09 de janeiro de 2020 | 03h00
Mais uma grande safra de dólares será colhida em 2020 pelo agronegócio, setor de maior sucesso no comércio exterior, se nenhum desastre natural ou político atrapalhar as exportações. O risco político, o mais temível neste momento, está situado em Brasília, mais precisamente, na Presidência da República e nos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Nomes conhecidos e respeitados nas áreas da política agrícola, da pesquisa agropecuária e do agronegócio, incluído o ex-ministro Alysson Paulinelli, pedem ao governo muito cuidado em relação à crise até agora protagonizada pelos governos dos Estados Unidos e do Irã. O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil no comércio de alimentos, lembrou Paulinelli. “Temos muitos interesses lá.” Advertências como essa foram publicadas ontem pelo Estado. No mesmo dia o governo anunciou a expectativa de um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas – itens como soja, milho, algodão, arroz, feijão e trigo.
A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.
No Brasil, o agronegócio – o verdadeiro, com presença em todo o mundo – combina produtividade, competitividade e respeito à natureza. Essa característica foi reconhecida internacionalmente por muito tempo. A imagem brasileira começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros passaram a renegar os padrões internacionais do conservacionismo, a negar dados produzidos cientificamente e a rejeitar as ações tradicionais de preservação ambiental. Com esse comportamento, presidente e ministros comprometeram a imagem dos produtores brasileiros e deram argumentos a defensores do protecionismo comercial na Europa e em outras áreas.
Uma das tolices mais notórias foi a promessa de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Esse erro foi corrigido, mas o governo insistiu em continuar exibindo um ingênuo e custoso alinhamento às políticas do presidente Donald Trump. O governo voltou a tropeçar com a publicação, pelo Itamaraty, de uma nota de apoio à ação americana depois do assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Potências europeias, com peso geopolítico, econômico e militar muito maior, manifestaram-se de forma cautelosa e conciliadora, evitando alinhar-se a qualquer lado. Alertado por pessoas mais sensatas, especialmente militares, o presidente Bolsonaro decidiu ser cauteloso e evitar comentários.
Até aqui, ele tem agido como se desconhecesse alguns fatos de enorme importância para o Brasil. De janeiro a novembro o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 89,33 bilhões, soma equivalente a 43,4% de toda a receita comercial do País. Graças ao superávit do setor, de US$ 76,8 bilhões, o Brasil conseguiu no período um saldo comercial positivo de US$ 41,1 bilhões. O superávit comercial, embora em declínio, tem sido e continua a ser um importantíssimo fator de segurança para a economia brasileira. Além desses dados, alguém deveria mostrar ao presidente o peso comercial do Irã, comprador de bens no valor de US$ 2,1 bilhões até novembro e quinto maior importador de alimentos do Brasil. Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer esses fatos. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?