao cabo, o que se vê é a desconstrução paulatina da palavra do presidente. Pouco a pouco, as ofensas proferidas não terão qualquer impacto. E tampouco suas desculpas.
O presidente Jair Bolsonaro deveria estar ocupado em transmitir aos brasileiros os resultados concretos das viagens recém-concluídas a países da Ásia e do Oriente Médio. E, desse ponto de vista, ele tinha assuntos muito mais sérios a tratar do que a reles exploração de teorias conspirativas. Por exemplo, foi digna de nota a postura pragmática do presidente na China, principal cliente de nossas exportações. Um positivo contraste com as diatribes ideológicas vistas na campanha eleitoral e nos primeiros meses de governo. Igualmente pragmático foi o anúncio de investimentos, no Brasil, da ordem de US$ 10 bilhões feito pelo governo da Arábia Saudita, país conhecido tanto pela riqueza como pela dureza de seu regime. “Estou em viagem representando o Brasil. Não pretendo entrar em discussão sobre o que acontece lá dentro (na Arábia Saudita)”, disse Jair Bolsonaro ao Estado.
Não há um Jair Bolsonaro das redes sociais, um pai para seus filhos e um chefe de Estado e de governo. Aos olhos dos brasileiros, tenham votado ou não nele, há apenas o presidente da República, guardião da respeitabilidade e da honra nacionais. Já passou da hora de Jair Bolsonaro mostrar que, se não estava talhado para o cargo antes da eleição, é capaz de aprender a exercê-lo.